20/11/2022
Chão Urbano ANO XXII Nº 3 MAIO/JUNHO DE 2022
Editor
Mauro Kleiman
Publicação On-line
Bimestral
Comitê Editorial
Mauro Kleiman (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)
Márcia Oliveira Kauffmann Leivas (Dra. Em Planejamento Urbano e Regional) Maria
Alice Chaves Nunes Costa (Dra. Em Planejamento Urbano e Regional) – UFF Viviani de
Moraes Freitas Ribeiro (Dra. Planejamento Urbano e Regional IPPUR/UFRJ) Luciene
Pimentel da Silva (Profa. Dra. – UERJ) Hermes Magalhães Tavares (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)
Hugo Pinto (Dr. Em Governação, Conhecimento e Inovação, Universidade de Coimbra – Portugal)
Editora Assistente Júnior
Gabriela Hafner e Celine Santos de Andrade
IPPUR / UFRJ
Apoio CNPq
LABORATÓRIO REDES URBANAS LABORATÓRIO DAS REGIÕES METROPOLITANAS
Coordenador
Mauro Kleiman
Equipe
Gabriela Hafner e Celine Santos de Andrade
Pesquisadores associados
André Luiz Bezerra da Silva, Audrey Seon, Humberto Ferreira da Silva, Márcia Oliveira Kauffmann Leivas, Maria Alice Chaves Nunes Costa, Viviane de Moraes Freitas Ribeiro, Vinícius Fernandes da Silva, Priscila Loretti Tavares.
TEXTO
A problemática dos transportes pela modalidade Ônibus como forma de deslocamentos na metrópole do Rio de Janeiro e os constrangimentos para as camadas populares
Mauro Kleiman¹
¹ Prof. Titular da UFRJ
RESUMO
O artigo apresenta elementos sobre o quadro dos transportes por ônibus no contexto da metrópole do Rio de Janeiro. A modalidade de deslocamentos por ônibus tem apresentado uma situação de colapso e constrangimento para seu uso pela população de mais baixa renda. Aparece, assim sendo, uma redução significativa das possibilidades de se mover na cidade. Isto impacta mormente a população de mais baixa renda, muito dependente deste tipo de veículo e seus trajetos para seus deslocamentos moradia-trabalho-moradia e demais atividades. Fez aumentar o tempo de espera de ônibus, e, portanto, faz as viagens terem maior duração e a superlotação dos poucos veículos que seguem rodando, ou mesmo não é possível as viagens nesta modalidade automotiva se expandindo o uso de vans, ou se buscando mais o trem ou metrô (que também tiveram suas frotas reduzidas), fazendo uma concorrência aos ônibus, cujas empresas concessionárias reagiram com igual redução de frota, e mesmo extinção de linhas. Os mais pobres tiveram, assim sendo, reduzidas ou eliminadas suas possibilidades de movimentos diários. Ações recentes do município do Rio buscam alterar o quadro, mas os efeitos, até o momento, são parciais, com resultados maiores em áreas de maior renda, deixando às camadas populares fortes constrangimentos para seus deslocamentos
Palavras-chave: Constrangimentos, Mobilidade, Transportes, Camadas populares, Rio de Janeiro
ABSTRACT
The article presents elements about the framework of bus transport in the context of the metropolis of Rio de Janeiro. The mode of travel by bus has presented a situation of collapse and constraint for its use by the lower income population. There appears, therefore, a significant reduction in the possibilities of moving around the city. This mainly impacts the lower-income population, which is very dependent on this type of vehicle and its routes for their home-work-home and other activities. It has increased the waiting time for buses, and therefore makes the trips longer and the overcrowding of the few vehicles that continue to run, or even it is not possible to travel in this automotive modality by expanding the use of vans, or by seeking more train or subway (which also had their fleets reduced), competing with buses, whose concessionary companies reacted with an equal reduction in fleet, and even extinction of lines. The poorest had, therefore, reduced or eliminated their possibilities of daily movement. Recent actions by the municipality of Rio seek to change the situation, but the effects, so far, are partial, with greater results in areas of higher income, leaving the popular layers strong constraints for their displacements.
Keywords: Constraints, Mobility, Transport, Popular layers, Rio de Janeiro
Introdução
Os movimentos de deslocamentos num território se fazem, primeiro, pelo rompimento do estado de inércia através da cinética, pois se trata de partir de um ou vários pontos fixos em direção a novos pontos por caminhos, por vezes diversos, por diferentes modais. Ônibus é uma modalidade do modal automotivo, composto por eles, automóveis, motos, vans, de modo que não é possível separá-la das demais com as quais se articula e disputa espaço nos deslocamentos. Como no Rio de Janeiro a maior parte dos deslocamentos se faz por ônibus para a população de menor renda, seu quadro atual apresenta constrangimentos cada vez mais importantes para gerar dificuldades de mobilidade às camadas populares.
Então, devemos sublinhar a nossa noção das diferenças e articulações entre transportes e mobilidade. Mobilidade no espaço em suas diferentes e dimensões socioeconômicas só pode ocorrer se existirem meios de transporte. No entanto, existem meios de transporte que não possibilitam mobilidade, seja plena ou parcial. Transporte se correlaciona com deslocamento nos espaços físicos geográficos, é uma atividade/função da economia capitalista relacionada a correlação espaço/tempo, que procura vencer distâncias no menor tempo possível ao menor custo, movimentando cargas (quaisquer que sejam, como agrícolas, industriais, comerciais, entre outras) e a Força de Trabalho. O transporte como um dos elementos fundamentais da economia capitalista, como elo articulador entre as partes da produção e desta até chegar ao consumo, vem convocando a ciência para introduzir inovações tecnológicas na busca da redução máxima da correlação espaço/tempo. Mobilidade, por seu turno, traz um outro entendimento, para além dos deslocamentos físico-geográficos, que se fundamentam na ordem social pois se refere à capacidade dos indivíduos, e classes a que pertençam, de traspassarem, e em qual grau, as barreiras hierárquicas configuradas no território segregado do capitalismo, com as cidades configuradas com espaços especializados e divididos utilitariamente e socialmente. Depende-se, assim, para ter mobilidade, de características como nível de renda, recursos que se pode ter a partir dela de quantos e quais movimentos se podem fazer no território, possuir ou não veículo próprio, faixa etária, gênero, tipos de atividades desenvolvidas, rotinas individuais e/ou familiares e de redes de amizades, de colegas de trabalho, entre outras, que atingem esferas fora do escopo meramente técnico onde o transporte se configura, sendo, portanto, um recurso social. Supõe-se, desta maneira a existência de graus diferenciados de mobilidade, desde a impossibilidade de se movimentar, mobilidades parciais, até a mobilidade plena Mas a mobilidade dependera, claro também, de quais modais de transporte e seus desempenhos/capacidade/qualidade se apresentam no território. As relações entre transporte e mobilidade não se tratam, então, de uma mera questão de aritmética, de uma engenharia, mas de uma função social, ainda que dependa de técnicas. A capacidade de mobilidade é uma condição de participação no mundo urbano, mas que para efetivar-se precisa de um conjunto de fatores, como entre outros o nível de renda, a existência de modais de transportes coletivos e particulares e sua acessibilidade segundo o nível de renda. De modo que podem existir deslocamentos sem mobilidade.
A complexidade do quadro de transportes da metrópole do Rio de Janeiro e seus efeitos sobre a mobilidade
No Rio de Janeiro estão presentes os diferentes modais de transportes coletivos: ônibus, automóveis, motos, vans, kombis, trens, metrô, VLT, barcas. Contudo, não se tem integração entres estas veículos de deslocamentos, tendo graves problemas de operação e qualidade afetando, principalmente, a grande massa da população de menor renda, que deles dependem para seus movimentos diários, principalmente para suas atividades de trabalho, mas também como forma de terem a possibilidade de utilizar equipamentos coletivos de saúde, educação e cultura. Nosso estudo buscou repensar a ideia de que transportes seria algo restrito a uma técnica de engenharia separada das formas de ordenar as cidades para pensá-lo como recurso social de mobilidade como condição de participação com inclusão na cidade, reduzindo as desigualdades de deslocamentos e acesso às atividades, priorizando os transportes públicos e integrando-os o planejamento e desenvolvimento urbano. No Rio de Janeiro os deslocamentos para os mais pobres têm cada vez mais tempo de duração, e são feitos majoritariamente por ônibus com baixa capacidade de passageiros estando sempre superlotados e com veículos sem as mínimas condições de rodar e de conforto, ou por um sistema metro-ferroviário que não atende a demanda de deslocamentos. Não se percebe medidas plenas de busca de articulação entre os modais, que são entendidos, em geral, como estanques, e muito menos de um pensamento e ações visando articulá-los com a estrutura do território e o entendimento deste como uma região metropolitana com vistas a um planejamento integrado, nem ações para o monitoramento e avaliação de desempenho e qualidade. Neste sentido, se acredita que o transporte público seja pensado ajudem a amenizar ou mesmo superar as desigualdades de acessibilidade e mobilidade proporcionando uma democratização da utilização dos transportes através de uma equidade social que resulte numa cidade para todos, inclusiva a grande parcela da população mais pobre.
Tomando-se as bases conceituais que elencamos e trazendo-a para o território da metrópole do Rio de Janeiro, temos um caso sobre o qual podemos levantar algumas indagações. Isto porque, nesta metrópole face a existência de todos os modais possíveis de transporte (automotivo, ferroviário-metrô, trem, VLT- aquaviário, cicloviário), se tem a ratificação do modal automotivo em suas várias modalidades-autos privados, ônibus, BRT,BRS, vans, Kombis, mototáxis, taxis, Uber- com a opção pela modalidade ônibus como aquela aquele que segue o mais importante e prioritário meio de deslocamentos. Podemos, assim, indagar sobre qual grau de mobilidade face à esta modalidade teriam as camadas populares, que se trata da maior parte da população da metrópole.
O modelo de transportes que tradicionalmente privilegia os deslocamentos através da modalidade ônibus, com base em viagens atomizadas em milhares de veículos automotivos coletivos por ônibus tem representado um forte constrangimento aos deslocamentos das camadas populares no território da metrópole do Rio de Janeiro. Isto porque : i) tem frota antiga de veículos com pneus "carecas"; bancos soltos e rasgados; braçadeiras para apoio de viagens em pé soltas ou quebradas; portas que não fecham corretamente , e chegam a se abrir com veículo em movimentos( com vários acidentes relatados pela imprensa, incluso com óbito de passageiros arremessados para fora do veículo); freios e embreagens precárias ou até , em alguns casos inexistentes; insetos percorrendo os veículos , como baratas; falta de ar-condicionado; comércio ambulante dentro dos veículos, reduzindo ainda mais sua capacidade; assaltos; assédios a mulheres; a lista é interminável...;ii) frota reduzida;( vide artigo de Kleiman, 2022) iii)intervalos irregulares, fazendo com que o tempo de espera pde nº de ônibus e intervalos entre diferentes zonas da cidade, com maior nº e menor intervalo nas zonas Sul, Centro e parte da Norte do Rio, onde se localizam camadas de maior renda, e nos centros das cidades periféricas da metrópole, e deixando os deslocamentos nas zonas de menor renda com menos ônibus , e em alguns momentos dos dias sem veículos transitando, inclusive não tendo viagens aos domingos e feriados e mesmo aos sábados em bairros da zona oeste da cidade e centros e bairros da Baixada Fluminense, o que aumenta o tempo de viagens, ou as torna inexistentes; iv) super lotação dos veículos, por óbvio pela redução da frota ou irregularidade da passagem do transporte pelas paradas.
Mas anotamos algo que entendemos como tentativas ou ensaios de reordenações e modernizações, que buscam, pelo menos minimizar a situação, já que se observa sua ratificação como modalidade para deslocamentos.
A primeira perspectiva é a tentativa recente de modificar o modelo de remuneração das empresas concessionárias do transporte por ônibus: ao invés de serem remuneradas por quantidade de passageiros transportados, agora será por Km rodado, o que em tese, e verifica-se, em parte, induziria e seria do interesse dos empresários aumentar a frota de veículos nas ruas.
Dizemos, em tese, pois se de fato se verifica aumento da frota, e, portanto, redução do tempo de espera nos pontos e dos intervalos entre veículos, por ora isto está ocorrendo mais onde já existia uma frota maior, o que se explicaria porque aos empresários interessa a busca por demanda solvável, ou seja, onde se localizam os de maior renda; ainda ficando muito aquém da demanda as áreas de mais baixa renda no Rio e metrópole.
A segunda são as modificações para maior fluidez dos ônibus com as Faixas Exclusivas (BRS) e Corredores Expressos de Ônibus (BRT), que foram acompanhadas por medida regulatória que conduziu a uma concentração das inúmeras empresas antes existentes em apenas quatro Consórcios. O que, de resto, representa uma forma de oligopólio para o sistema, pois a cada um deles se reservou uma área do núcleo da metrópole (a cidade do Rio de Janeiro).
A terceira perspectiva é aquela das novas modalidades e formas de transporte automotivos como Vans, Kombis e Mototáxis, que surgem, inicialmente, como atividades individualizadas, informais e sem regulação estatal, e depois foram sendo formados grupos associativos, muitos dos quais ligados a organizações de “milicianos”(bombeiros e policiais militares ou ex-bombeiros e ex-policiais militares que “assumem” o papel de “segurança” contra os grupos de tráfico de drogas em determinadas áreas da metrópole e a partir daí começam a comercializar vários serviços como os de transporte por vans, kombis e mototáxi, taxi a preço fixo, gás em bujão, tv a cabo, etc.) ou a grupos do tráfico de drogas. Os governos do estado e as prefeituras das cidades da metrópole mais recentemente tem procurado regularizar estas modalidades como sendo “transporte alternativo” buscando lhes dar função de alimentadores das linhas de BRT. Os empresários de ônibus se queixam desta "concorrência" por estarem esvaziando seus veículos, o que os fez reduzirem suas frotas, e mesmo as alugarem ou venderem para outras cidades. De fato, ao invés de operarem como "alimentadoras" estas alternativas têm linhas sobrepostas às dos ônibus (algumas de forma ilegal), mas cumprem função que os ônibus não conseguem que é de "costurar" as ruas dos bairros fazendo os deslocamentos de "porta-porta" e ligando o formal ao informal.
Conclusão
O que este texto indaga é se a permanência da modalidade ônibus, parte do modal automotivo, na metrópole como o Rio de Janeiro, na situação em que encontra configura efetividade social de possibilidades de ofertar capacidade de mobilidade urbana, mormente à grande massa de baixa renda.
Em primeiro plano, se pode anotar que ao se continuar a privilegiar os deslocamentos, através do modal automotivo pela modalidade ônibus, as possibilidades de mobilidade para as camadas populares apresentam importantes restrições. Isto porque a base de deslocamentos por ônibus se fazem como atomizadas em milhares de veículos, que tiveram alta redução de frota; com reconhecida baixa capacidade de passageiros, má qualidade dos veículos( os ônibus são configurados sobre chassis de caminhão tornando a acessibilidade que exige esforço dado a altura para se alcançar seu interior, pneus e freios em mal estado de conservação, problemas mecânicos e de manutenção e limpeza, bancos quebrados, a maioria ainda sem ar-condicionado numa metrópole onde na maior parte do ano tem altas temperaturas e sensação térmica cada vez mais elevada, entre outros elementos) , apresentam intervalos muito largos entre um veículo e outro, com intermitências e irregularidades de horários e dificuldades de integrações intermodalidades automotivas e articulações física e tarifária com outros modais.
Em outro plano, o modelo que as empresas concessionárias utilizam ainda guarda como premissa a ideia de viagens com um só propósito em determinados horários fixos, pela manhã e tarde, dentro do pensamento pendular, reduzindo ou eliminando as viagens em outros horários, sem compreender, ou se interessar, e perceber que a dispersão das áreas de moradia da população, de empregos, de comércio e serviços, de atividades educacionais e de saúde, e as de lazer e esporte, conduz a necessidade de uma multiplicidade de deslocamentos em diferentes horários, que se conjuga ao fenômeno da configuração da metrópole do Rio de Janeiro estendida, aliada a um núcleo central histórico que permanece forte, e vários subcentros importantes (KLEIMAN,2008). Pelo contrário, a ideia vigente tem sido a resolução dos movimentos por ônibus, através do direcionamento da reduzida frota para sua “canalização” em poucos e determinados corredores-tronco onde preveem maior probabilidade de passageiros. O problema é que este acesso ao “corredor-tronco” impõe movimentos difíceis paras as camadas populares que devem sair do interior das localidades de moradia até eles sem ter muitas das vezes os meios-recursos e veículos próprios, ou mesmo coletivos, para concretizar-se.
Por outro lado, a eliminação de linhas, mormente nas áreas de menor renda tem deixado seus habitantes sem possibilidade de locomoção ao trabalho, educação, serviços públicos de saúde, compras...
Para os deslocamentos por ônibus se pode apontar algumas medidas e ações importantes para uma busca por sua reordenação deste tipo de transporte, embora sem um aparente planejamento, e sem efetividade para as camadas populares.
A primeira medida a anotar foi a implantação de Faixas Exclusivas (BRS) para ônibus, controladas por um sistema de radares, primeiro em avenidas da área de renda mais alta (Zona Sul), mas tem se estendido às demais áreas, para possibilitar maior fluidez dos veículos, com redução dos tempos de viagem, e das frotas, e igualmente da localização e redução das paradas, mas com a redução das frotas, ou eliminação de linhas esta ação pouco colabora com os mais pobres. Tem a faixa exclusiva, mas não os ônibus circulando nelas.
A segunda ação, trata-se da criação de Corredores Expressos de Ônibus (BRT), que tem como base a ideia de encapsular os ônibus em faixas segregadas, separado da circulação dos demais veículos automotores por barreiras físicas, com cruzamentos em níveis diferenciados, paradas no mesmo nível dos veículos, e compra antecipada do bilhete fora do ônibus. No entanto, os BRTs foram sendo implantados sem planejamento, e agora quando se definiram seus trajetos como “troncos” principais de deslocamentos, (KLEIMAN,2014) na ausência dos ônibus comuns nas áreas de menor renda fazem a superlotação desta modalidade, à qual a população de baixa renda tem dificuldades de chegar nas estações e quando conseguem embarcar estão num veículo sucateado com portas que não fecham, gente pendurada para fora do veículo com este em péssimo estado de manutenção com articulação adernada para a direção da pista, problemas ou inexistência de ar-condicionado, empurra-empurra, comércio ambulante, assédios, assaltos, brigas..
Por seu turno, não tendo ônibus ou só de vez em quando as vans e kombis e as mototáxis foram sobrecarregadas de suas funções e se tornaram a “solução” para a população mais pobre. Prestam-se à função de elo funcional articulador das áreas difusas da metrópole com seu Centro e subcentros, e funcionam principalmente para a circulação entre a parte formal e as partes informais (cidade-favela; cidade-loteamentos periféricos), ou intra-localidades populares. Por serem veículos de pequeno porte conseguem penetrar pela malha viária mesmo onde a acessibilidade seja mais difícil como nas favelas (com suas estruturas urbanísticas compostas por becos, vielas e escadarias), “costurando” trajetos por dentro dos bairros. As Vans têm servido, igualmente, para atender as ligações inter-localidades do “corredor” de cidades que tem se formado ao longo das rodovias de acesso ao Rio.
A opção pela modalidade ônibus, quando se apresenta seu quadro desolador como principal veículo de locomoção para a renda baixa, coloca a necessidade de uma reflexão sobre sua real capacidade de contribuir para a melhoria do grau de mobilidade urbana no território. Numa economia e sociedade de múltiplas atividades e origens e destinos multiplicados e complexos no tempo e no espaço, os deslocamentos da grande massa de camadas populares no Rio de Janeiro apresentam quais possibilidades para a realização de seus movimentos obrigatórios rotineiros e desejados por tal quadro?
Sobrepondo-se a modais ferroviários de transporte de alta densidade, com um precário sistema coletivo automotivo nas modalidades ônibus, vans e mototáxis, e um crescimento da utilização de automóveis particulares, o transporte na metrópole impõe constrangimentos para uma mobilidade urbana de grande parte da sua população de baixa renda. Os indivíduos do grupo social com maior renda conseguem, alcançar um leque mais amplo de atividades socioeconômicas e equipamentos coletivos, seja porque tem capacidade de renda para localizar-se mais próximo a de atividades e equipamentos, seja porque possuem os meios e veículos próprios para tal, seja porque tem como localizar-se nos eixos dos principais modais de transporte. Enquanto isto a maioria da população, que é de baixa renda, tem reduzidas possibilidades para resolver suas demandas de movimentos obrigatórios cotidianos ou desejados, considerando que na organização territorial da metrópole do Rio se localizam, na sua maior parte, em periferias cada vez mais distantes dos locais de emprego e equipamentos coletivos de saúde, educação e cultura, o que implica no aumento de percursos e tempos de viagens com má qualidade ou mesmo inexistência das viagens por ônibus, transportes coletivos com baixo grau de capacidade e frágil conexidade.
Pensamos, neste sentido, que, na verdade, se está atendendo aos interesses do oligopólio das empresas de ônibus da cidade-metrópole, pois a mudança de remuneração das empresas por quilômetro rodado, prevendo, em tese, que se colocassem mais ônibus nas ruas não se deu nas áreas de menor renda, pelo menos no mesmo grau que nas de maior renda, Se configura, então, um possível modelo operacional que o Estado está colocando para as empresas tende a aumentar os benefícios às empresas, reduzir seus custos de manutenção, propiciando possivelmente maior margem de lucro, para além daquele que já abarcam. Para o transporte por ônibus, que já eram totalmente concedidos às empresas privadas os preços, apesar de estarem sobre controle estatal passam a ser determinados por uma tarifação por quilômetro, gerando mais um custo público, mais um percentual de lucro para o setor privado. Como cada consórcio tem uma área como seu monopólio, são elas que, tendo reforçado seu maior peso político-econômico que induzem a definição das linhas e número de veículos em cada área, mantendo seu interesse e melhor serviço nas áreas de maior renda. Ao contrário, nas áreas de menor renda os deslocamentos seguem com piores condições com veículos com maior tempo de viagem.
Se trata de pensar na necessidade de uma inversão do foco da política de transportes atualmente mais voltada e restrita aos fatores da economia, incluso, e principalmente ao aspecto da lucratividade das empresas concessionárias do serviço, e dirigida pelos fatores técnicos como algo estanque à dinâmica do território, com sua articulação com o planejamento deste, para a dimensão social dos movimentos de deslocamentos por ônibus, no sentido de sua melhor adequação para servir às áreas mais pobres do Rio e sua metrópole, para uma equalização das possibilidades de acesso obrigatórios ou desejados para a grande massa das camadas populares que tem nos ônibus sua mais importante fonte de deslocamentos.
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