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Chão Urbano

Chão Urbano ANO XVII – N° 6 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017

21/02/2018

Integra:

 

 ANO XVII – N° 6 NOVEMBRO/DEZEMBRO  2017

 

Editor

Mauro Kleiman

 

Publicação On-line

Bimestral

 

Comitê Editorial

Mauro Kleiman (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)

Márcia Oliveira Kauffmann (Dra. em Planejamento Urbano e Regional)

Maria Alice Chaves Nunes Costa (Dra. em Planejamento Urbano e Regional) - UFF

Viviani de Moraes Freitas Ribeiro (Dra. Planejamento Urbano e Regional IPPUR/UFRJ)

Luciene Pimentel da Silva (Profa. Dra. – UERJ)

Hermes Magalhães Tavares (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)

Hugo Pinto (Dr. em Governação, Conhecimento e Inovação, Universidade de Coimbra – Portugal)

André Luiz Bezerra da Silva (Prof. do Instituto Benjamin Constant)

 

Editores Assistentes Júnior

João Gabriel Caciano e Letícia Rosa da Silva

 

IPPUR / UFRJ

Apoio CNPq

 

LABORATÓRIO REDES URBANAS

LABORATÓRIO DAS REGIÕES METROPOLITANAS

 

Coordenador Mauro Kleiman

 

Equipe

 João Gabriel Caciano e Letícia Rosa da Silva.

 

Pesquisadores associados

André Luiz Bezerra da Silva, Audrey Seon, Humberto Ferreira da Silva, Márcia Oliveira Kauffmann Leivas, Maria Alice Chaves Nunes Costa, Viviani de Moraes Freitas Ribeiro, Vinícius Fernandes da Silva, Pricila Loretti Tavares.

 

 

ÍNDICE

 

A prevalência e persistência da prioridade do modal automotivo como forma de deslocamentos na metrópole do Rio de Janeiro e seus efeitos para as camadas populares no território

 

Mauro Kleiman ...........................................................................................p. 03

 

 

 

 

 

 

A prevalência e persistência da prioridade do modal automotivo como forma de deslocamentos na metrópole do Rio de Janeiro e seus efeitos para as camadas populares no território

 

 

Mauro Kleiman ¹

 

¹ Prof Titular da UFRJ  

 

 

 

Resumo

 

O artigo trata da prevalência persistência da prioridade do modal automotivo como forma principal de deslocamentos na metrópole do Rio de Janeiro conduzindo a importantes constrangimentos a mobilidade das camadas populares. O texto, sob forma de ensaio exploratório, se baseia em pesquisas qualitativas sobre as dinâmicas dos processos em curso na metrópole, com base em pesquisa de campo, e análise de projetos executados ou em implantação de transportes, buscando fazer uma reflexão crítica sobre seus efeitos no território face a dimensão social. Como resultados apontamos que a prevalência e persistência do uso do modal automotivo como principal meio de deslocamentos na metrópole do Rio atende prioritáriamente aos interesses da fração do Capital voltada aos transportes que à grande massa das camadas populares que tem são mantidas sobre fortes constrangimentos à mobilidade.

 

Palavras chave: Modal Automotivo, Mobilidade restrita, Camadas populares, Rio de Janeiro

 

 

 

 

1.   Introdução - Mobilidade e Transportes: diferenças e articulações   

Ao se refletir sobre mobilidade urbana e transportes o primeiro elemento a ressaltar se trata das diferenças e articulações entre eles. Mobilidade no espaço em suas diferentes escalas e dimensões socioeconômicas só pode ocorrer se existirem meios de transporte. No entanto, existem meios de transporte que não possibilitam mobilidade, seja plena ou parcial. Transporte se correlaciona com deslocamento nos espaços físicos geográficos, é uma atividade/função da economia capitalista relacionada a correlação espaço/tempo, que procura vencer distâncias no menor tempo possível ao menor custo, movimentando cargas (quaisquer que sejam, como agrícolas, industriais, comerciais, entre outras) e a Força de Trabalho.

O transporte como um dos elementos fundamentais da economia capitalista, como elo articulador entre as partes da produção e desta até chegar ao consumo, vem convocando a ciência para introduzir inovações tecnológicas na busca da redução máxima da correlação espaço/tempo. Mobilidade, por seu turno, traz um outro entendimento, para além dos deslocamentos físico-geográficos, que se fundamentam na ordem social pois se refere à capacidade dos indivíduos, e classes a que pertençam, de traspassarem, e em qual grau, as barreiras hierárquicas configuradas no território segregado do capitalismo, com as cidades configuradas com espaços especializados e divididos utilitariamente e socialmente. Depende-se, assim, para ter mobilidade, de características como nível de renda, recursos que se pode ter a partir dela de quantos e quais movimentos se podem fazer no território, possuir ou não veículo próprio, faixa etária, gênero, tipos de atividades desenvolvidas, rotinas individuais e/ou familiares e de redes de amizades, de colegas de trabalho, entre outras, que atingem esferas fora do escopo meramente técnico onde o transporte se configura, sendo, portanto, um recurso social.

Supõe-se, desta maneira a existência de graus diferenciados de mobilidade, desde a impossibilidade de se movimentar, mobilidades parciais, até a mobilidade plena Mas a mobilidade dependera, claro também, de quais modais de transporte e seus desempenhos/capacidade/qualidade se apresentam no território. As relações entre transporte e mobilidade não se tratam, então, de uma mera questão de aritmética, de uma engenharia, mas de uma função social, ainda que dependa de técnicas. A capacidade de mobilidade é uma condição de participação no mundo urbano, mas que para efetivar-se precisa de um conjunto de fatores, como entre outros o nível de renda, a existência de modais de transportes coletivos e particulares e sua acessibilidade segundo o nível de renda. De modo que podem existir deslocamentos sem mobilidade. 

 

 

2. Transportes da metrópole do Rio de Janeiro e seus efeitos sobre a mobilidade

Tomando-se as bases conceituais que elencamos e trazendo-a para o território da metrópole do Rio de Janeiro, temos um caso sobre o qual podemos levantar algumas indagações. Isto porque, nesta metrópole face a existência de todos os modais possíveis de transporte (automotivo, ferroviário-metrô,trem, VLT- aquaviário, cicloviário) , se tem a ratificação do modal automotivo em suas várias modalidades-autos privados,ônibus, BRT,BRS, vans, Kombis, moto-taxis, taxis, Uber- como aquele que segue o mais importante e prioritário meio de deslocamentos. Podemos, assim, indagar sobre qual grau de mobilidade face às modalidades do modal automotivo teriam as camadas populares, que se trata da maior parte da população da metrópole.

O modelo de transportes que tradicionalmente privilegia os deslocamentos através do modal automotivo, com base em viagens individualizadas por automóveis particulares e motos, e atomizadas em milhares de veículos automotivos coletivos por ônibus ou vans, tem sido alvo de algo que entendemos como tentativas ou ensaios de reordenações e modernizações, que o ratificam como padrão para deslocamentos.

Duas perspectivas ilustram a questão. Primeiro aquela das novas modalidades e formas de transporte automotivos como Vans, Kombis e Moto-Taxis, que surgem, inicialmente, como atividades individualizadas, informais e sem regulação estatal, e depois foram sendo formados grupos associativos, muitos dos quais ligados a organizações de “milicianos”(bombeiros e policiais militares ou ex-bombeiros e ex-policiais militares que “assumem” o papel de “segurança” contra os grupos de tráfico de drogas em determinadas áreas da metrópole e a partir daí começam a comercializar vários serviços como os de transporte por vans, kombis e moto-taxi, taxi a preço fixo, gás em bujão, tv a cabo, etc.) ou a grupos do tráfico de drogas. Os governos do estado e as prefeituras das cidades da metrópole mais recentemente tem procurado regularizar estas modalidades como sendo “transporte alternativo” buscando lhes dar função de alimentadores das linhas de BRT.

A segunda perspectiva é exatamente as modificações para maior fluidez dos ônibus com as Faixas Exclusivas (BRS) e  Corredores Expressos de Ônibus(BRT), que foram acompanhadas por medida regulatória que conduziu a uma concentração das inúmeras empresas antes existentes em apenas quatro Consórcios, o que representa uma forma de oligopólio para o sistema, pois a cada um deles se reservou uma área do núcleo da metrópole (a cidade do Rio de Janeiro).

 

 

3. Debate

O que este texto indaga é se a modificação do papel e lugares das diferentes modalidades, no interior do mesmo modal automotivo numa metrópole como o Rio de Janeiro configura efetividade social de possibilidades de ofertar capacidade de mobilidade urbana, mormente à grande massa de baixa renda.

Em primeiro plano, se pode anotar que ao se continuar a privilegiar os deslocamentos, através do modal automotivo, as possibilidades de mobilidade para as camadas populares apresentam importantes restrições. Isto porque a base de deslocamentos das várias modalidades do modal automotivo se fazem em viagens individualizadas em automóveis e motos particulares, cuja aquisição, manutenção e impostos estão aquém da capacidade de renda das camadas populares. Restam, assim, para as camadas populares viagens coletivas atomizadas em milhares de veículos ônibus e vans, kombis e moto-taxi, com reconhecida baixa capacidade de passageiros, má qualidade dos veículos( os ônibus são configurados sobre chassis de caminhão tornando a acessibilidade que exige esforço dado a altura para se alcançar seu interior, pneus e freios em mal estado de conservação, problemas mecânicos e de manutenção e limpeza, bancos quebrados, a maioria ainda sem ar-condicionado numa metrópole onde na maior parte do ano tem altas temperaturas e sensação térmica cada vez mais elevada, entre outros elementos) , apresentam intervalos muito largos entre um veículo e outro, com intermitências e irregularidades de horários e dificuldades de integrações intermodalidades automotivas e articulações física e tarifária com outros modais.

Poderíamos pensar em heterogeneidades entre os pobres do Rio quanto às sua possibilidades de deslocamento. Estas possibilidades teriam como elementos a refletir principalmente sua localização espacial na metrópole, combinado com seu quadro sócio-econômico e identitário com uma diferença básica entre o que pode denominar pobres urbanos e pobres periféricos/periurbanos. Para os primeiros, aqueles localizados em favelas da Zona Sul e parte da Zona Norte os meios de transporte estão mais próximos, apesar da movimentação intra favela tenha dificuldades e inter favela e o local dos modais de transporte também, mas as necessidades de maiores deslocamentos podem também ser menores quanto mais estiverem localizados residencialmente próximos aos equipamentos coletivos, atividades laborais, escolares, comércio,serviços, lazer ...( o que não quer dizer que para todos os pobres urbanos estas atividades estarão sempre próximas como p. exp alguém que more no Cantagalo e seu emprego seja numa fábrica em Nova Iguaçu). Anote-se, também., diferenças no conjunto de pobres urbanos da cidade do Rio de Janeiro onde os localizados nos Subúrbios e zona Oeste “pobre”-Realengo , Bangu, Campo Grande, Santa Cruz... que tem constrangimentos para deslocamentos face aos pobres localizados no Centro, Zona Sul e parte Zona Norte. Mas para os pobres periféricos/periurbanos, localizados na Baixada Fluminense, embora existam meios de transporte de massa como trens, e metrô(por transbordo) a maioria dos deslocamentos são feitos de forma atomizada por uma miríade de ônibus e vans(estas agora em parte apenas como alimentadoras dos ônibus) com muito mais importantes dificuldades e constrangimentos para deslocamentos. A existência de transportes de alta capacidade esbarra na sua baixa qualidade material , operacional, de manutenção, e de articulação com a demanda real e ´problemas gravíssimos de acessibilidade física e de integrações intramodal e intermodais. As necessidades de deslocamento dos pobres periféricos/periurbanos permanecem e até se ampliaram na última década  dado a persistência da localização dos empregos; equipamentos coletivos(incluso culturais), lazer,serviços especializados, comércio varejista de porte, no núcleo da metrópole e seus sub-centros de importância, e estes deslocamentos são feitos na maior parcela por ônibus(75% a 85%), confrontando as camadas populares periféricas/periurbanas a importantes deslocamentos em distância e tempos de viagem indutores de imensas dificuldades e constrangimentos dado sua localização residencial na metrópole e renda insufuciente e/ou inexistente para bancar os movimentos diários obrigatórios.

Os problemas de deslocamentos em ônibus são conhecidos: falta de condições do veículo para trafegar(pneus “carecas”, problema nos freios, chassi de caminhão obrigando a pessoa a “escalar” para entrar no veículo, ausência de climatização, bancos quebrados ou inexistes, superlotação, poucos veículos em determinadas linhas gerando longa esperas, existência de horários ao invés de intervalos,  insegurança, violência, assédio sexual....); Rio tem maior tempo médio de viagem por ônibus/dia no Brasil-141 minutos ida e volta(2 hs e 21 minutos) mas se sabe de viagens de 2 a 2hs e meia só de ida mas tanto de volta com total de 5hs de viagem/dia(!) para quem mora na ponta da periferia tipo Japeri, Queimados...Quanto aos movimentos por trens são notórios os problemas de superlotação, longos tempos de viagens, problemas operacionais, acessibilidade nas estações....

Algumas “soluções“ entre os pobres ou para os pobres também podem ser elencadas: parcela usa bicicletas para se deslocar de casa até estações de trem, ou para tarefas próxima a casa; parcela representativa desloca-se a pé para proximidades da casa ou mesmo distâncias mais longas; pequena parcela possuiria carro particular em geral veículos usados de muitos anos de fabricação (fusca, opala, chevette....) em condições muito ruins para trafegar; parcela usa vans e moto taxis para ir de área formais para áreas informais; e parcela agora na zona oeste do Rio usa o BRT.

A questão principal se centraria sobre as necessidades das camadas populares de se deslocar a grandes distâncias e longos tempos de viagens para locais de atividades no núcleo da metrópole do Rio e seus sub-centros estariam se fazendo através de qual grau de mobilidade custosa ou com dificuldades e constrangimentos até a um extremo de uma mobilidade penalizada na possibilidade de não poder se deslocar.  Através de quais modais se utilizam para seus movimentos obrigatórios diários, e se elaboram estratégias para resolver as necessidades de deslocamento para preservar um modo de vida sustentável por transportes públicos coletivos de massa que lhes garanta a mobilidade como direito social que lhes inclua numa cidadania plena.

Em outro plano, o modelo ainda guarda como premissa a ideia de viagens com um só proposito em determinados horários fixos, pela manhã e tarde, dentro do pensamento pendular, e se centra no problema dos congestionamentos e na previsão de nível futuro destes, sem compreender e perceber que a dispersão das áreas de moradia da população, de empregos, de comércio e serviços, de atividades educacionais e de saúde, e as de lazer e esporte, conduz a necessidade de uma multiplicidade de deslocamentos em diferentes horários, que se conjuga ao fenômeno da configuração da metrópole do Rio de Janeiro estendida, aliada a um núcleo central histórico que permanece forte, e vários sub-centros importantes (KLEIMAN,2008). Pelo contrário, a ideia vigente tem sido a resolução dos movimentos por automóveis particulares e ônibus, através do direcionamento da frota expandida para sua “canalização” em poucos e determinados corredores-tronco, ou seja uma ideia ainda presa aos cânones do modelo racional-funcionalista. O problema é que este acesso ao “corredor-tronco” impõe movimentos difíceis paras as camadas populares que devem sair do interior das localidades de moradia até eles sem ter muitas das vezes os meios-recursos e veículos próprios, ou mesmo coletivos, para concretizar-se.

 

 

4.  Conclusão reflexiva

Para os deslocamentos por ônibus se pode apontar algumas medidas e ações importantes para uma busca por sua reordenação deste tipo de transporte, embora sem um aparente planejamento, e sem efetividade para as camadas populares.

A primeira medida a anotar foi a implantação de Faixas Exclusivas(BRS) para ônibus, controladas por um sistema de radares, primeiro em avenidas da área de renda mais alta (Zona Sul), mas tem se estendido às demais áreas, para possibilitar maior fluidez dos veículos, com redução dos tempos de viagem, e das frotas, e igualmente da localização e redução das paradas.

A segunda ação, trata-se da criação de Corredores Expressos de Ônibus (BRT), que tem como base a ideia de encapsular os ônibus em faixas segregadas, separado da circulação dos demais veículos automotores por barreiras físicas, com cruzamentos em níveis diferenciados, paradas no mesmo nível dos veículos, e compra antecipada do bilhete fora do ônibus. O BRT tem veículos articulados para transporte de maior número de passageiros, maior espaço entre paradas, e em tese deveria obedecer a intervalos( ao revés da tradicional grade de horários pré-estabelecidos)  de no máximo 2 minutos entre cada veículo por linha, e articulações nas principais estações com linhas de ônibus circulares, e com linhas do modal ferroviário-trens e metrô.

No entanto, os BRTs foram sendo implantados sem planejamento, e agora quando se definiram seus trajetos como “troncos” principais de deslocamentos, parece existir uma “descoberta“ pelo poder público municipal que formam uma rede que vem sendo alardeada como “coração” de um novo sistema de transportes do Rio de Janeiro, baseado numa modalidade automotiva, à qual todas outras modalidades automotivas e os outros modais deveriam se articular.(KLEIMAN,2014).

Por seu turno, as vans e kombis e as moto-táxis prestam-se à função de elo funcional articulador das áreas difusas da metrópole com seu Centro e sub-centros, e funcionam principalmente para a circulação entre a parte formal e as partes informais(cidade-favela; cidade-loteamentos periféricos), ou intra-localidades populares. Por serem veículos de pequeno porte conseguem penetrar pela malha viária mesmo onde a acessibilidade seja mais difícil como nas favelas( com suas estruturas urbanísticas compostas por becos, vielas e escadarias), “costurando” trajetos por dentro dos bairros. As Vans tem servido, igualmente, para atender as ligações inter-localidades do “corredor” de cidades que tem se formado ao longo das rodovias de acesso ao Rio.

A opção pela ratificação do modal automotivo coloca a necessidade de uma reflexão sobre sua real capacidade de contribuir para a melhoria do grau de mobilidade urbana no território. Numa economia e sociedade de múltiplas atividades e origens e destinos multiplicados e complexos no tempo e no espaço, os deslocamentos da grande massa de camadas populares no Rio de Janeiro apresentam quais possibilidades para a realização de seus movimentos obrigatórios rotineiros e desejados?

Sobrepondo-se a modais ferroviários de transporte de alta densidade, com um precário sistema coletivo automotivo nas modalidades ônibus, vans e moto-taxis, e um crescimento da utilização de automóveis particulares, o transporte na metrópole impõe constrangimentos para uma mobilidade urbana de grande parte da sua população de baixa renda. Os indivíduos do grupo social com maior renda conseguem ,ainda que com relativos constrangimentos( ligados na maior parte a expansão da frota sem alterações na rede viária existente), alcançar um leque mais amplo de atividades sócio-econômicas e equipamentos coletivos, seja porque tem capacidade de renda para localizar-se mais próximo a de atividades e equipamentos, seja porque possuem os meios e veículos próprios para tal, seja porque tem como localizar-se nos eixos dos principais modais de transporte. Enquanto isto a maioria da população, que é de baixa renda, tem reduzidas possibilidades para resolver suas demandas de movimentos obrigatórios cotidianos ou desejados, considerando que na organização territorial da metrópole do Rio se localizam, na sua maior parte, em periferias cada vez mais distantes dos locais de emprego e equipamentos coletivos de saúde, educação e cultura, o que implica no aumento de percursos e tempos de viagens com má qualidade em transportes coletivos, com baixo grau de capacidade e frágil conexidade.

Pensamos, neste sentido, que a reordenação em curso dos transportes não atende as camadas populares priorizando primeiro os interesses do oligopólio das empresas de ônibus da cidade-metrópole, pois a racionalização e reorganização da operação e modalidade dos serviços de ônibus, combinado com a busca de regulamentar e controlar as vans, tentando transforma-las em veículos para rotas alimentadoras de BRTs. Se configura, então, um possível modelo operacional em rede integrada que o Estado esta colocando para as empresas tende a aumentar a eficiência do sistema, reduzir seus custos de manutenção, propiciando possivelmente maior margem de lucro, para além daquele que já abarcam. Para o transporte por ônibus, que já eram totalmente concedidos às empresas privadas os preços, apesar de estarem sobre controle estatal passam a ser determinados por uma tarifação real (ou seja, sempre acima da inflação do período de um ano) calculado com base no índice de inflação mais planilha de custos fornecidas pelas empresas (nunca revelada de forma transparente e pública), mais um percentual de lucro. Como cada consórcio tem uma área como seu monopólio, são elas que, tendo reforçado seu maior peso político-econômico que induzem a definição das linhas e número de veículos em cada área, mantendo seu interesse e melhor serviço nas áreas de maior renda. Ao contrário, nas áreas de menor renda os deslocamentos seguem com piores condições com veículos com maior tempo de viagem.

Este contexto demonstra a necessidade de ações políticas para romper a resolução dos transportes focada nos interesses das empresas privadas, e em paralelo romper a estanqueidade entre os diferentes modais de deslocamentos e ao integra-los também articula-los a um planejamento do território. Procurando, assim sendo, incorporar a grande massa da população à mais amplas e melhores possibilidades de acessibilidade ás atividades das quais precisam ou que querem(desejo) participar.. Se trata de pensar na necessidade de uma inversão do foco da política de transportes atualmente mais voltada e restrita aos fatores da economia, incluso, e principalmente ao aspecto da lucratividade das empresas privadas concessionárias do serviço, e dirigida pelos fatores técnicos como algo estanque à dinâmica do território, com sua articulação com o planejamento deste, para a dimensão social dos movimentos de deslocamentos no sentido de sua universalização para uma equalização das possibilidades de acesso obrigatórios ou desejados para a grande massa das camadas populares.

 

 

5. Bibliografia 

 

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Dupuy, G. (1999), La dépendence automobile, Paris, França: Anthropos

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Kleiman, M., (2015), Análise da Efetividade de Mobilidade Urbana pela Implantação de BRT no Rio de Janeiro e seu impacto para a Copa do Mundo de 2014 e Legado para a Cidade, Relatório de Pesquisa,Rio de Janeiro, Brasil:IPPUR-UFRJ, CNPq.

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Keiman, M., (2014),  Reordenação das formas e meios dos movimentos de deslocamentos na Metrópole do Rio de Janeiro com a implantação de Corredores Expressos de Ônibus (BRT) no caso do BRT TransCarioca e sua efetividade para a mobilidade urbana. Chão Urbano, XIV( 2 ), 3-38. Recuperado de http://www.chaourbano.com.br/

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Levy, J., (2000) ,Os novos espaços da mobilidade, Paris, França: Presses Universitaires de France.

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