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Chão Urbano

Chão Urbano ANO XVI – N° 3 MAIO / JUNHO 2016

01/09/2016

Integra:

                  ANO XVI – N° 3 MAIO/JUNHO  2016

 

Editor

Mauro Kleiman

Publicação On-line

Bimestral

Comitê Editorial

Mauro Kleiman (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)

Márcia Oliveira Kauffmann Leivas (Dra. em Planejamento Urbano e Regional)

Maria Alice Chaves Nunes Costa (Dra. em Planejamento Urbano e Regional) - UFF

Viviani de Moraes Freitas Ribeiro (Dra. Planejamento Urbano e Regional IPPUR/UFRJ)

Luciene Pimentel da Silva (Profa. Dra. – UERJ)

Hermes Magalhães Tavares (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)

Hugo Pinto (Dr. em Governação, Conhecimento e Inovação, Universidade de Coimbra – Portugal)

 

Editor Assistente Júnior

Carla Caroline Damasceno Lopes

 

IPPUR / UFRJ

Apoio CNPq

 

LABORATÓRIO REDES URBANAS

LABORATÓRIO DAS REGIÕES METROPOLITANAS

 

Coordenador Mauro Kleiman

 

Equipe

 Carla Caroline Damasceno Lopes, João Gabriel Caciano e Letícia Rosa.

 

Pesquisadores associados

André Luiz Bezerra da Silva, Audrey Seon, Humberto Ferreira da Silva, Márcia Oliveira Kauffmann Leivas, Maria Alice Chaves Nunes Costa, Viviani de Moraes Freitas Ribeiro, Vinícius Fernandes da Silva, Pricila Loretti Tavares. 

 

 

 

ÍNDICE

A Implantação do VLT no Rio de Janeiro e seu papel na requalificação das formas de deslocamentos: a volta à "Cidade dos Trilhos"?

 

Mauro Kleiman ...........................................................................................p. 03

 

A Implantação do VLT no Rio de Janeiro e seu papel na requalificação das formas de deslocamentos: a volta à "Cidade dos Trilhos"?

 

Mauro Kleiman¹

¹ Professor Titular da UFRJ

Resumo

O artigo busca examinar de forma analítica a implantação do Veículo Leve sobre Trilhos-VLT, no Rio de Janeiro, apontando seu papel na reordenação dos meios de deslocamento no território, suas características básicas e sua relação com o ordenamento da cidade. O lugar do VLT poderia ser pensado como um certo “desvio” em curso da prioridade  modal automotivo para um retorno, ainda que não pleno a deslocamentos pelo modal ferroviário, rearticulando elementos antes isolados, fragmentados, requalificando os lugares, recolocando o Rio de Janeiro como uma “Cidade dos Trilhos”, como tinha sido até meados do século XX.

Palavras-chave: Veículo Leve sobre Trilhos-VLT, Modal ferroviário, Rio de Janeiro, Requalificação dos Transportes  

 

1- Da “Cidade dos Trilhos” para a “Cidade dos Automóveis”

O Rio de Janeiro já foi um território onde os deslocamentos eram majoritariamente realizados pelo modal ferroviário em duas modalidades: os denominados “bondes” já em 1859 sob tração animal, e elétricos(tramway)a partir de 1892, e os trens que foram implantados ainda no século XIX em 1858 com tração a vapor(as famosas locomotivas “Maria Fumaça”), e que a partir de 1934 serão eletrificados. Serviços dos então denominados auto-ônibus também passam a atuar desde 1908, mas tomando-se dados do movimento de passageiros por bondes e trens nota-se uma forte demanda pelos bondes em primeiro lugar com curva ascendente até 1944, secundados pelos trens com curva menor que os bondes mas também ascendente até meados dos anos 1960, face à demanda por ônibus que só começa a ascender pós 1955.(Barat, 1975)

Se tomarmos a configuração e extensão das redes de bondes e trens colocada sobre o território da cidade do Rio e de seu fenômeno de metropolização, podemos apontar que tínhamos, sem dúvida uma “Cidade dos Trilhos”, ou sobre trilhos. Os bondes irão cobrir a cidade como um todo através de uma verdadeira rede pois tinha “nós” de tranbordo, pois para se dirigir da zona Sul a Norte, por exemplo, tinha que trasladar-se no centro. Foi aqui constituída uma das maiores redes de tramway do mundo com mais 400km de rede e servindo ao centro,zonas sul e norte com transbordos no Largo da Carioca( estação apelidada pela população de “Tabuleiro da Baiana”) e nos subúrbios fazendo a ligação dos bairros com as estações de trem-numa ideia avançada de articulação intra-modal. Quanto aos trens suas diversas linhas da Central do Brasil e da Leopoldina Raylway irão moldar e consolidar a ocupação da zona suburbana da cidade e os caminhos e ocupação da periferia da Baixada Fluminense, além de fazerem a articulação da região sudeste com trens para a direção de São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo, e conformam também uma das maiores redes urbano-metropolitanas do mundo com cerca de 280km de vias e 89 estações.

Os movimentos de deslocamentos sobre trilhos dado se fazerem sobre uma via fixa permanente, com veículos que trafegavam em determinada grade horária e paradas fixas conduz a que este tipo de modal cumpra seu trajeto nas vias principais de penetração da estrutura do território, sob a forma de “via-tronco”. Este princípio do transporte do modal ferroviário se por um lado lhe permite ser reconhecido como de alta capacidade(de “massas”), quando o território da cidade do Rio e sua metropolização lhe dão uma característica morfológica de espraiamento ele não tem a flexibilidade de adentrar pelo interior desta malha. Seria preciso para que sua continuidade fosse garantida que veículos do modal automotivo tivessem o papel de alimentar o modal ferroviário articulando o interior da malha urbano-metropolitana espraiada com as estações de trem e paradas dos bondes. Contudo, não foi isto que aconteceu. Os ônibus e micro-ônibus(lotações), através dos interesses e alianças políticas que se forjam no seu entorno já a partir da década de 1940 com forte curva ascendente de demanda nas décadas seguintes, serão colocados a trafegar no mesmo eixo dos bondes, principalmente, mas igualmente no dos trens, concorrendo com estes atraindo demanda com maiores velocidades, grade horária flexível com mais veículos nas chamadas horas do “rush”, paradas mais próximas uma das outras, e capacidade de adentrar ruas internas dos bairros até longe dos eixos principais “costurando” a malha densificada e espraiada do território.

Com o advento da implantação da indústria automobilística plena no país a partir da metade dos anos 1950, os deslocamentos por automóveis particulares irá se incrementar. Desde o início do século XX existiam alguns poucos carros nas ruas das cidades, mas com a chegada das montadoras Ford em 1920 e da GM em 1924, que traziam todas as peças e partes do carro dos EUA e aqui os montavam este tipo de veículo faz uma forte curva ascendente de seu uso(Barat,1975), pois além da característica de flexibilidade de trajetos inerente ao modal automotivo já presente nos ônibus e lotações, agregam a vantagem da flexibilidade total de horários e paradas: os carros podem ser utilizados quando seu proprietário queira seja madrugada, manhã tarde ou noite e, em princípio podia se para em qualquer rua de qualquer lado dela, sem nada pagar, ou adentrar a uma garagem própria no interior das residências. Isto para um território já espraiado, como o do Rio de Janeiro, e com problemas de grandes intervalos da passagem de ônibus, a irregularidade destas passagens, e como o eixo fixo, horários e paradas ou estações fixas de bondes e trens, o carro aparece como o veículo das múltiplas possibilidades e se fixa no imaginário psíquico dos indivíduos como ligado a ideia de “liberdade”.

Com o crescimento da demanda para deslocamentos por veículos individuais a malha viária da cidade metrópole do Rio em parte ainda tributária do traçado colonial, e por outro das avenidas abertas nas reformas Passos e Carlos Sampaio, em grande parte ocupada no seu “miolo” no meio da calha das ruas e avenidas pelos trilhos dos bondes, instala-se um conflito entre as duas modalidades que tinham velocidades diferentes, os bondes tinham paradas no meio das ruas então os usuários tinham que entrar ou saltar do veículo de “olho” nos carros e ônibus e lotações. Com o advento da indústria automobilística em associação com o capital estrangeiro, inicia-se a propagação da ideia que os bondes “atravancam” as ruas, são muito “lentos”, fazem muito ruído, são “pesados” e de difícil acesso pois havia que subir e descer escadas no estribo para os assentos,etc.

Sim, é verdade que os interesses, fortes interesses, da indústria automobilística irão trabalhar para a ideia retirar os bondes das vias liberando-as ao fluxo de carros pois que ganhariam e ganharam mais espaço de demanda para sua produção. Mas, creio que seria preciso juntar a este fato incontestável dois outros elementos, que ficam meio que obscurecidos diante do poder e interesses envolvidos na indústria automobilística. O primeiro deles trata-se do desinteresse do concessionário do serviço de bondes(Light and Power) em modernizar a frota com veículos mais leves, menos ruidosos, com mais velocidade, dos quais já existiam exemplos na Europa e EUA. Isto teria levado o serviço a ter maior capacidade de atender o forte crescimento demográfico e de atividades da metrópole do Rio e a possibilidade de implantar um sistema de circulação com intervalos ao invés de grade horária. Restaria, contudo, a ideia atualmente tão vigente, de separar a circulação dos bondes, segregando-a em faixas exclusivas, em relação aos veículos do modal automotivo. No entanto, dado ter sido fixadas suas vias permanentes no meio das ruas isto implicaria em obras para seu deslocamento para um dos lados das vias ou alargamento de ruas e avenidas o que na época não se cogitava diante da percepção que determinada velocidade e flexibilidade eliminaria as existentes com menor velocidade e flexibilidade. Não se pensava(e ainda pouco se pensa) em inter-modalidades. O segundo ponto a se refletir trata-se de que com a introdução no país, e tendo como início e consolidação o Rio de Janeiro, o modelo racional-funcionalista de ordenamento do território por áreas de especificidade, através do zoneamento, compondo partes estanques , fragmentadas, será o modal automotivo e suas modalidades de veículos que serão o elo funcional, por sua flexibilidade e autonomia, entre as partes, articulando-as.

A partir destes elementos que se combinaram: a não modernização do serviço de bondes aproveitando-se a extensa rede criada, e a ascendência do modal automotivo e suas modalidades como elo funcional do ordenamento funcionalista e atomizado do território, o governo do então estado da Guanabara comete o grave erro-depois repicado no país todo- de extinguir a modalidade tramway. Na Europa nas cidades de sua parte oriental esta modalidade foi mantida, e na parte ocidental se manteve em Amsterdam.

Quanto a modalidade trem esta foi mantida, então sendo de competência da União, mas como se diz e se sabe o serviço foi sendo “sucateado”, embora sua utilização fosse cada vez mais necessária e ampla dado a localização na metrópole das camadas de menor renda cada vez nas periferias mais longe de seu núcleo. Mantiveram-se até final da década de 70 composições muito antigas, sem refrigeração interna, portas que não fechavam, vagões sem iluminação, via permanente sem manutenção adequada e com suporte de madeira, sinalização sem modernização, em parte ainda manual, manteve-se o sistema de grade horária com largos intervalos de espera entre as composições, estações com dificuldades de acessibilidade, e superlotação cada vez maior dos vagões.

Mas, pelo menos, podemos assim dizer, não se cometeu o erro de extinguir a modalidade no seu âmbito urbano-metropolitano, ainda que o tenham feito como outro grave erro do Estado brasileiro a extinção de praticamente todas as linhas de transporte de passageiros por trens regionais e inter-regionais, e se tenha mesmo retirado a via permanente da maioria dos trajetos que ligavam as cidades maiores com as do interior de cada estado,e mesmo retirado o sistema de trens elétricos-com retirada de postes e fiação elétrica de vários trechos que hoje poderiam ofertar possibilidades de menor tempo de viagem e acesso a cidades que compõem “ilhas” periurbanas da metrópole do Rio, como, por exemplo Barra do Piraí na linha Japeri da Central do Brasil que tem continuidade até São Paulo só para transporte de cargas.

Ao se manter a via permanente e a eletrificação dos quatro ramais da metrópole do Rio de Janeiro(sendo uma extensão deles que vai de Gramacho a Guapimirim não era e não foi eletrificado até hoje) se deu a possibilidade de em algum momento recuperar a modalidade dado seu importante papel no deslocamento diário da força de trabalho. Foi extinto por completo, contudo, sendo retirada sua via permanente a linha de contorno da Baía de Guanabara que ligava o Rio de Janeiro a Niterói passando por São Gonçalo, o que atualmente poderia ser, se ainda existisse a via, eletrificada, e ter importante e necessário papel na articulação da metrópole com sua região Leste que muito cresceu e se consolidou depois da construção da Ponte rodoviária Rio-Niterói, hoje já completamente saturada. Foram extintos, igualmente, as linhas ferroviárias que serviam a cidades serranas como Petrópolis e Teresópolis, erro também grave, pois estas cidades já tinham se transformado em local de segunda residência e veraneio, e depois mesmo em cidades de primeira residência, muito articuladas portanto a metrópole do Rio.

Desta forma, com a extinção dos bondes, substituídos em apenas parte de seu âmbito de atuação que cobria a cidade toda, por ônibus elétricos nas zonas Sul e Centro, e com o “sucateamento” dos trens, a demanda existente e seu crescimento, voltou-se todo para o modal automotivo nas suas diferentes modalidades. Isto implicou na necessidade da criação de uma nova rede viária para a cidade e metrópole, pois como já assinalei acima esta tinha sido estruturada para deslocamentos a pé, ou a tração animal e no máximo remodelada ou não para os bondes.

Assim sendo, não bastava remodelar a rede viária existente e sim configurar uma nova tipologia para as modalidades do modal automotivo com suas características de velocidades maiores, flexibilidade e autonomia. Na década de 1960 e 1970 constitui-se, então, um conjunto de vias elevadas, grandes túneis urbanos, viadutos, “trevos” de viadutos, a ponte rodoviária sobre a baía, que irão dar contorno, combinado com a curva geométrica fortemente ascendente do número de veículos automotores, em suas diversas modalidades, e ao modo de vida que a absorção deste modal engedra na cultura do dia-a-dia, como, por exemplo, compras em supermercados, multi-horários e atividades por diferentes faixas etárias, cine drive-in, “fast food drive-trhu”, entre outros, o que se pode denominar de uma “Cidade do Automóvel” no Rio de Janeiro(Kleiman,2001).

Tal foi este impacto que a estrutura da Região Metropolitana do Rio de Janeiro esteve modificando-se, e o modal automotivo permaneceu respondendo à suas demandas e manteve seu papel funcional à impulsão de seu crescimento e expansão. A metrópole manteve um centro principal e sub-centros no seu núcleo, mas apresenta expansões “pós-periféricas” (extrapolando os limites metropolitanos da década de 70), conformando pólos atrativos agora não mais apenas de camadas populares como antes, mas de camadas de alta renda. Apesar deste movimento, também consolida e altera as periferias antigas “modernizando-as” (introduzindo shopping centers, hipermercados...), e adensa e verticaliza os lugares periféricos no centro (as favelas). Trata-se de um fenômeno de movimentos múltiplos: adensa e moderniza concentrações de centralidades anteriores, cristaliza a periferia no centro do núcleo, dispersa-se difusamente incorporando novos pólos urbanos para classes sociais diversas. O crescente impulso a motorização expressa um processo circular na dinâmica territorial metropolitana. O privilegiamento do modal automotivo demanda ao Estado investimentos na rede viária em diferentes âmbitos, e acentua o papel de elo funcional que desempenha o veículo automotor coordenando a interconexão da produção e das metrópoles impõe maior e mais diversificada produção de veículos. Do ponto de vista das alterações no modo de vida a multiplicidade de atividades laborais, e o consumo e lazer em pontos de novas centralidades, e novos e mais distantes locais de moradia, acentuam a necessidade dos deslocamentos por automóvel. Podemos pensar que as mudanças na dinâmica territorial rompe os limites metropolitanos numa divisão de pontos emergentes, mas simultaneamente reconcentrando-se numa re-emergência de favelas e áreas “nobres” .As diferentes camadas de renda , no entanto, intercomunicam-se com as propriedades sociais do espaço de maneira desigual pelas diferenças de mobilidade entre transporte individual e coletivo. O complexo fenômeno de imbricação e interdependência entre diferentes níveis de escala e classes sociais comunicados por uma mobilidade seletiva pela renda aponta para um processo de mutação importante na conformação do território da metrópole do Rio de Janeiro, onde um dos principais elementos trata-se da expansão para as cidades dos dois eixos estudados impulsionada pelo automóvel. Contudo, os movimentos verificados mostram, por um lado, um fenômeno de expansão da metrópole por espaços intra-urbanos, e para espaços emergentes peri-urbanos,para além de seus limites tradicionais,para a camada de renda alta impulsionada por sua mobilidade automotiva;e ,por outro tem-se um movimento de criação de novos lugares, de periferias pobres, dado pelos deslocamentos possibilitados por veículos leves(vans e kombis)-sejam legais ou ilegais).Estas áreas de expansão por vezes descontinuada metrópole que para as camadas populares são residenciais, para as renda mais alta tem atividades com maior intensidade nos finais de semana, feriados e férias, mas em ambos os casos assiste-se a uma espécie de “elasticidade” metropolitana, pois que expande e contrai a metrópole de acordo com estes fluxos. Mesmo entre os de maior renda que se fixam nestes novos lugares observa-se uma “elasticidade” diária no sentido do Centro do Rio de Janeiro. Este mantém-se como pólo unificador da metrópole expandida, continuando a atrair os fluxos, sejam os externos como os internos, embora registrem-se também aqueles para o conjunto ampliado dos sub-centros, sejam os já consolidados , seja o emergente da Barra da Tijuca(Kleiman,2008)

A intensidade de movimentos ganha força e configura a metrópole do Rio de Janeiro de uma nova forma, apresentando um fenômeno de transição para uma nova escala e complexidade (Kleiman, 2014). A área metropolitana expande-se tanto internamente, na direção da Zona Oeste, como externamente aos limites da região metropolitana estabelecida em meados de 70. Essa expansão contém a continuidade de crescimento de periferias populares, mas agrega, agora, também, periferias de alta renda, podendo ambas compor novas centralidades,(sem que os antigos sub-centros e o Centro percam sua importância como tal). A expansão interna.e a externa acompanha os eixos viários modernizados e os eixos dos trens, e apresenta-se conurbando áreas limítrofes, e simultaneamente fazendo-se com descontinuidade. Nos vários vetores apontados como eixos de crescimento da área metropolitana verifica-se a formação tanto de novas áreas de moradia de renda alta, como de moradias populares,contando com um pólo comercial próximo, ou expande-se um pólo comercial já existente, sendo o modal automotivo aquele que interconecta estas expansões com as centralidades periféricas e com o núcleo e sub-centros da metrópole, enquanto que o modal ferroviário deveria interconectar periferias muito distantes- áreas de camadas populares- com o núcleo e sub-centros da metrópole. Tem-se assim um movimento de deslocamentos intra-periférico,outro intra-metropolitano, e aquele que articula as partes da metrópole expandida, sendo que quanto mais afastado do núcleo estiver a expansão intensifica-se o movimento interno, sendo que tudo tem sido feito majoritariamente pelo modal automotivo.

Trata-se de uma desconcentração difusa com a configuração de novas concentrações periféricas com centralidade em novos polos de convergência e atratividade. A expansão para fora da metrópole, alargando-a, tem no automóvel seu elo funcional e interconector. Como a expansão está sendo pela incorporação de novos solos urbanos num movimento renovado de camadas populares, e pela camada de maior renda, esta utiliza o automóvel particular e aquela os veículos comerciais leves – vans e kombis – seja por meio de um sistema formal ou informal, ou o trem. O automóvel privado alavanca áreas de moradia fixa ou de segunda residência (para fins de semana e férias) funcionando como um “elástico” interconectando estes lugares peri-urbanos com o núcleo da metrópole, onde permanecem as atividades profissionais, ou levando e trazendo as pessoas nos fins de semana. Neste caso do fim de semana a metrópole é alargada por tempo reduzido, voltando a sua extensão anterior, quando o carro, como “elástico” esticado, retorna a posição inicial. Tem-se um exponencial aumento do número de automóveis que demandam as cidades serranas e praianas ;assim como um crescimento do número de veículos em circulação intra-urbana e inter-municípios no interior das regiões

Então, a metrópole expandida do Rio de Janeiro conjuga movimentos de diferentes graus de intensidade com deslocamentos difusos, atomizados, justapostos a deslocamentos concentrados no interior das cidades, e tem serviços de deslocamentos seletivos por camada de renda para diferentes atividades. A diversificação difusa de lugares de moradias, de comércio e lazer, e serviços, e industriais como a das regiões que nos servem de ilustração para o estudo foi assumida pelo modal automotivo fragmentando-se o tradicional movimento pendular em dois horários do dia (“rush” matinal e das 18h – horários de “pico”) de bairro-centro-bairro, para movimentos múltiplos superpostos para diferentes novas centralidades e pólos de sub-centros e bairros, seja em urbanização contínua ou descontínua., sendo este movimentos mantidos pelo modal automotivo, ainda que não de maneira plenamente eficaz.

2-O retorno à “Cidade dos Trilhos”?

Tendo em vista a nova morfologia e topologia da metrópole do Rio de Janeiro, e os diferentes movimentos obrigatórios da força de trabalho composta pelas camadas populares que se localizam majoritariamente, e cada vez mais, nas “pontas” da metrópole, e para além de seus limites, e ao longo das estações dos ramais de trens e da linha 2 do metrô, a demanda pelo modal ferroviário volta a ganhar importância, se tornou cada vez mais crescente, pois embora apresente problemas e os vagões estejam sempre superlotados, os indivíduos consolidaram sua preferência por este modal dado o tempo de viagem ser menor que pelo modal automotivo coletivo ou particular dado os congestionamentos frequentes. As “massas” da população voltaram ao transporte de “massas”.

O modal ferroviário, que desde a década de 1960 foi substituído pelo automotivo como aquele privilegiado nos deslocamentos urbanos-metropolitanos do Rio de Janeiro, tem apresentado certos investimentos e modificações, a partir da década de 1990, que combinados com as mudanças na dinâmica territorial conduzem a apontar sua mais recente importância no seu papel nos movimentos da metrópole, por suas diferentes modalidades como trens, metrô e muito recentemente, a partir de 2014, com inauguração de uma primeira linha em 2016 o Veículo Leve sobre Trilhos-VLT,que é o foco deste artigo.  

As linhas de trens suburbanos nos seus ramais da Central do Brasil(linhas para Deodoro-Santa Cruz, Japeri,e Belford Roxo),e o ramal da antiga Leopoldina(linha eletrificada nos subúrbios da Leopoldina, mas a diesel no ramal de Guapimirim),  tem apresentado demanda crescente, efeito da densificação das áreas populares a que servem e a expansão para periferias mais distantes. No ramal que liga a gare da Central do Brasil a Deodoro a frota foi renovada com trens novos com ar-condicionado e maior conforto interno, que só prosseguem viagem com o fechamento das portas,embora os horários de passagem dos comboios continuem a apresentar intervalos muito grandes para a demanda(cerca de 20 minutos entre cada composição), dado a não modernização plena da sinalização de tráfego;e as condições das estações não ofereçam boa acessibilidade. Contudo, é nos ramais de Japeri e Belford Roxo , onde pelo seu maior crescimento demográfico como área de residencia popular que a demanda pelo uso dos trens cresceu geométricamente, que os trens não conseguem atender a procura por sua utilização dado horários com intervalos que estão entre 20 minutos no primeiro, e de 30 a 45 minutos de espera no segundo. Conjuga-se a isto o fato que é exatamente onde a demanda aparece maior que a empresa colocava os trens mais antigos, em péssimas condições de conforto(sem ar condicionado, bancos que brados, portas que não fecham), e operacionalidade com os veículos apresentando constantes defeitos combinados a problemas na energia elétrica. Muito recentemente, iniciou-se o serviço de trens novos no ramal Japeri, mantendo-se a precariedade na linha para Belford Roxo. O mesmo pode ser dito do ramal da antiga Leopoldina, que só mais recentemente também conta com composições novas, mas mantém grade horária com intervalos muito largos entre cada trem, com o agravante que na linha para Guapimirim os horários de passagem dos trens a diesel se fazem apenas poucas vezes ao dia, (restringindo-se quase que especialmente a viagem de vinda ao centro pela manhã e a volta ano final da tarde), e com composições ainda em pior estado de conservação.

Já o Metrô do Rio de Janeiro vem apresentando demanda totalmente acima de sua capacidade atual. Tipo de veículo de massa capaz de propiciar viagens rápidas e seguras, trabalhando no sistema de intervalos, ao contrário daquele dos trens que é por horário, tem sido muito procurado pela população como meio de deslocamento, principalmente por evitar os cada vez mais intensos fluxos com bloqueios do modal automotivo, mas tem sido operado e mesmo ampliado em sua extensão por método singular entre todos os metrôs conhecidos no mundo, o que tem trazido fortes constrangimentos ao seu uso. A lógica da implantação dos metrôs, em todas experiências conhecidas, é a de apor-se uma rede em formato de malha sobre o território, com muitos “nós”, ou seja estações de transbordo entre as várias linhas, distribuindo a quantidade de passageiros pelas mesmas, procurando, assim sendo, conectar o maior número de lugares, e mantendo-se através de sofisticados sistemas informatizados de controle de tráfego o menor intervalo possível entra as composições aumentando a oferta de viagens. No caso do Rio de Janeiro a opção de logística tem sido outra e singular: com apenas duas linhas, seguindo o sentido longitudinal dos eixos da cidade e metrópole, não acompanha a ideia de rede em malha sobre o território. Além disto, onde antes existia um “nó” entre as linhas 1 e 2, (ainda que secundário situado na estação Estácio, pois o principal “nó” estava previsto para ser na estação Carioca, construída com porte para este fim e mais ainda para ser a estação de transbordo também para a linha 3 -Rio-Niterói. Esta linha 3, que seria fundamental para os deslocamentos na metrópole, tem ficado apenas como ideia, sendo que sua extensão no trecho entre Niterói e Itaboraí já foi pensado como metrô de superfície,ou como VLT, ou como BRT. Outra questão que tende a agravar a situação é a construção da linha 4 ligando a zona Sul a Barra da Tijuca como simples extensão da linha 1, inaugurada recentemente em agosto de 2016( com uso inicial até setembro do mesmo ano restrito ao acesso do público, atletas e autoridades ou trabalhadores envolvidos no Jogos Olímpicos);e uma ideia lançada de estender a linha 2 até Belford Roxo na Baixada Fluminense . Teríamos assim um longo “fio de urdidura” ao invés de uma rede em malha, ou uma espécie de “cobra de duas cabeças” que cresceria indefinidamente de um lado e de outro cujo efeito seria de agregar cada vez mais passageiros numa única linha , e não numa rede, agravando a superlotação dos carros, e sem articular os diferentes pontos e lugares do território pois não se configura como rede. Uma outra ideia, que poderia contribuir para aliviar o impacto da escolha de lógica equivocada e singular seria criar um anel metroviário com uma linha circular ao se ligar a estação Uruguai(extensão da linha 1 para depois da estação Saenz Peña) com a estação Gávea da linha 4(na verdade linha 1 estendida) o que propiciaria distribuir melhor o volume de passageiros.

 

2.1- O VLT e seu papel na reordenação dos movimentos e do território

O VLT não se trata do antigo “bonde”/tramway modernizado, pois faz parte de colocar em ação novas ideias de ordenamento do território. O antigo tramway era muito pesado, muito barulhento, de difícil acessibilidade, pois sendo alto em relação à via fazia as pessoas terem de subir dois degraus para alcançar seu interior ou seus bancos(caso dos veículos no Rio de Janeiro). Estes elementos dificultavam sua velocidade, ‘feriam” pelo ruído intenso e agudo o ambiente urbano, e constrangiam o acesso das pessoas com mais idade, mães com crianças de colo ou pequenas, pessoas com volumes de compras ou bagagens.

A nova modalidade ferroviária VLT trata-se de um veículo “limpo” pois não emite ruídos,é leve como sua própria denominação aponta, fechado mas contando com refrigeração,  com amplas janelas que permite uma “leitura” da cidade coesa e plena, porquanto ao contrário do automóvel particular onde o motorista divide sua atenção ente a paisagem  com a direção do veículo no VLT é apenas um passageiro, o que é favorecido por velocidade “urbana”- o veículo não passa correndo pela paisagem e sim faz parte desta; corre sobre plataforma separada dos outro modais mas no mais das vezes sem segregação física explícita onde possível(trechos menos densos de tráfego de outros modais e pedestres), tendo sua acessibilidade no mesmo nível do passageiro o que permite sei uso por todas as idades(dos mais idosos a mães com crianças de colo e carrinhos de bebê, crianças, jovens...).

Implantados primeiro em pequenas cidades, inclusive patrimônios históricos e cidades médias na França no início da década de 1980, alavancados por mudanças nas ideias de ordenamento das cidades, procurando redinamizar áreas centrais esvaziadas de gente e comércio de rua, procurando combater o espraiamento dos territórios e seis usos estanques. A aderência da população foi grande a esta modalidade ferroviária urbana, existindo sucesso ao revitalizar o comércio, interessando as pessoas a percorrer e reler a cidade, sua unidade e conjunto sendo re-compreendidos.

Como o modal automotivo também sua expansão se deve a interesse industriais do ramo, que procurou interessar as municipalidades e políticos neste tipo de transporte, e logo além de ser implantados nos centros passa também a ligar este a bairros, entre bairros, a fazer ligações entre as últimas estações de linhas de metrô, e a ligar bairros a estações de trem(tram-trem).

Suas diferentes implantações obrigam a uma nova repartição do espaço público destinado, à circulação suscitando uma redistribuição dos espaços e seus usos, não visando com isto apenas descongestionar lugares saturados de veículos automotores, mas ser uma nova visão política de modernização dos transportes evidentemente, contudo calcado, principalmente, no conceito de superar o ordenamento funcionalista como instrumento de reagrupar partes que estão isoladas , fragmentadas, estanque, rompe-las no sentido de criar possibilidades de interações e intercomunicações,. Representa uma oportunidade de não apenas passar “por cima” das ruas, coisas e gentes, mas oferecer a chance da completude da cidade e seus equipamentos coletivos, suas atividades, econômicas, esportivas e culturais, sendo assim mais que meio de transporte estimulador do uso coletivo do espaço público e da plenitude de sua visão. Coloca em relação os espaços da cidade por sua inscrição na sua superfície estruturando visualmente e na prática as ligações entre os objetos e elementos do território, que os veículos mais pesados e barulhentos/poluidores e os subterrâneos de alta velocidade (como o metrô) não autorizam.  

Seu cálculo de implantação é econômico como o de todos demais meios de transporte, mas sendo de custo intermediário entre o de implantação de BRT e o do metrô, seu custo-benefício é superior ao ser levado em conta seu papel de solidarizar partes estanques e possibilitar a “leitura” plena do território, inserindo-se nele sem “atravessa-lo” ruidosamente ou separando-o em partes.

No Rio de Janeiro, sua ideia de implantação acompanha o forte projeto de intervenção urbanística na área do Porto do Rio de Janeiro. A primeira ideia de sua introdução no Porto parecia mais como um chamado de uso turístico, pois consistia apenas numa única linha que percorreria a avenida lindeira aos armazéns do cais do porto, ou em parte usaria antiga via onde existia a passagem de trens de carga que serviam à atividade portuária. Contudo, esta agora sendo implementado como rede no Centro da metrópole com seis linhas. Estas seis linhas cobrem quase toda a área do Centro histórico da cidade, atravessando partes de fato antes esvaziadas, ou desqualificadas - como o Porto, Campo de Santana, Rua da Constituição, Av. Sete de Setembro, Av. Marechal Floriano, entre outros, mas, igualmente, articula elementos da cidade antes isolados como a Rodoviária e o Aeroporto Santos Dumont.

 

Durantes as obras de implantação das linhas que entraram em atividade, e as que vão logo assim o fazer, anotamos alguns elementos de reflexão. Em primeiro lugar, ao atravessar-se a área mais antiga da cidade do Rio de Janeiro logo se pôde constatar que as obras se depararam com um conjunto de infraestrutura instalada muito antiga, uma sobre as outras, que não seria possível apenas remodelar e sim teria que ser substituída, o que implicou em alargamento do prazo das obras iniciais para dar base ao suporte para o VLT.

 

Foto 1: Obra de alteração da infraestrutura para implantação do VLT na Av. Sete de Setembro. Foto: Mauro Kleiman.

Em segundo lugar, ao se retirar o pavimento das ruas para modificar a infraestrutura foram encontrados em quase todos os trechos achados arqueológicos que remetiam à várias fases da história da construção da cidade. Procurou-se apoio de especialistas para documentar estes achados, recolher-se o que tivessem achado como mais importante para depois de catalogados possivelmente se expor este elementos. Se pensou, em alguns trechos, se deixar à mostra, possivelmente tampados com vidros parte do que se tivesse entendido como o mais importante na conservação da história da construção da cidade , mas esta ideia não foi levada avante.

Impactos importantes durante as obras podem ser ressaltados. Inicialmente anotamos o impacto das obras da Linha 1- Rodoviária-Aeroporto Santos Dumont, cujo trajeto passa pela área do Porto e adentra a Av. Rio Branco, seguindo depois pela Av. Beira-Mar.

Foto 2: Obra de alteração da infraestrutura para implantação do VLT na Av. Sete de Setembro. Foto: Mauro Kleiman.

O trajeto do VLT pela Av. Rio Branco trata-se de algo a ser analisado. A Av. Rio Branco, aberta no contexto da conhecida Reforma Passos alterou forma e conteúdo do antigo Centro de estrutura colonial portuguesa da cidade. Introduziu um Boulevard afrancesado, com a denominação de Av. Central, com ampla largura dividido ao meio por belo mobiliário de postes de iluminação, com função tanto de circulação de veículos, como para fazer as gentes se encontrarem e flanarem( e exporem e serem vistas as gentes) pelo seu percurso onde se instalam o comércio requintado, leiterias e confeiterias e bares, sedes de empresas,cinemas,grandes hotéis, entre outras atividades. Nem no auge do serviço de bondes elétricos estes veículos foram implantados na Avenida , fazendo no máximo, uma entrada na mesma ao contornarem o Largo da Carioca e terem uma estação sob a marquise do Hotel Av. Central, no número 156 onde desde 1962 esta o edifício Avenida Central. De modo que se pode dizer que eram bondes não entravam na Avenida mas eram por ela acolhidos sem passar por sua calha sob a bela forma de fazerem uma parada num seu recuo coberto. Assim, desde sua abertura a principal avenida da cidade, ainda que com alterações como a retirada da divisória central e os postes de iluminação, sempre foi utilizada para seu intuito urbanístico de via de circulação de veículos automotivos, desde que estes começarem a se impor, já com os primeiros auto-ônibus a circularem desde 1908 e em seguida aos poucos e depois de modo acentuado pelos automóveis.  A passagem do VLT altera de forma rompedora, conforma uma ruptura, na paisagem urbanística da principal avenida do Centro e da cidade. Sua implantação de um dos lados da avenida, sem chegar a dividi-la exatamente ao meio,o que seria de certa forma uma recuperação, ainda que alterada de sua forma inicial, faz com que se tenha no mesmo espaço duas modalidades de transporte, mesmo que separadas, que modifica sua função secular.

Foto 3: Implantação da via permanente para o VLT na Av. Rio Branco. Foto: Mauro Kleiman

 Esta importante alteração na via se completa com o desvio de todo tráfego automotivo- a partir de agora restrito a ônibus e taxis- na altura da Av. Nilo Peçanha, ficando o trecho desta até a Av. Beira-Mar dividido(não igualmente) entre a passagem do VLT e pedestres e bicicletas num trecho onde a antiga Avenida Central configurou sua paisagem mais nobre com o Museu de Belas Artes, o Theatro Municipal, a Cinelândia, a Câmara de Vereadores, entre outros. Nesta área a concepção original da Avenida Central ficou totalmente desfigurada, e por ora, dado sua recém implantação não se pode denominar o que seja este elemento no território. Avenida já não é. Novo Boulevard como a querem denominar seria desconhecer o que seja este elemento urbanístico. Uma grande praça linear e ampliação da praça da Cinelândia? Em termos estéticos o resultado, ao menos no trecho entre a Av. Nilo Peçanha e o Theatro Municipal é revelador de um desconhecimento ou não compreensão de onde se esta: piso em bloquete de concreto, postes de iluminação do passeio ampliado em forma de iluminação de pracinha de cidadezinha do interior ou sua rodoviária, e ciclovia(esta com piso pintado de vermelho), onde materiais e mobiliário urbano deveriam ter sido previstos os mais nobres para acompanhar a nobreza de nossa histórica e principal avenida.  Quem sabe talvez a sempre inventiva população carioca saiba o que fazer com o que foi desfeito sem maiores discussões ou um concurso de projetos. E o que será da função de local de marchas de protestos, passeatas, em que dado sua importância para a cidade e a população assim a reconhecendo tinha lhe transformado em palco de revoltas populares, protestos, demandas, se agora em parte de sua calha circula um veículo que retoma a ideia de uma cidade sobre trilhos, ainda que ali em local inadequado: será, e já foi, seu tráfego interrompido, a cada manifestação, criando embaraços e um efeito dominó nas demais linhas já que várias circularam pelas mesmas vias?

Se um grave erro de concepção se coloca na passagem do VLT pela antiga Av. Central depois Rio Branco, pelas obras em andamento se pode analisar que os demais trajetos recuperam em grande parte a função de vias sobre trilhos dos antigos bondes e possuem elementos que permitem pensar numa requalificação urbana importante.

 

Foto 4: Via permanente já implantada em trecho na Av. Sete de Setembro. Foto: Mauro Kleiman

Neste caso estarão diversas ruas da Gamboa, Saúde, e do centro histórico da cidade. Vale ressaltar a linha que saíra da Central do Brasil, ladeará o Campo de Santana, adentra pela rua da Constituição e atinge por esta a praça Tiradentes, que certamente trará elementos que possibilitarão a requalificação desta área. Da Praça Tiradentes o VLT percorrerá a Av. Sete de Setembro, atravessando a 1º de Março e se articulando com o terminal de Barcas. A Av. Sete de Setembro, antiga via de muita importância na circulação da cidade, e sede de comércio e empresas, desde quando transformada em rua de pedestres, sendo, portanto, alterada a função que tinha na estrutura urbanística, perdeu sua “nobreza”, se tornou rua de comércio popular, experimentou longo decadência como lugar, e agora com sua calha, em algumas partes exclusiva para o VLT, certamente tenderá a recuperar sua importância. Além desta esperada renovação urbana a linha Central do Brasil-Praça XV possibilitará o restabelecimento, a rearticulação entre os modais ferroviário e aquaviário- trens-barcas, principalmente possibilitando maior coesão na acessibilidade dos usuários da ligação Rio-Niterói, que atualmente quando desembarcam no Rio prosseguem, grande parte deles, por meio de caminhadas até suas atividades.

Se de fato for implantada, como prevista, mas ainda sem obras iniciadas, o traçado pela Av. Marechal Floriano, também se revestirá de forte importância requalificadora da via, que já foi durante grande parte do século XX passagem dos “bondes”, onde inclusive existia a sede da empresa concessionária do serviço a Light and Power, e uma de suas maiores garagens, hoje centro cultural.

Seria importante, no futuro, estender a rede de VLT, por exemplo, da Rodoviária ao bairro de São Cristovão, sempre citado como lugar que deveria ter melhor uso,ser requalificado como bairro residencial por estar próximo ao centro da cidade, mas carece de elementos que de fato o articulem com as outras partes da cidade. 

Nestas ruas e avenidas onde se restabelecerá a prioridade da repartição das vias para o VLT, ou mesmo a exclusividade para seu percurso, teremos a oportunidade de reviver uma ambiência urbana do início do século XX onde as vias eram dos “bondes”, a cidade era dos “trilhos”!  

Foto 5: O VLT em operação na Av.Rio Branco. Foto: Mauro Kleiman

 

Com inauguração em julho de 2016, pouco antes do início dos Jogos Olímpicos, mas ainda como fase de testes, com apenas poucos veículos em atividade, dos 32 que deverão circular, se pode, apenas relativamente analisar seus primeiros movimentos operacionais. Se pode observar alguns elementos reveladores. O principal deles é o “encantamento” que a entrada em operação do VLT provocou na população que à sua passagem tiram fotos, param para acompanhar seu trajeto, e tem superlotado seus vagões. Ainda com intervalos de tempo muito espaçados entre cada composição, e fazendo seu percurso em velocidade reduzida, dado não existir segregação física plena entre sua via e as de travessia de pedestres( fora o costume no Rio de se atravessar em qualquer parte das vias não se usando a sinalização e faixas para tal), e como teste para os demais modais se acomodarem com sua presença. Silencioso, confortável, inserido no espaço urbano e não simplesmente “atravessando” o espaço a modalidade caiu no “gosto do povo” como se diz. Os intervalos de tempo entre as composições terão que ser obrigatoriamente reduzidos, e a velocidade dos veículos ampliada, caso queiram cumprir a promessa do projeto de levar 300000/ passageiros dia nos seus deslocamentos.

 

Foto 6: O VLT posicionado para teste na Av. sete de Setembro. Foto Mauro Kleiman.

A introdução do VLT no Rio de Janeiro cumprirá um papel simultâneo no âmbito da reformulação dos meios de deslocamento e como instrumento de reordenamento do território, não sendo possível nesta modalidade separar os dois objetivos e seus objetos. O VLT configura um instrumento de deslocamentos ampliado, conduzindo até 420 passageiros(2,5 vezes mais que um veículo do BRT e 5,5 vezes mais que um ônibus comum), com acessibilidade no nível das paradas, bilhetagem externa ao veículo,com velocidade urbana(máximo de 40KM/Hora), não poluente, nem visualmente pois o sistema em implantação no Rio dispensa catenárias e postes para fiação aérea onde articula-las, sendo movido por terceiro trilho energizado só quando o veículo por nele esta passando(ao contrário do terceiro trilho do metrô se alguma pessoa nele anda não sofre perigo de vida), nem a nível de ruídos pois passa sem ruídos, e trafega em via separada dos demais modais. Servirá para retirar o número saturado de veículos automotores, como exagerado de ônibus do centro do Rio, reorganizando os diferentes fluxos dos diferentes modais, incluso possivelmente desafogando o uso do metrô entre as estações do centro da metrópole. Mas como apontamos acima em simultâneo ao papel de veículo de deslocamentos especialmente no caso do Rio de Janeiro cujo território urbano-metropolitano esta fortemente marcado pelo ordenamento racional-funcionalista, onde à cada atividade/função se estabeleceram áreas de especificidades isoladas,fragmentadas, estanques uma das outras o VLT tem a capacidade e a oportunidade de estabelecer relações, colocar em contato, intercomunicar as partes fragmentadas pelo zoneamento pois sua inscrição obrigatória no solo mesmo da cidade(não no seu subterrâneo como o metrô, ou em algum elevado para automóveis) instaura ligações concretas entre os vários equipamentos coletivos, atividades econômicas e sociais-culturais, articula diferentes “nós” dos diversos modais. E, igualmente, de maneira muito importante instaura uma leitura visual da paisagem urbana de forma plena, não fragmentada, mais atenta dos objetos nos seus percursos, podendo suscitar demandas ou ações de melhorias urbanas necessárias nas áreas que se desqualificaram urbanística e arquitetonicamente, e pode vir a atrair ações privadas de renovação de comércio e outras atividades mais qualificadas.

Foto 7: O VLT em operação na Av. Rio Branco. Foto Mauro Kleiman.

 O VLT no Rio deve ter uma visão política de requalificação do transporte público e do território, oferecendo o centro histórico do Rio a todos habitantes da metrópole, restabelecendo relações e ligações propiciando uma nova leitura da paisagem urbana de seu núcleo principal, o que exigirá sua inserção num planejamento integrado, que não se pode anotar como tendo sido pré-estabelecido como seu escopo necessário exige. O VLT, assim como os demais modais de transporte e o ordenamento do território devem ser pensados como um todo e não “pedaço-a-pedaço” como parece serem as recentes implantações do BRT e do próprio VLT, não bastando para tal ir conseguindo financiamento e ir implantando linha por linha de tal ou qual modalidade, mas estabelecer escolhas urbanos-metropolitanas onde conscientemente se pense e se implantem redes com articulações multimodais. E escolhas são sempre parte da política: ligar o que a que, com o que, e, principalmente, para quem são as indagações de um planejamento srtictu-sensu. Voltaremos a uma “Cidade dos Trilhos” mais igualitária e com coesão social?        

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