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Chão Urbano

Chão Urbano ANO XIII Nº 2 MARÇO / ABRIL 2013

28/03/2013

Integra:

                   ANO XIII – N° 2 MARÇO / ABRIL 2013

 

Editor

Mauro Kleiman

Publicação On-line

Bimestral

Comitê Editorial

Mauro Kleiman (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)

Márcia Oliveira Kauffmann Leivas (Doutoranda em Planejamento Urbano e Regional)

Maria Alice Chaves Nunes Costa (Dra. em Planejamento Urbano e Regional) - UFF

Viviani de Moraes Freitas Ribeiro (Dra. Planejamento Urbano e Regional IPPUR/UFRJ)

Luciene Pimentel da Silva (Profa. Dra. – UERJ)

Hermes Magalhães Tavares (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)

Hugo Pinto (Prof. Dr. Universidade de Coimbra e Universidade de Algarve – Portugal)

IPPUR / UFRJ

Apoio CNPq

 

LABORATÓRIO REDES URBANAS

LABORATÓRIO DAS REGIÕES METROPOLITANAS

 

Coordenador Mauro Kleiman

 

Equipe

Flávia Casciano Vasconcelos, Gabriela Mesquita Ramalho dos Santos, Heloisa Helena Camelo da Silva, Letícia Quitanilha da Silveira, Melissa Silva de Melo.

Pesquisadores associados

Audrey Seon, Humberto Ferreira da Silva, Márcia Oliveira Kauffmann Leivas, Maria Alice Chaves Nunes Costa, Viviani de Moraes Freitas Ribeiro, Vinícius Fernandes da Silva, Pricila Loretti Tavares.

 

ÍNDICE


A Requalificação da Avenida Ayrton Senna na Vertente Jacarepaguá e a Redefinição dos Limites da Barra da Tijuca Expandida

 

Sue Ellen Coccaro................................................p.3


 

 

A Requalificação da Avenida Ayrton Senna na Vertente Jacarepaguá e a Redefinição dos Limites da Barra da Tijuca Expandida

 

 Sue Ellen Coccaro

mestranda em Geografia PPGG-UFRJ

suecoccaro@gmail.com

 

Resumo

 Este artigo almeja refletir sobre a redefiniçao de limites entre os bairros de Jacarepaguá e Barra da Tijuca, ambos localizados na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. Acreditamos que a chegada, os anos de 2011 e 2012 de empreendimentos imobiliários de grande porte, de usos eminentemente comerciais, lazer e de serviços podem sinalizar um novo entendimento sobre a área, que anteriormente contemplava grande número de terrenos ociosos e o assentamento informal da Gardênia Azul. O estudo deste recorte representa um movimento mais amplo em que a Barra da Tijuca rompe com seus limites administrativos e expande sua área de abrangência para territórios que pertenciam previamente a outros bairros, em um movimento de ressignificação espacial. Através da interpretação das mudanças da paisagem acreditamos que hoje esta fronteira está se atenuando no encontro entre bairros.

 

Palavras-chave: redefinição de limites, Barra da Tijuca, Jacarepaguá, confluência, ressignificação espacial, barra expandida.

 

Introdução

Esta pesquisa busca refletir sobre a redefiniçao de limites entre os bairros de Jacarepaguá e Barra da Tijuca, ambos localizados na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. Traçamos como recorte espacial do objeto de estudo a Avenida Ayrton Senna no segmento posterior a Lagoa de Jacarepaguá e pontes Santos Dumont e Plácido de Castro. Tem sido observado nos anos de 2011 e 2012 a chegada maciça de empreendimentos imobiliários de grande porte, de usos eminentemente comerciais, lazer e de serviços, que podem sinalizar uma nova significação àquela área, que anteriormente contemplava grande número de terrenos ociosos e o assentamento informal da Gardênia Azul. O estudo deste recorte representa um movimento mais amplo em que a Barra da Tijuca rompe com seus limites administrativos e expande sua área de abrangência para territórios que pertenciam previamente a outros bairros, em um movimento de ressignificação espacial. 

No presente momento uma grande mudança esta em curso na cidade, de tal forma que torna-se necessário registrar estas redefinições do uso e ocupação urbanas. A caracterização da frente de expansão que requalifica a Avenida Ayrton Senna e implica uma diferenciada forma de aproximação entre Barra e Jacarepaguá se apresenta como um tema de relevância no contexto atual figurando como o pano de fundo para os acontecimentos hoje delineados. Tal momento foi esperado por longa data[1] pelos produtores do espaço urbano carioca: o Rio de Janeiro ganha a magnitude de uma cidade global, que cresce em importância e para a ser um importante nodal de fluxos internacionais.

Um dos lugares em que se observam grandes mudanças é o bairro da Barra da Tijuca em que diversas medidas de preparação da cidade para eventos vindouros vem sendo implementadas. No entanto, não se trata do antigo recorte espacial triangular[2] dos idos de 1960, e sim, de uma nova Barra da Tijuca, cujas terras estavam previamente em condição de estoque de reserva do capital imobiliário e hoje integram uma inovadora dinâmica, personificada em um urbano pronto para ocupar seu estratégico posicionamento de cidade global – ou bairro global, se assim se ousar denomina-la.

A área de confluência entre Barra e Jacarepaguá é considerada um vetor de crescimento e tem recebido grande atenção de múltiplos agentes dentre os quais fazem parte o Estado e um amplo escopo de investidores, empresas e toda sorte de produtores privados do espaço urbano, inclusive os empreendimentos de pequeno porte localizados no assentamento informal da Gardênia Azul. Creditamos as mudanças não somente à preparação da cidade para os eventos de grande porte vindouros, mas também para a ocupação de glebas previamente reservadas e estocadas pelo capital imobiliário. A interpretação destes fatores conjugados leva-nos a crer que pode estar sendo delineado um movimento de ressignificação espacial, alongando-se os usos ligados ao lazer e a oferta de serviços que caracterizam o bairro da Barra da Tijuca sobre os limites oficiais de Jacarepaguá.

 Observa-se hoje terrenos que funcionavam como reserva valorativa passam finalmente a  receber construções. Onde há pouco tempo se observavam áreas sem ocupação, podemos ver construções de grande magnitude partilhando o espaço com outras de porte diminuto. Presumimos que tal movimento – a ocupação da Avenida Ayrton Senna na confluência com bairros que integram Jacarepaguá ou tem fortes relações de proximidade e identidade com o mesmo criam um espraiamento das  fronteiras do bairro Barra da Tijuca. Esta hipótese foi pensada a partir da observação da presença do nome Barra em grande parte destas empresas, sejam elas de grande porte ou pequenos empreendimentos.

Nesta pesquisa buscamos compreender as razões da atratividade deste recorte espacial, que levou a escolha locacional da implementação dessas obras de grande magnitude, bem como os agentes envolvidos no processo e a importância da reorganização dos usos deste espaço. Dentre as possíveis explicações pensadas para os acontecimentos recentes estão as dinâmicas de vizinhança consolidadas historicamente desde o nascimento da Barra da Tijuca bem como a ocupação da Baixada de Jacarepaguá, o dinamismo do mercado imobiliário da Barra da Tijuca que vem aumentando os limites administrativos do bairro uma vez que a expansão dentro dos limites geográficos determinados pelo Plano Lúcio Costa está praticamente completa.

Uma segunda conjectura também será observada: a atenção especial dirigida a área pelo Estado que tem feito grandes intervenções infraestruturais, viárias e urbanísticas. Estes investimentos sempre estiveram presentes de forma que a Barra da Tijuca é um bairro que apresenta constantes índices de crescimento. Há uma conjunção de investimentos realizadas pelas vias pública e privada aos quais se creditam esta condição.

 

Segundo o Instituto Pereira Passos, é o bairro com maior crescimento imobiliário nos últimos anos, o único lugar do Brasil que vem recebendo investimentos constantes há 15 anos, mesmo nos períodos de crise econômica e que, além disso, em levantamento recente do referido Instituto, triplicará sua população nos próximos 16 anos.

(RODRIGUES apud MARTINS, 2007: 49)

 

Em sua concepção planificada este bairro foi criado à semelhança da Zona Sul da cidade, área que alocava as camadas mais ricas da população carioca. A Barra de hoje vislumbra um forte crescimento relacionado às suas particularidades. Características como as amenidades naturais e vastidão dos terrenos são um elemento simbólico importante e são glorificadas pelos agentes produtores do espaço, especialmente os do ramo imobiliário.

 Ademais do mencionado observamos que nas fronteiras alongadas vem sendo repetido o padrão da concentração dos estratos mais ricos da população, tal como ocorreu na ocupação pretérita da área. Os agentes que poderiam frear este ocorrido mostraram-se omissos, contornando leis, decretos ou Planos vigentes; ou demasiadamente permissivos perante os desejos do mercado imobiliário. É importante debruçar-se sobre estes ocorridos e observar como se delineia este novo movimento de expansão de fronteiras simbólicas e de um particular modo de vida uma vez que a  expulsão de população já vem sendo noticiada em áreas vizinhas ao recorte da pesquisa.

 

A ocupação da Baixada de Jacarepaguá – De uma localidade agreste e primeva a um consolidado bairro


De acordo com a literatura acerca do tema, o levante de dados apresentou homogeneidade nos relatos do histórico de ocupação da área. Retrocedendo a um passado mais remoto a Zona Oeste era uma região ocupada por um grande numero de sítios e chácaras, que praticavam a agricultura de subsistência, com forte componente rural.

O meio ambiente natural da Baixada de Jacarepaguá, a época das primeiras ocupações foi um fator que chamou a atenção. A natureza pródiga e intocada continha lagoas, praias exuberantes, restingas, sítios rurais, morros, manguezais, pedras e parques que juntos formam um rico ecossistema; no entanto, apesar das vastas amenidades naturais a área era considerada muito longínqua e difícil de acessar, fato que a colocou em condição marginal no desenvolvimento urbano.

A cidade avançou em suas fronteiras com o passar dos anos. Houve uma tendência de crescimento populacional nas décadas de 1940 a 1960 em que se registraram índices de crescimento de 168% em relação ao período anterior (RIBEIRO Org., 1987, p.131). A Zona Oeste da cidade desponta como uma alternativa para a expansão urbana, cujo foco haviam sido a área central e a Zona Sul.

 

A ocupação área da Baixada de Jacarepaguá era um acontecimento fadado a ocorrer, embora esta localidade tenha conseguido manter-se “praticamente à margem do desenvolvimento urbano até meados da década de 60” (CARDOSO, 1987, p.85)

Dentro do contexto ao qual focalizamos nosso interesse não se torna importante descrever por completo a história da região da Baixada de Jacarepaguá. A importância reside em seu histórico recente, a partir das ocupações modernas iniciadas com o plano elaborado pelo arquiteto Lucio Costa em 1969. A Barra da Tijuca foi idealizada e pensada de maneira diferente de seus bairros vizinhos. Sua ocupação foi planejada e partiu de um plano que se apoiava no poder público para sua plena implementação. Apesar de estar separada geograficamente pela Pedra da Gávea, ela se tornou uma extensão da zona sul. Houve  um conflito simbólico: geograficamente o novo bairro pertencia a zona oeste e simbolicamente criou-se um arremedo da zona sul. 

A modernização da área e melhorias de acesso eram questões às quais o Estado relegou certa atenção: empreendeu uma série de ações de preparação da área para os fluxos migratórios vindouros, dentre as quais a provisão de serviços infeaestruturais básicos e a abertura de obras viárias de grande magnitude. São exemplos dessas obras a auto estrada Lagoa-Barra, os túneis, a provisão de pavimentação e iluminação publica; todas beneficiavam a novíssima zona sul – situada na Zona Oeste.

A criação do bairro da Barra da Tijuca, o qual pertence a Zona Oeste da cidade, distanciou-o da condição locacional suburbana. Foi uma localidade cuja criação se deu de maneira diferenciada, conforme menciona Mauricio de Abreu “[...] levou a um processo intenso de especulação imobiliária que, logrando êxito, determinou a expansão da parte rica da cidade em direção a São Conrado e Barra da Tijuca, contando, para isso, com a ajuda decisiva do Estado.(PEREIRA, 2002, p.135)

O poder público, durante a gestão do governador Negrão de Lima no período de 1968 a 1971, convidou o renomado arquiteto Lúcio Costa para elaborar a criação do Plano Piloto para a ocupação da Baixada de Jacarepaguá, no ano de 1969, documento este que também ficou conhecido pelo nome de seu criador.

Havia uma série de preocupações por parte do poder público, que visava evitar a ocupação desordenada utilizando o planejamento da localização da moradia e serviços, arruamento adequado para a circulação de pedestres e veículos e provisão de infraestrutura. A tônica do zoneamento rigoroso partiam da premissa de que “a eficiência e a ordem serão alcançadas através de uma estruturação urbana predeterminada e controlada centralmente”.(LEITÃO, 1999, p.21) Uma grande preocupação e principio básico do Plano Piloto era evitar o modelo de Copacabana, em que barreiras de cimento construídas de frente para o mar bloqueiem a vista e a areação dos quarteirões.

O urbanismo era pensado pelo poder público como um instrumento de desenvolvimento que corrigiria “os erros porventura contidos no tecido mais antigo da cidade e que representam, menos do que falhas, as consequências do estagio, na época, do desenvolvimento econômico e social do país” (O plano piloto da baixada de Jacarepaguá e a expansão urbana da cidade do Rio de Janeiro, s/n, 1969)A ideia era clara, para deter o adensamento excessivo dos bairros tradicionais havia de tornar as áreas periféricas atraentes já que havia um claro desequilíbrio: a época 80% dos habitantes da cidade concentravam-se em 20% do território.

No plano desenvolvido pela Superintendência da Barra da Tijuca aponta-se o quadrante oeste da cidade como aquele que dispõe de áreas de dimensões e características mais adequadas à expansão da metrópole e afirma “até mesmo a população, intuitivamente, já vem ocupando essa região em um processo que se acelera à medida que os obstáculos a sua acessibilidade bem sendo vencidos por novos suportes de circulação” (ibid.)[3]

Uma questão histórica inerente a Baixada de Jacarepaguá era sua difícil acessibilidade, fato que deixava este fragmento da cidade a margem do desenvolvimento urbano. Grandes esforços vem sendo implementados ao longo das últimas décadas no sentido de vencer as barreiras da distância. Desde o governo do prefeito Prado Junior, na década de 1930, reformas de infraestrutura vem sendo implementadas “modernizando a Estrada de Jacarepaguá, que juntamente com a do Itanhangá, interligaria o bairro com a Barra da Tijuca” (Portal Armazém de dados, 16 de Janeiro de 2013). Apesar de à época esta parcela da cidade não ter importância comparável as demais zonas, realizar a conexão era um investimento a longo prazo.

Este planejamento reservava espaços naturais, a ocupação prevista era esparsa e visava-se a busca de uma alternativa ao caos urbano – a ideia de Copacabana de múltiplos usos. Infeliz coincidência é o fato de que as amenidades planejadas e reservadas foram o motor atrativo que levou tantas pessoas ao bairro, tendo hoje ocupado grande parte de suas terras e as que ainda não possuem construções já se encontram reservadas pelas grandes empresas incorporadoras e construtoras que agem intensamente neste espaço.

No entanto, a medida em que se consolida a ocupação transformações viárias e o modelo rodoviarista mudaram esta qualidade. “De maneira gradual, vão sendo aberta estradas que começam a permitir o acesso à região, como a estrada de Furnas, Joá, Canoas, Gávea, Grota Funda, Itanhangá, Alvorada e que, aos poucos, vão introduzindo o automóvel no bairro. E consequentemente, a velocidade na vida urbana” (MARTINS, 2007, p.29)

Com o interesse crescente por esta área recentemente ocupada, a Baixada de Jacarepaguá sofreu uma série de processos de desmembramento fazendo com que suas terras fossem sucessivamente trocando de propriedade de modo que foi criado um quadro de concentração fundiária em que poucos eram donos de uma vasta área, permitindo atividades especulativas como construções seletivas, retenção de terrenos, reserva de glebas e ociosidade.

Ao final, a região estava dividida em quatro grande proprietários, que concentravam em suas mãos todas as terras disponíveis e cujos índices de construtibilidade, dados pelo plano Lúcio Costa, eram bastante elevados. Estas quatro empresas são a ETSA S.A., o Grupo Desenvolvimento, o Sr. Pasquale Mauro e a Carvalho Hosken S.A. (RIBEIRO Org., 1987, II.230)

Das quatro empresas mencionadas interessa-nos a Carvalho Hosken uma vez que as grandes extensões de terra no interior da Barra são de sua propriedade. As transformações na ocupação destes terrenos tangenciam o recorte espacial desta pesquisa, gerando impactos em suas imediações. As glebas adquiridas há longa data “a empresa as mantem desativadas, à espera de que o crescimento urbano (e a valorização) atinjam suas propriedades” (RIBEIRO Org., 1987, II.234).

 A empresa em questão relega uma sessão de seu sitio eletrônico para descrever sua contribuição ao desenvolvimento local. Embora haja um lapso temporal entre o momento descrito do início da ocupação e criação do bairro da Barra da Tijuca ressaltamos que se trata de um processo e que as glebas em questão foram adquiridas em momento anterior. Apesar de não haver referencias indicativas das fontes consultadas, o termo novíssima zona sul leva-nos a crer que a obra de Mauricio de Abreu pode ter sido consultada. Neste relato os valores da empresa são exaltados e também as ações implementadas pelo poder público para o favorecimento da ocupação na Barra da Tijuca.

Salta-nos aos olhos o uso do termo euforia imobiliária para descrever as primeiras ocupações da orla e da demarcação do planejamento oficial. Ao contrário do que supúnhamos em momento anterior à consulta desta referencia não há discrepância no entendimento do histórico de ocupação, tanto pelas pesquisas como pelo relato deste agente do espaço construído.

 

Por fim, começaram a surgir empreendimentos nos espaços intersticiais que haviam remanescido livres dos períodos anteriores de euforia imobiliária. Terminados os grandes espaços disponíveis no eixo da Avenida das Américas, um novo vetor de expansão se formou no sentido norte-sul da Avenida Ayrton Senna. A Avenida Abelardo Bueno, que até o início da década de 1990, só abrigava o Autódromo de Jacarepaguá, começou a ser ocupada por novos condomínios, dos quais o Rio 2 – inicialmente construído pela Encol, e posteriormente finalizado pela Carvalho Hosken – foi o pioneiro. (Carvalho Hosken sítio eletrônico)

Há de se pensar no simbolismo da criação deste bairro, que desafia os limites geográficos de vizinhança e passa a criar e circunscrever um modo particular de vida, especialmente a medida em que deixa de ser um bairro de segunda residência e solidifica-se como moradia oficial das classes de maior poder aquisitivo. O que primeiramente deveria ser um simulacro da orla já povoada tornou-se uma forma diferenciada de existir. Em relação as estilo de vida ligado a habitação e a consumir as amenidades do lugar partilhamos da afirmação de Pereira (2002, p.47) “A história da evolução urbana do Bairro da Barra da Tijuca coincide com o processo de expansão e diferenciação da forma de produção imobiliária baseada na incorporação, cujo motor está na criação de uma nova simbologia urbana através da qual se associa um novo estilo de vida ao produto imobiliário.” A simbologia de estar voluntariamente a margem do modo de vida solidificado nos demais bairros do Rio de Janeiro figura como elemento de grande importância.

 

 A consolidação do modo de vida da Barra da Tijuca - Da década de 1980 até os dias atuais

 

Já me desliguei da Barra. Meu plano foi completamente desvirtuado, mas de qualquer maneira, foi bom para o bairro se desenvolver de modo diferente de Copacabana. A Barra hoje nada tem a ver com o projeto original. (LEITÃO, 1999, p.130)[4]

 

Tendo sido totalmente adquirida, planejada pelo poder público e por agentes privados, a Baixada de Jacarepaguá havia então abandonado seu estado primevo e natural. Com o sucessivo passar dos anos a ocupação da Barra da Tijuca se tornou cada vez mais intensa; abandonaram-se as características de balneário de segunda residência e iniciou-se a tessitura de algo diferenciado do restante da cidade; uma nova centralidade seletiva para a elite, que havia perdido o gosto pelo tradicionalismo da antiga zona sul e passou a buscar a qualidade de vida da integração com o meio natural e com o amplo espaço de circulação.

Nos primórdios da configuração delimitada para a Barra, o recorte espacial era uma forma similar a um triângulo de especificas dimensões[5]. “O aproveitamento dessa vasta área triangular que se estendia das montanhas ao mar numa frente de 20 quilômetros de dunas e praias, muitas vezes maior do que Copacabana, Ipanema e Leblon reunidos, passou a ser um desafio” (PAULA SOARES apud MARTINS 2007, p.32).  Complementando o supracitado temos a descrição de Pereira “[...] é um bairro que abrange 17.600 hectares, que representa 14% do território total da cidade, possui 3 grandes lagoas (Jacarepaguá, Marapendi e Tijuca) e 10 praias que juntas completam 21,2 km de extensão” (PEREIRA, 2002, p.56)

Os anos da década de 1980 serviram para consolidar algo diferente do que eram as primeiras ocupações condominiais de 1970, sendo então um marco simbólico para a definição do lugar, criando o que Bentes (2006) denominou Barra way of life. Um estilo de vida que compreende desde a arquitetura pós moderna de forte inspiração no modelo cultural estadunidense até certos gostos homogeneizados dos moradores deste bairro, estigmatizados pela alcunha emergentes.

A história do processo de estruturação do espaço urbano na Barra da Tijuca e Baixada de Jacarepaguá está diretamente relacionado a produção capitalista imobiliária. No debate sobre os agentes produtores da cidade do Rio de Janeiro temos as empresas de construção, os proprietários fundiários (incluindo-se proprietários usuários de moradia e usuários rentistas), promotores imobiliários, construtor e cliente, as instituições governamentais (o Estado) e os grupos sociais incluídos precariamente[6]. Estes não são estáticos, eles se articulam entre si no processo de produção do espaço urbano.

O limite físico da Barra da Tijuca com a Zona Sul é claro; saindo do túnel do Elevado do Joá sabemos que adentramos o bairro. No entanto, o limite com os bairros do Recreio dos Bandeirantes e Jacarepaguá podem ser entendidos de múltiplas formas: através da divisão oficial e dos limites administrativos entre bairros, estabelecida pela Prefeitura e Subprefeitura ou através do simbolismo compreendido por um elemento da paisagem ou pelos relatos de pessoas que utilizam esses lugares em seus cotidianos. O capital imobiliário também exerce uma parcela de participação na delimitação dessas fronteiras, uma vez que investe-se mais em um bairro cujo peso simbólico fale mais alto e consequentemente permite que suas construções possam ser vendidas por valores mais altos no mercado garantindo o retorno dos investimentos acrescido do lucro.  

A Barra da Tijuca vem vivendo em anos recentes um movimento simbólico de expansão de seus limites e fronteiras. O bairro exerce grande atratividade pela ampla oferta de lazer e serviços e a facilidade para encontrar toda sorte de amenidades alavancaram este particular modo de vida do bairro a uma posição privilegiada ante o restante da cidade.

 

A tramitação do projeto de lei número 807/2010: O bairro Barra Olímpica

 

Este novo bairro seria criado a partir da subdivisão da Barra da Tijuca, Camorim e Jacarepaguá. Área sobre a qual se debruçam interesses e investimentos a ponto de ter, por exemplo, tratamento paisagístico entre as faixas de trânsito custeado particularmente por uma empresa incorporadora e construtora.

Do desmembramento do bairro de Jacarepaguá, na década de 1980, momento em que os sub-bairros ascenderam à categoria de bairros, restam como integrantes os arredores do Autódromo e do Riocentro (Portal Armazém de Dados, 16 de janeiro de 2013), cujo projeto de lei os incorporaria, caso aprovado . No ano de 2010 iniciou-se a tramitação da lei de autoria do vereador Carlo Caiado em que um novo bairro seria criado; este novo bairro ganharia o nome de Barra Olímpica e a justificativa afirma a celebração da magnitude dos Jogos Olímpicos do ano de 2016. A realização na Cidade do Rio de Janeiro, de um evento da magnitude dos Jogos Olímpicos, em 2016, representará, não temos dúvida, um marco para toda a Cidade e nosso povo. Afinal, como se costuma dizer, os olhos do mundo estarão voltados para nossa terra, pois serão mostradas, a par dos eventos esportivos propriamente ditos, as incomparáveis belezas da Cidade. Esta, portanto, é uma oportunidade ímpar, que merece, e precisará, ser lembrada para sempre, de todas as maneiras possíveis. (Projeto de Lei Nº 807/2010)

Compreendemos a justificativa apresentada no projeto de lei como parcial uma vez que há forte disputa pelo endereço dos prédios, englobando tanto questões subjetivas como o pertencimento a um bairro dotado de mais status como por questões tangíveis, como o valor de revenda do imóvel.

A preparação para os megaeventos esportivos alocam nesta área alguns dos equipamentos referentes aos jogos vindouros e pavilhão de negocio de fluxos globais, como é o Riocentro - o maior centro de convenções da América Latina[7] conferem visibilidade à área. Supomos dentre as justificativas ocultas para a criação do bairro o interesse em reter centralidades de negocio e a previsão da valorização dos imóveis. Movimento similar já vem ocorrendo desde a construção do Condomínio Rio 2 na década de 1990[8]. Supõe-se futuro encarecimento das alíquotas do Imposto Predial Territorial que ocasionariam uma maior arrecadação. De acordo com os dados do Diário do Rio de Janeiro “em 2006, o bairro da Barra da Tijuca é o que mais arrecada [IPTU] contabilizando algo em torno de R$226,5 milhões. Quase o dobro do montante pago pelos contribuintes do Centro, que chega à casa dos R$127,9 milhões e quase o triplo de Copacabana, que se aproxima de R$87 milhões”. (FERREIRA, 2011, p.121)

Das mudanças na Avenida Ayrton Senna e imediações realizadas em um passado próximo temos: Condomínio Rio 2 na década de 1990[9], as obras prédios residenciais e urbanismo na Avenida Embaixador Abelardo Bueno, a Vila Pan Americana em função dos jogos de 2011; por vir temos o Centro Metropolitano, hoje em fase de construção. A chegada destes impacta a espacialidade “a área próxima ao Autódromo Nelson Piquet e ao Riocentro – até pouco tempo desprezada pela construção civil – tornou-se o novo eldorado das empreiteiras cariocas” (FERREIRA, 2011, p.103)

I - Ao Sul, limitando-se com o bairro da Barra da Tijuca, pelo canal que interliga a Lagoa da Tijuca à Lagoa de Jacarepaguá, inclusive;

II - A Oeste, limitando-se com os bairros de Camorim e de Jacarepaguá, pela Avenida Salvador Allende, Rua Abraão Jabour e Rua Abadiana, até a Avenida Salvador Allende;

III - Ao Norte, limitando-se com o bairro de Jacarepaguá, pela via projetada do futuro Centro Metropolitano, parte da Estrada do Arroio

Pavuna, e novamente pela via projetada do futuro Centro Metropolitano, até a Avenida Ayrton Senna; e

IV - A Leste, limitando-se com o bairro de Jacarepaguá, pela Avenida Ayrton Senna e pelo canal do rio Arroio Fundo até seu deságue na Lagoa da Tijuca.


 

Mapa 1: As delimitações do possível bairro Barra Olímpica

Fonte: Sue Ellen Coccaro

Mapa traçado sobre as delimitações da PL 807/2010

 

Os limites normativos de Jacarepaguá


Concomitante aos acontecimentos em seu bairro vizinho, Jacarepaguá sofreu um desmembramento da década de 1980 em que Pechincha, Tanque, Taquara e Freguesia se tornaram bairros autônomos. No entanto, ainda faz parte do imaginário do senso comum considera-los como parte de um todo, sendo possível inferir a Jacarepaguá a conceituação de região; de fato, traçar os limites deste bairro é uma árdua tarefa pois as noções oficiais se mesclam com outras, tal como o marketing de venda de certos empreendimentos ou com o ideário histórico de como funcionava a área no passado, que pelos desdobramentos da pesquisa constatamos permanece praticamente inalterada. De acordo com o Portal Armazém de Dados, da Prefeitura do Rio de Janeiro, as delimitações formais seriam:

O atual bairro de Jacarepaguá é a área periférica que sobrou da grande região de Jacarepaguá após a criação dos bairros do Tanque, Taquara, Pechincha, Freguesia, Anil, Gardênia Azul, Cidade de Deus e Curicica. Hoje, ele abrange partes dos maciços da Pedra Branca e da Tijuca, Rio das Pedras, arredores do autódromo e Rio Centro, PROJAC e os Vales do Pau da Fome, Rio Pequeno, Três Rios, Quitite, entre outros. Nota: A denominação, delimitação e codificação do Bairro foi estabelecida pelo Decreto Nº 3158, de 23 de julho de 1981 com alterações do Decreto Nº 5280, de 23 de agosto de 1985. (Armazém de dados, 16 de janeiro de 2013)

A Prefeitura do Rio de Janeiro delimitou oficialmente os limites destes bairros criando assim três administrações regionais: Barra (XXIV RA), Jacarepaguá (XVI RA) e Cidade de Deus (XXXIV RA). Uma evidência das relações de proximidade entre bairros foi a criação de uma subprefeitura única para ser o canal de interlocução entre a população e o prefeito e resolução de problemas menores, acionando os órgãos competentes, este órgão é  a Subprefeitura da Barra e Jacarepaguá. As três Regiões Administrativas – RAs, supracitadas, abrangem respectivamente os bairros Barra, Recreio, Vargem Grande, Vargem Pequena, Jacarepaguá, Taquara, Praça Seca, Anil, Curicica, Freguesia, Pechincha, Tanque, Cidade de Deus, Gardênia, Itanhangá e Vila Valqueire.

Para perceber as mudanças sensíveis no espaço e incorpora-las aos limites oficiais a Prefeitura do Rio de Janeiro adota o critério dos setores censitários, aplicada na aferição do censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estes são definidos como uma

unidade territorial estabelecida para fins de controle cadastral, formado por área contínua, situada em um único quadro urbano ou rural, com dimensão e número de domicílios que permitam o levantamento por um recenseador. Assim sendo, cada recenseador procederá à coleta de informações tendo como meta a cobertura do setor censitário que lhe é designado. (sítio eletrônico IBGE, acessado em 5 de Janeiro de 2013)

 A metodologia do censo verifica os setores censitários a partir de entrevistas com as pessoas que residem na área. Através dos depoimentos dos entrevistados são fornecidas as informações que posteriormente são comparadas com o entendimento prévio que se tinha sobre a localidade. Dessa forma, o conhecimento simbólico das pessoas que habitam e fazem destas localidades o seu espaço vivido são posteriormente traduzidas para as diretrizes formais da Prefeitura.

 

O posicionamento da cidade do Rio de Janeiro e o comportamento do mercado imobiliário recente


O presente contexto que se apresenta como pano de fundo para as mudanças hoje delineadas foi esperado por longa data. É um momento em que o Rio de Janeiro ganha a magnitude de uma cidade global, que cresce em importância e para a ser um importante nodal de fluxos internacionais. Há uma vasta literatura que discute este novo posicionamento, que emana do Sul geográfico, rompendo com uma hierarquização global em que ascendem centralidades que nunca antes foram capazes de se fazer enxergar. O Brasil desponta como um dos principais países que previamente não pertenciam a hierarquia clássica entre centrais e periféricos, abandonando sua condição de periferia global e inserindo-se nos fluxos internacionais de diferentes formas, sejam eles de capitais, de eventos ou demais. Neste novo cenário são exaltadas as qualidades únicas do país e no caso da cidade do Rio de Janeiro preza-se, dentre vários aspectos, pela vocação turística, especialmente aquela que contempla as características da natureza e paisagem.

Tal posicionamento de cidade tem apoio em um projeto urbano em que se torna necessário competir em âmbito internacional para atrair tais investimentos. Neste processo tem sido traçadas ações estratégicas que buscam refazer a imagem do Rio de Janeiro refazendo a feição de variados espaços urbanos. Interessa-nos neste momento a seletividade no momento da escolha de bairros que receberão melhorias, uma vez que a carência da mesma é sentida na maioria do tecido urbano.

Essa premissa de reconstrução das feições urbanas carrega consigo o discurso do legado, de tal forma que as obras infraestruturais amplamente veiculadas se transformam em plataforma governamental ou assumem o discurso do progresso. Para as empresas envolvidas nesta questão, a fala é elaborada de forma distinta, como se anunciassem que na cidade “do futuro” não deve haver anacronismos, os negócios, a arquitetura, o modo de viver, todos devem estar igualmente modernizados.

É a consolidação de um longo projeto de planejamento e preparação desta área, que esteve há poucas décadas à margem do desenvolvimento da cidade. Enquanto integrava esta condição, as qualidades naturais se destacavam por suas aprazíveis características, ar agreste e primevo, e vasto espaço físico do qual se beneficiam as construções, entretanto, era necessário prever uma expansão urbana não predatória. Buscamos no entendimento da ocupação histórica os motivos que hoje tornam este bairro tão atrativo aos olhos de investidores e intervenções publicas.

Podemos utilizar como exemplo das intervenções abertamente exaltadas as obras para o corredor viário TransCarioca. No sítio eletrônico “Rio Cidade Olímpica”[10] integrante do portal da Prefeitura do Rio de Janeiro podemos encontrar um vídeo que descreve o estágio do andamento das  intervenções: traça-se uma narrativa onde a vida na cidade é descrita como um sonho, apresentam-se depoimentos de contentes moradores além do depoimento dos diversos trabalhadores envolvidos no projeto da ponte estaiada, que vão desde os mais altos cargos como o engenheiro-chefe da secretaria municipal de obras até os vários trabalhadores temporários, alegando uma homogeneidade no sentimento de contentamento com as intervenções.  

Os investimentos em toda a cidade somam cifras elevadas, conforme mencionado abaixo

O Rio de Janeiro receberá, entre financiamentos e investimentos previstos, pouco mais de R$ 4,1 bilhões para a Copa do Mundo de 2014 e R$ 12,5 bilhões para as Olimpíadas de 2016, sendo que, no caso dos jogos olímpicos, 94,91% do investimento será público os investimentos previstos e em curso estão concentrados em algumas áreas da cidade, notadamente na Barra da Tijuca, na Zona Sul e no Centro do Rio de Janeiro, indicando a subordinação das decisões relativas aos grandes interesses imobiliários. Ou seja, para além do propalado legado social do projeto para a cidade, percebe-se que o grande legado são os lucros apropriados por certos agentes econômicos que têm a cidade como o seu negócio. (O custo da copa e das olimpíadas no Rio, acessado em 12 de março de 2013)[11]

Estes elevados valores aplicados na transformação do tecido urbano carioca vem sendo concentrados em áreas especificas da cidade – a Avenida Ayrton Senna se inclui neste panorama pela proximidade. Podemos esperar uma forte alteração na dinâmica urbana da cidade, na medida em que ocorra sua consolidação efetiva. Os efeitos destes investimentos vem sendo amplamente discutidos: reestruturam diversos espaços e criam o tão controverso legado.

 

 A Barra como centralidade de negócios


A Barra nasceu areal, virou meca da classe média emergente nas últimas duas décadas (...) e está desenvolvendo vocação para os negócios.      (JORNAL DO BRASIL apud FERREIRA, 2011, p.124)

 

Dentre as transformações recentes a Barra da Tijuca busca firmar-se como uma nova centralidade de negócios. Este projeto, entretanto, é antigo podendo ser encontrado nos planos de ordenamento do uso do solo tal como foi definido no Plano Piloto em que pretendia-se a criação de um centro de negócios na confluência dos eixos norte e sul da Baixada de Jacarepaguá. Criaram-se as diretrizes da ocupação da área a partir da ideia do Centro Metropolitano

Há uma controvérsia inerente ao tema pois a ideia da criação deste centro de negócios foi transformada de suas origens pelo capital privado mantendo-se o discurso das vantagens sem mencionar a seletividade deste espaço. A proposta prévia era de transferir grande parte das empresas do funcionalismo publico alocadas no centro do Rio de Janeiro para este eixo, até mesmo como forma de ocupa-lo. As justificativas deste acontecimento não ter vivido seus desdobramentos à época não são claras. A ocupação do espaço em que se implantaria o centro metropolitano foi ocorrer nos anos de 1990 em diante.

Ferreira (2011) e Leitão (1999) afirmam que a centralidade da Barra da Tijuca é diferenciada, sendo marcada por seu setor de tecnologia de ponta, office parks e maiores facilidades em tecnologia de comunicação. Já o Centro da cidade, que historicamente ocupa a função de centro de negócios necessita adaptar-se às necessidades advindas dos tempos da globalização e da instantaneidade da informação. Este fator supracitado, aliado a vasta oferta de salas, escritórios, prédios e até mesmo terrenos de maiores dimensões na Barra vem atraindo empresas que outrora se localizavam no Centro, hoje tido por alguns como um espaço estagnado - concepção que tomamos como como parcialmente verdadeira.

O movimento que alonga as fronteiras da Barra da Tijuca sobre territórios vizinhos pode ser vislumbrado a partir da mudança da paisagem em variados pontos. Podemos arrolar diversos exemplos como a expansão em direção ao bairro Recreio dos Bandeirantes, pelos bairros Curicica e Camorim nas imediações da Avenida Embaixador Abelardo Bueno e ao longo da Avenida Ayrton Senna. Especialmente no que tange ao último caso elencado é possível encontrar  vestígios de sua condição passada; permanecem os nomes no Aeroporto e Autódromo, ambos “de Jacarepaguá”.            

Na direção de Jacarepaguá o vice-presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário - Ademi, Claudio Hermolin declara “há uma tendência, principalmente com a chegada de grandes obras com vistas à Copa e às Olimpíadas, de essa fronteira se confundir cada vez mais”(O GLOBO, 9 de janeiro de 2010). A ação dos produtores imobiliários vem ocasionando o tensionamento das fronteiras oficiais, afastando-as em direção dos bairros com funções mais nobres, fazendo sobrepor-se sua força simbólica na possibilidade de uma confluência entre-bairros. O marketing imobiliário corrobora a transformação do entendimento dos limites.

RIO - O Shopping Metropolitano Barra, a casa de espetáculos Barra Music e o condomínio Caminhos da Barra têm algo em comum. Nenhum deles está na Barra. Além de ser um dos bairros que mais crescem na cidade, aquele que já foi classificado como o seio dos emergentes cariocas expande sua grife para além de suas fronteiras. Nem o Riocentro, principal palco de discussões da Conferência Rio+20, escapa. Apesar de ter parte do terreno em Jacarepaguá, divulga assim seu endereço: Avenida Salvador Allende 6.555, Barra da Tijuca.(ibid.)

Cabe ainda relembrar neste momento que o futuro Centro Metropolitano, hoje em obras, se localizará também no recém criado bairro. Enumero alguns exemplos de mudanças na Avenida Ayrton Senna e imediações que foram realizadas em um passado próximo: o condomínio Rio 2 na década de 1990[12], as obras na Avenida Embaixador Abelardo Bueno tanto no que tange aos prédios residenciais como infraestrutura em suas adjacências e urbanismo da via, a Vila Pan-Americana em função dos jogos de 2007. A chegada destas transformações altera a espacialidade deste local “a área próxima ao Autódromo Nelson Piquet e ao Riocentro – até pouco tempo desprezada pela construção civil – tornou-se o novo eldorado das empreiteiras cariocas” (FERREIRA, 2011, p.103)

Na cidade do Rio de Janeiro, o bairro da Barra da Tijuca desponta como um grande atrativo para o capital financeiro majoritariamente pela imagem do alto padrão de consumo de seus habitantes. Aliado as características vantagens do bairro, as quais já nos referimos previamente, este recentemente vem atraindo empresas que tem migrado seus escritórios do Centro para a Barra, tais a Amil, Unimed, Shell, Esso e Michelin.

Não restam dúvidas de que a área central do Rio de Janeiro é, ainda, o local onde se concentra a maioria das sedes de empresas sediadas no Rio de Janeiro, contudo, como em outras partes do mundo, estamos encontrando indícios do surgimento de novas espacialidades para além da área central carioca. O centro do Rio vem perdendo varias empresas e já é possível perceber o crescimento de salas e mesmo andares inteiros vazios nos edifícios da área central e o destino da maioria dessas empresas tem sido o bairro da Barra da Tijuca. (FERREIRA, 2011, p.123)

O Centro historicamente representa a localidade dedicada para negócios[13]; e assim vem exercendo sua função. Encontram-se nessa área grande quantidade de empresas do serviço público, oferta de comércio popular no mercado popular da Uruguaiana, empresas privadas dentre um amplo escopo englobado no que cabe à definição de negócios.

Existem justificativas que se propõem a explicar este movimento tal como os longos congestionamentos e construções antigas que não comportam o ritmo do fluxo comercial internacional dos dias atuais fortemente dependente da articulação  entre países e da rápida comunicação, bem como de infraestrutura de ponta como heliportos e segurança reforçada. A criação de prédios cuja arquitetura já está preparada para receber as novidades do mundo de negócios contemporâneo conciliado ao bairro ser a moradia destas elites que o requerem tornaram a Barra da Tijuca uma localidade sobremaneira atrativa; e o marketing imobiliário assim a noticia. Observamos os sítios eletrônicos responsáveis pela comercialização dos imóveis construídos recentemente e este exercício foi ao encontro das suposições pessoais, notícias e estudos prévios consultados. A surpresa esteve em observar como a venda dos empreendimentos localizados em Jacarepaguá ocorria de maneira similar deixando claro que o simbolismo da atratividade deste espaço é partilhada.

Além dos empreendimentos localizados formalmente na Barra da Tijuca há também a criação do Centro Metropolitano, a qual remonta aos idos do Plano Piloto da ocupação da Baixada de Jacarepaguá. A localização do centro metropolitano foi traçada a partir de dois eixos geométricos que cortam a cidade entre Norte-Sul e Leste-Oeste[14]; optou-se por definir este local uma vez que a ocupação histórica da cidade se deu em processos distintos, cujo resultado foi uma falta de unidade e definição das Zonas Sul, Norte e Oeste com funções hierarquicamente diferenciadas. O Centro Metropolitano, conforme descrito no Plano Piloto nunca ocorreu, tendo sofrido sucessivas alterações que transformaram o projeto idealizado

Hoje a ideia hoje é revisitada com novas propostas. Foram preservados o traçado original e algumas características no entanto a área foi modificada em sua essência, sendo hoje um dos grandes vetores do crescimento do Rio de Janeiro. Isso restringe o acesso para as empresas que desejam localizar-se neste referido ponto que ao ser valorizado elitiza-se e restringe o acesso. O bairro que cerca o Centro Metropolitano recebeu condomínios sofisticados e deixou de ser um espaço ocioso, foi remodelado por empresas privadas, tal como a Carvalho Hosken que cuidou do paisagismo de seu canteiro central, o acesso a pedestres e ciclistas é praticamente inexistente, pois a via não comporta calçadas ou passarelas, privilegiando o acesso para veículos automotores. Entendemos a questão, portanto, como restritiva uma vez que desencoraja quem não vive ali a frequentar o espaço. Outros autores tal como Luz Neto, apontam que uma vez que o Centro Metropolitano finalize sua implementação haverá sérios problemas para a área, pois trata-se de uma área eminentemente comercial e de serviços cujo funcionamento ocorrerá em horário comercial, fato que  é amplamente criticado no centro da cidade, que fica pouco frequentado nos fins de semana e gera um sentimento de insegurança aos que passam por esta área em horários em que não há o funcionamento dos prédios comerciais.

Mapa 2: Mapa elaborado para promoção do Urban Square Brookfield Place, imediações do Centro metropolitano

Fonte: Union Square Brookfield Place

 

Mapa 3: Mapa elaborado para promoção do Essence.

Fonte: Essence Odebrecht/Patrimóvel

Em ambos os folhetos da venda dos empreendimentos de uso residencial e comercial reproduzidos acima, observamos que os quadros evidenciam as transformações recentes na área. Estas trouxeram consigo vantagens que aumentam o interesse pela área, valorizando os preços dos novos empreendimentos.

 

As mudanças na Avenida Ayrton Senna na vertente Jacarepaguá


A observação atenta à Avenida Ayrton Senna nos leva a crer em indícios que apontam para uma recente mudança na compreensão da espacialidade deste referido recorte espacial. Identificamos que a ressignificação simbólica é realizada, a principio, a partir da opção dos empreendedores por esta área no momento da escolha locacional. Esta é dotada de um entendimento particular que se tem sobre o espaço referido e a possibilidade que existe de molda-lo para novas características.

Os empreendimentos observados foram divididos em dois tipos, a partir do  critério do porte das construções, desse modo temos as pequenas e grandes. No caso das empresas de pequeno porte selecionamos aquelas que continham o nome Barra e que estavam localizadas na via do recorte espacial; todas partilham de uma característica: estão oficialmente localizadas no assentamento informal da Gardênia Azul, apesar de intrujarem a ideia de pertencerem a Barra pela escolha de seus nomes. No caso das empresas de grande porte o critério definido para a seleção foi mais ampla do que o nome Barra em seus títulos mas também a similaridade com feições da arquitetura vistas no bairro em questão, a exemplo o shopping a céu aberto Uptown.

Temos abaixo um quadro em que podemos observar os empreendimentos selecionados para o universo da pesquisa, no qual estão discriminadas características que consideramos importantes para definir os empreendimentos, sendo estas a função, o ano de instalação e em que altura da Avenida Ayrton Senna se localizam. Salientamos neste momento que a pesquisa restringiu seu universo às transformações no lado par da via, pois nesta localidade o fenômeno foi percebido de forma diferenciada, apresentando maiores indícios do que no lado ímpar. A via sobre a qual nos debruçamos apresenta uma característica curiosa, o fato de ser dividida pelo rio Arroio Fundo e por um prolongamento que foi inaugurado somente há poucos meses, diferenciando-se das habituais ruas de via asfaltada e construção em ambos os lados.

Sobre a possibilidade de incluir os empreendimentos ímpares nesta pesquisa, pensamos que apesar de haver ligações, tal como o prolongamento que vai até a Passarela da Gardênia, acreditamos que estas são muito frágeis e tênues, possuindo pouca importância para o desdobramento e resultados aos quais almejávamos chegar. Listamos com a finalidade de prestar esclarecimento, que existem as escolas Serviço Nacional de Aprendizado Comercial e Escola Sesc de Ensino Médio, respectivamente nos números 5.555 e 5.677.

 

 

A Barra da Tijuca é dotada de um nome forte cujo simbolismo se faz presente na comparação com seus pares. O espaço é hierarquizado e a ele se atribuem valores diferenciados.

Ao observador atento esse fenômeno é passível ser notado e pode-se citar um exemplo dentro do recorte espacial desta pesquisa, sendo estas as edificações vizinhas Estação elevatória de Jacarepaguá e Barra Music. Enquanto a casa de espetáculos possui letreiros luminosos que reluzem as iminentes atrações sua vizinha é simples e diminuta. No entanto, os letreiros que contem os nomes dos bairros em ambas instalações são bastante visíveis, sendo possível supor uma relação de hierarquização entre bairros a partir do elemento lazer: enquanto o nome Barra é conferido ao entretenimento, Jacarepaguá é dado para funções não luxuosas e desprovidas das características de lazer.

Figura 1: Localidades vizinhas, funções distintas

Fonte: Sue Ellen Coccaro

Ao lado do Barra Music convive a estação elevatória de Jacarepaguá, para tratamento de águas e esgoto. Note que não há problema em conferir a marca Barra para o empreendimento de lazer, já as funções menos nobres são relegadas ao segundo.

 

Os empreendimentos de grande porte

 

Figura 2: Obras de construção do Barra Music

 Fonte: Gotardo Construtora sítio eletrônico

 

Podemos observar na imagem da obra de construção do Barra Music que há no canto superior da direita uma relação direta de vizinhança com a favela da Gardênia Azul, de tal forma que o nome Barra creditado ao empreendimento gera uma percepção dúbia daquele espaço. Afinal, como pode um recorte pertencente a um bairro ter um único empreendimento representando-o e os demais lugares pertencerem a outro?

 

A casa de shows Barra Music se destaca das demais edificações da área por duas razões: a primeira é sua grande dimensão e a segunda é o uso atribuído àquele espaço. Atenta-se para a existência de “instalações [que] somam 34 mil metros quadrados e têm capacidade para 6.500 pessoas, além de estacionamento para 1.400 veículos, 3.500 m² de área construída, 20 bares e 20 banheiros”(Site oficial do Barra Music).

Trata-se de um uso voltado ao entretenimento, uma casa de show de enormes dimensões que trouxe a este especifico trecho a função lazer. O entretenimento para massas não era tão abrangente e restringia-se a pequenos bares e casas nas proximidades da Avenida Ayrton Senna. Relatando um caso mencionado em uma conversa informal no trabalho de campo, em dias de intenso movimento – comumente os sábados, ao completar a lotação do estacionamento, os moradores da Gardênia Azul vem cobrando valores de R$25,00 pelo mesmo serviço realizado em caráter informal. 

Em seu sitio eletrônico a  proximidade entre o Barra Music e via expressa Linha Amarela é destacada. Esta desempenha um papel preponderante para o acesso de frequentadores uma vez que possibilita a chegada de fluxo da Av. Brasil, Zona Norte e demais partes da cidade. Seu posicionamento também é útil para a vinda de frequentadores do Recreio dos Bandeirantes e Barra, por questões de proximidade.

O Barra Car é um empreendimento de grande magnitude cujas obras encontram-se concluídas, todavia, o shopping automotivo ainda não foi colocado em funcionamento. Este empreendimento, de 89 lojas em sua primeira fase, foi idealizado para ser um aglutinador de concessionarias de pequeno porte voltado para a venda de veículos automotivos. Da totalidade do prédio aluga-se uma loja de modo a impulsionar a formação de um polo da respectiva função lembrando-nos da descrição de Corrêa acerca das economias de aglomeração “apesar de não manterem ligações entre si, lojas varejistas da mesma linha de produtos formam um conjunto que cria atração para o consumidor, que, estando interessado em um determinado produto, terá alternativas para escolha” (2010, p.129). Apesar de já ser possível encontrar anúncios de alugueis no respectivo shopping, este ainda está em funcionamento; a justificativa para o ocorrido tampouco. Além do serviço de exposição de veículos, o consumidor que frequenta este espaço contará com amenidades tais como praça de alimentação e estandes de bancos e empresas que prestam o serviço de financiamento.

A Barra da Tijuca parece abraçar a tendência dos shoppings expandirem-se com torres comerciais, ou então com o lançamento de centros comerciais nos arredores dos shoppings. Atualmente esse modelo multiuso está sendo adotado em vários países agregando-se conveniência, lazer, consumo, trabalho e até moradia próximos. O recente histórico do mercado imobiliário mostra que estar próximo a um shopping garante liquidez para empreendimentos comerciais (Sítio eletrônico Brookfield, 30 de novembro de 2012)

 

Figura 3: Projeção para o Uptown

 Fonte: Sítio eletrônico Uptown

 

Figura 4: Obras do Uptown em 20 de março de 2013

Fonte: Sue Ellen Coccaro

Dois momentos do empreendimento Uptown; sendo o primeiro a projeção dos prédios finalizados e em funcionamento e o segundo as obras de construção em 20 de março de 2013 observada pela Avenida Isabel Domingues – Gardênia Azul 

De forma similar ao Barra Music o empreendimento Uptown possui um grande potencial para gerar modificações na área. Ambos possuem grandes dimensões e suas fachadas ocupam significativa parte da vertente Jacarepaguá da avenida Ayrton Senna. Apesar de não conter o nome Barra como seus pares, o planejamento de sua arquitetura oferece os indícios da semelhança entre empreendimentos que já vigoram na Barra, a exemplo, o Downtown, shopping a céu aberto na Avenida das Américas número 500.

O Uptown é um projeto ainda em fase de construção que engloba diversas finalidades: lazer, lojas pequenas e âncoras, serviços, espaço para profissionais liberais e seus escritórios; todos agrupados em um simulacro de cidade, em que há praças ornamentais e arruamento que privilegia o pedestre. Pela descrição oferecida no sitio eletrônico, a criação do empreendimento foi “Inspirada no conceito de metrópoles, como Barcelona, Seattle e Berlim, surge uma nova cidade, trazendo inovação, segurança, infraestrutura e conforto para milhares de pessoas. E o melhor, na região que mais se desenvolve no Rio.” (Sítio eletrônico Uptown, 12 de novembro de 2012).

Pelas descrições dos executores do planejamento do projeto pretende-se que a ida àquele espaço seja por si só um passeio agradável e seguro, conferindo uma ideia de cidade privativa. Há um consenso nas empresas do setor imobiliário carioca e nos  panfletos por elas elaborados ao apontar o quanto a área em questão se destaca do restante da cidade e configura um dos polos de desenvolvimento. O modelo de shopping que nos remete a uma cidade a céu aberto é discutido por Leitão e Rezende que apontam similar arquitetura no empreendimento Downtown, localizado na Avenida das Américas, Barra da Tijuca  “Trata-se, sobretudo, de uma dimensão simbólica construída por estratégias de marketing, relacionada à qualidade de vida. Surgem, dessa forma, espaços exclusivos – e excludentes – que privam, deliberadamente, seus moradores do contato com outros estratos sociais.”(LEITÃO, REDENZE, 1999, s/n).

A chegada do empreendimento Uptown pode ser compreendida como indicio de um prolongamento da Barra em que é possível observar  a expansão das fronteiras através da paisagem, neste caso, para a direção de Jacarepaguá. Neste cenário é possível perceber a renovação do Barra way of life, creditando o mérito para as distâncias vencidas via automóvel -  Destaca-se o fácil acesso que será privilegiado pelas obras do BRT, Transolímpica, Transcarioca e Transoeste, e da busca por serviços, amenidades, interação social e a possibilidade da substituição do espaço público por um espaço semi-público como consequência.

 

Os empreendimentos de pequeno porte e a descrição dos trabalhos de campo


            O trabalho de campo é uma ferramenta importante uma vez que questionamos a respeito de mudanças espaciais que ainda estão vivendo seus desdobramentos. Buscamos levantar dados acerca do entendimento das pessoas que vivem e frequentam este espaço. Até o presente momento foram elaborados dois trabalhos de campo: o primeiro feito em novembro de 2012 teve como objetivo mapear a área e determinar adequadamente o recorte espacial; a segunda visita foi realizada no dia 30 de janeiro de 2013 e o almejava conversar com os empreendedores pequenos, alocados na favela da Gardênia Azul. A principal questão a investigar eram as razões que os levaram a escolha do nome Barra para suas lojas. Houve ainda outras visitas em que foram feitos registros fotográficos.

Enquanto o primeiro campo foi proveitoso e procedeu de acordo com o esperado, o segundo não teve o mesmo resultado. Lamentavelmente o contato não ocorreu conforme o esperado; os empreendedores de pequeno porte não se mostraram abertos à conversa de modo que as informações colhidas foram aquém do pretendido.

Dos quatro empreendimentos de pequeno porte escolhidos para figurar na pesquisa conseguimos efetuar contato com dois; Azulejos antigos portal da Barra e Estofador da Barra, não houve contato com Barra Seg ou Gesso Barra, pois o primeiro encontrava-se fechado no dia do campo e o segundo se recusou a participar. O objetivo da conversa com os representantes desses empreendimentos residia em questionar o motivo da escolha dos nomes e também se aquela fração do espaço já figurava como Barra da Tijuca.

Na visita ao Azulejos antigos Portal da Barra fomos recebidos por um senhor cujo nome será omitido. Em suas breves respostas ele disse que onde sua loja se localiza, no número 4012 da Avenida Ayrton Senna, já é a Barra da Tijuca, afirmando inclusive que onde sua loja está alocada é o começo da Barra. Complementando seu depoimento ele afirmou que Jacarepaguá era “pro outro lado”, gesticulando em direção a Estrada do Gabinal.

Na visita ao Estofador da Barra fomos recebidos por três jovens que trabalhavam na loja, a postura destes foi mais receptiva. Em relação as perguntas, as mesmas feitas anteriormente, as respostas foram as mesmas: a localização da loja é na Barra, e Jacarepaguá “é lá pra longe, pra lá, bem depois da Cidade de Deus”. Apesar do diminuto universo da aferição podemos afirmar que no senso comum existiria uma certeza da localização dos empreendimentos. No entanto uma simples observação da paisagem destoa destas opiniões: os empreendimentos vizinhos a estes divergem em seus nomes, alguns utilizando outros prefixos,  a exemplo “Garden” em referência à Gardênia Azul[15], bairro que se inicia após a Avenida Ayrton Senna, “Senna” ou “de Jacarepaguá”. Podemos observar um entendimento confuso entre o simbólico e o normativo neste referido espaço comercial.

 

Uma Barra para cada estrato social


Os empreendimentos de pequeno porte que possuem o nome Barra são quatro, sendo estes o Estofador Barra, uma loja que refaz estofamentos de mobílias; Portal Barra Azulejos, reposição de peças de azulejos antigos; Gesso Barra, faz rebaixamento de tetos lisos e decorados e, finalmente, Barra Seg comércio de equipamentos de proteção e uniformes.

O comércio realizado neste ponto da Gardênia Azul possui diagonalmente cerca de três ruas pequenas – conforme visualizado na fotografia 5, entretanto o arruamento adentra o bairro, mesmo com sua fachada ocupada. Segue paralelo a Avenida Ayrton Senna onde termina no encontro com a Avenida Tenente Coronel Muniz de Aragão.

 

Figura 5: Barra Seg Material de EPI e uniformes 

Fonte: Sue Ellen Coccaro

 

Em destaque na fotografia acima temos Bar & Pensão Sol e Lua ao lado de Barra Seg material de EPI e uniformes. A placa mostra a esquerda, a Avenida Tenente Coronel Muniz de Aragão, apontando Gardênia Azul junto ao CEP. Para a direita, dos números 4950 até 5000 da Avenida Ayrton Senna igualmente estão indicados como Gardênia Azul, contrariando os depoimentos dos comerciantes que afirmam esta área como Barra.

 

Prevalecem neste segmento um pequeno comércio de lojas simples, bares e pensões; formas arquiteturais características da autoconstrução com usos múltiplos e unidades multifamiliares. Comparando-a com o comércio que formalmente constitui a Barra da Tijuca notamos que as diferenças são bastante evidentes, apesar havermos voltado o enfoque da pesquisa aos empreendimentos destinados aos mais altos estratos sociais, em consonância com o Rio de Janeiro que Compans caracteriza por  ser dotado de “hipermobilidade adquirida pelo capital, com a globalização financeira, a revolução tecnológica e a reestruturação produtiva das grandes corporações multinacionais”. (2005, p.245) Sabemos que há outras formas comerciais, a exemplo os resquícios da Barra do fim da década de 1970, que buscou copiar o modelo da Zona Sul nas imediações da Avenida Olegário Maciel em que é possível encontrar açougues, padarias e prédios multifuncionais cujo andar térreo é ocupado por lojas.

Já no segmento da Barra expandida sobre Jacarepaguá, os elementos distintivos são múltiplos variando entre o porte das construções, o público ao qual se destinam, o formalismo daqueles que lá trabalham, o valores cobrados pelo trabalho, dentre outros. Trabalhamos com a hipótese da escolha do nome Barra por se tratarem de empreendimentos voltados para a prestação de serviços cujo público-alvo estaria locado na Barra porém, serviços estes que geram baixa lucratividade a ponto de não ser possível estabelecerem-se no bairro pelos valores condominiais, de alugueis e impostos serem substancialmente mais altos. Fenômeno similar ocorre no Rio das Pedras e Itanhangá onde se encontram, distribuídos esparsamente, comércios com o nome Barra em suas placas e que atendem este bairro por questões de proximidade.

 

Figura 6: Portal da Barra Azulejos Antigos 

Fonte: Sue Ellen Coccaro

O peso do nome Barra cria diversos arremedos da arquitetura encontrada no bairro

 

Há grande peso simbólico embutido neste nome, por diversas razoes já mencionadas, dentre as quais destacamos a importância da crescente centralidade de negócios e a ideia do forte poder aquisitivo de seus moradores. Podemos presumir que este ideário suscita nos comerciantes de pequeno porte da Gardênia Azul o desejo de quererem juntar-se a este bairro, simulando formas e valores para enobrecer seus empreendimentos. Em contrapartida a Barra tem mostrado indícios de maior seletividade nos anos mais recentes – a exemplo os crescentes preços dos imóveis; e as camadas mais baixas não tem como acompanhar ou usufruir disto. Interpretamos a Barra não é somente como um bairro mas sim como uma marca.

Afinal, esta Barra simulacro das fronteiras alongadas e a Barra globalizada da hipermobilidade do capital se encontram em algum momento? Acreditamos não ser possível supor um encontro entre elas, por se tratarem de espacialidades distintas em que suas particularidades não só as distinguem mas também as definem.

 

 Considerações finais

 

Os indícios avaliados na pesquisa nos levam a crer que de fato está se delineando um movimento de ressignificação, alterando as características do recorte da avenida Ayrton Senna no segmento de Jacarepaguá. Similares avanços sobre as áreas vizinhas ocorreram em momentos pretéritos. Através da interpretação das mudanças da paisagem acreditamos que hoje esta fronteira está se transformando no encontro entre bairros.

Em relação aos empreendimentos imobiliários novos, questionamos em que fatos está amparado o discurso do marketing que versa sobre a Barra sendo a região do Rio de Janeiro que mais se desenvolve. Vale refletir também pensar qual é o modelo de desenvolvimento envolvido nesta questão, uma vez que é possível tecer críticas à ideia de reproduzir um espaço seletivo. Isto nos leva a uma importante discussão em que o social passa a ser o cerne: existe a possibilidade de a Gardênia Azul vivenciar um processo de gentrificação em um futuro próximo?

Acreditamos haver a possibilidade de em poucos anos observarmos uma grande mudança social nesta localidade em função dos investimentos em infraestrutura e da plena consolidação dos empreendimentos de grande porte. Entretanto por serem de caráter comercial estas construções se diferenciam da dinâmica vizinha da Barra expandida para as imediações da Avenida Embaixador Abelardo Bueno, em que houve um fluxo migratório e a permanência residencial daqueles que se voltaram para este lugar. Ao comparar ambas podemos observar duas dinâmicas, fisicamente próximas mas com desdobramentos diferentes por apresentarem origens e qualidades que as tornam únicas e pedem por explicações igualmente únicas.

O posicionamento estratégico adotado pela cidade do Rio de Janeiro preza pelo desenvolvimento econômico local em que “Além dos novos objetivos relacionados ao aumento da competitividade e atratividade da cidade, uma nova agenda fundada na promoção de projetos pontuais de intervenção urbanística e um novo papel do governo local, menos regulador e mais facilitador do mercado marcariam a reorientação da politica urbana municipal”. (Compans, 2005, p.211) Abre-se caminho para

[...]contornar constrangimentos legais e burocráticos aos investimentos privados em empreendimentos imobiliários e no financiamento de equipamentos públicos e obras de infraestrutura e renovação urbana [...] A flexibilização da legislação urbanística, com efeito, seria justificada de maneira recorrente pelas autoridades locais como elemento crucial ao desenvolvimento da cidade, em face do imperativo da geração de empregos e da competição interurbana pela atração de empregos e investimentos privados.  (Compans, 2005, p.221)

Compreendemos que no caso da cidade do Rio de Janeiro, a produção de certos espaços urbanos tornou-se passível ser moldada em consonância com os desejos dos produtores do espaço urbano, no nosso caso, representado pelas empresas incorporadoras e construtoras. Embora recente e ainda sem desfecho temos o mencionado caso da tramitação de um projeto de lei que, caso venha a ser aprovado, transformaria o entendimento de certo recorte criando assim um novo bairro: A Barra Olímpica, celebrando o projeto estratégico de atração de eventos de grande porte. A organicidade tessitura urbana se vê comprometida face a agenda indutora de processos da acumulação flexível.

É importante pensar que não há como esboçar um resultado conclusivo que afirme ou negue a ressignificação do recorte traçado por se tratar de um movimento inacabado. O estudo nos levou a identificar as mudanças e a partir destas podemos supor vasto número de possibilidades de desfecho. Acreditamos ser importante o registro dos ocorridos, contudo, para aferir resultados conclusivos esta pesquisa requer que nos voltemos em momento futuro aos desdobramentos espaciais verificando se as suposições aqui apontadas de fato vieram a se consolidar.


 

Referências

ABREU, Maurício de Almeida. A evolução urbana do Rio de Janeiro : IPP, 2008

ARMAZÉM DE DADOS, http://www.armazemdedados.rio.rj.gov.br/ Acessado em 16 de Janeiro de 2013.

BENTES, Dely Soares. Arquitetura Prêt-à-porter: casas de primeira ocupação na Barra da Tijuca 1997-2005. FAU/UFRJ.  2006

BRASIL, Decreto Nº 5280 de 23 de agosto de 1985. Cria a XXV e a XXVI Região Administrativa (Pavuna e Guaratiba), modifica a denominação e a delimitação das Regiões Administrativas constantes do Decreto n° 3157, de 23.7.81, altera a codificação e a delimitação dos bairros constantes do Decreto n° 3158, de 23.7.81, o Regulamento de Parcelamento da Terra aprovado pelo Decreto “E” n.°3800, de 20.4.70, e o Regulamento de Zoneamento aprovado pelo Decreto n° 322, de 3.3.76, e dá outras providências. [s/n] 1985.

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[1] Há relatos de que o movimento estratégico da cidade do Rio de Janeiro teve inicio com a prefeitura de César Maia conforme mencionado por Novais (2010) e Egler & Oliveira (2012)

[2] Um imenso triângulo com os lados formados pelos maciços e pelo litoral e em cujos vértices estão situados os principais acessos à malha urbana. (RIBEIRO Org., 1987, II. 216)

[3] Esclareço que o Plano ao qual se faz referência não é o Plano de Ocupação da Baixada de Jacarepaguá e sim um plano posterior, da Superintendência da Barra da Tijuca, órgão que vigorou durante a década de 1980 e cujo próprio Lúcio Costa foi parte da equipe. Este documento foi oficialmente lançado pela Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro como registro do sucesso do Plano original modernista.  

[4] Depoimento do arquiteto Lúcio Costa ao Jornal do Brasil na edição de 18/11/1987 encontrado em “A construção do Eldorado Urbano” de Gerônimo Leitão

[5] A Baixada de Jacarepaguá possui cerca de 105 km2 de extensão, somando-se as áreas naturais e os bairros que a integram.

[6] Consultas sobre este tema tiveram embasamento em Gerônimo Leitão (1999) e Álvaro Ferreira (2011)

[7] Informação encontrada no sitio eletrônico do Riocentro acessado em 2 de janeiro de 2013.

[8] Podemos considerar a construção deste especifico residencial como um marco, pois foi o primeiro que requalificou as adjacências, previamente voltadas para o Autódromo Nelson Piquet.

[9] Informação encontrada no sitio eletrônico da construtora Carvalho Hosken http://www.carvalhohosken.com.br/site/barra-da-tijuca-ontem.aspx acessado em 14 de março de 2013

[10] http://www.cidadeolimpica.com.br/o-sonho-da-transcarioca/ Acessado em 12 de março de 2013

[11] http://www.observatoriodasmetropoles.net/index.php?option=com_k2&view=item&id=269:o-custo-da-copa-e-das-olimp%C3%ADadas-no-rio&Itemid=164&lang=pt Acessado em 12 de março de 2013 – 15:45

[12] Informação encontrada no sitio eletrônico da construtora Carvalho Hosken http://www.carvalhohosken.com.br/site/barra-da-tijuca-ontem.aspx acessado em 14 de março de 2013

[13] No plano Lúcio Costa foram delimitados três centros para a Barra da Tijuca, o Centro Sernambetiba, próximo ao Joá; o Centro da Barra, em direção ao Recreio dos Bandeirantes e o Centro Metropolitano em Jacarepaguá. O Riocentro está delimitado como centro de feiras e exposições, no entanto seu uso não é múltiplo como os demais.

[14] Já dentro do perímetro do bairro em questão os sistema viário continha o eixo longitudinal Leste-Oeste constituído pela Avenida das Américas e o transversal, Norte-Sul constituído pela Avenida Alvorada, cujo nome foi trocado para Avenida Ayrton Senna, objeto de estudo deste trabalho.

[15] Estabelecemos uma distinção entre Gardênia Azul, na margem da via, consideramos que se trata de uma ocupação/favela enquanto que adentrando no sentido Tenente Coronel Muniz de Aragão é um bairro criado a partir de um loteamento regular. A Prefeitura do Rio de Janeiro faz essa mesma distinção em seu decreto de número 3158 de 23 de Julho de 1981 .

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