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Chão Urbano

Chão Urbano ANO XIII – N° 1 JANEIRO / FEVEREIRO 2013

20/02/2013

Integra:

                   ANO XIII – N° 1 JANEIRO / FEVEREIRO 2013


Editor

Mauro Kleiman


Publicação On-line

Bimestral


Comitê Editorial

Mauro Kleiman (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)

Márcia Oliveira Kauffmann Leivas (Doutoranda em Planejamento Urbano e Regional)

Maria Alice Chaves Nunes Costa (Dra. em Planejamento Urbano e Regional) - UFF

Viviani de Moraes Freitas Ribeiro (Dra. Planejamento Urbano e Regional IPPUR/UFRJ)

Luciene Pimentel da Silva (Profa. Dra. – UERJ)

Hermes Magalhães Tavares (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)

Hugo Pinto (Doutourando em Governação, Conhecimento e Inovação, Universidade de Coimbra – Portugal)


IPPUR / UFRJ

Apoio CNPq

 

LABORATÓRIO REDES URBANAS

LABORATÓRIO DAS REGIÕES METROPOLITANAS

 

Coordenador Mauro Kleiman

 

Equipe

Flávia Casciano Vasconcelos e Isabel Gonçalves Coelho Laurindo


Pesquisadores associados

Audrey Seon, Humberto Ferreira da Silva, Márcia Oliveira Kauffmann Leivas, Maria Alice Chaves Nunes Costa, Viviani de Moraes Freitas Ribeiro, Vinícius Fernandes da Silva, Pricila Loretti Tavares

 


ÍNDICE

  

As contradições entre centralidade e mobilidade na periferia do Rio de Janeiro: o caso do bairro de Campo Grande

 

Priscilla Rodrigues Fonseca....................................................................p.3

 

 

 

As contradições entre centralidade e mobilidade na periferia do Rio de Janeiro: o caso do bairro de Campo Grande

 

Priscilla Rodrigues Fonseca

Graduada em Geografia; mestranda do IPPUR/UFRJ. Integrante do Grupo de Pesquisa Transformações estruturais no Direito Urbanístico Brasileiro contemporâneo: um estudo multidimensional a partir do caso do Rio de Janeiro, coordenado pelo Prof. Alex Magalhães – IPPUR/UFRJ

 

 

RESUMO

 

O presente artigo apresenta a ocupação urbana do bairro de Campo Grande e sua importância para a Zona Oeste do município do Rio de Janeiro. Sua posição central na região pressupõe fatores como privilégio das paisagens naturais, infraestrutura desenvolvida e economia próspera do subcentro. Contraditoriamente, a mobilidade limitada e precariedade no transporte público são alguns dos problemas recorrentes, configurando uma inserção restrita no município. O levantamento bibliográfico baseou-se em autores que estudam o fenômeno da centralidade e produção do espaço urbano: Abreu (2006) e Corrêa (1999); infraestrutura: Villaça (2001); e desenvolvimento dos subcentros cariocas: Duarte (1974). A investigação foi enriquecida com fotografias e informações obtidas em vários órgãos oficiais, como Prefeitura e IBGE a fim de respaldar a questão da configuração socioespacial e econômica do local. A elaboração de mapas teve o objetivo de facilitar a visualização da área de influência do bairro e dos eixos viários que foram de importância fundamental para o seu crescimento.

 

PALAVRAS-CHAVE: Campo Grande, crescimento urbano, centralidade, mobilidade.

 

INTRODUÇÃO

 

A questão urbana na metrópole carioca vem sendo discutida por vários estudiosos, como Corrêa (1999), Abreu (2006) e Soares (1965 e 1990). O centro da cidade e adjacências passaram por um processo de urbanização intenso desde o inicio do século passado, diferentemente das extremidades da urbe, na porção oeste, onde ainda prevaleciam  características rurais. Porém, o crescimento demográfico, a intensificação da malha viária, as mudanças locacionais das atividades produtivas, entre outros, foram alguns dos fatores que deflagraram uma progressiva expansão da área, que culminou no incremento populacional na década de 1990 no bairro de Campo Grande, modificando a dinâmica econômica, social e habitacional.

O crescimento da população na cidade foi empurrando os mais pobres para locais distantes do centro, próximo às ferrovias. O adensamento destas áreas longínquas permitiu o surgimento espontâneo de rede de serviços em vários pontos, formando os subcentros. Neste sentido, houve o desenvolvimento de um centro comercial abastado em Campo Grande, visto já nos anos 1970 por Duarte (1974) como promissor. Atualmente, este subcentro oferece amplo poder de atração por sua diversidade comercial e acessibilidade, além de concentrar os dois maiores shoppings da região.

Outro tipo de atração tem ocorrido no bairro através da ação da indústria imobiliária. Este setor encontra possibilidades de investimentos lucrativos, com muitos espaços a serem incorporados e uma demanda consumidora crescente. Desde os anos 1990, a procura para fins de moradia não tem repetido a tradicional demanda por terrenos para autocons­trução, em que havia a exploração de um capital imobiliário não institucionalizado. Hoje, empresas da construção civil têm investido em edifícios multifamiliares, condomínios e loteamentos residenciais.

A densidade populacional está diretamente relacionada ao surgimento de núcleos de comércio: sua influência onde houver eixos de circulação obrigatória e concentração de pessoas será mais forte (ibid.). Desta forma, o subcentro de Campo Grande é hoje um dos maiores da cidade, reunindo diversos serviços e equipamentos urbanos. A rodoviária, por exemplo, serve a toda a região, reunindo as possibilidades de deslocamento para outras partes da cidade e municípios vizinhos. Da mesma forma, o West Shopping, primeiro da região, contribuiu para a chegada de diversos empreendimentos (comerciais e residenciais) e de melhorias na infraestrutura.

Contudo, ao mesmo tempo em que localmente o bairro é uma centralidade para parte da Zona Oeste, também se insere na cidade de forma periférica. Os problemas urbanos e sociais que o crescimento acelerado produziu, não foram precedidos por planejamento, o que culminou em acessibilidade limitada da região a outras partes da cidade, ofertas de emprego de baixa qualificação nas proximidades, população majoritariamente pobre e com baixa mobilidade social.

 

EVOLUÇÃO URBANA DE CAMPO GRANDE

 

O bairro de Campo Grande (Figura 1) está localizado na Zona Oeste do município do Rio de Janeiro e abriga 328.370 habitantes (IBGE, 2010), sendo o mais populoso da cidade. Sua área de grandes extensões, com 11.912,53 hectares e baixa densidade – 27,5 hab/ha – ainda conta com uma paisagem natural privilegiada, acolhendo parte do Parque Estadual da Pedra Branca e do Parque Municipal da Serra do Gericinó-Mendanha.

Figura 1: Localização.

Fonte: Instituto Pereira Passos, 2008.

 

Apesar de Campo Grande preservar características rurais até 1960 (CORREIA, 1936; SOARES, 1965), o desenvolvimento da malha viária e transportes rodoviários trouxeram uma nova dinâmica ao local, interferindo na produção e expansão do espaço urbano (VILLAÇA, 2001). Por essa razão, é necessário recorrer à evolução dos meios de transporte em Campo Grande para entender seu crescimento.

No primeiro momento, vê-se a importância das linhas férreas como frente de expansão da malha urbana. A movimentação de pessoas nas estações ferroviárias possibilitou que próximo a elas se desenvolvessem núcleos de comércio e serviços (SOARES, 1965 e 1990). O trecho da Estrada de Ferro D. Pedro II que passa por Campo Grande foi inaugurado em 1878, propiciando o melhor acesso ao centro da cidade.

Apesar da expansão que a chegada das ferrovias proporcionou aos lugares distantes do centro, o adensamento era concentrado no entorno delas, já “o modelo rodoviário urbano é fator de crescimento disperso e de espraiamento da cidade”, como Santos assegura (2005, p.100) e diante disso, faz-se notório apontar que este fato teve relevância para a expansão dispersa do bairro, através das grandes avenidas implantadas anteriormente à primeira metade do século XX, como a Avenida Brasil e a antiga Estrada Rio São-Paulo.

Outra vertente do processo de transformação do solo urbano está ligada às atividades produtivas. A fim de direcionar o sentido da descentralização industrial do município, na década de 1960, o Governo Estadual implantou os Distritos Industriais de Campo Grande, Paciência, Palmares e Santa Cruz, todos situados na Zona Oeste, às margens da Avenida Brasil, transformando estes bairros em nova frente de expansão do setor (ABREU, 2006).

Por último vale destacar a chegada do primeiro shopping em Campo Grande em 1997, garantindo ainda mais sua proeminência. Se antes, já era considerado um centro comercial abastado devido suas atividades (DUARTE, 1974), o shopping favoreceu o aumento da dinâmica econômica e de serviços na região, trazendo de forma desordenada e segundo os interesses do capital privado, a infraestrutura necessária.

 

A CENTRALIDADE DE CAMPO GRANDE

 

A construção do primeiro shopping impulsionou a oferta de infraestrutura urbana e serviços. A circunvizinhança rapidamente recebeu os impactos positivos, como a duplicação da Estrada da Posse e da Estrada do Mendanha (conf. Fig.5) e as novas linhas de ônibus. Ainda foram visíveis melhorias na iluminação pública, no saneamento e melhor qualidade e quantidade de serviços, como agências bancárias, lojas diversificadas, estacionamento, clínicas e restaurantes no entorno da construção.  Foi neste período implantado também o Projeto Rio-Cidade, da prefeitura, com vistas à modernização e revitalização dos subcentros.

Maricato revela que as transformações dessas áreas são conduzidas pelo Estado, em parceria com a indústria de construção civil, que irão criar novos locais que sirvam à lógica do capital. Neste sentido, “o impulso que leva à produção de shoppings centers [...] é a tentativa do capital de produzir e transformar as localizações em mercadorias” (2009, p. 72). Após cinco anos da inauguração, as vendas do West Shopping já ultrapassavam dez milhões de reais mensais, com um público médio de um milhão e meio de pessoas/mês[1] (Figura 2). Outro benefício observado após o empreendimento sobreveio ao subcentro: a chegada de lojas e serviços especializados não encontrados no shopping, como consultórios médicos, laboratórios e escritórios.


[1] Revista ISTO É - Concreta visão: West Plaza é inaugurado, vencendo ceticismo inicial - São Paulo, 8 mai. 2001.

Figura 2: West Shopping na Estrada do Mendanha.

Fonte: acesso em 15 set. 2010.


O centro comercial serve como ponto convergente a várias outras franjas periféricas da cidade e inclusive municípios vizinhos[1], como é possível visualizar na Figura 3. Da mesma forma, a oferta de empregos dá-se em larga escala, segundo o estudo de La Rovere (2009), em 2006 o bairro concentrou aproximadamente quarenta mil empregos. Como bem expressa Duarte, “assim é que o grau de desenvolvimento de um núcleo central traduz-se, na realidade, pelo campo de forças que exerce sobre as áreas circunvizinhas que gravitam em torno dele” (1974, p.56).



[1] Duque de Caxias, Itaguaí, Mangaratiba, Nova Iguaçu e Seropédica.

Figura 3: Área de abrangência do subcentro de Campo Grande - bairros e municípios.

Fonte: acesso em 1 jul. 2011. Adaptação da autora, 2011.

 

Esta autonomia referente ao setor terciário é notória quando se observa também que o bairro ocupou o segundo lugar em arrecadação de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS – em 2008, com o número de R$1.344.175.475,50, perdendo apenas para o Centro com R$2.309.355.332,32 (ACICG, 2009). Outro dado importante é que a principal rua do subcentro recebe cerca de 250 mil pessoas por dia[1] (Figura 4), sendo considerada um shopping a céu aberto.


[1] Michel Alecrim, 14 ago. 2010. Disponível em:

shopping_devolve_lojas_as_ruas_103290.html> acesso em 23 set. 2011.

Figura 4: “Calçadão” de Campo Grande na Rua Coronel Agostinho.

Fonte: SILVA, V. 2009.

 

Em decorrência do desenvolvimento do bairro, nos últimos anos, edifícios comerciais têm sido lançados como o Plaza Office, Conjunto Mont Blanc, CampoGrande Office & Mall e Medical Center. Tem havido uma procura cada vez maior de empresas diversas, tais como lojas de departamento, clínicas, academias, imobiliárias, concessionárias de veículos importados, centros de estética etc., visando atingir o mercado diferenciado da região. Dados do Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM – apontaram a localidade como oitava no ranking de bairros cariocas que apresentam maior quantidade de sa­las comerciais, e a terceira em números de lojas (2008).

Recentemente o grupo Multiplan inaugurou o Park Shopping Campo Grande na Estrada do Monteiro, do lado oposto ao núcleo de expansão do primeiro (conf. Fig. 5). O megaempreendimento tem a perspectiva de impulsionar a construção de edifícios comerciais e residenciais voltados às classes B e C no entorno, e tem como uma das justificativas para edificação a preparação da cidade para eventos futuros, tais como Copa do Mundo e Olimpíadas (Valor on-line, 2010[1]). Desta feita, houve a valorização de numerosos empreendimentos próximos ao local. Ratifica-se assim, mais uma vez que o investimento público e privado trabalham juntos, no intuito de trazer melhorias seletivas, que de alguma forma, darão retorno financeiro (MARICATO, 2009).

A seguir, a descrição da circulação dos meios de transporte inter e intraurbanos contribuem na análise da centralidade do bairro para parte da Zona Oeste ao passo que a precariedade deste sistema reforça a posição periférica que guarda em relação à cidade do Rio de Janeiro.

 

A MOBILIDADE DE CAMPO GRANDE

 

A estrutura viária implantada (Figura 5) fortalece o desenvolvimento de Campo Grande e sua ocupação.  A Avenida Brasil e a antiga Estrada Rio-São Paulo são eixos estruturantes da cidade, pois encontram-se com outras vias de importância estadual e interestadual, como é o caso das Rodovias Rio-Santos e Presidente Dutra. A primeira permite o acesso à região sul-fluminense e a segunda a Seropédica e Nova Iguaçu, além disso, as duas rodovias culminam no estado de São Paulo.


[1] Paola de Moura, 7 mai. 2010. Disponível em

102/117343/multiplan-investe-em-empreendimentos-multiuso> acesso em 21 nov. 2010.

Figura 5: Principais localizações e eixos viários de Campo Grande.

Fonte: Google Earth, acesso em 14 jul. 2011. Imagem de 2 abr. 2011. Edição da autora, 2011


Os principais eixos de conexão com a cidade são em direção à Barra da Tijuca através das Estradas do Mato Alto e do Margarça, e à Zona Norte e Centro, pela  Avenida Brasil. No âmbito local, as vias largas e viadutos facilitam o acesso em direção aos bairros vizinhos, subcentro, West Shopping e Park Shopping Campo Grande.

A rodoviária e ruas próximas (Figuras 6 e 7), contam com cerca de vinte linhas de ônibus que fazem cursos intermunicipais[1] e um interestadual[2], e segundo a prefeitura, 40% da frota da Zona Oeste passa por Campo Grande. Além, disso é necessário destacar a importância do trem e transporte alternativo para a locomoção pela cidade, este muitas vezes oferece trajetos diferenciados, não concedidos pelos ônibus regulares.


[1]Angra dos Reis, Barra Mansa, Cabo Frio, Duque de Caxias, Itaguaí, Itaperuna, Macaé, Mangaratiba, Nilópolis, Nova Friburgo, Nova Iguaçu, Petrópolis, Piraí, São Gonçalo, Seropédica e Volta Redonda.

[2]São Paulo.

Figuras 6 e 7: Pontos finais da Rua Campo Grande e Terminal Rodoviário.

Fonte: ANTUNES, 2009.

 

Dois empreendimentos viários poderão agregar valor e dinamicidade econômica ao bairro e arredores: a TransOeste e o Arco Metropolitano. O primeiro corresponde a um corredor expresso ligando a Barra da Tijuca – um dos principais pólos de emprego da Zona Oeste – ao bairro de Santa Cruz e Campo Grande. É uma estratégia que atende às exigências das Olimpíadas de 2016. Já o Arco Metropolitano, executado em cooperação entre o Governo do Estado e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT –, pretende ligar o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro – COMPERJ – em Itaboraí, ao Porto de Itaguaí. Isso proporcionará o crescimento do Distrito Industrial de Campo Grande, localizado a cerca de 50km deste porto, e  a desobstrução do intenso tráfego de caminhões na Avenida Brasil.

Deste modo, a circulação dos meios de transporte veio contribuir para a ocupação de espaços antes vazios, por se localizarem distantes do centro da cidade. No entanto, a perspectiva otimista apresentada conta com diversos problemas, como será visto a seguir.

 

A IMOBILIDADE DE CAMPO GRANDE

 

O recente crescimento econômico e imobiliário de Campo Grande não exclui problemas atrelados ao fato de estar inserido em uma região periférica da cidade, com infraestrutura limitada e escasso investimento planejado do poder público. Para Lefebvre (2008), as centralidades urbanas são cheias de rupturas e continuidades, diferenças e identificações. Neste sentido, encara-se Campo Grande como centralidade das periferias e periferia do município. Dito isto, percebe-se que a descrição da circulação viária apresentada no capítulo anterior merece uma contextualização mais profunda, de modo a rechaçar a aparente mobilidade.

A distância entre a área central e o bairro – cerca de 50 km – torna o local quase que outra cidade, já que municípios da região metropolitana apresentam a mesma distância ou menos do centro do Rio de Janeiro. Desta forma, no intuito de proporcionar mais conforto aos passageiros devido ao “longo caminho a percorrer” e aos engarrafamentos constantes, algumas linhas chegam a cobrar R$11,00 neste trajeto. O preço abusivo da tarifa se repete na única linha em direção a Zona Sul (Campo Grande- Copacabana). Já trajetos para a Taquara, Praça Seca e Freguesia (bairros da Zona Oeste) são oferecidos apenas pelo transporte alternativo, o que obriga o cidadão a utilizá-los mesmo considerando sua qualidade duvidosa e custos mais elevados que o transporte regular. Outra possibilidade são os trens, contudo, estes não comportam a grande quantidade de passageiros, apresentam-se em condições precárias de manutenção, sem proporcionar o mínimo de segurança aos seus usuários, que se sujeitam aos horários irregulares e lotação inadequada por falta de opções melhores.

Além disso, as condições de deslocamento são dificultadas pela pequena frota de ônibus, quando comparada a de outras regiões (Tabela 1).  É necessário ressaltar que, apesar de o bairro contar com este precário serviço de transporte, a circunvizinhança está munida de opções ainda piores, com exceção de Bangu. Devido à insuficiência do transporte regular, kombis e vans são utilizadas cada vez mais pela população, estas “opções alternativas” são controladas por organizações paramilitares muito perigosas (milícias), que vem sendo alvo de diversas denúncias e investigações pelo poder público. Esta dificuldade de mobilidade com frotas escassas e mal equipadas, somadas às grandes distâncias contribuem para a ampliação dos serviços de baixa qualidade e informalidade (LAGO, 2007).

Tabela 1: Extensão territorial, frota de ônibus e população segundo as RA`s.

Fonte: Lemos et al., 2004 e IBGE 2000 e 2010.

 

Como se pode notar, não apenas a população campograndense, como também a de outros locais, tais como Guaratiba e Santa Cruz, mantém certo isolamento do resto da cidade não somente pelo fato de se localizarem distantes da área central. O ponto principal envolve o baixo investimento do setor público em melhorias no transporte coletivo e a falta de paridade nos valores das passagens. A população que utiliza este equipamento encontra-se em desvantagem em relação a outras regiões, com menores extensões físicas e mais próximas ao centro.

O Terminal Rodoviário de Campo Grande opera em péssimas condições de infraestrutura, com a presença de ambulantes e moradores de rua convivendo juntamente com os passageiros, contudo atualmente está em processo de reforma para a implantação da estação da TransOeste. Apesar de 40% das linhas de ônibus da Zona Oeste passarem por Campo Grande, este número é claramente insuficiente, já que o bairro é o mais populoso da cidade, concentrando uma população menos abastada que necessita do transporte público. Simultaneamente a estas complicações, a classe média/alta ali residente realiza seus deslocamentos até os locais de trabalho em veículos próprios, alterando a dinâmica do tráfego no bairro, com engarrafamentos diários, até mesmo fora do horário de rush.

Lago (2000) assegura que a renda e o grau de escolaridade contribuirão na capacidade de atrair investimentos públicos e/ou privados, cujos índices também estão diretamente ligados à qualidade de vida e à dinâmica do lugar em questão. Desta forma, observou-se que a renda média de Campo Grande(quatro s.m.[1]) mesmo sendo um pouco melhor que a maioria dos bairros da Zona Oeste[2] (três s.m.) ainda está abaixo da média municipal, que é de seis s.m.[3], o que torna a área pouco atrativa financeiramente, segundo a lógica capitalista. Todavia, cerca de 10% de sua população – pouco mais de trinta mil pessoas – recebe acima de dez s.m. (ARMAZÉM DE DADOS, 2000), o que pode vir a atrair capital. Estes índices reiteram que a posição periférica destas localidades interfere nas possibilidades de mobilidade social, já que mesmo com a chegada da classe média, a realidade das camadas populares permanece desfavorável.

A solução para as classes menos abastadas é buscar locais que possibilitem o acesso a empregos com maior qualificação, sendo necessários para isto, os meios de transporte coletivos ou individuais. Mais uma vez a renda exercerá influência na mobilidade, pois mesmo a disponibilização de acessibilidade estará sujeita à capacidade financeira do individuo utilizá-la. A imobilidade poderá afetar a localização das atividades, contribuindo para a ampliação muitas vezes dos serviços de baixa qualidade e como já dito, para a informalidade (LAGO, 2007).

Atrelado ao fator renda, sabe-se que o mercado de trabalho tem exigido níveis cada vez maiores de qualificação, dando ênfase à importância da graduação. Neste sentido, o bairro atualmente concentra algumas instituições privadas[4] e uma entidade pública, a UEZO – Universidade Estadual da Zona Oeste. No entanto, o acesso à educação superior pública em outras regiões da cidade é bastante limitado, com apenas uma linha de ônibus em direção a Universidade Federal do Rio de Janeiro, e outra a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, em Seropédica.

De fato, a população qualificada não encontra empregos adequados à sua formação nas proximidades, pois apesar de o bairro agregar 33% dos empregos da Zona Oeste e 1,9% dos empregos do Rio de Janeiro não oferece cargos com salários elevados (Tabela 2) e exigem em sua maioria apenas formação fundamental (14.345) e média (18.147), com baixa quantidade de cargos que requerem a graduação (4.935) (LA ROVERE, 2009).


[1] Salário mínimo.

[2] Barra de Guaratiba, Campo Grande, Cosmos, Guaratiba, Inhoaíba, Paciência, Pedra de Guaratiba, Santa Cruz, Santíssimo, Senador Vasconcelos e Sepetiba.

[3]Em 2000, o salário mínimo era de R$ 151,00.

[4]Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos, Faculdade Bezerra Araújo, Fundação Educacional Unificada CampoGrandense, UniverCidade, Universidade Estácio de Sá.

Tabela 2: Distribuição de empregos em Campo Grande por salário mínimo, 2006.

Fonte: La Rovere, 2009.

 

Ainda em relação a estrutura viária, com efeito, desde a chegada do West Shopping, o tráfego sofreu alterações consideráveis, acentuando-se nos últimos anos. Mesmo com a melhoria das estradas no entorno, os moradores ainda reclamam do fluxo intenso de automóveis, que por vezes triplica o tempo de deslocamento. Um fator agravante é que, segundo o Jornal O Globo[1], Campo Grande conta com a terceira maior frota de veículos da cidade, ratificando a precariedade do transporte público pela lógica de facilidade no deslocamento individual. É importante ressaltar também, que as linhas de vans e kombis prejudicam a fluidez do trânsito, já que seus motoristas, em busca de passageiros, não respeitam os pontos de ônibus, além de ultrapassar sinais ou trafegar lentamente à espera de mais clientes.

Recentemente na tentativa de melhorar a fluidez do trânsito, uma via de grande importância para a localidade foi duplicada, a Estrada da Caroba (conf. Fig.5). O fato é que as obras duraram mais de dois anos, o que implicou em uma mudança de trajetos que causou ainda mais contratempos. Uma reportagem de 2011[2] evidenciou estas problemáticas e ainda notificou a falência de praticamente todo o comércio que havia nesta via, devido à diminuição da circulação veicular. Outras estratégias visam sanar o problema do trânsito, como dois viadutos, um já em funcionamento no bairro de Inhoaíba e, o outro, em Santíssimo, onde as obras já foram iniciadas, mais uma vez causando aumento do tráfego em outras vias.

É pertinente afirmar, portanto, que o crescimento urbano tem sido patrocinado pelo Estado, especialmente pela abertura de grandes eixos viários, como avenidas e/ou rodovias, que permitiram o fácil acesso da população. A circulação dos meios de transporte vem contribuir para ocupação de espaços distantes do centro urbano ao passo que esta mesma ocupação ganha proporções que exigem planejamento antecipado, o que não acontece na maioria das periferias urbanas.  Cabe refletir, também, se o crescimento da classe média, embora subsidie melhorias e investimentos em função de uma demanda com exigências diferenciadas, implica no avanço da qualidade de vida à população de baixa renda ou inaugura um processo de exclusão em áreas já periféricas. A complexidade habitacional do bairro, abordada no próximo capítulo, aponta o crescimento de diferentes níveis sociais e a segregação decorrente deste processo.

 

PRODUÇÃO RECENTE DA HABITAÇÃO EM CAMPO GRANDE

 

Após 1970, o sucesso da indústria automobilística e o aumento da acessibilidade permitiram que os grupos de maior poder econômico se deslocassem para locais mais distantes à procura de outros atrativos, tais como qualidades do sítio e amenidades (CORRÊA, 1999),  gerando espaços habitados por uma mescla de segmentos sociais e expandindo o setor imobiliário em diversas direções (HARVEY, 1980), portanto reforçando as atividades terciárias em inúmeros núcleos urbanos. Além disto, a crise econômica, iniciada em meados da década de 80, acarretou uma nova configuração da produção espacial na metrópole. Fatores como o aumento da inflação, redução dos salários e instabilidade empregatícia desencadearam a busca da classe média por localidades com baixo valor da terra, (re)valorizando zonas periféricas (LAGO, 2000). Consequentemente, em Campo Grande, nos anos 1990, o bairro apresentou uma taxa de crescimento demográfico de 22% (IBGE, 2000).

Campo Grande ainda conta com riquezas naturais. De acordo com Villaça “os atrativos do sítio natural têm contribuído [como] importante fator de atração da expansão urbana” (2001, p. 107). O bairro conta com 26% de área verde (SMAC, 2001), significando boa condição para atrair uma população em busca de qualidade de vida, como corrobora Lefebvre (2008). Estes privilégios, como a qualidade do ar, proximidade com a natureza e tranqüilidade, são aproveitados como fonte de lucratividade para o mercado imobiliário. O verde presente em toda a região cercada pela Serra do Gericinó-Mendanha e pelo Pico da Pedra Branca é potência para o turismo ecológico. Devido à estes e outros fatores, em 2008, Campo Grande ocupou o terceiro lugar no ranking de lançamentos imobiliários na cidade (10%)[3]. Já em 2009, reuniu o maior número de imóveis novos aproximadamente duas mil e seiscentas moradias.

Juntamente com a onda de novos empreendimentos para as classes média/alta, políticas de moradia popular têm estado presentes. Conjuntos habitacionais vêm sendo implantados ou reformados em várias porções do bairro, patrocinados pelas diversas esferas de governo. Outros programas habitacionais visam financiar a compra do primeiro imóvel a juros baixos, a fim de favorecer as classes baixa e média.

Vê-se, portanto, uma aproximação entre as classes sociais (Figuras 8 e 9), contrariando a lógica núcleo-periferia, em que os mais ricos se localizavam aglomerados em locais onde a principal vantagem era a menor distância do centro de serviços e negócios. Sendo assim, é possível identificar a ampliação de setores médios em Campo Grande e a diversidade da oferta imobiliária, indicando o bairro como uma nova centralidade comercial e imobiliária na periferia.


[1]21 mar. 2008.

[2] RJTV, 11 de agosto de 2011 1aedição.

[3]Disponível em > acesso em 3 jun. 2011.

Figuras 8 e 9: Condomínios para a classe média e habitação popular, respectivamente.

Fonte: acesso em 28 set. 2011 e acervo Priscilla Fonseca, set. 2011.


Vê-se aí o processo de segregação socioespacial, quando as camadas de maior renda passam a buscar melhores condições de moradia, conforto e comodidade e a  habitar nos espaços servidos de infraestrutura, acessibilidade e meio ambiente privilegiado. Isso vem acirrar as desigualdades da produção da moradia e a situação desfavorável dos grupos menos abastados, empurrados cada vez mais para áreas periféricas, com limitações da estrutura urbana (CORRÊA, 1999).

 

CONCLUSÃO

 

Campo Grande a seus arredores foram a última fronteira de expansão para a população carioca. Os Distritos Industriais instalados com grandes empresas indicavam o crescimento da área. Em Campo Grande, a acessibilidade conferida por sua rodoviária e estação ferroviária, além da proximidade com outros espaços densamente habitados, possibilitaram agregar uma demanda por moradia, que, consequentemente incentivou o setor imobiliário a investir na região.

As vocações naturais que fazem do bairro um lugar com tantas peculiaridades, reforçam a atuação do mercado imobiliário. Aspectos positivos são encontrados, tais como áreas disponíveis para edificação, baixa densidade demográfica e meio ambiente privilegiado. A economia local proporcionada principalmente pelo subcentro tem fôlego para dinamizar-se ainda mais e favorecer novas oportunidades de emprego.

Em relação à produção imobiliária no bairro em estudo, percebe-se que, apesar do avanço das opções de moradia para a classe média, vários lançamentos de conjuntos habitacionais complexificam a dinâmica urbana interna. Como pode garantir Corrêa, “os processos e formas espaciais não são excludentes entre si, podendo ocorrer simultaneamente na mesma cidade ou no mesmo bairro (...) pode-se afirmar que os processos espaciais são complementares entre si.” (1999, p.37).

A dependência de outros núcleos urbanos em relação a serviços encontrados em Campo Grande caracterizam o bairro como uma centralidade a esta porção da cidade. A própria distância do centro favoreceu o desenvolvimento e mobilidade intrabairros. Contudo, esta aparente facilidade e crescimento contribuíram também para seu isolamento através do escasso investimento público em transporte, o colocando numa situação de imobilidade, gerando inclusive outros meios de possibilitar o deslocamento, como o transporte alternativo e seus riscos, e também o mercado informal, como é visto no subcentro. Isto não significa, porém, que não exista no bairro uma certa autonomia econômica e de atividades comerciais, contudo, esta dicotomia centralidade-periferia que o bairro se insere implica em várias contradições internas, ao passo que há obras viárias e novos condomínios fechados competindo espaço com habitações populares.

Toda esta dinâmica econômica, social e habitacional são válidas para avaliar a realidade carioca e, sobretudo, a de um bairro periférico no âmbito municipal, contudo central em uma escala menor. O estudo visou trazer estas contradições à tona e oferecer uma base ainda que pequena, que sirva a outras pesquisas e debates de novas áreas em condições semelhantes.

 

REFERÊNCIAS

 

ABREU, Maurício de Almeida. Evolução urbana no Rio de Janeiro. 4ª Ed. Rio de Janeiro: IPP, 2006. 156p.

ANTUNES, Gisele Teixeira. Mudanças no espaço metropolitano: novas centralidades e dinmicas espaciais no bairro de Campo Grande - Zona Oeste e municípios vizinhos. Dissertação (Licenciatura em Arquitetura e Urbanismo). Universidade Federal Fluminense, Niterói - RJ, 2009. 65p.

ARMAZÉM DE DADOS, Evolução da População de Favelas na Cidade do Rio de Janeiro: uma Reflexão sobre os Dados mais Recentes. Coleção de Estudos Cariocas n. 20020201, Fevereiro, 2002. 15p.  Disponível em acesso em 1 mai. 2011.

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