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Chão Urbano

Chão Urbano ANO XII – N° 6 NOVEMBRO / DEZEMBRO 2012

01/11/2012

Integra:

                      ANO XII – N° 6 NOVEMBRO / DEZEMBRO 2012

 

 

Editor

Mauro Kleiman

 

Publicação On-line

Bimestral

 

Comitê Editorial

Mauro Kleiman (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)

Márcia Oliveira Kauffmann Leivas (Dra. em Planejamento Urbano e Regional)

Maria Alice Chaves Nunes Costa (Dra. em Planejamento Urbano e Regional)

Viviani de Moraes Freitas Ribeiro (Dra. Planejamento Urbano e Regional IPPUR/UFRJ)

Luciene Pimentel da Silva (Profa. Dra. – UERJ)

Hermes Magalhães Tavares (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)

Hugo Pinto (Doutourando em Governação, Conhecimento e Inovação, Universidade de Coimbra – Portugal)

 

IPPUR / UFRJ

Apoio CNPq

 

LABORATÓRIO REDES URBANAS

LABORATÓRIO DAS REGIÕES METROPOLITANAS

 

Coordenador Mauro Kleiman

 

Equipe

Isadora Silva de Araújo, Roselea Barbosa Valadão,

Nínive Gonçalves Miranda Daniel, Isabel Gonçalves Coelho Laurindo

 

Pesquisadores associados

Audrey Seon, Humberto Ferreira da Silva, Márcia Oliveira Kauffmann Leivas, Maria Alice Chaves Nunes Costa, Viviani de Moraes Freitas Ribeiro, Vinícius Fernandes da Silva, Pricila Loretti Tavares

 

 

 

 

Índice

 

 

Análise da Efetividade Social da Implantação de Redes de Água e Esgoto em Favelas e Seus Impactos na Redefinição das Tipologias Habitacionais e Nos Espaços Públicos e Privados: O Caso da Favela do Cantagalo no Rio De Janeiro

                                              

Nínive Gonçalves Miranda Daniel e

Roselea Barbosa Valadão.................................p.3

 

 

Análise da Efetividade Social da Implantação de Redes de Água e Esgoto em Favelas e Seus Impactos na Redefinição das Tipologias Habitacionais e Nos Espaços Públicos e Privados: O Caso da Favela do Cantagalo no Rio De Janeiro 

 

Isabel Gonçalves Coelho Laurindo e

Mauro Kleiman................................. p.24

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Análise das Questões dos Resíduos Sólidos e Seus Impactos nas Práticas Cotidianas das Favelas Santa Marta e Cantagalo/ Pavão- Pavãozinho no Contexto das Recentes Intervenções Urbanísticas e das UPPs

 

Nínive Gonçalves Miranda Daniel

Roselea Barbosa Valadão

Laboratório Redes Urbanas - IPPUR - UFRJ

 

RESUMO:

O artigo pretende analisar as questões do lixo para apontar sua situação atual e impacto nas práticas cotidianas das favelas Santa Marta e Cantagalo/Pavão-Pavãozinho. A metodologia adotada foi qualitativa, por meio de observação direta de campo, registros fotográficos e questionários semi-estruturados com moradores e agentes especiais, assim como, entrevistas específicas sobre o Programa Light Recicla (no caso Favela Santa Marta). A implantação do programa Light Recicla (Um projeto de geração de renda, que consiste de troca de material reciclável por desconto na conta de Energia) é o que difere as mudanças entre as duas favelas. Porém, também no Complexo Cantagalo/ Pavão-Pavãozinho foram encontrados alguns projetos que ainda estão em desenvolvimento ou que ainda não estão bem consolidados. Os resultados obtidos no estudo apontam assim, que em face à atuação do governo com sua intervenção política na questão do lixo nas favelas, ocorreram mudanças significativas no cotidiano da população, pois com a saída dos garis comunitários, a coleta que era feita na porta de casa deixou de existir, refletindo em uma mudança de práticas por partes dos moradores, que agora levam seu lixo até um ponto de coleta, que normalmente fica longe da moradia o que faz com que por vezes prefira lançá-lo ou deixá-lo em qualquer ponto a sua frente. Portanto, hoje existe uma nova logística para o descarte e coleta dos resíduos sólidos, mas que não atende a demanda, favorecendo assim formação de pontos de acúmulo de lixo em diversas áreas das favelas.

 

PALAVRAS-CHAVES: Favelas; Práticas Cotidianas; Resíduos Sólidos; Rio de Janeiro.

 

Introdução

Desde início do século XX a problemática dos resíduos sólidos segue sendo - apesar das várias intervenções, ações de urbanização e outras por parte do Poder Público - um problema dos mais graves da cidade do Rio de Janeiro com todas as consequências advindas do mesmo. Ao longo dos séculos foi pensado em diversas formas de se revolver tal problema, mais nenhuma ainda, obteve sucesso eficaz. A cultura, o costume da população apesar das restrições e exigências das autoridades se fazia mais forte e sobreponha a qualquer que fossem as regras. O hábito de se desfazer do lixo e dos despejos onde fosse de mais fácil acesso, perduraram-se por séculos e ainda se nota presente.

A partir de 1864 com implantação da rede esgoto na cidade Rio de Janeiro a questão do lixo ganha mais força e passa ser objeto exclusivo do serviço de limpeza pública. Nessa conjuntura, a questão dos resíduos sólidos no centro da cidade do Rio de janeiro parecia ter sido resolvida. O serviço público de limpeza ganhou uma maior atenção por parte do Poder Público e passa ser administrado pela prefeitura, onde antes eram serviços concedidos a terceiros por meio de concessões. Esses serviços eram ineficientes. Faltava-lhes organização, equipamentos necessários à limpeza urbana e além de serem custosos para a prefeitura. Por esses motivos o encargo acabava voltando para as mãos dos governantes a fim de se trazer uma solução concreta que de fato iria sanar a questão do lixo na cidade.

O trabalho traz a observação feita a partir de uma análise das questões dos resíduos sólidos e seus impactos nas práticas cotidianas das favelas do Rio de Janeiro no contexto das recentes intervenções urbanísticas e das UPPs, buscando mostrar à ineficiência e/ ou a total ausência do serviço prestado a favela. A pesquisa se estrutura em casos estudados nas Favelas Santa Marta, Cantagalo/ Pavão–Pavãozinho, tendo como exemplos alguns tipos de situações: ausência total do serviço de coleta nas residências dos moradores, a má ou nenhuma manutenção das vias públicas e a precariedade no que se refere ao acesso a pontos coletores de lixo. A metodologia usada foi à inserção no meio do convívio social e diário dos moradores das favelas buscando através da sociabilidade uma maior interação por meio das entrevistas, aplicação de questionários e registros fotográficos, sendo assim possível observar o modo de vida e as práticas cotidianas dos moradores e sua relação com o lixo.

Entendemos como práticas cotidianas o conjunto de rotinas, gestos e ações que os moradores desenvolvem para enfrentar suas condições de vida, determinando ritmos de tempo regulares e inserções na cidade para o trabalho, a escola, as compras...

Através de conversas e entrevistas feitas com agentes especiais[1] foi possível obter informações mais precisas sobre características e especificidades das favelas estudadas, sendo possível conhecer detalhadamente o cotidiano atual e os impactos das novas intervenções tanto na vida pessoal destes, como dos moradores como um todo.

O artigo divide-se em duas etapas: a primeira tenta mostrar a dificuldade vivida pela população carente das favelas do Rio de Janeiro face ao quadro de coleta do lixo e a limpeza contínua das vias públicas, tanto quanto da não articulação ou má articulação a este serviço básico, como sob o impacto da sua implantação na vida cotidiana da população. A segunda aponta para os impactos da introdução da nova logística do lixo e a implantação de novos projetos ambientais com foco na educação e na conscientização quanto ao consumo e o descarte do lixo.

 

A Questão dos Resíduos Sólidos e as Práticas Cotidianas das Favelas Santa Marta e Cantagalo/ Pavão- Pavãozinho

O lixo sempre foi um grande problema encontrado nas grandes cidades. No Rio de Janeiro as favelas que crescem na cidade nos mostram isso perfeitamente. Como podemos ver em KLEIMAN, (2002 p. 303) o sinal da desigualdade socioespacial, onde as camadas de maior renda são beneficiadas pelos projetos e serviços do governo por possuir um maior poder de compra; em contrapartida, observa-se a ausência e/ ou precariedade no atendimento para as comunidades mais carentes. De um lado conseguimos observar atuação do governo no que tange aos serviços prestados. O lixo é colhido diariamente na porta do cidadão, as ruas são varridas constantemente, há pontos coletores de lixos e lixeiras espalhadas por toda a cidade, tornando-a totalmente equipada e cada vez mais atrativa ao mercado imobiliário, ao contrário do que se pode observar na favela, que é total ou parcialmente desprovida desses serviços e sofre com a falta dos mesmos. (VETTER, 1979, OLIVEIRA et al.,1993; KLEIMAN,1997, 2011).

Essa situação vem sendo desde então objeto de preocupação por parte do poder público. A problemática dos resíduos sólidos encontrados no Rio de Janeiro aparece estampada nos jornais: “O Rio de Janeiro, conhecido mundialmente como cidade maravilhosa, é também a cidade com a maior quantidade de lixo per capita no Brasil”. (Jornal O Globo, 2011). Face aos acontecimentos importantes como a Rio+20, as Olimpíadas de 2014 e a copa do Mundo em 2016, não há dúvidas de que o governo Já começou a se mostrar atuante, mas ainda existem ações a ser realizada em prol de um objetivo concreto que dará uma solução definitiva a problemática dos resíduos sólidos em toda a cidade, porém trataremos especialmente das favelas



[1] Entende-se que são moradores antigos, lideranças comunitárias, presidentes de associações de moradores, pessoas que conhecem a favela como um todo.

Figura 1: Pontos de acúmulo de lixo.

 

Antes da pacificação nas favelas, as obras e serviços públicos eram movidos por interesses políticos, associado a uma população carente de recursos que trocavam seus votos por benefícios prestados em doses homeopáticas pelo governo. Constituindo assim, uma forma de clientelismo, em que o estado se fazia minimamente presente buscando soluções apenas paliativas que nunca foram suficientes para resolver o problema do lixo nas favelas.

Figura 2: Favela Cantagalo- RJ

 

Frente a essa nova realidade, e visando os grandes eventos que estão por vir, ocorreu uma grande pressão política e social para que investimentos fossem feitos nas favelas. Sendo assim, houve um aumento das intervenções urbanísticas por parte do poder público trazendo a favela para uma realidade mais próxima da cidade formal. Nesse novo contexto, o serviço de coleta do lixo, deixou de ser prestado pelos garis comunitários[1] e passou a ser realizado por funcionários efetivos da Comlurb.      

Nas favelas exploradas, a partir dos depoimentos colhidos, entrevistas realizadas e observações diretas no campo, a população mostrou uma grande insatisfação quanto à nova forma de limpeza feita pela Comlurb. Na favela Santa Marta os moradores alegaram que os garis comunitários limpavam as valas e canaletas, coletavam os sacos diretamente na porta das residências e levavam aos pontos de coleta da Comlurb, que se localizam nas estações do plano inclinado, longe de suas casas.

Segundo a população foi notória a diferença entre o serviço prestado pelos garis comunitários e os garis contratados pela Comlurb. Os primeiros se organizavam em mutirões para a manutenção e limpeza de todos os caminhos públicos, encostas, valas, canaletas pluviais etc. Já o serviço atual não faz a varrição por completo da favela, não coleta o lixo do morador em suas casas e realizam a tarefa de limpeza diária contemplando apenas as vias principais.

As fotos abaixam mostram como os problemas surgem e se agravam. Observam-se espaços em desuso e valas negras completamente tomadas por lixo.



[1] Moradores da própria favela que eram subcontratados pela COMLURB através da Associação de Moradores, sendo remunerados pela prefeitura do Rio de Janeiro.

 

Figura 3: Favela Cantagalo - RJ.                                        Figura 4: Favela Santa Marta – RJ.

[1] Moradores da própria favela que eram subcontratados pela COMLURB através da Associação de Moradores, sendo remunerados pela prefeitura do Rio de Janeiro.

 

Diante dessa situação, a prática cotidiana dos moradores se altera na medida em que tentam se adaptar a falta dos serviços, realizando os mesmos. Os que se preocupam com as questões sanitárias do entorno de suas residências varrem suas portas e levam o lixo gerado até os pontos de coleta. Porém, à distância em que se localizam esses pontos, faz com que alguns moradores descartem o mesmo em um local mais próximo ainda que não seja o lugar apropriado.

 

Práticas Cotidianas sob os Impactos do Programa Light Recicla na Favela da Favela Santa Marta

No caso do Santa Marta, os moradores contam apenas com os pontos de coleta fixados nas estações do plano inclinado, localizado a extrema direita da comunidade. Os residentes mais próximos levam seu lixo até o local adequado, enquanto os demais fazem o descarte em locais inadequados, porém mais próximos de suas moradias.

A logística de coleta atual funciona de modo que cada morador leva seu lixo, ensacado, até a estação do plano inclinado que ficar mais próxima de sua residência. O plano inclinado é composto por cinco estações: primeira (ponto central onde está a compactadora), segunda (com quatro contêineres), terceira (com doze) e quinta (com oito) estação. A quarta estação já foi utilizada como ponto de coleta, mas por falta de espaço, os contêineres foram retirados, pois o lixo ficava no caminho de passagem dos moradores.

Figura 5: Plano inclinado da Santa Marta.

 

Os garis possam recolhendo os contêineres que descem na parte traseira do bonde destinada ao carregamento de cargas. Ao chegar à primeira estação, os resíduos são compactados e destinados ao aterro sanitário. A compactadora, que tem capacidade de 10 toneladas, é substituída três vezes por semana. O total de garis disponibilizados pela Comlurb para trabalhar na Santa Marta, normalmente é de 16, mas como alguns foram demitidos e ainda não houve reposição, a favela conta com apenas 12. Sendo que destes, onze são responsáveis pela varrição dos caminhos e um somente por fazer o recolhimento dos contêineres nas estações e direcioná-lo até a compactadora na primeira estação.

A limpeza das valas, assim como, canaletas e encostas são feitas através de mutirões dos moradores com auxilio dos garis.

Na tentativa de resolver os problemas de distância e quantidade de pontos de coleta na favela, foram construídas duas baias para o deposito do lixo a ser coletado, porém uma delas não foi aceita pelos moradores por ficar muito próxima das casas , uma vez que acabam se tornando um ponto de proliferação de insetos e roedores.

Observou-se também, que os moradores mais próximos do plano inclinado não notaram diferença quanto à limpeza das vias públicas com a saída dos garis comunitários. O local está limpo, porque cada um leva seu lixo até o ponto destinado.

Com a implantação do Projeto Light Recicla em agosto de 2011, na favela da Santa Marta, a questão do lixo ganha um forte aliado e seus moradores, uma nova perspectiva de melhoria de vida no que tange a questão do saneamento na favela:

 

“Agora temos um incentivo maior para cuidar de nosso lixo, e ainda ganharmos um dinheirinho.” João Freitas, 47 anos, proprietário da mercearia D. Regina.

 

Conta-nos um morador satisfeito com o novo projeto sustentável. Além de ser bom para o meio ambiente, ainda é revertido como um benefício para a comunidade que acaba por economizar na conta de energia elétrica, ao receber um desconto na conta de luz. A partir de então a prática cotidiana dos moradores que participam do projeto foi alterada, porque eles passaram a separar e armazenar o lixo reciclável a ser levado aos ecopontos nos dias específicos de coleta.

Figura 6: Ecoponto na subida do plano inclinado.

 

Mas há controvérsias quanto à satisfação dos moradores em relação ao projeto. Como podemos ver abaixo, existem moradores que não acham vantagem em participar.

 

“Esse negócio de reciclagem é uma furada”. A gente leva as coisas lá e recebe uma mixaria. “É mais fácil a gente economizar energia em casa.” Maria Suila, 64 anos, moradora da favela  a 52 anos.

 

O Light Recicla[1] tem como um dos objetivos apoiar o trabalho realizado pela Comlurb. Os moradores das adjacências como os de Botafogo e Humaitá também podem participar do projeto usando o bônus em sua conta de luz ou doando para instituições sociais da Santa Marta cadastradas junto a Light.

O conceito é bem simples: ao se cadastrar no programa, o morador recebe um cartão com seu código de cliente. Feito isso, basta separar o lixo reciclável e levar até um ponto de coleta do Light Recicla. Neste momento, o lixo é pesado separadamente e o cliente recebe um comprovante do desconto para que seja conferido na chegada de sua conta. O valor aferido varia de acordo com a quantidade acumulada e o preço de mercado de cada material.

A Favela Santa Marta conta hoje com quatro ecopontos (dois fixos e dois itinerantes), onde a empresa Brasilpet Reciclagem recolhe e dá um destino útil ao lixo.

 

Práticas Cotidianas sob os Impactos da Nova Logística do Lixo no Complexo de Favelas Cantagalo/Pavão-Pavãozinho

 

            Na favela do Cantagalo os problemas relacionados ao lixo são ainda maiores e preocupantes. Devido ao aclive do lugar e ruas, escadas e vielas muito estreitas e de difícil acesso, os moradores sentem bastante dificuldade em se desfazer do lixo.

            Os pontos de coleta ficam distantes das residências, inibindo o deslocamento por parte dos moradores que precisam levar o lixo até a única rua carroçável da favela, a estrada do Cantagalo, onde a coleta é feita através de veículos apropriados e existem caçambas coletoras. Sendo assim, os moradores de todas as sub-regiões devem se deslocar por um longo caminhão até algum ponto de coleta desses, para que o lixo seja recolhido pelo caminhão da Comlurb.

            Devido a esse problema, o muro que separa os prédios de Ipanema da comunidade está completamente tomado pelo lixo. Com as chuvas convectivas existem fortes possibilidades de desabamento, como pode ser visto na figura 7. 



[1] Projeto piloto sustentável de geração de renda, que consiste de troca de material reciclável por desconto na conta de Energia Elétrica.

Figura 7: Lixão do Quebra-Braço

 

Através de entrevistas aplicadas com os moradores dessa região, obtivemos a informação sobre a existência de um cadeirante que passa por esse corredor que beira o muro toda vez que sai de casa. Porém esse espaço de passagem está tomado por lixo, entulho, resíduos de corte de árvore etc. bloqueando a passagem. Em contra partida, quando indagados nos questionários acerca da regularidade da limpeza do local, alguns moradores alegam que é feita uma varrição diária, o que contraria a realidade observada pelos pesquisadores.

O caso do Quebra-Braço é específico na favela do Cantagalo e ainda em estudos nos projetos que visam atender a nova logística do lixo para melhorar a situação nesta parte da comunidade. Com a implantação do elevador na estação do Metrô de Ipanema (Complexo Rubem Braga) as dificuldades aumentaram ainda mais no que tange ao descarte de lixo nessa parte da favela. Ali existia um “lixoduto” por onde os moradores descartavam seus resíduos sólidos que desciam e caiam em uma caçamba que ficava na Rua Barão da Torre, em Ipanema, Zona Sul do Rio de Janeiro, para que a Comlurb pudesse recolher. Existe hoje um grande impasse entre as empresas responsáveis pela obra do Metrô (Odebrecht, OAS e Metrô Rio) que se eximem da responsabilidade de resolver o problema ocasionado pela retirada do “lixoduto”. Enquanto isso os moradores continuam descartando em locais inadequados os resíduos gerados.

Já no caso da Nova Brasília, ainda no Cantagalo, a situação dos moradores é um pouco melhor, pois ficam as margens da Estrada do Cantagalo, onde o serviço de varrição é diário e os pontos de coleta ficam próximos. Nestes, o lixo é coletado dois vezes ao dia pelo caminhão da Comlurb.  Ao contrário do Quebra-Braço, aqui existem caçambas próximas às residências, mas ainda assim, ocorre acúmulo de lixo nos locais onde são depositados – as caçambas não comportam o lixo, evidenciando que a coleta regular e o número de funcionários disponibilizados pela Comlurb estão sendo insuficientes.

No Caranguejo, uma subárea do Pavão-Pavãozinho, onde reside a população, mas carente da favela é possível encontrar nos dias atuais residências muito precárias tanto na sua originalidade quanto na forma estrutural das habitações. Podem-se observar casas de pau-a-pique, madeira e ainda outras mistas feitas de diversos materiais improvisados. Além disso, a localidade não tem acesso a serviços básicos como ligação oficial de energia, água e esgoto encanados, muito menos coleta de lixo. Eles contam apenas com um lixoduto, conhecido como “canaleta do canto”, localizado a pouco mais de 100 metros abaixo da região do caranguejo. Devido à dificuldade de deslocamento pela distância e aclividade muitos moradores optam por descartar seu lixo num talvegue, chamado por eles de “Grotão”. Esse lugar é um lixão a céu aberto foco de doenças, insetos e roedores que são atraídos pela grande quantidade de matéria orgânica ali depositada.

No Cantagalo e no Pavão-Pavãozinho os moradores não contam com o projeto Light Recicla, apenas com os projetos de ONGs locais e com os serviços da Comlurb que se mostram insuficientes devido à demanda ser maior que oferta e ainda às dificuldades de logística e declividade. Ao longo da pesquisa foram identificados vários focos de acúmulo de lixo por toda a favela.

Práticas Cotidianas sob os Impactos dos Programas Reciclart, Boca de Lixeira e Vamos Combinar um PPG Mais Limpo

 

Nas favelas estudadas, os projetos dos programas sociais, tanto os que estão em desenvolvimento, quanto os que já estão se consolidando, deixam inúmeras expectativas nos moradores ao mesmo tempo em que alteram algumas das práticas cotidianas dos mesmos. 

Os projetos Reciclart, Boca de Lixeira, Favela mais Limpa e Vamos combinar um PPG Mais Limpo, visam promover uma educação ambiental eficiente na comunidade de forma a conscientizar a população quanto ao consumo e descarte do lixo, conseguindo assim, melhorar as condições sanitárias do lugar e ainda diminuir ou até mesmo erradicar os numerosos insetos e roedores que podem ser vistos a toda hora, passando pelos caminhos públicos, dividindo espaço com os moradores locais. 

Figura 8: Ponto de coleta de reciláveis na Estrada do Cantagalo.

Figura 9: Trabalhos feitos nas oficinas do Projeto Reciclart.

 

Os programas oferecem aos moradores da favela, oportunidades de participarem de aulas e oficinas de artesanato com materiais recicláveis. Segundo observado na pesquisa, os participantes das oficinas, assim como outros residentes mostram-se bastante interessados nesta causa. São realizadas coletas seletivas em prol da reutilização desses materiais nas oficinas onde é feito todo o trabalho artesanal que por vezes é vendido e tem sua renda revertida para os compartes. Os mesmos se mobilizam para diminuir o lixo descartado em locais inadequados e adquirem hábitos de consumo e descarte conscientes de seus resíduos sólidos.

As aulas são ministradas em pontos estratégicos e de fácil acesso, para estimular a participação de pessoas de diversas faixas etárias, assim como facilitar o acesso de moradores de todas as partes da favela. Os projetos contam com apoios de colaboradores e patrocinadores – empresas privadas – que ajudam a manter os espaços físicos, monitores, responsáveis e materiais utilizados. Cíntia, moradora da comunidade a 8 anos e responsável pelo projeto Reciclart, relata que sentiu a necessidade de fazer algo por sua comunidade, e dessa vontade, surgiu a ideia de realizar o projeto. Em depoimento desabafou:

 

            “Há muito lixo espalhado por todos os lugares, onde quer que você passe... Muito ainda precisa ser feito.”

 


Figura 10: Ponto de coleta de reciláveis na Estrada do Cantagalo.

 

A UPP Social atua de forma bastante intensifica apoiando todos os projetos e coordenando o “Vamos Combinar um PPG Mas Limpo”. Juntamente, com a KAL – Projetos e Territórios (empresa responsável pela parte social do PAC II no Complexo de favelas Pavão-Pavãozinho e Cantagalo) atuam reforçando essa integração, estimulando a participação dos moradores e promovendo reuniões com a população, empresas e ONGs interessadas em resolver o problema dos resíduos sólidos nessa favela, cujos próprios moradores classificam como o mais grave e de maior urgência a ser resolvido.

A UPP Social como ator público, através do Vamos Combinar um PPG Mais Limpo, articula agendas que coincidam com as demandas trazidas pelos moradores. Em parceria com a Secretaria Municipal de Conservação e serviços Públicos juntamente com a Comlurb e a comunidade, são desenvolvidos acordos de gestão que se materializam em campo, com o apoio das instituições locais.

Foram implantadas na comunidade pontos de coleta de lixo comum e outros de lixo reciclável – chamados ecopontos - com contêineres e cartazes explicativos orientando o local correto de descarte assim como, a conscientização da população quanto à manutenção e a conservação das vias. É importante ressaltar que esses pontos foram escolhidos estrategicamente em reuniões realizadas entre a comunidade, SECONSERVA, Comlurb e articulada pela UPP Social, visando à acessibilidade dos garis e dos moradores.

 

Considerações Finais

Este trabalho buscou examinar criticamente e propor uma maior compreensão para as relações existentes entre a problemática dos resíduos sólidos nas favelas do Santa Marta, Cantagalo/ Pavão-Pavãozinho, suas semelhanças e diferenças e a questão das práticas cotidianas dos moradores em face dessa nova intervenção do governo com as recentes obras urbanísticas e das UPPs.

 

Figura 11: Cartaz colocado por morador na saída do elevador do Metrô.

 

A pesquisa evidenciou que há muito por se fazer, embora o governo tenha se mostrado bastante atuante nesses últimos meses. Entende-se que é possível e necessário avançar na questão, pois a população ainda sente muito com falta e/ ou precariedade no tange a qualidade dos serviços públicos prestados com relação a problemática dos resíduos sólidos na favela, serviços estes, necessários para obtenção de uma maior qualidade de vida e condições de saúde.  Mostrou também que a prática cotidiana do morador da favela alterou-se bastante diante a essa nova intervenção do poder público, regras foram criadas, e os moradores a partir de então, passaram a ter que respeitar esse novo modelo de organização, que se assemelha ao da cidade dita como formal, como por exemplo, levando o resíduo gerado a um ponto específico determinado pela empresa responsável, para que seja coletado.

Para driblar a precariedade do serviço de coleta, o morador passa a criar soluções como mutirões de limpeza e limpeza da calçada em frente sua residência. Quando alguém deixa seu lixo em um local inadequado, essa atitude passa a gerar conflitos entre os vizinhos, que reagem de forma a impor a nova ordem, colando por vezes cartazes educativos/ informativos.

As tentativas de se resolver o problema despertou nos moradores a vontade de junto ao governo tentar fazer algo que fato irá ajudar a melhorar as condições sanitárias da favela, pois é unânime o anseio, por parte dos mesmos, de construir uma comunidade mais limpa, sem esgoto a céu aberto e nem pontos de acúmulo de lixo, onde poderão obter uma maior qualidade de vida e condições de saúde.

Dessa forma, foram surgindo projetos que estão em estudo para serem implantados e outros que já estão em desenvolvimento trazendo muitos benefícios a médios e logo prazo. O objetivo é a erradicação total do lixo na favela através de nova logística de descarte e coleta dos resíduos e educação com massivo foco na conscientização ambiental.

A ausência do poder público no que tange aos serviços de coleta de lixo nas favelas do Rio de Janeiro trazem sérios problemas às condições sanitárias e ambientais da população dessas localidades. Porém, o governo não é o único culpado, pois os obstáculos encontrados não deveriam ser impedimentos para que os resíduos produzidos fossem destinados corretamente. Foi percebida a precariedade e em alguns casos até mesmo a ausência de educação ambiental da população, que muitas vezes, não fazem o mínimo esforço para levarem seus resíduos aos pontos de coleta estabelecidos pela Comlurb.

Um dos maiores problemas do lixo é que grande parte das pessoas pensam que basta descartar seu lixo – seja onde for – que o problema da sujeira vai estar resolvido. Nada disso. Hoje percebemos claramente que é aí que ele começa. 

A comparação da problemática dos resíduos sólidos nas favelas do
Cantagalo/ Pavão-Pavãozinho e Santa Marta revela semelhanças e diferenças. Entre as semelhanças podemos apontar que apesar da coleta por garis comunitários (1996 a 2005) na porta das casas, existia o costume de jogar o lixo em qualquer lugar. Como os garis eram moradores existia uma limpeza permanente que atendia momentaneamente já que os moradores assim que tudo estava limpo voltavam a sujar o local. Agora existem pontos determinados para depósito e coleta do lixo, mas limpeza não é feita de forma contínua. Então, como o hábito de jogar o lixo em qualquer local permanece, e a coleta da Comlurb não atende a demanda, permanece a precariedade e/ou ausência dos serviços prestados. Já as diferenças mais notáveis estão entre a quantidade de projetos criados para solucionar essa problemática. No Santa Marta encontramos apenas o Light Recicla, enquanto no Cantagalo/ Pavão-Pavãozinho existem diversas ONGs  e programas  com foco na educação ambiental e consciência quanto ao consumo e descarte de resíduos sólidos.

Em relação às práticas cotidianas o comum era deixar o lixo onde fosse de fácil acesso ou lançá-lo em algum lixão.  Assim sendo os moradores se inseriam permanentemente na esfera pública sem uma norma de conduta e regras. Porém agora continuam a ter que sair de casa, mas devem obedecer as normas de conduta e regras, conduzindo o lixo até os pontos determinados.

A prática cotidiana do morador da favela, tanto individual como coletivamente, alterou-se bastante diante dessa nova realidade, uma vez que, para driblar a precariedade do serviço de coleta, o morador passa a criar soluções, como mutirões de limpeza, limpeza das calçadas em frente à sua morada etc. Porém, algumas destas, não são corretas, mas necessárias para dar destino aos resíduos gerados pelas residências, como por exemplo, deixando o lixo em qualquer lugar, o que acaba gerando conflitos entre os vizinhos.

As observações feitas nas favelas em estudo apontaram ausência e/ou precariedade no atendimento a coleta do lixo, na limpeza e na manutenção das vias públicas e a precariedades na forma de armazenamento dos resíduos descartados. A substituição dos garis comunitários por funcionários efetivos da Comlurb trouxe mudanças significativas no que diz respeito à piora da qualidade do serviço prestado. Por fim podemos assinalar que os resultados obtidos no estudo apontam assim, que em face à atuação do governo com sua nova política de lixo nas favelas, ocorreram mudanças significativas no cotidiano dos moradores, pois com a saída dos garis comunitários, a coleta que era feita na porta das casas deixou de existir, passando o lixo a ter que ser levado até o ponto de coleta, que normalmente fica longe da moradia o que faz com que por vezes, o morador prefira lançá-lo num “lixão” ou jogá-lo em qualquer ponto sua frente. Sendo assim o que parecia ter tido solução, gerou um problema ainda maior. Portanto, há necessidade de se formular uma nova logística para o descarte e coleta dos resíduos sólidos, pois a que existe não atende a demanda, favorecendo a formação de pontos de acúmulo de lixo em diversas áreas das favelas.

 

Referências Bibliográficas

 

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GUERRA, Isabel. Modos de Vida. Novos percursos e novos conceitos. Sociologia – Problemas e Práticas, nº13, 1993. pp. 59-74.

KLEIMAN, Mauro. Práticas Cotidianas populares não articuladas ou mal articuladas às redes de água e esgotos nas metrópoles brasileiras: os casos do Rio de Janeiro e Salvador. In: Território Planejamento. Rio de Janeiro: IPPUR/ Letra Capital, 2011, PP.303 – 324.

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Análise da Efetividade Social da Implantação de Redes de Água e Esgoto em Favelas e Seus Impactos na Redefinição das Tipologias Habitacionais e Nos Espaços Públicos e Privados: O Caso da Favela do Cantagalo no Rio De Janeiro

 

Mauro Kleiman[1]

Isabel Gonçalves Coelho Laurindo[2]

 

 

RESUMO

 

O trabalho apresenta resultados parciais de pesquisa em desenvolvimento no âmbito do Laboratório Redes Urbanas do IPPUR-UFRJ sobre a efetividade social das tentativas de implantação de redes-serviços de água e esgoto em Favelas do Rio de Janeiro e Salvador, com apoio do CNPq. A partir de 1995 o Estado brasileiro, em conjunto com agências multilaterais que aportam recursos e ditam determinados padrões e normas para a dotação de serviços urbanos básicos em áreas faveladas, lançam Programas de Água e Esgoto que tem implicado em resultados parciais e pontuais na alteração do quadro existente de serviços básicos de infraestrutura, nas tipologias habitacionais, e com reflexo nas relações entre espaço público e privado.   Através de metodologia de avaliação qualitativa, contando com procedimentos de observação técnica de campo combinada com entrevistas com moradores, técnicos de governo e das empreiteiras, analisamos neste artigo o caso da Favela do Cantagalo no Rio de Janeiro.

 

Palavras-chave: Efetividade social, Favelas, intervenções públicas, Redes de água e esgoto, morfologias habitacionais, espaço público e privado.

 

1-    INTRODUÇÃO


No processo de urbanização brasileiro o acesso à água tem como marca principal a forte desigualdade sócio-espacial, sendo assimétrica beneficiando as camadas de maior renda, observando-se ausência e/ou precariedade de atendimento para as comunidades populares. (Vetter 1979; Kleiman 2002). Para estas, o Estado exime-se de prover acesso aos serviços. Tem-se uma "não-política" onde destaca-se a ausência de redes completas, o não-provimento de serviços ou seu mal provimento com uma configuração lenta, descontínua, sem manutenção e com problemas de operação em áreas de residência de camadas de baixa renda, principalmente em favelas e loteamentos periféricos. O atual momento, na segunda década do século XXI, em que a política de intervenção para urbanização de favelas se reatualiza através do PAC- Programa de Aceleração do Crescimento, em concomitância com a permanência de outros programas, possibilita um exame analítico renovado da problemática das condições de habitabilidade. A política de urbanização de favelas suscita a reflexão sobre seu alcance e limites. Sobre quais mudanças, e em que grau, o padrão de precariedade da infraestrutura de habitabilidade, que marca as favelas, poderia ser de fato alterado, e quais seus impactos sobre as práticas e sociabilidade cotidiana são as questões que suscitam maior reflexão. Conceitualmente tratamos a problemática da articulação de comunidades populares a serviços básicos a partir de um corte analítico da infraestrutura que transpasse seu entendimento corrente como objeto apenas técnico, considerando-o como equipamento social de solidarização urbana, onde as políticas de urbanização deveriam tomar em conta as práticas e sociabilidade de adaptação suscitadas pela ausência e/ou precariedade dos serviços. (Anderson, 1965; Juan, 1995; Lefebvre, 1972; De Certeau,1994, Mayol,P. 1996, Balandier,G. 1983, Remy, 1982, Maffesoli,1979).  Inserimos assim a infraestrutura como objeto sócio-técnico no campo dos estudos da estruturação do território e sua relação com os modos de vida urbanos. O estudo utilizou metodologia de avaliação qualitativa, contando com procedimentos de observação técnica de campo combinada com entrevistas com moradores, técnicos de governo e das empreiteiras. Apesar dos investimentos de vários Programas de Urbanização, a hipótese inicial é que dado o intenso adensamento e verticalização ocorrido nas favelas durante a primeira década do século XXI, combinado com sua tipologia urbanística e habitacional arquitetônica diferenciada, onde inexistia articulação com redes oficiais de água e esgoto ou precariedade de atendimento o quadro tem se agravado, e onde ocorreram obras de implantação dos serviços o modelo padrão utilizado pelos Programas não consegue apresentar capacidade de resposta às especificidades das comunidades populares.

 

 


[1] Professor do IPPUR/UFRJ

[2] Graduanda em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Bolsista de iniciação científica no laboratório Redes Urbanas (IPPUR/UFRJ).

 

2-    O CASO DA FAVELA DO CANTAGALO

 

  A favela do Cantagalo começou a ser ocupada no início do século XX, com a vinda de mineiros e cariocas da periferia. Atualmente ela possui uma área ocupada de 63.974 m², com a população de 4.771 moradores e 1.428 domicílios.

  O Cantagalo, tendo sido objeto de ações de urbanização ao longo de vários governos desde a década de 1960, apresentava antes das obras recentes do PAC, um conjunto heterogêneo de atendimento de água e esgoto com partes tendo abastecimento mais regular, mas não pleno, parte não tendo abastecimento, parte com redes alternativas clandestinas, parte com coleta de esgoto, parte sem coleta, pois as intervenções nunca tiveram um plano geral com objetivos universalizantes. Para exame da pesquisa escolheu-se como casos de estudo as sub-áreas do Quebra-braço e Nova Brasília. Na primeira a estrutura urbanística é irregular com muitos becos e vielas e a tipologia das moradias é improvisada, com partes em alvenaria, partes em madeira, mistas, partes com pedaços de alumínio, placas de madeira, etc., tendo variações de um a quatro pavimentos, com uma residência em cada um. A situação de abastecimento de água é heterogênea, alguns se servem de ligações oficiais, outros de ligações clandestinas, e mesmo tendo rede de coleta de esgoto, observa-se lançamento a céu aberto. Na segunda é onde foram construíram os prédios de apartamentos do PAC, que contam com serviços de água e esgoto, mas existe uma sub-área acima deles onde encontrou-se situação de casebres totalmente improvisados e onde não existe serviços de água e esgoto.

Figura 1: Mapa do Cantagalo com marcação das sub-áreas analisadas(manchas verdes).
Fonte: Google Maps Marcações feitas por Isabel laurindo

 

Figura 2: Sub-área 1 – Quebra-Braço

 

 

Figura 3: Sub-área 2 – Nova Brasília

3- OS “DISPOSITIVOS” DE INFRAESTRUTURA E SEUS IMPACTOS NAS TIPOLOGIAS HABITACIONAIS E NA REDEFINIÇÃO DAS FRONTEIRAS ENTRE PÚBLICO E PRIVADO NAS FAVELAS

 

A implantação de infraestruturas de água e esgoto na favela do Cantagalo implica em mudanças nas tipologias habitacionais e nas relações e fronteiras entre as esferas pública e privada, alterando práticas cotidianas. 

As intervenções para dotar de infraestrutura e habitabilidade a favela do Cantagalo tem implicado em alterações nas práticas cotidianas de seus moradores, pois se alteram sociabilidades, condições e noções de privacidade, assim como mudanças de comportamentos em face da nova infraestrutura e organização urbanística/arquitetônica.

Por mais que essas obras venham para trazer melhorias na urbanização e no acesso a serviços básicos, as mudanças ainda não atendem plenamente aos moradores. Os serviços prestados são intermitentes, além disso, não atendem a demanda da população.

A mudança no modo de vida se mostrou mais radical nos casos das famílias que foram morar nos apartamentos do PAC, pois lá as práticas cotidianas tornaram-se mais íntimas. A externalização de suas vidas para obterem acesso aos serviços básicos, não acontece mais. Além disso, as pessoas devem se adaptar a uma realidade mais rígida, no que diz respeito ao espaço físico. Porém a mudança para lá implica não só em alterações físicas, como também financeiras, uma vez que passaram a pagar as contas dos serviços prestados.

No Quebra-Braço, as obras trouxeram certa minimização da externalidade, devido à melhoria no abastecimento de água. Mas ao mesmo tempo ela foi maximizada pela retirada do lixoduto.

Este quadro encontrado no Cantagalo permite fazer algumas reflexões sobre seus impactos na vida dos moradores e seu lugar de moradia.

Será somente a partir de 1995 que passa a formular-se e aplicar-se uma política que pretende implantar, de forma abrangente e sistemática, redes de água e esgoto nas favelas. A política induzida e financiada por organismos multilaterais (BID, OCDE) com contrapartida dos governos estaduais, locais, e mais recentemente da União, através do PAC, propõe implantar conjuntamente redes de água e esgoto, contendo todos os elementos que, articulados, podem possibilitar a existência de serviços urbanos básicos, pretendendo-se incluir as comunidades populares na cidade oficial/legal.

Esta política faz-se através de um desenho e um padrão em comum: tem porte hiperdimensionado, e sofisticação técnica, sendo de natureza macro-estrutural; uma aplicação caso a caso (não se trata de programa geral de saneamento de favelas respondendo a determinada situação dada emergencialmente, englobando nova organização urbanística e, por vezes, nova tipologia de moradia), e exigem, principalmente, medidas administrativas, normas, regulamentos, regras compartilhadas e taxação dos serviços, tudo antes inexistente nas favelas. Neste sentido, poderíamos pensar que redes e serviços de água e esgoto caberiam no enunciado de Foucault (1979) sobre “dispositivo” na medida em que implantar redes oficiais e equipamentos de infraestrutura de água e esgoto introduz nas favelas toda uma gama de novos objetos acompanhados por regras e normas oficiais que colocam a necessidade de redefinir rotinas, gestos, ações, condutas próprias do mundo urbanizado. As intervenções no Cantagalo têm trazido “dispositivos” como elementos que impactam e alteram a vida dos moradores de favelas.

Entre as alterações observadas chama a atenção, inicialmente, as diferenças na morfologia das moradias e sua organização interna, nos tempos de “antes” e “depois” da implantação destes dispositivos de água e esgoto. No “antes” as moradias são auto-construções de morfologia do improviso, em geral muito precárias, compostas de materiais provenientes de “desvio de uso” daquilo que tenha sido refugado na cidade formal. Estas auto-construções tem área construída variável, sendo comum encontrar-se a  casa mínima para um abrigo, sendo só um teto pois que não tem infraestrutura de habitabilidade, exigindo que o morador saia várias vezes ao dia do seu interior para buscar água, tomar banho, lavar roupa...e descartar esgoto e lixo no seu entorno, por vezes o “banheiro” sendo também no exterior da casa. Mas a casa mínima pode ir se expandindo ao longo de largo período, espalhando-se em novos improvisos na horizontalidade ou verticalizando-se em andares. A organização interna destas casas não acompanha a divisão de cômodos das moradias formais, podendo não possuir divisões internas, e quando as têm estas são feitas por lençóis ou panos ou por móveis, e apresentam acúmulo de objetos dispostos uns sobre os outros sem aparente organização.

 

Figura 4: Planta Baixa - Casa mínima – 5m²

 

Figura 5: A casa mínima

 

Figura 6: Casa dividida em cômodos por lençóis

 

No tempo do “depois” das intervenções urbanísticas e de infraestrutura as moradias que se mantém como improvisadas, mas com acesso a água e esgoto tendem a introduzir o banheiro no interior da casa, instalam máquinas de lavar roupa (estas podendo ser colocadas fora da casa por falta de espaço no seu interior), e tem o tempo e ritmo de vida mais focado no interior da residência, apresentando tendência, também de maior organização aparente dos objetos e arrumação dos cômodos. 

 

 

Figura 7: Externalidade das atividades 

 

Quando são moradias em apartamentos, se nota que os mesmos moradores que no improviso de suas moradias anteriores que não contavam com infraestrutura de água e esgoto e divisão da moradia em cômodos por funções agora com os “dispositivos” implantados e uma casa formal tem todos os objetos organizados em cada lugar específico, tudo arrumado e limpo, embora estejam alocados numa moradia não- variável em área construída não possibilitando assim ampliações, não necessitam mais sair ao espaço público para se prover de água e descartar esgoto modificando sua temporalidade e ritmo cotidiano de vida.

 

Figura 8: Prédio do PAC 

 

Figura 9: Conjunto de prédios do PAC inseridos na favela.

 

Figura 10: Interior do apartamento do PAC

 

Figura 11: Arquitetura oficial – Cozinha equipada e arrumada.

 

Em segundo lugar cabe assinalar que a implantação feita ou em execução de “dispositivos” de infraestrutura contém componentes que possibilitariam de fato a configuração de verdadeiras redes de água e esgoto. Estes elementos estão sendo executados, mas dados os atrasos, inconclusões, instalações apenas de engenharia civil, e falta de partes do que seriam a rede e o cumprimento da efetividade social dos serviços, ainda não se fez sentir, ou apenas se fez pontual e parcialmente.

Por seu turno, se modificam práticas cotidianas configuradas na ausência ou precariedade de acesso a água e descarte de esgoto (Kleiman,2004). Nas áreas onde a prática cotidiana era de pegar água de poço, bombeá-la na rua ou fazer a ligação clandestina, e criou-se a expectativa de ter abastecimento canalizado com água tratada, a decepção é muito intensa de ver obras de engenharia prontas, mas onde, por exemplo, a água não chega às moradias por conta da inexistência de rede de distribuição para as casas. Em áreas onde se conseguiu concluir as obras, a vida diária mudou: alteram-se as temporalidades, os ritmos, rompem-se as repetições da obrigatória saída da esfera privada para inserção na pública em busca do líquido. Como não existe completude registram os moradores, problemas de frequência – a água não entra diretamente – insuficiência de volume para as necessidades familiares diárias, o que faz com que tenham que armazenar o líquido, e muitos problemas de variação de pressão. No que concerne mais especificamente ao esgoto se observa que as obras parecem ter dimensionado demanda menor que a necessária para atender todas as moradias das áreas onde se implanta a coleta, e o esgoto extravasa das caixas de passagem. Apesar de terem sido executados mecanismos de inspeção e limpeza o sistema unitário não dá conta do volume de água de chuva somado ao de esgoto. Onde a rede coletora atendeu ao especificado no projeto, o cotidiano modificou-se, pois se eliminou o mau cheiro, a impossibilidade de sair à rua, etc.

Outro ponto a assinalar é que ainda verificam-se manobras para levar água de uma parte a outra, e aponta-se, também para abastecimento irregular. Por exemplo, é comum a água entrar duas vezes por semana ao invés de diariamente, e, também onde foram feitas as obras, existem problemas de manutenção e operação das redes: vazamentos na rede de água, rompimentos e entupimentos na rede de esgoto demoram muito a serem consertados ou não o são.

  A implantação de “dispositivos” de infraestrutura de água e esgoto nas favelas e o quadro encontrado a partir dessa ação no estudo específico da favela do Cantagalo permite uma reflexão sobre seus impactos na vida e práticas cotidianas e implicam na redefinição das fronteiras entre público e privado, mas apontam para um “descasamento” entre a cultura e hábitos das comunidades e técnicas implantadas normatizadas e regularizadas.

A implantação de água e esgoto em favelas de fato introduzem um elemento de novidade no processo de urbanização brasileira, procurando, singularmente, dotar de água e esgoto áreas de camadas populares através de uma política de saneamento. A primeira questão que se coloca, contudo, é que a introdução de serviços básicos se faz por meio de um padrão idêntico ao utilizado nas áreas de maior renda: um desenho hiperdimensionado, com obras de grande porte e com sofisticação técnica, com alto custo, e a segunda questão é que não toma em conta a tipologia habitacional e a estrutura urbana das favelas, e não observa que se desenvolveu e consolidou-se de um conjunto de práticas cotidianas que configurou-se na ausência de política de infraestrutura básica para estes assentamentos.

Ao seguir nas favelas o padrão de infraestrutura das áreas de maior renda poderia se pensar que o Estado procura uma integração plena destes assentamentos na cidade, os formalizando. Esta opção coloca algumas questões na implantação de água e esgoto nas favelas. A primeira é que a escolha evidencia a busca de fazer prevalecer às mesmas normas e regras e seus consequentes comportamentos e condutas existentes na cidade formal nas favelas. Isso significaria se de fato a implantação obtivesse resultados plenos, que: (a) os moradores teriam que (de maneira rápida) apreender um conjunto de códigos, normas, regras para uso dos “dispositivos”; (b) poderia conduzir a uma valorização do privado, a uma “intimização” da vida cotidiana, rompendo a temporalidade da repetição de ações individualizadas para se prover de água e descartar esgoto, (ações que têm ritmos próprios e desiguais por seu caráter individual, possibilitando uma dissociação entre público e privado). A segunda questão é que esta intenção de estender as mesmas normas e regras da cidade formal para as favelas será colocada em contradição, pois no que se pode acompanhar, observar com olhar técnico, e se confirma nas entrevistas com moradores, a utilização do mesmo padrão de redes da cidade formal não tem conseguido estabelecer na plenitude, prover redes com todos seus componentes e faze-las funcionar com todas suas propriedades de forma a prestar serviços continuados e suficientes para a vida diária, o que não permite a intenção primeira de valorizar o privado separando-o do público.

Por seu turno, na segunda questão, ao não tomar em conta a cultura e práticas cotidianas  configuradas na ausência e/ou precariedade de serviços básicos, e querer alterá-la de chofre, não obtém êxito pleno e continuado na passagem entre o âmbito não-urbanizado ou semi-urbanizado para o âmbito urbanizado, de modo que os ‘dispositivos” introduzidos não conseguem ser compreendidos e usados. A pretensão dos Programas de uma integração com a cidade formal e inclusão social envolve completar um percurso que estaria em curso na direção de um âmbito urbanizado, mas que parece carecer de um entendimento que este processo, se trata na verdade de uma semi-urbanização em algumas favelas ou em parte de algumas favelas, e de persistência da não-urbanização em outras, este processo não é igual a similares na cidade formal, pois nas favelas sua concepção está eivada de desvios de uso, de invenções e táticas e práticas para provimentos alternativos próprios das respostas possíveis às condições de vida dos moradores. Não seria possível, assim, fazer a apropriação das tipologias de moradia existentes e de parte da estrutura urbanística, como tem sido tentado pelas intervenções públicas (principalmente do Programa Favela-Bairro em diante), ainda assim parcialmente, sem procurar entender e aceitar,  ou pelo menos dialogar, com as práticas cotidianas e a cultura que se configurou na vida dos moradores expressados na estrutura urbanística e tipologia de moradia das favelas. 

Não se trata de algo trivial a passagem da ausência e/ou precariedade de redes e serviços de água e esgoto para a sua disponibilidade. Esta implica em novos hábitos cotidianos envolvendo mudanças na higiene corporal, no preparo de alimentos, na limpeza das casas, na saúde. Trata-se de uma mudança de modelo cultural que ao introduzir novos “dispositivos” traz consigo outras regras a serem compartilhadas e seguidas como condutas obrigatórias, e uma inscrição tributária na taxação de acesso e consumo de infraestrutura e seus serviços que conduzem a novas práticas cotidianas, mas que são processos necessariamente lentos e que envolvem a compreensão do que se passa, ou seja, da intenção do Estado de agregar os moradores das favelas no âmbito urbanizado, onde se valoriza o privado e o separa do público, e obter a aderência dos moradores a este processo e a este âmbito, sem que tenha existido efetiva consulta e fóruns de participação democráticos para tal.

A introdução de “dispositivos” de infraestrutura compondo redes e serviços de água e esgoto trata-se de uma cultura que está sendo trazida, mas não traduzida para a população de baixa renda, que inclusive sequer recebe instruções de como fazer uso de algo que nunca usaram, ou usaram na invenção do improviso. Se observa, assim sendo, a construção de uma indefinição entre público e privado, a configuração de rimos desiguais e difusos de ações ora para valorizar o privado quando os “dispositivos” implantados se efetivam para as atividades da moradia, ou quando funcionam com regularidade, ora para inserir os moradores no público para continuar a se prover de água e esgoto se ainda não contemplados pela intervenção pública, ou quando existem falhas na operação e manutenção das redes instaladas.

            As redes de infraestrutura são dispositivos que colocados num território, ainda mais num lugar como as favelas que estão à margem da cidade formal, possibilitam alterar normas, regulamentos, regras e implicam em novos comportamentos e condutos. No caso das favelas o Estado acredita que ao implantar estes dispositivos os moradores poderiam ser “automaticamente” inseridos num âmbito urbanizado valorizando-se a dimensão sociocultural do domínio privado, e que os indivíduos absorvam o código de normas e procedimentos da cidade oficial, ao reconhecer no seu lugar as mesmas condições de vida (pelo menos no que toca a água e esgoto) que nas outras partes da cidade. Assim o modelo dos programas, idêntico ao do desenho das redes do restante da cidade, “apagaria” a inserção intermitente na esfera pública para se prover de serviços, se de fato modificasse as condições de vida.

A dificuldade é que como se trata de programas que tem atingido apenas algumas comunidades populares, e muitas vezes até somente parcelas no interior destas, será nas partes onde tem êxito que pode-se observar que cessam os caminhos percorridos para buscar água, levando à uma “ intimização” da vida, com um tempo de vivência mais contínuo mantendo-se aos não atendidos a passagem cotidiana e intermitente para estes entre esfera pública e privada.

As indagações que se colocam com as intenções e intervenções urbanizadoras do Estado em favelas envolvem a questão sobre se as condições anteriores foram alteradas de forma a compor um novo tipo de espaço em contraste com o âmbito não-urbanizado ou semi-urbanizado e sobre as mudanças culturais pretendidas. As respostas a estas indagações se o “antes” se transforma no “novo” é que não se apagou plenamente o “antes” nem se estabeleceu tampouco o ”novo” por completo. Em âmbitos não-urbanizados ou semi-urbanizados improvisadamente como encontrados nas favelas brasileiras, a valorização da esfera pública se fez em movimentos difusos e em ritmos repetitivos mas desregrados por conta de ações individuais, embora, em determinados momentos, tenha se constituído a esfera pública como lugar da ação quando a prioridade da solidariedade comunitária configurou redes clandestinas para se prover serviços de infraestrutura básica alternativa.            Estar num âmbito não-urbanizado ou semi-urbanizado possibilitou passagens entre o público e o privado, porosidades entre favela e cidade formal. Mas os efeitos da incompletude das intervenções do Estado são a não dissociação plena entre esfera pública e esfera privada própria de âmbitos urbanizados, mas um conjunto difuso de passagens, porosidades e percursos entre uma e outra no interior das favelas, criando espaços intermediários semi-públicos e semi-privados, sinalizando que não se completou a valorização do privado, ou seja, a moradia ainda não contém, ou não esta articulada  a todos os elementos básicos para a vida cotidiana.

A vivência no cotidiano da favela do Cantagalo, experimentada por nosso estudo na observação e acompanhamento dos tempos e ritmos, e a palavra dos moradores, contribuem com alguns elementos para a reflexão sobre a efetividade social da implantação de água e esgoto em favelas brasileiras nas suas diferentes dimensões que induzem também mudanças nas relações entre o público e o privado.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

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