01/07/2011
ANO X – N° 4 JULHO / AGOSTO 2011
Editor
Mauro Kleiman
Publicação On-line
Bimestral
Comitê Editorial
• Mauro Kleiman (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)
• Márcia Oliveira Kauffmann Leivas (Doutoranda em Planejamento Urbano e Regional)
• Maria Alice Chaves Nunes Costa (Dra. em Planejamento Urbano e Regional)
• Viviani de Moraes Freitas Ribeiro (Dra. Planejamento Urbano e Regional IPPUR/UFRJ)
• Luciene Pimentel da Silva (Profa. Dra. – UERJ)
• Hermes Magalhães Tavares (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)
• Hugo Pinto (Doutorando em Governação, Conhecimento e Inovação, Universidade de Coimbra – Portugal)
IPPUR / UFRJ
Apoio CNPq
LABORATÓRIO REDES URBANAS
LABORATÓRIO DAS REGIÕES METROPOLITANAS
Coordenador Mauro Kleiman
Equipe
Aline Alves Barbosa da Silva, Priscylla Conceição Guerreiro dos Santos, Juliana R. Amaral,
Carolina Thibau Teixeira Araujo
Pesquisadores associados
Audrey Seon, Humberto Ferreira da Silva, Márcia Oliveira Kauffmann Leivas, Maria Alice Chaves Nunes Costa, Viviani de Moraes Freitas Ribeiro, Vinícius Fernandes da Silva
Artigos
Programa de apoio às prefeituras, o desenvolvimento do Vale do Guaporé/Rondônia através de intervenções de transporte.
Roberto Lucas Junior
Apontamentos sobre mudanças em Mobilidade e transporte na metrópole do Rio de Janeiro
Mauro Kleiman
A constituição do subúrbio na cidade do Rio de Janeiro na virada do século XIX: um passeio pela literatura
Leonardo Soares dos Santos
Programa de apoio às prefeituras, o desenvolvimento do Vale do Guaporé/Rondônia através de intervenções de transporte
Roberto Lucas Junior
Resumo
O objetivo deste trabalho é apresentar as intervenções desenvolvidas no Vale do Guaporé no Estado de Rondônia. Região que possui uma extensão territorial maior que o Estado de Sergipe, mas, muito pelo isolamento quanto ao restante do Brasil, possui uma população pouco maior que 100 mil habitantes. Neste trabalho é apresentado um novo modelo de desenvolvimento territorial baseado na intervenção em transportes, para garantir o desenvolvimento econômico e regional de cada um dos municípios que compõe esta região. Este projeto de desenvolvimento regional é chamado de Programa de Apoio às Prefeituras, sendo executado em conjunto pelo DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) e da Fundação Ricardo Franco.
Abstract
The objective of this paper is to present the interventions developed in Vale do Guaporé, in the State of Rondônia. It is a region that has a large territorial extension, bigger than the State of Sergipe, but with a small population, nearly than 100.000 inhabitants, because of its isolation from the rest of Brazil. In this Paper it is present a new model of land development based in interventions in transport, to ensure the economic and social development of the municipalities in the region. This project of region development is called Program of Support to Municipalities, being an program executed by DNIT (National Bureau of Infrastructure of Transports) and Fundação Ricardo Franco.
1. Introdução
O Programa de Apoio às Prefeituras foi encomendado a Fundação Ricardo Franco pelo DNIT como parte dos programas ambientais necessários para a pavimentação da rodovia BR-429, no Estado de Rondônia. O projeto de pavimentação da rodovia BR-429 tem por objetivo integrar os municípios localizados ao longo da rodovia com o restante do estado de Rondônia e consequentemente com o restante do país. Sem a pavimentação, principalmente nos meses de novembro a março durante a época das chuvas, os municípios da região ficam isolados. As precárias condições da rodovia acabam por impedir o tráfego de veículos pesados e até mesmo a locomoção de veículos de passeio.
A situação assinalada acaba por trazer prejuízos econômicos e sociais aos municípios afetados. Economicamente, o desenvolvimento do município fica estagnado, com a sua população impedida de efetuar transações comerciais, transportar produtos agrícolas ou manufaturados entre outros. Socialmente, uma população que não se desloca, mesmo que esporadicamente, não efetua trocas culturais essenciais para o desenvolvimento de qualquer sociedade, não estabelece relações sociais com a população dos municípios vizinhos e torna-se uma população segregada.
Portanto, para o desenvolvimento dos municípios de Alvorada D’Oeste, São Miguel do Guaporé, Seringueiras, São Francisco do Guaporé, Costa Marques e Nova Brasília D’Oeste, faz-se necessária a pavimentação da BR-429.
Com a pavimentação, haverá, principalmente, um incremento da urbanização no entorno do eixo da rodovia devido à facilidade de acesso. Esse crescimento promove alterações no uso das áreas, que feita de maneira ordenada e planejada pode promover um grau de desenvolvimento maior do município.
Segundo LE CORBUSIER (1925) o transporte proporciona a circulação, que é um dos quatro pilares da arquitetura e do urbanismo moderno. Os outros pilares são o lazer, o trabalho e a moradia. Seguindo estes preceitos, as cidades passaram a se desenvolver. A partir da década de 50, auto-estradas, viadutos, trevos rodoviários, avenidas mais largas e outras marcas da modernidade surgiram nas metrópoles do mundo.
Acompanhando o processo histórico brasileiro, grandes aglomerações urbanas desenvolveram-se junto a rodovias, sendo que algumas delas transformaram-se em sedes de municípios. Estas aglomerações geram uma grande movimentação de veículos, pedestres e ciclistas, que se não ordenados corretamente, podem gerar muitos impactos negativos, como acidentes.
O rodoviarismo, conhecido vilão do bem estar no meio urbano, tem normalmente associado aos veículos, graves impactos ambientais como poluição do ar e poluição sonora. Já às vias e aos seus equipamentos devem ser associados a poluição visual, segregação e violência urbana. (FOGLIATTI et al., 2004)
Diante da expectativa deste crescimento, deve-se considerar a identificação de vocações potenciais pela expansão da atividade corrente, que dará origem a novos empreendimentos, eventualmente complexos e de grande porte, para os quais deverão ser buscadas localizações compatíveis com as de assentamento e os programas de implantação de infra-estrutura.
Sendo assim, para comportar o acréscimo do volume de tráfego e consequentemente o incremento na população, transformando esta pressão populacional em benefício para a região, uma série de atividades são programadas para que no fim da elaboração do programa possa-se chegar a diretrizes quanto a implementação de novas facilidades de transporte, sendo a principio a própria rodovia elemento estruturante de todo novo sistema de transportes.
2. metodologia do programa
A metodologia do Programa de Apoio às Prefeituras dos municípios localizados ao longo da BR-429 foi montada visando a coleta das informações, a análise das informações, a caracterização da área estudada e finalmente a proposta de novas diretrizes. A Figura 1 apresenta um esquema que representa o funcionamento da metodologia.
Figura 1: Esquema da Metodologia do Programa
2.1. Coleta das Informações
A primeira etapa da metodologia é a coleta das informações, onde há uma pesquisa profunda sobre informações retiradas de arquivos digitais, artigos científicos, reportagens e, principalmente, informações oficiais da prefeitura e DNIT. A coleta das informações iniciada em novembro de 2009, possui duas etapas distintas cumpridas em sua totalidade.
A primeira destas duas etapas foi finalizada em março de 2010 e constituiu na coleta das informações técnicas e demográficas de toda a região, onde foram levantados dados estatísticos e históricos relevantes para o projeto. Uma das informações coletadas foram mapas da malha viária, cedidos pelo poder público, do SIPAM ( Sistema de Proteção da Amazônia), como pode ser visto na Figura 2.
Figura 2: Mapa do município de São Miguel do Guaporé
A segunda etapa, que foi iniciada em março de 2010 e concluída em julho de 2010, constituiu na coleta de informações in loco, onde foram feitos levantamentos executados por distintas equipes técnicas munidas de câmeras fotográficas, aparelhos de GPS, trenas de grandes dimensões e questionários. Os levantamentos feitos por estas equipes, por ordem de execução, foram os apresentados a seguir:
2.1.1. Levantamento na Rodovia BR-429/RO
Áreas verdes;
Postos de fiscalização;
Postos de travessia;
Áreas de despejo de resíduos;
Pólos geradores de tráfego;
Postos de serviços públicos;
Passivos ambientais;
Áreas de desmatamento;
Propriedades rurais;
Favelização;
Áreas de extração;
Núcleos residenciais;
Áreas de preservação ambiental;
Áreas de lazer;
Paradas de ônibus;
Acessos às cidades;
Locais de serviços privados;
Áreas industriais;
Pontos de comércio informal;
Zonas de trabalho degradante;
2.1.2. Levantamento na cidade
Tipologia construtiva da região;
Saneamento básico;
Distribuição de energia;
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)
Sistema de transportes;
Circulação viária;
Favelização;
Queimadas;
Desmatamentos;
Preservação de áreas protegidas;
Loteamentos;
Área residencial;
Área comercial;
Área Industrial;
Propriedades rurais;
Pólos geradores de tráfego;
Áreas de lazer;
Áreas verdes;
Áreas Degradadas;
2.1.3. Levantamento qualitativo e quantitativo
O levantamento qualitativo e quantitativo foi feito em cada um dos municípios que compõe a região através de pesquisas feitas por recenseadores utilizando questionários preparados exclusivamente para esta pesquisa. Foram coletadas informações quanto as características da população, a infraestrutura dos municípios e outras informações relevantes que ajudaram a formular as diretrizes de transporte para o desenvolvimento da região.
2.2. Análise das Informações
Após a captação de todas as informações, a metodologia de análise destas informações foi desenvolvida para se chegar a identificação das linhas de ação a serem seguidas. Nesta etapa, iniciada logo Após a chegada das primeiras informações, foram realizadas reuniões periódicas, com o objetivo de manter a equipe interada do andamento do trabalho e dentro das linhas de ação preconizadas.
A primeira ação perante as informações é separar as informações relacionadas ao empreendimento e as informações relacionadas aos municípios. Desta forma, as informações são tratadas de duas maneiras distintas, quanto ao empreendimento e sua relação com a região e quanto aos municípios e a interferência que sofrerão.
Assim, vê-se o empreendimento como um elemento já consolidado que será introduzido na região, ajudará no desenvolvimento regional e que trará impactos positivos e negativos. Por outro lado, vêem-se os municípios como elementos que, ao mesmo tempo em que serão beneficiados pelo desenvolvimento regional, também sofrerão de forma direta os mesmos impactos positivos e negativos.
Portanto a análise de dados deve privilegiar, quando tratado o empreendimento, de sua área de influência direta e quando tratados os municípios, todo o seu território, para posteriormente estas informações compatibilizadas serem subsídios para a caracterização da área estudada.
Um dos produtos resultantes da análise das informações são os mapas georeferenciados, desenvolvidos com o software TRANSCAD®, onde além de computados todo o sistema viário de cada cidade, estão apontados todos os pólos geradores de tráfego, essencial para aplicar os modelos de atração de viagem. Um destes mapas, o da cidade de Alvorada d’Oeste, pode ser visto na Figura 3.
Figura 3: Mapa da cidade de Alvorada do Oeste.
2.3. Caracterização da Área Estudada
Com as informações coletadas, após a devida análise, começa-se a e definir as características da área estudada. A caracterização da área estudada é importante para levantar a história do município, apresentar as suas atuais características, mostrar o potencial da região, apontar os atuais problemas e prever os possíveis impactos positivos e negativos que serão trazidos pela implantação do empreendimento.
Na caracterização, definiu-se a atual configuração do município e a sua configuração após a implementação e operação do empreendimento. Desta forma, os municípios de Alvorada D’Oeste, São Miguel do Guaporé, Seringueiras, São Francisco do Guaporé e Costa Marques tiveram todas as suas características apontadas, seja seu histórico, sistema viário, sua tipologia construtiva, população, zoneamento, economia e todas as informações relevantes que possam formar um documento preciso que auxilie na tomada de decisão quanto à formulação das novas diretrizes de transporte.
Além dos municípios, a caracterização também foi feita sobre a rodovia, suas áreas lindeiras e área de influência direta, apontando as informações que auxiliem uma total integração entre o empreendimento e os municípios que ele corta. Também foi analisando o Estado de Rondônia e seus dois principais municípios, Porto Velho, a capital e Ji-Paraná, a metrópole local, para que sirvam de parâmetro para todas as intervenções que deverão ser feitas na região.
2.3.1 Estado de Rondônia
O Estado de Rondônia, segundo o IBGE (2009), possui 1.503.928 habitantes, com uma densidade demográfica estimada em 6,3 habitantes por Km². A expectativa de vida da população é de 70,6 anos e a taxa de mortalidade infantil chega a 24,6 mortes para cada 1000 nascimentos. Desta população, 36% são brancos, 4% são negros e a maioria, 60%, é parda ou mestiça.
Com um crescimento demográfico estimado em 2,2% ao ano, a população urbana do estado chega a 66,8%, onde apenas 36% tem acesso a água tratada e somente 48% tem acesso a rede de esgoto, o que ajuda a explicar o IDH Índice de Desenvolvimento Humano) calculado em 0,756, considerado baixo ao se comparar com o IDH de outros Estados brasileiros.
Os dois principais municípios do Estado são Porto Velho, a capital, e Ji-Paraná, a metrópole mais próxima dos municípios localizados ao longo da BR-429. A Figura 1 representa o Estado de Rondônia, as cidades localizadas ao longo da BR-429, Porto Velho e Ji-Paraná.
Figura 4: Estado de Rondônia
Porto Velho, a capital de Rondônia, localizada à margem direita do rio Madeira, teve sua origem graças à construção da ferrovia Madeira-Mamoré. Por apresentar condições propícias para o estabelecimento de um porto fluvial, a direção da Madeira-Mamoré Railway Co, pautada em relatórios produzidos pelos engenheiros Carlos Morsing e Júlio Pinkas, e do ainda desconhecido sanitarista Oswaldo Cruz, entrou em acordo com o Governo Federal para transferir a construção da estação inicial da ferrovia para esta região.
Sendo a base inicial da ferrovia o Município de Santo Antônio, após as obras de saneamento e a construção das instalações necessárias para os serviços ferroviários no novo local, todos os funcionários foram transferidos de Santo Antônio para a região de Porto Velho, o que propiciou um rápido crescimento populacional na região. Assim, formou-se um núcleo populoso e um porto fluvial de grande movimentação, sendo a base para a formação do futuro Município de Porto Velho.
A constituição territorial do Município de Porto Velho foi composta pelo desmembramento de partes do território de outros municípios e Estados como o Município de Humaitá, Estado do Amazonas e Estado do Mato Grosso. O município, em 1943, tornou-se a capital do então criado Território Federal do Guaporé e posteriormente, através da lei complementar nº 41, de 22/12/1981 que promoveu o território à categoria de Estado, tornou-se capital do Estado.
Seguindo a tendência do Estado de Rondônia, Porto Velho tem tido com o passar dos anos um acréscimo considerável em sua população. Hoje, o município com uma área total de 38.082 Km², possui uma população de 382.829 habitantes. O crescimento populacional do município, do ano de 1991 até 2007, pode ser visto no Gráfico 1.
Gráfico 1: População de Porto Velho
Segundo IBGE (2001), 77,14% da população possui 10 anos ou mais de idade. Desta população, 38,93% são mulheres e 38,21% são homens, onde 7,92% não possuem qualquer instrução ou possuem menos de um ano de estudo.
Segundo IBGE (2008), o município de Porto Velho, comparado com os outros municípios do Estado, possui uma extensa frota de veículos rodoviários. O município possui 51.579 automóveis, 3.967 caminhões, 219 micro-ônibus, 30.076 motocicletas, 763 ônibus e 2 tratores. A frota veículos rodoviários de Porto Velho é representada no Gráfico 2.
Gráfico 2: Frota de veículos rodoviários de Porto Velho
Esta grande incidência de veículos se justifica pelo município ser a capital do Estado de Rondônia, atraindo assim mais serviços e comércio que os demais municípios, além de sua vasta extensão territorial, sendo maior que Estados como Sergipe e Alagoas. A cidade de Porto Velho, com suas vias pavimentadas e não pavimentadas, pode ser vista na Figura 2.
Figura 5: Porto Velho
Analisando os municípios de Alvorada D’Oeste, São Miguel do Guaporé, Seringueiras, São Francisco do Guaporé e Costa Marques, além da própria BR-429, chega-se a caracterização de toda a região. A rodovia e os municípios, divididos em maiores ou menores de 15.000 habitantes, são apresentados na Figura 6.
Figura 4: Municípios localizados ao longo da BR-429
Para os municípios que forma o Vale do Guaporé, na caracterização da área estudada foram apontados tópicos relevantes que formam ou ajudaram a formar as atuais características da região. São eles:
Histórico;
Fatores demográficos;
Fatores sócio-econômicos.
Infra-estrutura;
2.4. Proposta de Novas Diretrizes
Finalmente, a proposta de novas diretrizes é o produto final do Programa de Apoio às Prefeituras dos municípios localizados ao longo da BR-429. As diretrizes serão formuladas após a minuciosa coleta das informações, a análise detalhada das informações coletadas e a precisa caracterização dos municípios e do empreendimento.
Através destas diretrizes os municípios conseguirão resolver antigos problemas que assolam a região, mitigar os impactos negativos que serão trazidos pela implantação do empreendimento e garantir a operação eficiente da rodovia em total equilíbrio com a região onde está inserido.
Por serem muitas as diretrizes apontadas pelo Programa de Apoio às Prefeituras, incapaz de serem descritas em sua totalidade neste artigo, serão elencadas apenas em tópicos algumas destas diretrizes, sem os mapas e gráficos que compõem a versão original do trabalho.
Instalação de rodoviárias em todas as cidades;
Criação de centros avançados de distribuição;
Projeto de novas travessias urbanas;
Reorganização viária de novos loteamentos;
Substituição de cruzamentos por rotatórias;
Instalação do Aeroporto de Seringueiras;
Instalação do terminal de passageiros de Costa Marques;
Projeto da rota turística no Rio Guaporé;
Implantação de calçadas que respeitam a acessibilidade e com ciclovias;
3. Considerações finais
Fazendo uma analise sobre as atuais características da rede viária e dos modos de transporte, fica evidente situar a condição de total abandono da população ao se deparar com índices tão fracos relacionados principalmente a frota de veículos rodoviários. Nestes municípios, ao contrario do que ocorre em regiões asfaltadas e com o mínimo de infra-estrutura, faz-se a opção pela motocicleta por ser o único meio de transporte que pode ultrapassar os obstáculos causados pela falta de estrutura.
Não é apenas a falta de estrutura, seja no sistema viário e distribuição de equipamentos públicos, que impede o desenvolvimento regional, pois também há uma clara falta de planejamento. Não há registros ou previsões para mudanças concretas na infra-estrutura local, a frota de motocicletas cresce a cada dia sem que haja uma adequação da malha viária e novos loteamentos são criados sem a presença efetiva do Estado, o que no futuro irá imprimir uma pressão desproporcional na já defasada malha urbana.
Com a pavimentação da BR-429, sem o devido ordenamento territorial, haverá uma piora ainda mais acentuada nas principais deficiências da região. O alto índice de crescimento populacional, que mesmo sem a pavimentação já aumenta a cada ano a densidade populacional da região, com a pavimentação será ainda mais intensificada. A facilidade na mobilidade, propiciada pela pavimentação da BR-429, tornará ainda mais fácil a migração para a região, causando uma pressão ainda mais acentuada no já deficitário sistema viário.
Por este motivo, que agindo diretamente sobre o sistema de transportes, que o Programa de Apoio às Prefeituras busca solucionar os problemas de planejamento que já assolam a região e preparar a região para os desafios que chegarão a partir da pavimentação da BR-429.
Para que o Vale do Guaporé não enfrente os mesmos problemas que hoje assolam muitas das cidades brasileiras, o Programa de Apoio às Prefeituras possibilita um planejamento estratégico, baseado na adequação do espaço pelo desenvolvimento de equipamentos de transporte.
6. Referências bibliográficas
FOGLIATTI, M. C.; FILIPPO, S. e GOUDARD, B. (2004) Avaliação de Impactos Ambientais: Aplicação aos Sistemas de Transporte – Rio de Janeiro: Interciência.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Contas Nacionais 2001
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Contas Nacionais 2001
LE CORBUSIER (1925) Urbanismo; São Paulo: Editora Perspectiva.
Apontamentos sobre mudanças em mobilidade e transporte na metrópole do Rio de Janeiro
Mauro Kleiman
1- INTRODUÇÃO
O trabalho trata da questão da mobilidade, do papel dos transportes e suas consequências para a dinâmica territorial, a partir de 1995, na metrópole do Rio de Janeiro, tendo como base a pesquisa “Transporte e Mobilidade populacional-espacial na Região Metropolitana do Rio de Janeiro”, (em andamento no Laboratório Redes Urbanas do IPPUR-UFRJ, sob coordenação do Prof. Dr, Mauro Kleiman). Duas perspectivas ilustram a questão: aquele dos novos meios de transporte automotivos (Vans, Kombis e Moto-Taxis) e suas modificações para maior fluidez com as Faixas Exclusivas (BRS) e Corredores Expressos de Ônibus(BRT), e , por outro ângulo a busca de renovação de investimentos no modal ferroviário com a proposta de introdução do VLT, assim como a expansão do Metrô como linha única, e linha em Niterói, e investimentos na melhoria dos trens. Estas duas perspectivas inserem-se numa expansão da metrópole, seja no interior do seu núcleo, ou na direção das cidades da região serrana,e outro das cidades praianas nos eixos em direção a Região dos Lagos, e da Região Sul do Estado do Rio de Janeiro, para a chamada Costa Verde. A existência de ações que buscam alternativas para dar conta do incremento de movimentos e interações na metrópole expandida, contudo, não tem apresentado sucesso nos seus objetivos mantendo-se graus diferenciados de mobilidade por classe social. A questão da mobilidade populacional espacial, determinada de maneira importante pelo transporte automotivo e por tentativas de melhorias e expansão do modal ferroviário, assim como as mudanças recentes(a partir de 1995) na dinâmica territorial da região Metropolitana do Rio de Janeiro, trazem elementos que são objeto de uma reflexão crítica neste trabalho. As mudanças se fazem através de espaços emergentes intra-metropolitanos e urbanos, principalmente na Zona Oeste da Cidade do Rio de Janeiro(tanto para camada de alta renda como baixa renda), e peri-urbanos, igualmente tanto de renda alta como baixa, assim como novas periferias pobres, enquanto nota-se a modernização de periferias pobres tradicionais(na Baixada Fluminense), assim como a cristalização de novos eixos de crescimento para além dos limites mais articulados à metrópole. Estes movimentos na dinâmica territorial tem como um de seus principais elementos a possibilidade e graus de mobilidade dados pelo papel do transporte automotivo como elo de articulação intra e inter escalar, na medida que trata-se do modal majoritário de deslocamentos, mas, igualmente, por maior demanda pelo transporte ferroviário e certo grau de investimento na melhoria do atendimento por este modal.
O trabalho estrutura-se em quatro partes que se articulam. Na primeira, faz-se um breve recuo histórico para mostrar como a configuração da metrópole do Rio tem elementos demarcadores de uma determinada estruturação sócio-espacial desigual, determinada, inclusive, pela questão da mobilidade social restrita dada pelo privilegiamento dos deslocamentos pelo modal automotivo.Na segunda parte, aponta-se as importantes mudanças em processo na dinâmica do território que simultaneamente consolida uma expansão no interior do núcleo metropolitano na área da Baixada de Jacarepagua (Barra da Tijuca,Recreio,Vargens,Jacarépagua,) que segundo o Censo 2010 do IBGE foi a área de maior crescimento demográfico na última década, tendo agora mais de 900 mil habitantes, e uma expansão externa que rompe os limites metropolitanos como os exemplos dos vetores citados acima, e o papel dos transportes neste processo. A terceira, busca apontar os diferentes modais de transporte em utilização nos movimentos desta metrópole expandida, suas inovações e mudanças em curso ou projetadas. Por fim, na quarta parte apresenta-se como modo de conclusão que a dinâmica territorial em curso na metrópole tem entre seus elementos a questão da mobilidade populacional espacial, que tendo como modal prioritário o automotivo, com algumas novidades com a participação de veículos comerciais leves e motos, e modernizações para o tráfego mais fluido de ônibus, e tentativas de ampliar a participação do modal ferroviário, implicam em alterações na problemática dos transportes e mobilidade.
2- Configuração da metrópole do Rio de Janeiro, suas mudanças recentes, e o papel dos transportes
Desde o final da década de 30 do século XX vem configurando-se a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, com uma dinâmica de estruturação interna onde os transportes tiveram papel determinante, tanto em suas áreas de densificação como na sua expansão, na medida da distribuição desigual da acessibilidade em relação direta a renda.Como no padrão de urbanização do momento de constituição da metrópole predominou o clássico “núcleo-periferia”, onde as camadas de maior renda localizam-se no núcleo e as de menor renda na periferia, demarcaram-se condições de acessos diferenciados ao uso das propriedades sociais de espaço, dado que equipamentos e serviços urbanos foram concentrados em áreas centrais. (Abreu,1998. Vetter,1979) Assim à distancia social acrescem-se a distancia do uso dos benefícios de urbanização, e a distancia espacial. Define-se a condição periférica para os pobres, conduzindo-os a uma não-articulação aos serviços urbanos e à imobilidade relativa , e uma condição central à camada de maior renda.
Até a década de 60 os deslocamentos prioritariamente se fazem pelo modal ferroviário, com os bondes atendendo às áreas centrais, e os trens atendendo às áreas periféricas. O transporte automotivo neste período tem os carros particulares e ônibus associados a uma rede viária mais estruturada e com qualidade nas áreas centrais, sua utilização quase absoluta pela camada de maior renda. Para a massa popular, moradora da periferia, no período de 1940 a 1970, serão praticamente inexistentes os proprietários de automóveis e reduzidas as linhas e frotas de ônibus que lhes servem.
A inflexão para deslocamentos majoritários pelo modal automotivo, inclusive com a extinção do transporte por bondes e o “sucateamento” dos trens, terá como efeito,em princípio,um “espessamento” com verticalização e adensamento dos bairros onde existia infra-estrutura de habitabilidade,equipamentos coletivos,e serviços mais desenvolvidos e a atração de camadas de baixa renda a localizarem-se no seu núcleo colados aos eixos de circulação (as favelas no centro e na zona sul, norte do Rio de Janeiro) para tentarem beneficiar-se da proximidade desta infra-estrutura, equipamentos,e serviços. A grande massa empobrecida que foi instalar-se na periferia da metrópole(Baixada Fluminense) terá grandes constrangimentos à mobilidade.
Todos estes fatores conduzem a uma geração de uma configuração onde intensifica-se o centro, criam-se sub-centros, os pobres estarão na periferia distante mas também estarão presentes no núcleo. Faz-se assim um espessamento do que já estava pleno, por densificação e verticalização, e vai enchendo-se uma periferia contígua, ampliando-se a metrópole. A configuração da metrópole concentrada, densa e verticalizada, e um “espalhamento” em direção a seu perímetro limítrofe, demarcada rigidamente por seu zoneamento de atividades e usos, com o automóvel sendo o elo de articulação entre suas partes, apresentará importantes transformações resultantes do processo de transformações produtivo-econômicas da globalização inclusive no modo de vida, ao qual articula-se uma acentuação do papel do transporte automotivo, mas também com a contribuição, embora declinante desde os anos 1960, do modal ferroviário, que só recentemente volta a receber investimentos..
A atual estrutura sócio espacial da Região Metropolitana do Rio de Janeiro apresenta especificidades que relativizam a lógica estrita do padrão básico núcleo-periferia, apesar da permanência de um Centro Metropolitano(no Centro histórico do Rio de Janeiro), e sub-centros consolidados e emergentes(Barra da Tijuca), a estrutura sócio-espacial deve ser observada criticamente. Isto porquanto embora a camada de renda alta e média alta continue a concentrar-se na orla marítima do Rio de Janeiro e Niterói, suas áreas estão entremeadas com a permanência há mais de sessenta anos dos setores populares em favelas, que tem novo surto de crescimento a partir dos anos 90. Setores médio-alto e médios também localizam-se na periferia imediata do núcleo da metrópole (Zona Oeste do Rio de Janeiro), e na periferia mais distante (principalmente no centro de municípios da Baixada Fluminense), onde a predominância anterior indicava serem áreas de setores populares. As áreas de renda alta têm uma expansão territorial num movimento duplo intra e supra-metropolitano: internamente está ocupando uma nova área de orla oceânica, sob a forma de condomínios fechados de edifícios e casas na Baixada de Jacarépagua; e também se observa movimentos de deslocamento para segunda residência, ou nova residência fixa, em municípios serranos ou praianos,tanto para a direção da Região dos Lagos como para a Costa Verde, ambos externos aos limites metropolitanos, onde existem também áreas de setores médios e médio-baixos. Os setores populares tem acompanhado este movimento e sinalíza-se um, por vezes intenso, processo de favelização nestas novas áreas de renda alta. Torna-se assim mais complexa a configuração sócio espacial da metrópole com a co-habitação de camadas pobres das favelas e dos loteamentos periféricos com camadas média e ricas que encapsulam-se em condomínios fechados, e a cada vez mais distante posição entre as camadas pobres das periferias e as médias e ricas do núcleo (Abreu1988; Kleiman 2003).
O processo de re-estruturação complexo da configuração da forma-conteúdo da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, com seu desenvolvimento simultâneo de densificação da concentração, com diversificação de necessidades e atividades, centralidades e permanência do Centro, e expansão extensiva para fora de seus limites, que buscamos analisar, terá o modal automotivo como principal articulador das suas partes, mas no modal ferroviário um contribuinte importante para a expansão ampliada da localização da camada de baixa renda em áreas muito distantes do núcleo da metrópole. Esta nova configuração metropolitana expandida vem sendo suportada em grande parte pela acentuação do uso do automóvel, veículo que se ajusta também àss alterações no modo de vida na metrópole. Esta mudança no modo de vida combina um conjunto de novas sociabilidades e necessidades como o consumo e lazer em shopping centers, com o abastecimento em hipermercados; a dupla jornada da mulher – no trabalho e tarefas domésticas; crescimento das expectativas de vida, com idosos ativos; maior número de divórcios e separações; tendo como efeito multiplicação de moradias; uniões entre ex-casados compondo inter-famílias ampliadas; o multi-emprego ou múltiplas atividades laborais autônomos (“bicos” ) entre outros. A implicação destas alterações estão na diversidade de pontos diferentes a serem atingidos, em múltiplos horários, por diferentes itinerários, que só a maleabilidade e a autonomia do automóvel permite conectar. Por seu turno,pelo viés da produção as mudanças introduzidas com o padrão do método flexível, com base num sistema “just-in-time” que externaliza fases e funções da cadeia produtiva por múltiplas unidades, eliminando inventários e estoques necessita de maior interconexão de empresas em rede (Martner, 1995), intensificando assim os deslocamentos,onde o modal automotivo, será uma de suas peças mais importantes. A movimentação intensificada dos deslocamentos expressa estas mudanças, e configura uma estrutura de metrópole agora com uma expansão territorial que leva-a para o patamar de uma nova escala não vista anteriormente. Por outro lado, com a localização de camadas de baixa renda em periferias cada vez mais distantes, assim como se densificando em áreas da Baixada Fluminense, os trens voltaram a ter incremento acentuado de demanda por sua tarifa mais baixa e oferecimento de viagens em menor tempo, sem os entraves dos congestionamentos do tráfego automotivo. No mesmo ângulo de observação se verifica maior demanda pela Linha 2 do Metrô, e o uso de veículos comerciais leves, por esta camada de baixa renda.
O aumento exponencial da frota de veículos e do número de viagens automotivas, articulada de certo incremento de utilização do modal ferroviário aumenta os intercâmbios, com a transformação da correlação espaço-temporal através da reformatação da rede viária no âmbito inter-metropolitano e supra-metropolitano, e melhoria ferroviárias,a meu juízo, são elementos chaves para a compreensão do fenômeno.
3- Os diferentes modais de transporte e as mudanças na dinâmica dos deslocamentos
Para ilustrar o fenômeno em processo de mudanças na metrópole apontamos os diferentes modais de transporte e suas recentes transformações e projetos.
3.1-Modal automotivo
De 1970 a 2000 a frota de automóveis particulares cresce seis vezes (passa de 350.000 veículos para mais de 2.000.000) com índice de motorização na cidade do Rio de Janeiro de 3,56 habitantes/veículo (GEIPOT,Detran), sendo em 1960 de 23,4 hab/veículo. Os mais recentes dados sobre número de automóveis particulares já apontam em 2010 para quase 3 milhões de veículos na metrópole. Para os deslocamentos por automóveis particulares a última intervenção importante foi a construção da Linha Amarela, aberta em 1997, como via expressa de traçado transversal aos eixos viários longitudinais predominantes na cidade, articulando o núcleo da metrópole a sua área de expansão de camada de alta renda(Barra da Tijuca), mas que ao atravessar os Subúrbios tradicionais lhes oferece nova acessibilidade. Fora esta via nada mais de importante se fez para absorver não só o incremento acentuado do número de automóveis, como do importante aumento dos movimentos de deslocamentos dado pelo crescimento econômico, e aqueles advindos do modo de vida contemporâneo apontados acima. Por seu lado os ônibus passam de 10.000 veículos para 15.000, mais 1.200 micro-ônibus, compondo 411 linhas intermunicipais e 1.268 linhas municípios metropolitanos, e 1.005 ligando a metrópole a municípios supra-metropolitanos. (PDTU 2003). O aumento por número de viagens por ônibus e automóveis para municípios supra-metropolitanos na região serrana (mais 30% no período de 1985-2005 em relação a década anterior); Região dos Lagos ( orla oceânica a leste do Rio de Janeiro, com mais 48% no mesmo período); mostra a extrapolação da metrópole ( dados das concessionárias de estradas de rodagens pedagiadas- 2005). Observação direta de campo da pesquisa citada acima aponta, igualmente, incremento de mais 35% de viagens na direção da Costa Verde.
Para os deslocamentos por ônibus se pode apontar algumas medidas e ações importantes para a melhoria deste tipo de transporte. A primeira medida a se assinalar trata-se da licitação das linhas de ônibus em setembro de 2010 pela Prefeitura do Rio de Janeiro que conduziu a uma concentração das inúmeras empresas antes existentes em apenas quatro Consórcios, o que representa uma forma de oligopólio para o sistema, sob alegação que seria mais fácil organiza-lo no trato com menor número de empresários que com centenas. Á esta medida conjugou-se a implantação de Faixas Exclusivas(BRS) para ônibus, controladas por um sistema de radares, primeiro em avenidas da Zona Sul, e o modelo estará se estendendo também ao Centro,Zona Norte, para possibilitar maior fluidez dos veículos, com redução dos tempos de viagem, e das frotas, e igualmente da localização e redução das paradas. Busca-se impor aos Consórcios reduzir a frota onde existiria superposição de linhas e número de veículos nas zonas Sul e Centro e faze-las ampliar a frota na zona Oeste onde o serviço é muito restrito e onde pelo crescimento demográfico e de atividades a demanda é maior. Nas primeiras experiências observadas de fato verifica-se redução do tempo de viagens, mas pode-se apontar para problemas de congestionamento e aumento do tempo de viagem para os veículos automotores particulares pela redução do número de suas faixas de rolamento. A segunda ação, ainda em fase de implantação trata-se da criação de Corredores Expressos de Ônibus(BRT), que tem como base a ideia de faixas segregadas, ou seja separadas da circulação dos demais veículos automotores por barreiras físicas, com cruzamentos em níveis diferenciados, paradas no mesmo nível dos veículos, e compra antecipada do bilhete fora do ônibus, veículos bi-articulados para transporte de maior número de passageiros, maior espaço entre paradas, e articulações nestas paradas com linhas de ônibus circulares e com linhas do modal ferroviário-trens e metrô. Três Corredores Expressos foram previstos:a)o denominado Transoeste, ligando a Barra da Tijuca a Santa Cruz e Campo Grande, envolvendo a duplicação de parte da Av. das Américas (no Recreio dos Bandeirantes onde existia apenas duas pista ao invés de quatro como na sua parte na Barra), viaduto sobre a Av. Salvador Allende, extenso túnel urbano da Grota Funda, e toda duplicação da Av das Américas após o túnel de Guaratiba a Santa Cruz e via expressa deste bairro a Campo Grande. Este Corredor atenderá a forte demanda já existente(hoje mal coberta por tráfego de vans e kombis e deficiente linhas de ônibus) e seu crescimento futuro, na ligação entre bairros da Zona Oeste populares com o sub-centro de comércio, serviços e lazer da área de renda alta da Barra da Tijuca e adjacências, estando todas as obras em andamento; b) o denominado Transcarioca ligando a Barra da Tijuca ao Aeroporto Internacional(Galeão, na Ilha do Governador). Esta com obra em andamento, prevendo 3500 desapropriação de imóveis na sua passagem pelos Subúrbios que atravessa na área de Jacarepagua, Central do Brasil e Leopoldina , (o que tem provocado atraso nas obras por pendências jurídicas quanto ao valor da indenização), e envolve duplicação de inúmeras vias, cruzamentos em níveis diferenciados tanto como viadutos como por “mergulhões”, e utilizará também a técnica de ponte estaiada na travessia da baía de Guanabara perto do Aeroporto. Seu problema específico, quando de sua efetiva implantação, deverá ser a eliminação das linhas de ônibus hoje existentes, que ainda que com poucos veículos e consequente grande tempo de espera, propiciam viagens diretas inter-bairros suburbanos, e que passaram a ser apenas alimentadoras dos Corredores Expressos, exigindo transbordos; c) o denominado Transolímpico que ligará a Barra da Tijuca a Deodoro(um dos locais de provas das Olímpiadas). Este Corredor não tem ainda projeto totalmente definido quanto a seu percurso,suas obras não começaram, mas exigirá de qualquer forma também desapropriações, viadutos e túneis, e terá pedágio para seu uso. Irá cortar áreas de fato muito mal servidas por transporte de ônibus, e assim propiciaria eixo novo de deslocamentos, possibilitando melhor articulação tanto entre bairros suburbanos, como entre estes e o sub-centro da Barra da Tijuca. Se sabe de sua articulação com o modal ferroviário em Deodoro, mas não esta claro se faria ligação com um possível outro Corredor na Av. Brasil. Um dado comum aos três Corredores é que ao inverso da sua ideia matriz de Curitiba terão um grande número de paradas e não serão plenamente expressos, principalmente o maior deles o Transcarioca, com vários cruzamentos controlados por sinais de trânsito, ditos preferenciais ao Corredor, mas que por isto mesmo implicarão em bloqueios importantes dos fluxos tranversais aos mesmos(o que esta previsto ocorrer nos subúrbios da Taquara, Tanque, Praça Seca, entre outros, já hoje com importantes problemas de fluidez do tráfego).
Além dos automóveis particulares e dos ônibus a partir de 1996 inicia-se o transporte coletivo de passageiros através de veículos comerciais leves de pequeno porte (vans e kombis). A frota deste tipo de veículo apresenta crescimento muito forte (já são 11.000 veículos na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, sendo que destes a metade são clandestinas, e atingem 40.000 veículos no Estado do Rio – dados da Secretaria Municipal de Transportes Urbanos 2005 e Plano Diretor de Transportes Urbanos PDTU 2005). Este tipo de veículo já é responsável pelo deslocamento de número muito expressivo de passageiros (1.600.000 passageiros/dia na metrópole do Rio representando entre 18% e 24% do total – dados PDTU 2005 e Federação dos Transportes – Fetranspor RJ 2003), já contando com 353 linhas com viagens no sentido periferia distante – Centro, periferia imediata – Centro e inter-bairros (Mamani, 2004). Aponte-se, também o fenômeno dos moto-taxis, não legalizado, que faz viagens articulando centros de bairro a áreas populares com estrutura de becos e vielas, onde outro tipo de veículo não entraria.(Kleiman 2007). O governo estadual buscou regularizar o serviço de vans inter-municipais licitando linhas e reduzindo a frota, o que de fato ocorreu, mas a atividade clandestina tem procurado novos caminhos para continuar, utilizando-se, por exemplo, da possibilidade de disfarçar-se como transporte seletivo, ou pelo uso de automóveis particulares que fazem a chamada “lotada”. Já o governo municipal ainda não conseguiu concretamente estabelecer parâmetros de regularização nem das vans e kombis, muito menos dos moto-taxis, tendo como meta que com a implantação dos Corredores Expressos de õnibus estes vão por cobrir a demanda “esvaziar” o uso das vans que então passariam a no máximo a ser transporte alimentadores dos BRTs .A questão é que as vans e kombis prestam-se à função de elo funcional articulador da metrópole difusa e com seu Centro e sub-centros, e para a circulação intra-localidades seja entre os loteamentos populares ou condomínios fechados de alta renda e o comércio e assim mesmo com os BRTs possívelmente persistirão. Isto porque servem tanto para atender ruas internas de bairros no tráfego local,seja para atender inter-localidades do “corredor” de cidades que tem se formado ao longo das rodovias(BR 040;BR 124,BR 116,BR 101,entre outras).Assumem,assim a característica da morfologia difusa do território e dos mercados de trabalho informais e pólos de comércio, lazer, e serviços. Servem os veículos leves, com qualidades de serviço diferenciado, às camadas de menor e de maior renda. Para os de maior renda o serviço é feito em trajetos diretos(sem paradas intermediárias) entre os condomínios e os centros dos municípios, ou direto a shoppings, ou para o Centro da metrópole. Por observação direta e entrevistas da pesquisa citada acima verificamos que tanto nas cidades serranas como nas praianas cada condomínio contrata uma van para trajeto diário até o Centro da metrópole(em geral dois horários/ dia com ida pela manhã e volta no fim da tarde, e vans com vários horários(em geral dois pela manhã e dois a tarde para os deslocamentos para o comércio, e serviços locais).Para os de menor renda os veículos oferecem acessibilidade “porta-a-porta” (inclusive em áreas de difícil acesso), onde o ônibus não entra devido a demanda rarefeita, porque por sua flexibilidade de trajeto e velocidade permite interconexões intra-periferia e periferia-núcleo central da metrópole com maior intensidade. Contamos nas cidades serranas 12 linhas intra-bairros em Petrópolis,7 em Teresópolis e 4 em Friburgo;e nas cidades praianas 13 linhas em Niterói,55 em São Gonçalo,42 em Alcântara,10 em Itaboraí,4 em Marica,4 em Cabo Frio,2 em Araruama,todas com vários horários/dia. Já as linhas para o Centro da metrópole são 31 da “Grande Niterói”(que engloba Niterói,São Gonçalo,Alcântara,Itaboraí,Marica,Rio Bonito,Cachoeiras de Macacu,entre outra cidades),6 das cidades da Região dos Lagos,2 da Região Norte;e 4 provenientes das cidades serranas, e 6 da Costa Verde(Pesquisa IPPUR-UFRJ 2007). Contribuem assim, as vans, para uma periferização mais distante ainda, e difusa, dos setores populares .Como fazem paradas intermediárias e de forma livre possibilitam o aparecimento e consolidação de vários núcleos de concentração de moradias populares ao longo das estradas,onde os ônibus de carreira regulares não podem parar por conta da legislação e o transporte informal pode. Somando-se os deslocamentos por veículos leves(formais ou informais),com os de ônibus e automóveis verifica-se o intenso movimento de deslocamentos das cidades do eixos estudados para o Centro “histórico” da metrópole, e os sub-centros, mostrando serem dois dos fluxos de veículos e número de viagens mais importantes registrados. (PDTU RJ 2005, DETRO RJ 2005).
Mas seja a crescente escala da frota de automóveis particulares no âmbito urbano e metropolitano, seja o número de viagens intra-municipais e intermunicipais por ônibus e, na última década também por veículos coletivos de pequeno porte (vans, kombis, peruas) este fenômeno impôs um conjunto de obras de readequação da rede viária. Para o núcleo da metrópole constroem-se duas vias expressas:as Linhas Vermelha e Amarela, que também contribuem na expansão para fora dos limites metropolitanos. Na direção da região serrana foi fundamental:(a) o alargamento das pistas da BR-040(Rodovia Washington Luís) no trecho da Baixada Fluminense, aumentando a velocidade máxima permitida(para 110KM/h),reduzindo-se,por efeito, o tempo de viagem com as cidades serranas;(b) a construção(no início dos anos 90) da via-expressa Linha Vermelha que permite articula-las em menor tempo com o Centro da metrópole e zona Sul,através de vias elevadas e túneis urbanos extensos;(c) a construção mais recente(1997) da via-expressa Linha Amarela,que permite a ligação direta com a área de expansão de camada de renda alta(Barra da Tijuca). Já para o vetor Leste( Niterói-Manilha-Itaboraí e cidades praianas na direção da região dos Lagos) foram fundamentais: (a) a Ponte Rio-Niterói,inaugurada em 1974;mas depois(b)as obras viárias que complementam sua articulação com o Centro e zona Sul,através das vias elevadas da Perimetral e Paulo de Frontin,esta última ligando-a com o túnel Rebouças e a auto-estrada Lagoa-Barra(até 1997 única ligação expressa com a Barra);(c) a abertura da Linha Amarela em 1997 propicia a ligação direta com a Barra da Tijuca e adjacências,o que possibilita menor tempo de viagem para as cidades do eixo que são localidades de segunda residência para a camada de maior renda;(d)as mais recentes melhorias com a duplicação da rodovia Niterói-Manilha e nas estradas em direção a região dos Lagos;(e) quanto ao vetor Sul (Costa Verde) faz-se a duplicação da Rodovia Rio-Santos.
3.2-Modal ferroviário
O modal ferroviário, que desde a década de 1960 foi substituído pelo automotivo como aquele privilegiado nos deslocamentos urbanos-metropolitanos do Rio de Janeiro,tem apresentado certos investimentos e modificações, que combinados com as mudanças na dinâmica territorial conduzem a apontar sua mais recente importância no seu papel nos movimentos da metrópole, por suas diferentes opções, como se segue.
3.2.1-Trens
As linhas de trens suburbanos nos seus ramais da Central do Brasil(linhas para Deodoro-Santa Cruz,Paracambi,e Belford Roxo),e o ramal da antiga Leopoldina(linha eletrificada nos subúrbios da Leopoldina, mas a diesel no ramal de Guapimirim), todas hoje em concessão a empresa Supervia, tem apresentado demanda crescente, efeito da densificação das áreas populares a que servem e a expansão para periferias mais distantes. No ramal que liga a gare da Central do Brasil a Deodoro parte da frota foi renovada com trens com ar-condicionado e maior conforto interno, embora os horários de passagem dos comboios apresentem intervalos muito grandes para a demanda(cerca de 20 minutos entre cada composição), e as condições das estações não ofereçam boa acessibilidade, ( principalmente para pessoas mais idosas e mães com crianças pequenas ou bebês)pois usam rampas acentuadas, ou mesmo somente escadas com muitos lances e grande inclinação. Contudo, é nos ramais de Paracambi e Belford Roxo , onde pelo seu maior crescimento demográfico como área de residencia popular que a demanda pelo uso dos trens cresceu geométricamente, que os trens não conseguem a procura por sua utilização dado horários com intervalos que estão entre 30 a 45 minutos de espera. Conjuga-se a isto o fato que é exatamente onde a demanda aparece maior que a empresa coloca os trens mais antigos, em péssimas condições de conforto(sem ar condicionado, bancos que brados, portas que não fecham), e operacionalidade com os veículos apresentando constantes defeitos combinados a problemas na energia elétrica. O mesmo pode ser dito do ramal da antiga Leopoldina, com o agravante que na linha para Guapimirim os horários de passagem dos trens a diesel se fazem apenas poucas vezes ao dia, (restringindo-se quase que especialmente a viagem de vinda ao centro pela manhã e a volta ano final da tarde), e com composições ainda em pior estado de conservação. Existe uma ideia do governo do estado que com a chegada prevista(mas já adiada algumas vezes quanto a data) de novos trens, e melhorias no sistema de controle de tráfego se passe do sistema de horários para o de intervalos(como no metrô), ampliando-se assim a oferta por este meio de transporte, embora apenas na linha Central-Deodoro. Mas se de fato isto se implementar faltarão ainda melhorar a acessibilidade as estações com escadas rolantes, e ampliar este tipo de serviço para todos os ramais, além de eletrificar a linha até Guapimirim. Além destas melhorias certamente seria interessante estudar a extensão da linha eletrificada até Resende(pólo automotivo do estado), observando-se que a linha já foi eletrificada até Barra do Piraí, pois as camadas populares tem se dirigido para localizar-se nestes pontos cada vez mais distantes da metrópole, e também camadas de renda média, dado que neste eixo localizam-se, igualmente, importantes atividades econômicas. Poderia se pensar também em voltar a implantar a linha antiga existente que pelo ramal de Guapimirim fazia o contorno da baía de Guanabara passando por São Gonçalo até Niterói, o que seria uma opção a já saturada via automotiva pela Ponte Rio-Niterói. A Supervia tinha dado outra ideia, muito interessante e importante, de a partir da estação de Bonsucesso, no ramal da antiga Leopoldina, fazer um desvio com uma linha até a Ilha do Governador, que por sua posição e grande população tem grandes constrangimentos de deslocamentos.
3.2.2-Metrô.
O Metrô do Rio de Janeiro vem apresentando demanda totalmente acima de sua capacidade atual. Tipo de veículo de massa capaz de propiciar viagens rápidas e seguras, trabalhando no sistema de intervalos, ao contrário daquele dos trens que é por horário, tem sido muito procurado pela população como meio de deslocamento, principalmente por evitar os cada vez mais intensos fluxos com bloqueios do modal automotivo, mas tem sido operado e mesmo ampliado em sua extensão por método singular entre todos os metrôs conhecidos no mundo, o que tem trazido fortes constrangimentos ao seu uso. A lógica da implantação dos metrôs, em todas experiências conhecidas, é a de apor-se uma rede em formato de malha sobre o território, com muitos “nós”, ou seja estações de transbordo entre as várias linhas, distribuindo a quantidade de passageiros pelas mesmas, procurando, assim sendo, conectar o maior número de lugares, e mantendo-se através de sofisticados sistemas informatizados de controle de tráfego o menor intervalo possível entra as composições aumentando a oferta de viagens. No caso do Rio de Janeiro a opção de logística tem sido outra e singular: com apenas duas linhas, seguindo o sentido longitudinal dos eixos da cidade e metrópole, não acompanha a ideia de rede em malha sobre o território. Além disto, onde antes existia um “nó” entre as linhas 1 e 2, (ainda que secundário situado na estação Estácio, pois o principal “nó” estava previsto para ser na estação Carioca, construída com porte para este fim e mais ainda para ser a estação de transbordo também para a linha 3 -Rio-Niterói. Esta linha 3, que seria fundamental para os deslocamentos na metrópole, tem ficado apenas como ideia, sendo que sua extensão no trecho entre Niterói e Itaboraí já foi pensado como metrô de superfície,ou como VLT, e o estado agora tenta financiamento para uma extensão menor deste trecho entre Niterói e Zé Garoto em São Gonçalo) o “nó” foi extinto fazendo-se uma opção por ligação em “Y” da linha 2 co m a 1 entrocando-se na estação Central do Brasil(que já recebe demanda muito forte pelo transbordo dos trens) o que configurou uma linha única obrigando a frenagem de comboios da linha 1 para esperar a entrada dos da linha 2.Com esta “solução” aumentou-se o já longo intervalo entre composições que rea em média de 6 a 7 minutos para inacreditáveis 10 minutos. Este intervalo tão longo não tem semelhança com a ideia de metrô cuja lógica é a de pequenos intervalos quanto mais nos horários de maior demanda. Exemplos no mundo mostram intervalos de 2 minutos, por vezes de 1 minuto na hora de “pico” e até de meio minuto entre as composições. Com o sistema atual de linha única os trens tem andado superlotados, o ar-condicionado não suporta o número de passageiros,etc,etc. Outra questão que tende a agravar a situação é a construção da linha 4 ligando a zona Sul a Barra da Tijuca como simples extensão da linha 1, e uma ideia lançada de estender a linha 2 até Belford Roxo na Baixada Fluminense . Teríamos assim um longo “fio de urdidura” ao invés de uma rede em malha, ou uma espécie de “cobra de duas cabeças” que cresceria indefinidamente de um lado e de outro cujo efeito seria de agregar cada vez mais passageiros numa única linha , e não numa rede, agravando a superlotação dos carros, e sem articular os diferentes pontos e lugares do território pois não se configura como rede. Uma outra ideia, que poderia contribuir para aliviar o impacto da escolha de lógica equivocada e singular seria criar um anel metroviário com uma linha circular ao se ligar a futura estação Uruguai(extensão da linha 1 para depois da estação Saenz Peña) com a estação Gávea da linha 4(na verdade linha 1 estendida) o que propiciaria distribuir melhor o volume de passageiros.
3.2.3-VLT.
Com o projeto de revitalização através de importante intervenção urbanística na área do Porto do Rio de Janeiro aparece a ideia da introdução de Veículo Leve sobre Trilhos-VLT no Rio de Janeiro. Este tipo de veículo, que é uma adaptação inovadora do antigo bonde(tramway) onde tem sido implantado tem tido um sucesso muito importante pois conta com ampla cessibilidade por deslocar-se no nível do solo, em via segregada, com bilhete comprado fora do veículo,tendo velocidade(40Km/hora) compatível com a estrutura intra-urbana, permitindo, inclusive a leitura da cidade. Sua introdução tem contribuído para a re-vitalização do comércio de rua, para articular diferentes modais de transporte e “nós” de movimentos como estações de ônibus, aeroportos, barcas, ligar pontos finais de linhas metrô entre si, etc. A primeira ideia de sua introdução no Rio de Janeiro no Porto parecia mais como um chamado de uso turístico pois limitava-se seu trajeto a Av. Rodrigues Alves, no lugar da Perimetral cuja proposta é ser demolida(!). Contudo logo em seguida apontou-se para um trajeto circular ligando a Praça Mauá a Central do Brasil, passando pela Rodoviária. Mais recentemente falou-se numa linha ligando a mesma Praça Mauá ao aeroporto Santos Dumont, e outra passando pela Sete de Setembro e Praça Tiradentes. Se de fato assim vier a se concretizar estas ideias ainda não projetadas realmente poderíamos vir a ter um sistema cental de VLT que seria de fato importante na propalada re-vitalização do Centro, inclusive como local de moradia.
4-Conclusão: As mudanças nos modais de transportes,a dinâmica territorial e a questão de mobilidade espacial social.
No escopo deste trabalho apresentamos alguns dos elementos que conduzem à uma reflexão crítica sobre as mudanças nos modais de transporte, inseridas num processo de alteração na dinâmica territorial da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. A periferização muito distante de setores populares muito pobres; a configuração de áreas de setores de alta renda peri-urbanos, determina pela distribuição desigual das condições de mobilidade em relação à renda uma acentuação da segregação sócio-espacial.
A força de trabalho estará submetida a um prolongamento de sua jornada pelo aumento das distâncias, e nisto relaciona-se e o acréscimo no valor das tarifas para deslocar-se, o acréscimo de tempo de viagem (existem casos em que o trabalhador gasta 4 horas diárias no trajeto de ida e volta de casa ao emprego). A situação dos setores populares, sejam os da primeira coroa periférica, e ainda mais os da periferia mais distante, agravou-se com a reestruturação produtiva no bojo do ideário neoliberal, onde o Estado abandonou a concepção do transporte público pela política de rentabilidade das empresas. Assim, na metrópole do Rio de Janeiro, foram privatizados os transportes por trens e concedidos os de metrô. Para o transporte por ônibus, que já eram totalmente concedidos às empresas privadas (até 1970 existia uma companhia de transportes coletivos pública) os preços, apesar de estarem sobre controle estatal passam a ser determinados por uma tarifação real (ou seja, sempre acima da inflação do período de um ano) calculado com base no índice de inflação mais planilha de custos fornecidas pelas empresas, mais um percentual de lucro. Mesmo com a recente concentração das inúmeras empresas em conglomerados de quatro consórcios, como cada um deles tem uma área da cidade como seu monopólio são elas que tendo reforçado seu maior peso político-econômico que induzem a definição das linhas e número de veículos em cada área, mantendo seu interesse e melhor serviço nas áreas de maior renda. Ao contrário, nas áreas de menor renda na zona Oeste e Subúrbios os deslocamentos seguem com piores condições, com veículos com maior tempo de uso, em pior estado de conservação, com grandes intervalos de tempo entre um e outro veículo. Este quadro para as camadas populares se agrava diante de sua dificuldade e/ou impossibilidade de adquirir e manter um automóvel particular que confere a camada de renda alta e média grande poder de mobilidade e constrangimentos à mobilidade dos setores populares.O governo aposta nos Corredores Expressos de Ônibus para oferecer um melhor grau de mobilidade a camada popular, mas os eixos traçados para sua implantação já exigiriam o modal ferroviário, seja por VLT, ou mesmo o metrô, que são veículos de transporte de massa passíveis de atender a densificação das áreas dos percursos previstos.
O quadro ainda de precariedade do transporte coletivo por ônibus e ausência de sua integração inter-modal com trens e metrô, combinada com as transformações produtivo-econômicas e a nova dinâmica territorial abriram espaço para o transporte por veículos comerciais leves –vans e kombis. Estes veículos atualizam o processo de re-estruturação da dinâmica territorial da metrópole assumindo a interligação dos pontos difusos sejam áreas de moradias, comércio, serviços, emprego, lazer...Sendo menores que os ônibus conseguem penetrar por caminhos estreitos, não pavimentados, com aclive, encontrados na periferia e nos morros das favelas. Tem uma maior flexibilidade de horários e itinerários e pontos de paradas mais livres. Estas suas características acentuam-se quando atuam informalmente (mais da metade da frota da Região Metropolitana do Rio de Janeiro), como veículos não-particulares; baseado numa permissividade do poder público, em geral em troca de favores políticos de cunho clientelista, ou mais ainda quando são clandestinos (veículos particulares). O transporte por vans/kombis será assim funcional para os setores populares com um modelo de serviço “porta-a-porta”. Mas este tipo de transporte também será seletivo ao direcionar-se numa outra via para a camada de renda alta com serviço de maior qualidade – melhores veículos, climatizados...atendendo por vezes com exclusividade determinados grupos, inclusive como por idade, gênero, para determinados usos – trajeto casa-trabalho, casa, lazer, etc.
A área metropolitana atual com uma dinâmica territorial simultaneamente de concentração e dispersão terá seu impulso pela ampliação da frota de automóveis privados. De uma parte, dado a precariedade e insegurança do transporte coletivo por ônibus, e a inexistência de uma malha de metrô que cubra o território como um todo, e da modernização necessária da rede de trens, e de outro sua flexibilidade e autonomia de itinerários e horários, o automóvel privado será cada vez mais utilizado tanto no âmbito intra-metropolitano como para atingir urbanizações peri-metropolitanas. O automóvel privado promove uma ampla mobilidade à camada de maior renda ao atender e catalizar novas necessidades e atividades diárias, e novas localizações de moradia e sua conexão com o comércio e serviços.
Reforça-se assim uma oposição nítida entre transporte coletivo/transporte individual, onde a distribuição desigual da mobilidade e da acessibilidade proporcionada definem a condição periférica e a condição central das classes sociais no território metropolitano.
A estrutura da Região Metropolitana do Rio de Janeiro está modificando-se, e o modal automotivo permanece respondendo à suas demandas e mantém seu papel funcional à impulsão. A metrópole mantém um centro principal e sub-centros no seu núcleo, mas apresenta expansões “pós-periféricas” (extrapolando os limites metropolitanos da década de 70), conformando pólos atrativos agora não mais apenas de camadas populares como antes, mas de camadas de alta renda. Apesar deste movimento, também consolida e altera as periferias antigas “modernizando-as” (introduzindo shopping centers, hipermercados...), e adensa e verticaliza os lugares periféricos no centro (as favelas). Trata-se de um fenômeno de movimentos múltiplos: adensa e moderniza concentrações de centralidades anteriores, cristaliza a periferia no centro do núcleo, dispersa-se difusamente incorporando novos pólos urbanos para classes sociais diversas. O crescente impulso a motorização expressa um processo circular na dinâmica territorial metropolitana. O privilegiamento do modal automotivo demanda ao Estado investimentos na rede viária em diferentes âmbitos, e acentua o papel de elo funcional que desempenha o veículo automotor coordenando a interconexão da produção e das metrópoles impõe maior e mais diversificada produção de veículos. Do ponto de vista das alterações no modo de vida a multiplicidade de atividades laborais, e o consumo e lazer em pontos de novas centralidades, e novos e mais distantes locais de moradia, acentuam a necessidade dos deslocamentos por automóvel. Podemos pensar que as mudanças na dinâmica territorial rompe os limites metropolitanos numa divisão de pontos emergentes, mas simultaneamente reconcentrando-se numa re-emergência de favelas e áreas “nobres” .As diferentes camadas de renda , no entanto, intercomunicam-se com as propriedades sociais do espaço de maneira desigual pelas diferenças de mobilidade entre transporte individual e coletivo. O complexo fenômeno de imbricação e interdependência entre diferentes níveis de escala e classes sociais comunicados por uma mobilidade seletiva pela renda aponta para um processo de mutação importante na conformação do território da metrópole do Rio de Janeiro, onde um dos principais elementos trata-se da expansão para as cidades dos dois eixos estudados impulsionada pelo automóvel. Contudo, os movimentos verificados mostram, por um lado, um fenômeno de expansão da metrópole por espaços intra-urbanos, e para espaços emergentes peri-urbanos,para além de seus limites tradicionais,para a camada de renda alta impulsionada por sua mobilidade automotiva;e ,por outro tem-se um movimento de criação de novos lugares, de periferias pobres, dado pelos deslocamentos possibilitados por veículos leves(vans e kombis)-sejam legais ou ilegais), e pela volta da utilização crescente dos trens em seus vários ramais e da linha 2 do metrô. Estas áreas de expansão por vezes descontinuada metrópole que para as camadas populares são residenciais, para as renda mais alta tem atividades com maior intensidade nos finais de semana, feriados e férias, mas em ambos os casos assiste-se a uma espécie de “elasticidade” metropolitana, pois que expande e contrai a metrópole de acordo com estes fluxos. Mesmo entre os de maior renda que se fixam nestes novos lugares observa-se uma “elasticidade” diária no sentido do Centro do Rio de Janeiro. Este mantém-se como pólo unificador da metrópole expandida, continuando a atrair os fluxos, sejam os externos como os internos, embora registrem-se também aqueles para o conjunto ampliado dos sub-centros, sejam os já consolidados , seja o emergente da Barra da Tijuca.
A intensidade de movimentos ganha força e configura a metrópole do Rio de Janeiro de uma nova forma, apresentando um fenômeno de transição para uma nova escala e complexidade (Santos, M 1990 ; Souza M C de 2000; Kleiman, 2003). A área metropolitana expande-se tanto internamente, na direção da Zona Oeste, como externamente aos limites da região metropolitana estabelecida em meados de 70. Essa expansão contém a continuidade de crescimento de periferias populares, mas agrega, agora, também, periferias de alta renda, podendo ambas compor novas centralidades,(sem que os antigos sub-centros e o Centro percam sua importância como tal). A expansão interna.e a externa acompanha os eixos viários modernizados e os eixos dos trens, e apresenta-se conurbando áreas limítrofes, e simultaneamente fazendo-se com descontinuidade. Nos vários vetores apontados como eixos de crescimento da área metropolitana verifica-se a formação tanto de novas áreas de moradia de renda alta(condomínios fechados seja de casas ou de prédios de apartamentos), como de moradias populares,contando com um pólo comercial próximo, ou expande-se um pólo comercial já existente, sendo o modal automotivo aquele que interconecta estas expansões com as centralidades periféricas e com o núcleo e sub-centros da metrópole, e o modal ferroviário interconecta periferias muito distantes- áreas de camadas populares- com o núcleo e sub-centros da metrópole. Tem-se assim um movimento de deslocamentos intra-periférico,outro intra-metropolitano, e aquele que articula as partes da metrópole expandida, sendo que quanto mais afastado do núcleo estiver a expansão intensifica-se o movimento interno.
Trata-se de uma desconcentração difusa com a configuração de novas concentrações periféricas com centralidade em novos polos de convergência e atratividade. A expansão para fora da metrópole, alargando-a, tem no automóvel seu elo funcional e interconector. Como a expansão está sendo pela incorporação de novos solos urbanos num movimento renovado de camadas populares, e pela camada de maior renda, esta utiliza o automóvel particular e aquela os veículos comerciais leves – vans e kombis – seja por meio de um sistema formal ou informal, ou o trem. O automóvel privado alavanca áreas de moradia fixa ou de segunda residência (para fins de semana e férias) funcionando como um “elástico” interconectando estes lugares peri-urbanos com o núcleo da metrópole, onde permanecem as atividades profissionais, ou levando e trazendo as pessoas nos fins de semana. Neste caso do fim de semana a metrópole é alargada por tempo reduzido, voltando a sua extensão anterior, quando o carro, como “elástico” esticado, retorna a posição inicial. Tem-se um exponencial aumento do número de automóveis que demandam as cidades serranas e praianas ;assim como um crescimento do número de veículos em circulação intra-urbana e inter-municípios no interior das regiões.(Dados das Concessionárias das rodovias-CONCER;CRT; Departamentos de transito locais;Detro 2005).
Então, a metrópole expandida do Rio de Janeiro conjuga movimentos de diferentes graus de intensidade com deslocamentos difusos, atomizados, justapostos a deslocamentos concentrados no interior das cidades, e tem serviços de deslocamentos seletivos por camada de renda para diferentes atividades. A diversificação difusa de lugares de moradias, de comércio e lazer, e serviços, e industriais como a das regiões que nos servem de ilustração para o estudo foi assumida pelo modal automotivo fragmentando-se o tradicional movimento pendular em dois horários do dia (“rush” matinal e das 18h – horários de “pico”) de bairro-centro-bairro, para movimentos múltiplos superpostos para diferentes novas centralidades e pólos de sub-centros e bairros, seja em urbanização contínua ou descontínua. (CET – Rio; PETRO RJ, 2005), sendo o movimento pendular mantido pelo modal ferroviário-trens e metrô.
Há portanto, uma diferenciação quanto ao grau de mobilidade na dinâmica e integração funcional da metrópole por camada social. Enquanto a camada de maior renda que tem acesso ao automóvel particular e articula-se com o metrô e Faixas Exclusivas de Ônibus tem tido incremento das possibilidades de movimentos, as camadas populares sem possibilidade de um automóvel próprio e sujeita a um serviço precário de transporte de massa, esta a espera da modernização dos trens, da ampliação do metrô como rede em malha, dos Corredores Expressos de Ônibus, para poder ter a possibilidade de adquirir um maior grau de mobilidade como recurso social para sua articulação com todos elementos e equipamentos do território da metrópole do Rio de Janeiro.
5- REFERÊNCIAS
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A constituição do subúrbio na cidade do Rio de Janeiro na virada do século XIX: um passeio pela literatura
Leonardo Soares dos Santos*
RESUMO
O tema central desse artigo é a formação do subúrbio no Rio de Janeiro, durante o período 1880-1910, uma era de transição marcada duplamente pela formação de um mercado de trabalho livre e pela ordenação da cidade e seus habitantes. Pela ordem de análise, dois tipos de fontes são examinados: os dicionários e a literatura, em especial autores como José de Alencar, Machado de Assis, Aluízio de Azevedo e Lima Barreto.
Palavras-Chave: Rio de Janeiro, Subúrbio, Literatura.
ABSTRACT
The central theme of this paper is the formation of the suburb in Rio de Janeiro, during the period 1880-1910, an era of transition with regard to both the formation of a free labor market and the ordering of the city and its inhabitants. In order to analyze this theme, two kind of sources are examined: dictionaries and literature, in especial authors as José de Alencar, Machado de Assis, Aluízio de Azevedo and Lima Barreto.
Key words: Rio de Janeiro, Suburb, Literature.
Subúrbio: algumas idéias sobre o espaço
As imagens e noções que se referem ao subúrbio como um espaço de mistura, de indefinição de fronteiras entre os usos rurais e urbanos são verdadeiramente persistentes. Os exemplos abundam em trabalhos acadêmicos que tem como objeto a temática urbana.1 Podemos surpreendê-los tanto em trabalhos acadêmicos, como o excelente ensaio sobre a história de São Caetano, cidade pertencente à região metropolitana da Grande São Paulo, escrito José de Souza Martins2; em projetos de zoneamento do início do século XX, como o da cidade de Camberra, capital da Austrália; e textos literários, como a crônica “Os enterros de Inhaúma”, do escritor Lima Barreto:
Tinha morrido o Felisberto Catarino, operário, lustrador e empalhador numa oficina de móveis de Cascadura. Ele morava no Engenho de Dentro, em casa própria, com um razoável quintal, onde havia, além de alguns pés de laranjas, uma umbrosa mangueira, debaixo da qual, aos domingos, reunia colegas e amigos para bebericar e jogar a bisca.3
Note-se que o contraste apresentado pelo autor se mostra mais agudo quando atentamos para o fato de o quintal em vista, de tantas árvores frutíferas, era de propriedade de um homem que desempenhava funções eminentemente urbanas. Mas tal conciliação era possível, pois que se tratava de um quintal localizado no bairro suburbano de Engenho de Dentro.
Esse perfil específico do subúrbio, que na verdade parece se tratar de uma indefinição entre o rural e o urbano, já foi objeto de importante reflexões no âmbito do pensamento sociológico. Com base num estudo sobre as cidades que compõem a região de Yucatán, no México, Robert Redfield formulará a hipótese da existência de um gradient que haveria entre o centro metropolitano (mais urbano, branco e civilizado4) e as aldeias e povoações (quase puramente indígenas, pouco civilizadas). Havendo entre esses dois pólos os subúrbios. Região essa que representa tanto num plano simbólico quanto no da prática uma síntese entre eles.
Quem, partindo da praça, se dirige para os arrabaldes da vila, passa do mundo do negociante da vila ao do aldeão camponês. As casas em redor da praça, muitas das quais são também lojas, situadas lá onde vem a gente da cidade e os visitantes de Dzitas, são quase todas de alvenaria, construídas em estilo espanhol; a maioria têm janelas, e algumas das janelas têm grades de ferro. A maior parte da eletricidade consumida na vila é usada nessas esquinas de rua e em algumas dessas casas e lojas. Elas têm fogões para carvão vegetal, mesas e cadeiras, e algumas têm chuveiros. Mas, nos arrabaldes, as casas são cobertas de colmo, com paredes de reboco ou pau a pique, e o equipamento doméstico dificilmente consiste em mais que redes, esteiras e uns poucos utensílios simples de cozinha. Paralelamente a essas diferenças de habitação e condição econômica há diferenças de vestuário e linguagem. A gente que mora perto da praça tende a usar a roupa da cidade: calças escuras, camisa e calçado, no caso das mulheres. Nos arrabaldes, torna-se isso raro: os homens levam as sandálias e o chapéu de palha do aldeão camponês, e as mulheres usam o huipil e andam com os pés descalços ou usam chinelas macias, sem salto (chancletas). Em muitas das casas sitas ao redor da praça fala-se o espanhol, mas o maia, que é a língua falada por quase todos numa ocasião ou noutra e constitui o único idioma para muitas pessoas, é a língua doméstica de quase todas as pequenas cabanas dos arrabaldes da vila.5
A indefinição de usos, a persistência de velhos costumes são elementos que abalizam a imagem do subúrbio como um lugar ainda não totalmente urbano, ou seja, que ainda não pode ser considerado plenamente pertencente à cidade com a qual é contíguo. Daí o seu caráter de complementaridade, como se esse subúrbio fosse uma espécie de reserva, passível de abrigar coisas há muito expurgadas da urbes. Uma imagem que já podia ser vista desde meados do século XIX em trabalhos como o do famoso urbanista catalão – talvez o primeiro da história – Idelfonso Cerda.6
Embora quase consensual, tal imagem sobre o subúrbio – imagem esta muito próxima do que ele realmente seja – não nos exime que consideremos que o que se apresenta como subúrbio hoje não é nada mais do que a positivação de um determinado estágio do desenvolvimento territorial de nossas cidades. O subúrbio, entendido seja enquanto espaço seja enquanto imagem sobre um determinado espaço – acarretando assim a imagem sobre os grupos sociais que o ocupam -, é, portanto, um constructo histórico cujo caráter e sentido está relacionado à dinâmica a um tempo social e espacial na qual está inserido. Daí que enquanto elemento histórico – e não puramente espacial – ele mude tanto ao longo do tempo. Uma rápida olhada nos significados atribuídos a ele em alguns dicionários pode nos oferecer detalhes sugestivos a esse respeito.
No dicionário francês de fins do século XIX, o território suburbano possui um desenvolvimento histórico bem específico, dependendo da forma de sua criação ele poderia ser designado como um faubourg. Num dicionário espanhol a acepção dada à palavra suburbio ganha uma conotação explicitamente social: “pueblo o conjunto de casas que está cerca de una grande ciudad y dentro de su jurisdicción, especialmente el habitado por personas de posición social baja.”7 Encontramos exatamente aqui a acepção dominante no “mundo ocidental” da palavra subúrbio: o lugar por excelência das classes pobres. Mas nem sempre as coisas, ou melhor, o sentido da palavra, foi assim. O exemplo norte-americano, já citado, o demonstra. Temos o próprio exemplo francês. No Dictionnaire Gènèral de la langue Française de finais do XIX somos informados que a região suburbana fora anteriormente a região “oú beaucoup de famillies nobles ont leurs hôtels”.8 Temos também o exemplo do que talvez tenham sido os primeiros subúrbios planejados do mundo, os das cercanias de Amsterdam, durante o século de Ouro holandês, conforme nos detalha Paul Zunthor. Eram eles voltados para a moradia das classes mais abastadas da cidade.9
O Rio de Janeiro é ele mesmo um exemplo emblemático da origem aristocrática dos subúrbios. O testemunho de Schlichthorst, militar alemão contratado diretamente por Pedro I, que viveu na cidade em meados da década de 1820 é assaz ilustrativo. Aqui ele faz uma descrição da paisagem dos arrabaldes da cidade, isto é, de algo que poderia ser considerado por muitos como sendo parte dos subúrbios:
A cidade termina na ponte do Catete. Ao longo de sebes e belas casas de campo, o caminho acompanha o mar até onde começa Botafogo, renque de belas residências campestres formando suave curva ao longo da praia.
Nos jardins, predomina um gosto que chamam francês e que preferiria fosse mourisco por se adaptar melhor à paisagem. A natureza oferece parques à inglesa que tornam qualquer imitação pueril. [...] As mais belas moradias são construídas um pouco distante da rua, no fundo dos jardins, ao pé dos morros e um tanto acima do nível da praia. A maioria, ao gosto mourisco, com cúpulas, arcos de forma estranha e uma escadaria ligeiramente inclinada à frente.10
Mas se tomarmos a evolução da noção de subúrbio em diferentes momentos históricos e contextos geográficos, iremos perceber também aspectos de notável perenidade. Um primeiro ponto a se destacar é que, fosse um espaço aristocrático ou popular, o subúrbio possuía uma origem rural. Ele, em algum momento da história, teria sido o campo que circundava a urbes. Temos o exemplo do dicionário da língua espanhola de início do século XVIII. Suburbano denotava, por exemplo, o “que se aplica al terreno, ó campo, que está cerca de la Ciudad. Usase algunas veces como substantivo” ou “el Arrabal, ò Aldea cerca de la Ciudad, ò de su jurisdiccion”.11
Um exemplo bem ilustrativo é a descrição que nos oferece Machado de Assis da Praia Formosa, na altura de Saúde e Gamboa, considerado na época (segunda metade do século XIX) como subúrbio da cidade. Atentemos para o fato de que Rubião – que estava pessando de tílburi pela praia - era de Minas, saudoso das coisas da “roça” e se vê encantado pela paisagem “suburbana” com que se depara.
- V.S.ª está gostando, disse-lhe o cocheiro contente com o bom freguês que tinha.
- Acho bonito.
- Nunca veio aqui?
- Creio que vim, há muitos anos, quando estive no Rio de Janeiro pela primeira vez. Que eu sou de Minas... Pare moço.
O cocheiro fez parar o cavalo: Rubião desceu, e disse-lhe que fosse andando devagar. Em verdade, era curioso. Aquelas grandes braçadas de mato, brotando do lodo, e postas ali ao pé da cara do Rubião, davam-lhe vontade de ir ter com elas. Tão perto da rua! Rubião nem sentia o sol. (...) Assim, sim, - dizia ele consigo, - fosse o mar todo uma coisa daquele feitio, alastrado de terras e verduras, e valia a pena navegar. Para lá daquilo ficava a Praia dos Lázaros e a de São Cristóvão. Uma pernada apenas.12
Com o passar do tempo, a cidade, antes cercada pelos campos – como se vê-, passaria ela mesmo a cercá-los, abarcando-os num ritmo e intensidade que variava de país para país, áreas antes destinadas a funções agrícolas. Um segundo aspecto a se destacar é a própria noção de subúrbio como um espaço de transição rural/urbano – idéia esta consagrada nos escritos de R. Redfield. No dicionário inglês, de fins do século XX, a palavra suburbano (suburban) aparece “variously connoting a combination of rural and urban features”.13 Claramente, o pólo positivo do gradient imaginado por Redfield era representado pelo urbano, daí que subúrbio seja geralmente imaginado como um espaço ainda atrasado, em vias de se consolidar numa área genuinamente urbana, despojando-se dos últimos resquícios de uma realidade rural, tida como expressão a um só tempo de atraso e anacranismo. O amplo e detalhado perfil dos subúrbios feito por Lima Barreto em Clara dos Anjos, parece encontrar no conceito de subúrbio como espaço de contraste entre o novo e o velho, o urbano e o proto-urbano, o ponto de equilibrio:
O subúrbio propriamente dito é uma longa faixa de terra que se alonga, desde o Rocha ou São Francisco Xavier, até Sapopemba, tendo para eixo a linha férrea da Central. Para os lados, não se aprofunda muito, sobretudo quando encontra colinas e montanhas que tenham a sua expansão; mas, assim mesmo, o subúrbio continua invadindo, com as suas azinhagas e trilhos, charnecas e morrotes. Passa-se por um lugar que supomos deserto, e olhamos, por acaso, o fundo de uma grota, donde brotam ainda árvores de capoeira, lá damos com um casebre tosco, que, para ser alcançado, se torna preciso descer uma ladeirota quase a prumo; andamos mais e levantamos o olhar para um canto do horizonte e lá vemos, em cima de uma elevação, um ou mais barracões, para os quais não topamos logo da primeira vista com a ladeira de acesso. Há casas, casinhas, casebres, barracões, choças, por toda a parte onde se possa fincar quatro estacas de pau e uni-las por paredes duvidosas. Todo o material para essas construções serve: são latas de fósforos distendidas, telhas velhas, folhas de zinco, e, para as nervuras das paredes de taipa, o bambu, que não é barato. Há verdadeiros aldeamentos dessas barracas, nas coroas dos morros, que as árvores e os bambuais escondem aos olhos dos transeuntes. Nelas, há quase sempre uma bica para todos os habitantes e nenhuma espécie de esgoto. Toda essa população, pobríssima, vive sob a ameaça constante da varíola e, quando ela dá para aquelas bandas, é um verdadeiro flagelo. Afastando-nos do eixo da zona suburbana, logo o aspecto das ruas muda. Não há mais gradis de ferros, nem casas com tendências aristocráticas: há o barracão, a choça e uma ou outra casa que tal. Tudo isto muito espaçado e separado; entretanto, encontram-se, por vezes, “correres” de pequenas casas, de duas janelas e porta ao centro, formando o que chama- mos "avenida". As ruas distantes da linha da Central vivem cheias de tabuleiros de grama e de capim, que são aproveitados pelas famílias para coradouro. De manhã até à noite, ficam povoadas de toda a espécie de pequenos animais domésticos: galinhas, patos, marrecos, cabritos, carneiros e porcos, sem esquecer os cães, que, com todos aqueles, fraternizam. Quando chega a tardinha, de cada portão se ouve o "toque de reunir": "Mimoso"! É um bode que a dona chama. "Sereia"! É uma leitoa que uma criança faz entrar em casa; e assim por diante. Carneiros, cabritos, marrecos, galinhas, perus - tudo entra pela porta principal, atravessa a casa toda e vai se recolher ao quintalejo aos fundos. Se acontece faltar um dos seus "bichos", a dona da casa faz um barulho de todos os diabos, descompõe os filhos e filhas, atribui o furto à vizinha tal. Esta vem a saber, e eis um bate-boca formado, que às vezes desanda em pugilato entre os maridos.14
Poucos anos depois, em julho de 1922, em crônica intitulada “De Cascadura a Garnier”, Lima procura descrever a sua viagem de bonde, percorrendo a estrada Real de Santa Cruz, viagem esta que liga um lugar (Cascadura) onde o passado ainda é muito presente, ondea inda se respira “muito do seu primitivo ar rural de antaño” a outro (o centro da cidade), onde todas esses elementos foram soterrados pela “vida urbana”:
Estamos no Largo de São Francisco. Desço. Penetro pela Rua do Ouvidor. Onde ficou a Estrada de Real, com os seus bácoros, as suas cabras, os seus galos e os seuscapinzais? Não sei ou esqueci-me. Entro no Garnier e logo topo um poeta, que me recita:
Min alma é triste como a rola aflita, etc.
Entao de novo me lembro da Estrada Real, dos seus porcos, das suas cabras, dos seus galos, dos capinzais…
Não parece que tudo isso tratasse apenas de imagens e noções impostas a uma realidade. Ao contrário, que o diga Armando Teixeira. A persistente simbiose entre rural e urbano nos subúrbios foi sentida na pele por ele no início de 1920, quando acabou levando a chifrada de um boi na estrada da Pavuna.15
Mas se este tipo de coexistência acabou se mostrando persistente na definição do conceito de subúrbio, ou dizendo de outro modo, no ato de classificação de um lugar como sendo um subúrbio, é preciso que se observe também que a maneira como tal coexistência era lida e qualificada não foi a mesma ao longo do tempo. A seguir, teremos a oportunidade de ver que para muitos atores históricos da cidade do início do século, havia boas razões para que a mistura de usos, tão bem apreciada décadas atrás pelo General Schlichthorst, fosse vista com olhos bem diferentes, deixando de ser um motivo de encantamento para se transformar em fonte de lamentações e denúncias.
Os subúrbios: de lugar de “grande recreio” ao “recanto dos infelizes”
Vários trabalhos da historiografia sobre a cidade do Rio de Janeiro apontam para as Reformas do Governo Pereira Passos como um marco da produção de uma configuração sócio-espacial altamente hierarquizada e excludente.16 Daí é possível que se pense que a divisão da cidade entre zonas urbana, suburbana e rural tenha ganhado contornos mais nítidos. Porém, é preciso tomarmos certas precauções quanto a isso. Parece inegável até hoje que as reformas urbanas operadas no início do século XX tenham mesmo atuado no sentido de conformar divisões geográficas de grandes implicações sociais e étnicas.17 Mas no caso bem específico da divisão da cidade em diferentes zonas, conforme citadas acima, não há correspondência tão direta.
Quando muito, pode-se sustentar que as Reformas dirigidas por Pereira Passos tenham dado novos significados a divisão entre áreas urbana e suburbana, isto é, o que significava pertencer ou morar em uma ou outra área em termos simbólicos e sociais. De qualquer forma ela está diretamente ligada a uma nova percepção que se vai construindo sobre o papel das cidades, o que se deve, sobretudo, às transformações por que passa o sistema capitalista em escala mundial. Na visão de Maria Chiavari, a internacionalização da economia tal como se delineia nas últimas décadas do XIX procura fazer da cidade um “produto”, “promovendo a valorização real e potencial deste produto e ao mesmo tempo objeto de consumo, para ser repartido segundo as reais possibilidades de renda de seus habitantes.”18
E tais transformações suplantam em muito o período em que Pereira Passos esteve a frente do cargo maior do executivo da cidade. Para que possamos ter uma compreensão melhor a respeito faz-se necessário um pequeno recuo de algumas décadas.
Até o século XIX o subúrbio não tinha a conotação negativa que passará a ter no século XX. Até porque os subúrbios e arrabaldes eram a área de moradia de membros das classes ricas e médias da cidade, ali estabelecidos em suas chácaras, chalets e casarões. Os exemplos de subúrbios da cidade por essa época eram Botafogo, Laranjeiras, Catete, Glória e Tijuca.19 Esta, muito bem retratada por Machado de Assis, tanto quanto uma área residencial da elite social carioca quanto uma região marcada pela existência daquele tipo de construções.20 Mas já havia sido descrita assim antes por José de Alencar, desde meados do século. Em Lucíola, obra publicada em 1892, o personagem Sá irá escolher exatamente os “arrabaldes da côrte”, para instalar uma chácara onde dava “féria às ocupações graves, convidava alguns amigos, e oferecia à imaginação um pasto régio”. As marcas aristocráticas dessa residência são nítidas:
A sua casa de moço solteiro estava para isso admiravelmente situada entre jardins, no centro de uma chácara ensombrada por casuarinas e laranjeiras. Se algum eco indiscreto dos estouros báquicos ou das canções eróticas escapava pelas frestas das persianas verdes, confundia-se com o farfalhar do vento na espessa folhagem; e não ia perturbar, nem o plácido sono dos vizinhos, nem os castos pensamentos de alguma virgem que por ali velasse a horas mortas.21
Só com o parcelamento das terras para a construção de lotes residenciais é que a área passaria a ser ocupada por segmentos tidos como “populares”. Esse foi um processo que variou ao longo do tempo e dependendo da região da cidade. Ele começou a atingir intensamente o que hoje são os bairros de São Cristóvão, Tijuca, Vila Isabel, Piedade desde a década de 1870. A partir de 1890 ele passaria a incidir sobre Méier, Madureira e Engenho Novo e Inhaúma. O historiador José de Oliveira Reis comenta que “começou então um surto descontrolado de abertura de ruas e conseqüentes loteamentos, de maneira irregular e tumultuada. Ruas mal traçadas, abertas em terrenos acidentados, em terra, sem meios-fios, iam surgindo por todos os lados. Construções novas eram feitas nos lotes inadequados e desprovidos de alinhamentos.”22
E assim a região ia perdendo ano após ano aquele perfil aristocrático. Esse aspecto é rapidamente retratado por Lima Barreto em “Recordações do escrivão Isaías Caminha”, quando descreve a residência do personagem que dá nome à obra, localizada em Rio Comprido:
O jardim, de que ainda restavam alguns gramados amarelecidos, servia de curadouro. Da chácara toda, só ficavam as altas árvores, testemunhas da grandeza passada e que davam, sem fadiga nem simpatia, sombra às lavadeiras, cocheiros e criados, como antes faziam aos ricaços que ali tinham habitado.23
Em crônica do início de 1920, o tema do passado aristocrático dos subúrbios cariocas voltava a figurar nos escritos de Lima Barreto:
Os nossos arrabaldes e subúrbios são uma desolação. As casas de gente abastada têm, quando muito, um jardinzito liliputiano de polegada e meia; e as de gente pobre não têm coisa alguma.
Antigamente, pelas vistas que ainda se encontram, parece que não era assim.
Os ricos gostavam de possuir vastas chácaras, povoadas de laranjeiras, de mangueiras soberbas, de jaqueiras, dessa esquisita fruta-pão que não vejo e não sei há quantos anos não a como assada e untada de manteiga.
Onde estão os jasmineiros das cercas? Onde estão aqueles extensos tapumes de maricas que se tornam de algodão que mais é neve, em pleno estio?
Os subúrbios e arredores do Rio guardam dessas belas coisas roceiras, destroços como recordações.24
E desde sempre a presença de aspectos rurais eram tidos como fundamentais na elaboração de uma leitura positiva, quase idílica, da região. A existência de várias árvores frutíferas, animais de pequeno porte, imensas áreas verdes ao redor dos sítios, descampados, que dava a impressão de um certo isolamento da área urbana, tudo isso compunha um quadro de equilíbrio e leveza a um espaço eminentemente ocupado pelas classes mais ricas da cidade. Voltemos um pouco no tempo para surpreendermos em Casa de Pensão, escrita por Aluísio de Azevedo em 1884, a descrição de uma chácara, localizada na Tijuca, onde Lúcia e Amâncio protagonizam os momentos mais felizes de seu romance:
Lúcia, muito disfarçada, ia-lhe apontando os cômodos e as benfeitorias da casa, com tanto empenho e gosto como se fora mesma proprietária; mostrou-lhe o banheiro, os tanques para a lavagem de roupas, o coradouro, o cercado das galinhas e por último o jardim.
Colheu logo uma rosa e, por suas próprias mãos, enfiou-a na gola do fraque de Amâncio. Em seguida atravessaram a horta. Canteiros grandes cobertos de verdura, saturavam o ar de um cheiro fresco de hortaliças. As alfaces brilhavam ao sol dourado de julho. Mais adiante havia um sombrejar melancólico e delicioso de árvores grandes; era a chácara; viam-se no ar as folhas largas e recortadas da fruta-pão faiscarem, como lâminas de metal brunido; ao passo que as bojudas mangueiras se debruçavam sobre a terra numa concentração pesada de sono.
Os dois prosseguiram de braço dado por entre o murmurejar tristonho daquelas sombras. E lentamente, e sem trocarem uma palavra, se deixaram ir até a espalda de um muro que servia de limite à chácara. Havia um grosseiro banco de pau meio escondido entre bambus e trepadeiras. Assentaram-se. Um fio d água corria da montanha e os passarinhos remigiavam trilando na mole embalsamada das estevas.25
Na última década do século XIX, a cidade vai conhecer um grande boom demográfico, fruto em grande medida do afluxo de imigrantes portugueses e de migrantes (ex-escravos principalmente) do interior da antiga província do Rio de Janeiro e de estados como Minas Gerais e Bahia. Era natural que tal pressão demográfica aliada à expansão dos meios de transporte levassem o mercado imobiliário a estender seus braços para o subúrbio. Este passava a ser mais visado, a ser visto como uma opção de moradia possível para vários grupos sociais nas primeiras décadas do século XX.26
Mas é com as reformas urbanas da administração Pereira Passos, que a discussão sobre subúrbio ganha força tanto na imprensa quanto no legislativo da cidade. Uma grave crise habitacional envolvendo as classes populares se anuncia com a onda de demolições de cortiços e estalagens. Para agravar a situação havia ainda o grande número de epidemias que tornavam problemática a vida no centro da cidade. E dado o alto custo dos terrenos dos arrabaldes mais próximos como Glória, Catete e Tijuca e mesmo São Cristovão, bairros como Gamboa e Saúde surgiam como a opção de moradia mais viável. Porém, como o tempo mostrou, eram insuficientes para prover tamanha demanda. Surgiam então a opção dos morros localizados no centro mesmo da cidade como Providência, Santo Antônio, São Bento, Conceição e Castelo. Mas tais opções padeciam dos mesmos problemas dos daqueles dois últimos bairros. Daí que a opção que surgisse com força no horizonte fosse mesmo os subúrbios cariocas, especialmente aqueles cujos terrenos fossem cortados pelas linhas de trem da Central do Brasil, visto que as condições de transporte - junto com o próprio preço do terreno - eram um elemento que pesava muito na decisão que um trabalhador fazia sobre o lugar em que iria residir.
A partir de então, vai se consolidando todo um processo que confere à palavra subúrbio “um certo sentido depreciativo, que incluí não só uma idéia de recursos financeiros mais limitados, mas também um certo gênero de vida particular”.27 Mas a mudança de percepção sobre o espaço do subúrbio não se resume apenas à expansão demográfica da região. Ela também está ligada à questão de quais grupos passam a ocupar esta região.
Mas a transformação do subúrbio em lugar “proletário” não se dá de maneira linear. Annelise Fernandez lembra que ainda na década de 1890 o subúrbio era habitado predominantemente por uma pequena classe média composta em sua maioria por funcionários civis e militares de baixo escalão, comerciantes e alguns operários.28 Na verdade, eram eles que tinham condições de arcar com os elevados custos de mobilidade entre o centro da cidade e as regiões mais afastadas dos subúrbios. Daí que fosse perfeitamente compreensível que a região possuísse uma composição bem heterogênea até as primeiras décadas do século XX. E quando o mercado imobiliário começa a aflorar com mais intensidade nos subúrbios, é pouco provável que ele tivesse em vista atender uma “clientela” de proletários.
Este subúrbio do qual estamos falando já não era aristocrático tal como o “subúrbio” de A Luneta Mágica, Lucíola ou Dom Casmurro, isto é, de meados do século XIX, mas ainda atraía boa parcela dos membros “melhor aquinhoados” da sociedade carioca – como comumente se referia aos setores mais ricos a imprensa popular da época.
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* Pesquisador do Gesthu/IPPUR/UFRJ, onde o autor desenvolveu estágio pós-doutoral sob supervisão da professora Fania Fridman.
1 São numerosos os exemplos de trabalhos sobre os subúrbios cariocas e nos quais afloram este tipo de concepção. Ver PECHMAN, Robert. Gênese do mercado urbano de terras, a produção de moradias e a formação dos subúrbios no Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado, PUR/ UFRJ, Rio de Janeiro, 1985; ABREU, Maurício de. Evolução urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPLANRIO/Zahar, 1988; MIRANDA, Mariana Helena Souza Palhares. Crescimento periférico da cidade do Rio de Janeiro: padrões espaciais de ocupação residencial. Rio de Janeiro, Doutorado em Geografia, UFRJ, 1976. p. 24.
2 MARTINS, José de Souza. Subúrbio : vida cotidiana e história no subúrbio da cidade de São Caetano: do fim do Império ao fim da República Velha. São Paulo: Hucitec: Unesp, 2002.
3 BARRETO, Lima. Toda crônica. RESENDE, Beatriz e VALENÇA, Rachel. Rio de Janeiro: Agir, 2004. p. 555.
4 Acentua o autor: “É de notar-se ainda que Mérida tem a primazia na adoção das novas e modernas maneiras da civilização euro-americana”, In: REDFIELD, Robert. Civilização e cultura de Folk: estudo de variações culturais em Yucatán. São Paulo: Livraria Martins Editora S. A., 1949. pp.28-29.
5 Ibdem, pp. 50-51.
6 COSTA, Renato da Gama-Rosa. Entre “avenida” e “rodovia”. p. 100.
7 Universidad de Alcalá de Henares. Señas. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 1191.
8 Dictionnaire General de la Langue Française. Paris: Libraire Ch. Delagrave, 188(?).
9 ZUMTHOR, Paul. A Holanda no tempo de Rembrandt. São Paulo : Companhia das Letras; Círculo do Livro, 1989.
10 SCHLICHTHORST, C.. O Rio de Janeiro como é (1824-1826): Contribuições de um diário para a história atual, os costumes e especialmente a situação da tropa estrangeira na capital do Brasil. Brasília: Senado Federal, 2000. pp. 195-96.
11 Diccionario de la Lengua Castellana, em que se explica el verdadero sentido de las vocês, su naturaleza y calidad, com lãs phrases o modos de hablar, los proverbios o refranes, y otras cosas convenientes al uso de la lengua. Madrid: Real Academia Española, tomo IV, 1737. p. 172.
12 ASSIS, Machado de. Quincas Borba. São Paulo: O Globo/ Click editora, 1997. p. 85. (O romance foi originalmente publicado em 1891, mas boa parte parece ser ambientada em meados da década de 1860).
13 WEBSTER S. New Twentieth Century dictionary of the english language. New York: Prentice Hall Press, 1979. p. 1818.
14BARRETO, Lima. Clara dos Anjos. Fonte: dominiopublico.gov.br, p. 38
15 Voz do Povo, 25 de fevereiro de 1920. p. 2. Atualmente Pavuna é muito conhecida por ser o ponto terminal da Linha 2 do Metrô da cidade do Rio de Janeiro.
16 ABREU, Maurício de. Op. Cit.; PEREIRA, Sônia Gomes. A Reforma Urbana de Pereira Passos e a Construção da Identidade Carioca. Rio de Janeiro: UFRJ, EBA, 1998. BENCHIMOL, Jaime Larry. Op.cit.; SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. São Paulo, Brasiliense, 1989.
17 Processo este que se manterá vigoroso mesmo após a administração de Pereira Passos. Sobre como essa questão se manifesta nas décadas de 1920 e 1930, temos os excelentes estudos de FISCHER, Quase-Cidadão e STUCKENBRUCK, Denise Cabral. O Rio de Janeiro em questão: o Plano Agache e o ideário reformista dos anos 20. Rio de Janeiro: FASE-IPPUR/UFRJ, 1996. De leitura indispensável são os artigos de PECHMAN, Robert Moses - “O urbano fora do lugar?
18 CHIAVARI, Maria Pace. “As transformações urbanas do século XIX”. In: O Rio de Janeiro de Pereira Passos: uma cidade em questão II. Del Brenna, Giovanna Rosso. Rio de Janeiro: Index, 1985. p. 571.
19 QUEIROZ, Eneida Quadros. Justiça Sanitária: Cidadãos e Judiciário nas reformas urbana e sanitária - Rio de Janeiro (1904 - 1914). Niterói, Mestrado em História, PPGH/UFF, 2008. p. 22.
20 Algo desse subúrbio enquanto moradia das “classes-médias” pode ser visto, mais uma vez, no romance Don Casmurro de Machado de Assis, especialmente nos capítulos iniciais, nos quais Bentinho relata momentos de sua infância, passados em meados do século XIX, na chácara de Matacavalos (próximo à Tijuca).
21 ALENCAR, José de. Lucíola. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1951. p. 52.
22 REIS, José de Oliveira. O Rio de Janeiro e seus prefeitos: evolução urbanística da cidade. Rio de Janeiro: Prefeitura do Rio de Janeiro, 1977. p. 53.
23BARRETO, Lima. Recordações do escrivão Isaías Caminha. Rio de Janeiro: Record, 1998. p. 175.
24 BARRETO, Lima. Toda Crônica... p. 129.
25 AZEVEDO, Aluísio de. Casa de Pensão. Disponível em: www.dominiopublico.gov.br ( pp. 86-87).
26 PECHMAN, Robert Moses Pechman demonstra que são exatamente as freguesias suburbanas, como Engenho Velho (147%), São Cristóvão (103%) e Engenho Novo (126%) e mesmo rurais como Irajá (109%) e Inhaúma (o maior de toda a cidade com 293%) as que registram maior crescimento demográfico no período. In: Gênese do mercado urbano de terras...
27 Estas são palavras das geógrafas Lysia Bernardes e Maria Terezinha de Segadas Soares citadas por MATTOSO, Rafael. A estética do Subúrbio. Rio de Janeiro, Trabalho de Conclusão de Curso em História pela UFRJ, 2006. p. 31. O Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa destaca essa particularidade do caso brasileiro quando afirma que a palavra suburbano possui entre suas acepções uma de fundo claramente depreciativo: “Suburbano - Que tem ou revela mau gosto”(p. 1888).
28 FERNANDEZ, Annelise Caetano Fraga. “Assim é o meu subúrbio: o projeto de dignificação dos subúrbios entre as camadas médias suburbanas de 1948 a 1957”. Rio de Janeiro, Mestrado em Sociologia, IFCS/UFRJ, 1995. p. 16.