01/05/2006
ANO VI Nº 03 e 04 Mar e Abr 2006
Laboratório Redes de Infraestruturas e Organização Territorial - IPPUR/UFRJ
Coordenação Mauro Kleiman
Equipe: Caroline Pires Cardoso,Maria Helena de Souza da Silva,Edinilson Pereira Costa, Simone Cavalcanti do Amaral e Viviane de Moraes Freitas.
Transportes e processo de urbanização: a retomada do
modal ferroviário pode equilibrar a configuração do território
O transporte por modal ferroviário foi aquele que primeiro propiciou a tentativa de integração no território brasileiro na escala regional e urbana. Na escala regional as ferrovias atendiam as economias agro-exportadoras com predomínio de traçado perpendicular a costa, objetivando conduzir a produção aos portos. Na escala urbana o café torna a cidade sua sede comercial e lugar de moradia de seu empreendedores. Rio de Janeiro e São Paulo, e em menor escala Belo Horizonte (capital de Minas Gerais), terão no modal ferroviário o veículo de sua expansão e integrador de seus territórios através dos bondes, inicialmente a tração animal, e desde início do século XX elétrico (tramway), e dos trens suburbanos. Os trens suburbanos inicialmente trafegam nos trechos das estradas de ferro da região Sudeste nas cidades, propiciando sua expansão periférica. Já os bondes, induziram e articularam a expansão das cidades para os bairros ainda no interior do seu núcleo, e depois para a periferia imediata¹. A ferrovia como modal principal regional e urbano será, contudo, substituída gradativamente a partir de 1930, e fortemente a partir especialmente da segunda metade da década de 50 do século XX. Na escala urbana o modal ferroviário para deslocamentos – trens suburbanos e bondes – será substituído pelo modal alternativo automotivo, como elemento articulador do território de maneira decisiva após instalação da indústria automobilística no Brasil em meados da década de 1950. A inflexão da passagem de um modal para o outro dar-se-á nas principais cidades do sudeste – Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte – na década de 60 quando as linhas de bondes são extintas nestas cidades, e a percentagem de passageiros cresce muito, fazendo inclusive diminuir a relativa aos trens².
No processo de urbanização brasileiro encontra- se como um de seus marcos mais importantes uma priorização da rede viária e do veículo automóvel na resolução da questão da circulação. As cidades, as metrópoles e as regiões tem , a partir desta priorização, seu ordenamento estruturado pelo modal automotivo. No entanto, um dos efeitos dos deslocamentos prioritariamente por automóvel tem sido uma mobilidade seletiva à camada de maior renda que tem possibilidade de adquiri-lo e mante-lo. A pulverização dos deslocamentos por uma miríade de pequenos veículos e o transporte coletivo majoritariamente por ônibus implica em constrangimentos ou impossibilidade da mobilidade das camadas de menor renda. Na escala nacional e regional igualmente os transportes por caminhões tem constituído-se um dos “nós” da economia, pois pulveriza o deslocamento da produção agrícola e industrial com grandes volumes de carga por inúmeros veículos por rodovias em geral precárias. O momento do processo de urbanização e econômico brasileiro impõe repensar e agir para reintroduzir o modal ferroviário. Na escala urbana/metropolitana a configuração simultaneamente concentradora e descontínua/descentralizadora que observa-se acentua a necessidade do modal ferroviário como aquele capaz de deslocar grandes massas em extensões curtas, médias, e longas recosturando a estrutura da cidade. Nas extensões curtas seria preciso reintroduzir o bonde modernizado pois ele propicia o deslocamento moradia - comércio - equipamentos públicos (escolas-hospitais, etc) e a relação moradorcidade. Possibilita requalificar os locais de convívio, compras, lazer, cultura ao reorganizar o tráfego separando áreas de circulação de automóveis de áreas de fruição e uso da cidade (circulação mais lenta). Não deve ser assim pensado como atração turística (exótica) somente para o centro das cidades, mas voltar a ele e artculá-lo com bairros de diferentes camadas sociais. Pode ser muito útil para ligar transversalmente as estações de linhas de metrô e/ou trem ao interior dos bairros. Nas extensões média e longas devemos insistir nos investimentos no metrô e trens, pois como transportes coletivos de massa possibilitam uma mobilidade a diferentes camadas sociais, e permitiria restituir a função auxiliar do ônibus e melhor distribuição do uso do automóvel particular, aumentando a velocidade do fluxo na rede viária. Neste sentido, enquanto o metrô de São Paulo já conta com uma malha com várias linhas que articulam parte do território paulista, o do Rio de Janeiro ainda contém apenas duas linhas tronco que não configuram propriamente uma malha. Sua extensão até Ipanema prevista para 1979 somente agora em 2006 tem uma primeira liberação de recursos para as obras (“Metrô tem sinal verde para chegar a Ipanema” – O Globo – 27/05/06); a Linha 2 que serve aos subúrbios e chegou (a muito custo) a fronteira com a Baixada Fluminense (Pavuna), fundamental para a mobilidade da camada de menor renda (“Linha 2 do metrô terá mais um trem” – O Globo – 14/06/06) não teve sua conclusão até a estação Carioca como previsto, e serve-se de um entroncamento que não atende ao fluxo (estação Estácio); a Linha 3 ligando Rio a Niterói e daí a São Gonçalo não foi feita; e as Linhas 4 – Zona Sul – Barra e 6 – Barra-Baixada têm sido apenas promessas eleitorais. A verdadeira consecução desta malha seria fundamental para um crescimento mais equilibrado descentralizadamente pelas várias partes da metrópole e daria mobilidade a camada de renda atualmente com grandes constrangimentos de deslocamentos. Os trens desempenhariam papel semelhante caso os investimentos que já estão sendo feitos ampliem-se muito (“Trens poderão levar 1,5 milhão por dia” – O Globo, 18/07/06). Para tal pensa-se em duplicar a atual frota de trens (hoje em 170), usar novos modelos como os trens coreanos, que tem maior conforto, inclusive contando com ar condicionado (“Supervisa estréia trem asiático com viagem entre Central e Campo Grande” – O Globo, 14/07/06) devendo para melhorar a mobilidade estende-lo a todos os ramais e substituir todos os atuais trens, e ampliar o sistema de trens expressos reduzindo o tempo de viagem (“Trem expresso começa a circular segunda” – O Globo, 13/05/06). Também deve-se atentar que num país com dimensões continentais jamais deveria ter deixado-se de investir no transporte ferroviário regional de passageiros e de carga. A idéia do governo de reativar linhas regionais de passageiros em distâncias de até 200 km é interessante conhecer um fenômeno mais recente de conurbação no interior de Estados como o Rio de Janeiro e São Paulo (como por exemplo Campos- Macaé; Volta Redonda-Barra Mansa; Resende- Itatiaia; Niterói-Itaboraí no Estado do Rio) e que certamente dará maior mobilidade e articulações entre as cidades organizando melhor o fluxo viário e descentralizando os usos e funções no território (“Trens podem voltar a ser transporte regional” – O Globo, 04/06/06). Para a economia, a reativação, por seu turno, de transporte ferroviário de carga trata-se de recuperar a função de deslocamento de grandes volumes em comboios ao invés de separá-lo em pequenas cargas por uma miríade de caminhões. Neste sentido, além da retomada da construção de grandes linhas tronco (“Lula promete investir na construção de ferroviais” – O Globo, 06/06/06) como a Norte-Sul e a transnordestina, deveria também construir-se linhas tranversais que articulassem os troncos recriando uma malha ferroviária. Somente através da real retomada da idéia e ações para transportes por modal ferroviário será possível pensar-se em equilibrar a configuração do território. O automóvel não vai desaparecer, ao contrário seu uso tende a aumentar devido a mudanças culturais e da economia, mas se for reinstalado o modal ferroviário possibilitar-se-ia uma melhor distribuição de seu uso, e principalmente dar-se-ia condições mais universalizantes de mobilidade socio-espacial.