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Chão Urbano

Chão Urbano ANO III Nº 09 e 10 Janeiro 2003

01/01/2003

Integra:

ANO III Nº 09 e 10 Janeiro 2003

 

Laboratório Redes de Infraestruturas e Organização Territorial - IPPUR/UFRJ  

 

                                                                                               Coordenação Mauro Kleiman  

 

       Equipe: Alexandro Garcia, Andressa Martinez, Genivaldo Santos, Nina Silva, Marcela Marques

 

 

Infra-Estrutura Urbana

 Mudanças na Política de Infra-estrutura Urbana no Brasil: da idéia da política de privatizações para uma idéia de política de inclusão social em água e esgoto

 

Mudança tem sido o mote que conduziu à definição das eleições e consequentemente à alternância de poder no Brasil, e à expectativa da população quanto as atitudes diretivas do novo governo. No que se refere à questões de infra-estrutura e política urbana tem-se alguns sinais de modificações que poderão ter grande impacto na estruturação das cidades brasileiras. Do Ministério das Cidades- por si só uma indicação de vontade de reaparelhar o Estado brasileiro para tratar da questão urbana- aponta-se para uma inversão de prioridades na política habitacional dirigindo os recursos ( do FGTS e outros) para famílias de baixa renda (e não mais para as de renda mais alta como até agora), a regularização de propriedades em favelas e sua urbanização (“ Verba Federal para favelas sai em dois meses” – O Globo,12/01/03); e conta-se igualmente com uma atuação de cunho social voltada para a baixa renda pela Caixa Econômica (“ Caixa vai ampliar atuação social” JB, 17/01/03 e “Caixa mira 40 milhões sem conta corrente”- O Globo, 17/01/03). Do Ministério de Minas e Energia nota-se a retomada da preocupação de formulação da política de Energia Elétrica pelo Estado, e a prioridade para o setor de transmissão, no sentido de interligar as linhas de várias regiões do país com impactos sobre o território (“Furnas terá papel prioritário”- JB,17/01/03). Quanto à política de infra-estrutura básica de Água e Esgoto será preciso discutir a passagem do ideário neo-liberal conservador que propõe uma política de privatização para uma política de inclusão social e universalizante. Isto porque, apesar de serem elementos fundamentais e básicos para as cidades, dando-lhes condições de habitabilidade, entrecruzando-se com o dia-a-dia de nossas vidas (beber água, tomar banho, preparar comida, lavar roupas, limpar a casa, esgotar a água servida...) são exatamente estas redes de água e esgoto e os serviços que prestam que são introduzidos mais lentamente no país, e de forma desigual sócio-espacial. A implantação e desenvolvimento das redes de água e esgoto são marcadas por desigualdades: uma setorial, onde constrói-se muito mais a rede de água do que a de esgoto (82% x 20% de investimentos respectivamente); outra social, pois os modernas redes são implantadas e depois expandidas, renovadas e sofisticadas tecnicamente nas áreas de camadas de maior renda, enquanto que para as de menor renda tem-se ausência ou forte precariedade de serviços, e aquelas das diferenças inter-regionais, pois enquanto investe-se mais no Sudeste e Sul, as regiões Norte e Nordeste tem ausência ou implantação muito lenta dos serviços básicos. A introdução extremamente lenta das redes de água e esgoto no Brasil, mostra como exatamente no período de maior expansão das cidades, a partir da segunda metade do século XX, estes dois elementos básicos somente nos anos 80 atingem quase metade dos domicílios em abastecimento de água por rede (47,50%) e apenas nos anos 90(!) tem-se mais da metade dos domicílios com instalações adequadas (52,4%, rede geral e /ou fossa séptica). Assim sendo, até os anos 70, de forte aceleração de urbanização, os índices para abastecimento de água por rede mostram atendimento muito baixo, atendendo segundo o Censo de 70 apenas pouco mais de 1/3 das casas, enquanto que a rede de esgoto atinge pouco mais de 20% (13,15%). Na virada do século XX para o XXI, segundo o Censo de 2000 ainda não atingiu-se a metade do domicílios por rede de esgoto (43,55%), continuando a prevalecer em cerca de ¼ das casas a fossa rudimentar (23,97%), e a fossa séptica (15,15%). Se no conjunto do país, o processo de desenvolvimento já é lento quando observa-se o caso por região tem-se que no Nordeste e Norte, o crescimento da cidade faz-se quase sem água e muito menos com esgoto. No Nordeste, apenas no Censo de 91 atinge-se menos da metade dos domicílios por rede de abastecimento de água (42,6%) e tão somente 17% (!) por destino adequado de esgoto, chegando apenas no Censo de 2000 a ¼ das residências (25,1%) com rede geral, havendo alto percentual ainda com fossa rudimentar (33,97%). No Norte, se o abastecimento de água tem apresentado melhoras a partir dos anos 90, quando atinge quase 2/3 das casas, ampliando-se para 73,20% dos domicílios em 2000, apesar de uma ainda extensa utilização de poço (23,99%), a questão do esgotamento  apresenta uma situação dramática, pois menos de 10% das casas estão ligadas à rede geral (9,63%), sendo intensa a utilização de fossa rudimentar ( 41,60%), e ¼ das casas usando a fossa séptica (25,98%). Mas mesmo esta situação precária já aponta mínimas melhorias quando nota-se que na região a infra-estrutura de esgoto praticamente inexiste até o Censo de 90, e a água até os anos 80 atinge por rede apenas 1/3 das casas. Esta introdução e desenvolvimento extremamente lento das redes e serviços de água e esgoto no país com diferença por regiões, tem nas áreas de habitação das camadas sociais de renda baixa uma “não-implantação”, uma “não provimento” que deixou nas favelas ( ou que denominação tenha em cada região: mocambos, invasões, etc) e loteamentos de periferia uma legião de “sem-serviços”, resultado da ausência de uma política estatal de infra-estrutura para as camadas populares. As políticas de infra-estrutura para renda baixa no Brasil tem como marca o fato do estado eximir-se de dotar suas áreas de habitação de serviços urbanos. Trata-se portanto mais de uma ausência de política de que uma orientação no sentido da resolução de questões da vida cotidiana das camadas populares, tanto na questões articuladas à habitabilidade,  no caso de água e esgoto. O Estado, durante pelo menos seis décadas, utilizando-se do argumento jurídico que anotava como irregulares ora a ocupação das terras onde fincavam-se as moradias, no caso das favelas por exemplo, ora a clandestinidade e/ ou irregularidades urbanas dos loteamentos, pratica uma política de ausência, não articulando estas áreas de habitação populares às modernas redes de infra-estrutura que vinham sendo implantadas e desenvolvidas nas cidades, muitas vezes ao lado destas áreas populares. O que pode-se observar é que ao longo deste período de mais de 60 anos o Estado troca uma política de presença, abrangente e sistemática por barganhas políticas: é o momento de instalação de bicas d`água na parte baixa dos morros, uma caixa d’água aqui, outra ali, doação de canos e manilhas.., enfim o tomalá- da-cá-seus-votos, conhecido como política clientelista. O resultado desta não política ou política da ausência foi duplo. Por um aspecto as cidades no Brasil terão uma estrutura intra-urbana como um mosaico de partes que não articulam-se. Assemelham-se à “ um queijo suíço” onde a parte onde está o queijo são as áreas de camadas de maior renda com acesso aos serviços urbanos, e onde estão os furos as áreas populares sem poder contar com os mínimos benefícios de urbanização. Por outro aspecto, diante da ausência do Estado, à semelhança da auto-construção que fazem da habitação, as camadas populares terão trabalho de auto-construírem sua infra-estrutura. Assim aparecem modelos de redes alternativas, sejam totalmente clandestinas ( o “gato” na rede d` água), seja “toleradas”, ou mesmo apoiadas pelos governos, nos mutirões para canalizar-se a água, em que o Estado entrava com os canos. Mais difícil foram as tentativas de alternativas para a coleta de esgoto, e então ou “espeta-se” a rede pluvial ou utiliza-se mesmo as “valas negras”, e o “balão de fezes”, e quando conseguem constróem uma rede do tipo unitária, numa tradução do sistema francês do “tout-àl` égout”, jogando nele a água da chuva, o esgoto, o lixo, móveis velhos, roupas...com as conseqüências que pode-se imaginar. No ideário neo-liberal conservador a solução para esta questão será repassar os serviços para empresas privadas: como redes de água e esgoto são de difícil divisibilidade, e no caso da água tem em geral, uma única fonte, e trata-se de bens essenciais, indispensáveis, e insubstituíveis, seu caráter econômico é monopólio (não há possibilidade de concorrência ou de escolha por parte da população). Seu caráter monopólico atrai empresas interessadas no setor, mas as dirige para áreas de renda mais alta, onde teriam garantia de retorno de possíveis investimentos e de custos de operação e manutenção, através da tarifação real ( com base no dólar, mais repasse de obra, etc... como tem sido feito desastrosamente com a energia elétrica). Com isto ficariam de fora as camadas populares de serviços essenciais e uma vida urbana minimamente digna. Cabe inverter esta premissa de solução para uma outra prioridade: “ atacar o problema de falta de esgoto e de água nos bolsões de pobreza, já nos primeiros meses do novo governo” – Ermínia Maricato Secretaria Executiva do Ministério das Cidades in” Verba federal para favelas sai em dois meses” – O Globo, 12/01/03), numa política de inclusão social em Água e Esgoto. Embora os dados quantitativos do último Censo apontem melhorias no atendimento de abastecimento de água por redes, inclusive com tendência à universalização em algumas regiões, quando faz-se uma análise qualitativa1, desagregando os dados, e por observação in loco comparando-se com as propriedades e tipologia das redes, e verificando-se micro-localizadamente nota-se grandes lacunas, mormente nas áreas de baixa-renda, com precariedade ou mesmo ausência do serviço. Já quanto ao esgoto, apesar de certa melhoria que possa-se observar nos dados quantitativos ( com o avanço no Nordeste de 8,65% para 25,10% dos domicílios atendidos por rede), a coleta por rede geral ainda está muito restrita. Pela mesma análise qualitativa e situação mostra-se “dramática”, pois mesmo onde tem-se esgoto coletado por rede inexiste seu tratamento, e principalmente nas áreas de camadas populares as valas negras à céu aberto continuam a ser forma de dar conta do problema, mas mesmo em áreas de melhor renda observam-se “vácuos” expressos na precariedade ou ausência dos serviços. Urge, ao lado de um programa como o “Fome Zero” por em movimento um programa de “Água e Esgoto 100%”, onde não havendo recursos imediatos para uma universalização necessária e desejada (não deveria haver lacunas/vácuos em serviços essenciais como água e esgoto), dever-se-ia deveriam priorizar as áreas mais pobres (mesmo que inicialmente com sistemas estanques)². Redes de infra-estrutura de Água e Esgoto completas (com tratamento e todos os elementos que a constituem) são o caminho para uma saúde de melhor qualidade (principalmente para as crianças pobres), que articula-se ao “Fome Zero” e projetos para educação de massa, pois sem estes serviços básicos não existirão as condições de habitabilidade que garanta uma população com condições de vida e possibilidade de educar-se.

Mauro Kleiman

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