01/10/2003
ANO III Nº 07 Outubro 2003
Laboratório Redes de Infraestruturas e Organização Territorial - IPPUR/UFRJ
Coordenação Mauro Kleiman
Equipe: Genivaldo Santos, Marcela Marques, , Simone Cavalcante
A luta dos “ Sem água” e a questão dos Planos Diretores
Os Planos Diretores, historicamente surgem (na Alemanha e França de meados ao final do século XIX) como forma de intervenção do Estado sobre as cidades, para desbloquear entraves ao desenvolvimento capitalista, ao regular as ações conflitivas de seus diferentes atores e usos do solo. Atendem, desde então, aos interesses mais amplos da acumulação e dos agentes que tem no espaço não apenas seu marco mas o próprio objeto de lucro, como os empreiteiros de obras de infra-estrutura, as empresas de serviços urbanos e os incorporadores imobiliários. Assim, quando o novo Plano Diretor de Salvador propõe alteração de gabarito na orla para sua verticalização esta replicando a própria história (“Palestra aborda Planejamento de Cidades” – reportagem a partir de entrevista do professor Mauro Kleiman – Correio da Bahia 08/11/03). Os problemas da parte da população mais pobre que em Salvador representam cerca de 70% do total e moram em áreas sem infra-estrutura básica seria um foco mais interessante para um Plano Diretor, como o caso do bolsão de miséria da Península de Itapagipe,com graves problemas de água e esgoto. Em outros municípios da Bahia, diante da situação crítica da carência de abastecimento d’água, os moradores estão partindo para ações sociais para pressionarem os governos a agirem na solução dos problemas. As ações vão desde ameaças de saquear carros pipas de prefeituras a interdição de rodovias (“Carros-pipa ameaçados de saque” e “ População interdita BR116 por uma hora pedindo água” – A Tarde 01/11/03). A motivação para saquear carros-pipa em Caraíbas (a 600 km de Salvador) e Caetanos (a 593 km de Salvador) deriva de curiosa manifestação do reconhecido padrão regressivo de distribuição de infra-estrutura nas cidades brasileiras. Isto porque os motoristas dos caminhões estão proibidos de abastecer residências de adversários do prefeito (PFL), podendo ter contrato suspenso se o fizerem, no primeiro caso; e com a proibição da população pobre de pegar água nas barragens das fazendas onde seus proprietários querem priorizar o abastecimento de seus rebanhos, no segundo caso onde resta a população barragem da prefeitura com água sem tratamento, tem como conseqüência doenças de veiculação hídrica. Já a interdição da rodovia ocorreu em Manoel Vitorino, onde não chove a dois anos e a população cobra novo sistema de abastecimento por rede e a abertura de poços artesianos prometidos pelo governo estadual.Os “sem água” são parte da legião dos “sem serviços urbanos”, configurados nas cidades brasileiras pela distribuição de infra-estrutura de maneira sócio-espacial assimétrica, atendendo-se prioritariamente as fontes de renda alta num nexo entre seus interesses e os do capital imobiliário. Quando na redemocratização brasileira reafirmou-se a escolha do Plano Diretor como forma de intervenção nas cidades, fez-se a opção por determinados interesses.De certo abriu-se a possibilidade para as camadas populares organizadas manifestarem-se, mas não constituiu-se esferas de participação efetiva nas decisões, o que impede que sua voz transforme-se em melhorias concretas de suas condições de vida, impelindo-os a ações sociais para alterarem ou induzirem soluções em sua direção.
Mauro Kleiman