01/08/2002
ANO II Nº 05 Agosto 2002
Laboratório Redes de Infraestruturas e Organização Territorial - IPPUR/UFRJ
Coordenação Mauro Kleiman
Equipe: Alexandro Garcia, Andressa Martinez, Genivaldo Santos, Nina Silva, Priscila Olinger
Processo de urbanização Barra da Tijuca: “Feudos Condomínios” Mas qual será o seu futuro?
Concebida segundo o Plano Urbanístico de 1969, por Lúcio Costa, a Barra vendia a imagem da cidade do futuro: moderna, inovadora, propunha uma revisão de conceitos e valores do seu tempo. Nesse novo bairro, de modelo progressista, conceitos como loteamento tradicional, quarteirões e hierarquização de ruas foi abolido. A circulação foi repensada e estabelecia o privilégio dos automóveis, os mais novos objetos de consumo. O pedestre foi esquecido, esmagado pela escala opressora de extensas e retilíneas vias que propunham a rápida locomoção, aliada à lógica de que eles deveriam ser meros elementos de ligação do trabalho à residência, e vice-versa. E as edificações? Ah! As antigas casas, os prédios colados nas divisas que criavam panos de fachadas limitadoras das ruas foram substituídos por construções altas e isoladas, cujo objetivo era obter o menor adensamento na ocupação do solo. Concentradas e distantes 1 Km entre si, permitiram ao mesmo tempo, “a inserção de grandes áreas verdes e espaços livres num jogo de figura-fundo com a paisagem natural”. (JBCaderno Idéias/Livros, 09/05/99). Mas, como esse grande empreendimento saiu do papel? Esgotado o mercado da Zona Sul para os grandes empreendimentos e com demanda por habitação para as classes médias e altas ainda crescendo, a Barra e seu forte apelo turístico surgiram como solução. Tornou-se, então, alvo do governo, que decidiu a sua ocupação planejada segundo o plano urbanístico de caráter modernista. Hoje, após 30 anos, as críticas dirigidas à Barra não são diferentes de qualquer espaço urbano concebido segundo esses moldes: é senso comum, que o mesmo partido adotado nos grandes blocos, a monotonia e linearidade dos eixos de circulação, a padronização espacial e o esquecimento da escala do pedestre desestimularam o uso e a permanência nos espaços públicos da cidade. A falta de estímulos e de experiências multi-sensoriais (a variedade da morfologia, a esquina como espaço de conversas, as ruas estreitas e “socializantes” ) provocaram uma crescente desintegração social. No entanto, a Barra é muito mais do que um simples exemplo do Modernismo. Ela concilia ao mesmo tempo problemas desse antigo modelo e aflições, expectativas das novas organizações urbanas. Ela acompanhou o seu tempo, apresentando três características específicas: a) dissipação de todos as relações estáveis com o lugar físico em função dos meios eletrônicos de produção e da cultura de massa que desparticulariza o espaço. b) a obsessão com a “segurança”, responsável pela existência de condomínios fechados, verdadeiros feudos, que minimizam o papel da rua como integradora da sociedade; c) a cidade como simulação, como espetáculo, como diversão. Como conseqüência, hoje na Barra há mais de 160 condomínios fechados, com cerca de 100 mil pessoas, que funcionam como refúgios, lugares preservados para a classe média e alta, com lojas, academias de ginástica, clube, restaurantes, lanchonetes, lavanderia, padaria, farmácia, escolas e uma série de outros serviços de uso quase exclusivo dos moradores. Paralelamente, a defesa do lucro fez nascer um arsenal de sistemas de segurança e uma vigilância permanente. (“ Muralhas para uma nova cidade” JB- Caderno Idéias/Livros, 09/05/99). Por outro lado, apesar do elevado número de pessoas que essas áreas restritas atendem, a opção pelo espaço aberto, com construções isoladas de gabarito alto, implicou em baixíssima taxa de ocupação do solo. O condomínio Rio 2, por exemplo, foi construído em uma área de 1,2 milhões de m2- maior que o bairro inteiro do Leblon- com uma taxa de ocupação de apenas 7%.(!). Ao mesmo tempo, paralela à questão morfológica e de relacionamento dos espaços urbanos, a “geração condomínio” expõe um outro lado da questão: dezenas de adolescentes, que cresceram nesses “recantos” de tranqüilidade, estão completamente despreparados para viverem fora das grades. Alguns grupos, inclusive, protegidos da violência externa, impõe regras hostis de convivência e praticam atos violentos dentro dos próprios condomínios, preocupando pais e moradores que temem que eles se transformem em gangues semelhantes às existentes em Brasília. No entanto, mesmo tendo noção do isolamento, muitos pais e adolescentes não trocariam a vida dos condomínios por outra fora deles. A intolerância com os que estão de fora, por sua vez, não se limita apenas ao acesso ao condomínio, mas também ao Bairro. A construção da Linha Amarela, por exemplo foi considerada uma invasão, já que permitiu a penetração dos suburbanos, que vão para a região em busca das praias, restaurantes, ou melhor, da ilha de segurança e felicidade pela qual a Barra quer ser reconhecida. Infelizmente o slogan “Sorria, você está na Barra!”, está longe de ser aplicado na prática. Além dos problemas de socialização, o bairro enfrenta a poluição e o mal aproveitamento do espetacular sistema lacustre, que poderia torná-lo um paraíso dos barcos e das lanchas, com uma infra-estrutura de “deixar Miami com água na boca” (JB-14/07/2000). Somados a isso há ainda o Plano Diretor de 1990, que tornou a cidade engessada, distante do “laboratório” que a Barra deveria constituir, segundo a concepção de Lúcio Costa. Essa mesma legislação, ainda, não contempla a população carente, a qual restam apenas assentamentos irregulares, com absoluta insalubridade, com valas negras conduzindo às lagoas. Por outro lado, a tendência da Barra se transformar no “ Centro Nervoso” (JB-14/07/2000) do Rio de Janeiro torna-se cada vez mais sólida. O Bairro inicialmente limitado ao lazer, à moradia e aos supermercados como pólo de atração, começa a deslocar o eixo de negócios do município, num acelerado processo de eliminação do “bipartismo Zona Norte- Zona Sul”, formando assim, um triângulo de convergências, apoiado por ligações viárias adequadas. De fato, se houver a adequação da legislação, a implementação da infra-estrutura, as tentativas de socialização e o aproveitamento da riqueza lacustre, o futuro da Barra tende a ser promissor. Resta saber quando.... Mas, até lá, quem duvida disso?
Andressa Martinez
Infra-estrutura
Infra-estrutura e cidadania: do “gato” ao Endereço A introdução da rede de energia elétrica na Rocinha trouxe dois benefícios juntos para seus moradores. O primeiro foi a instalação de uma rede que assimila o traçado labiríntico e estreito das vias da favela “ colocando-se cabos blindados cobertos por concreto e sinalizados sobre o solo” ( “Light gasta o dobro na Rocinha”- JB, 08/09/02. A técnica permite a retirada da rede aérea formada por um sem-números de “gatos” e parte oficial constituindo um emaranhado. Evita-se a fraude e propicia-se energia mais segura e por outro lado, o acesso à rede conduz à um pertencimento à cidade, pois a normalização dos serviços “ inclui a impressão de número de rua e casa em cada um dos 25 mil novos medidores” (“Moradias ganham endereço oficial” – JB 08/09/02). A expansão das redes e seus serviços para camadas de baixa renda agrega uma população excluída à cidade. Mauro Kleiman