01/04/2010
ANO X – N° 2 MARÇO / ABRIL 2010
Editor
Mauro Kleiman
Publicação On-line
Bimestral
Comitê Editorial
• Mauro Kleiman (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)
• Márcia Oliveira Kauffmann Leivas (Doutoranda em Planejamento Urbano e Regional)
• Maria Alice Chaves Nunes Costa (Dra. em Planejamento Urbano e Regional)
• Viviani de Moraes Freitas Ribeiro (Dra. Planejamento Urbano e Regional IPPUR/UFRJ)
• Luciene Pimentel da Silva (Profa. Dra. – UERJ)
• Hermes Magalhães Tavares (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)
• Hugo Pinto (Prof. Dr. Universidade do Algarves – Portugal)
IPPUR / UFRJ
Apoio CNPq
LABORATÓRIO REDES URBANAS
LABORATÓRIO DAS REGIÕES METROPOLITANAS
Coordenador Mauro Kleiman
Equipe
Aline Alves Barbosa da Silva, Carolina Rezende Kroff, Priscylla Conceição Guerreiro dos Santos, Fernanda Colmenero de Melo e Moura, Natalia Andrea Urbina Castellón
Pesquisadores associados
Audrey Seon, Humberto Ferreira da Silva, Márcia Oliveira Kauffmann Leivas, Maria Alice Chaves Nunes Costa, Viviani de Moraes Freitas Ribeiro, Vinícius Fernandes da Silva
Artigos
Exemplo para reflexão: O Plano Viário do Plano Agache Para o Rio de Janeiro
Mauro Kleiman
Discutindo a política territorial de mobilidade espacial nas metrópoles brasileiras (Kleiman, 2009) mostramos a necessidade de se repensar, de maneira positiva, o papel do modal automotivo no Rio de Janeiro e como seria importante trazer um plano viário que desse suporte remodelado e inovador aos seus deslocamentos. Fazendo uma re-leitura do Plano Agache a convite do Centro de Arquitetura e Urbanismo da Prefeitura do Rio de Janeiro (para apresentação em palestra sobre as propostas de infra-estrutura de Agache para o Rio), deparei-me com um exemplo de Plano Viário na sua acepção de plano de conjunto inclusive articulando-o aos demais modais, que merece ser revisitado, pois enriquece a discussão que propomos. O Plano Agache encontra o Rio de Janeiro com uma rede de transportes cuja conexidade era fraca, onde os fluxos tinham um único nó, todos se dirigiam ao Centro da cidade, então passagem obrigatória para todos os fluxos, tinha má articulação interbairros, e com sua região de influencia e outros estados, e problemas no interior dos bairros, além dos obstáculos naturais e técnicos para uma transmissão de fluxos rápidos. As conexões para as cidades da região de influencia da cidade eram feitas através de vias e estradas estreitas e sinuosas; a estrutura viária na cidade era aquela herdada da estrutura colonial, em geral com ruas estreitas (salvo a Avenida Rio Branco e outras abertas de Passos a Carlos Sampaio) e que serviam de suporte aos bondes. A cidade para além da estrutura viária que serve então a um número de apenas 35.000 veículos licenciados (dados de 1926) não ultrapassando 2% do total de viagens e tem em 1927, 280 ônibus, 22 empresas, 40 linhas e 275 km de percurso, que atendem à época do Plano apenas 0,2% do total de passageiros em 1920, e 5,3% em 1930. Os deslocamentos então eram feitos por uma extensa rede de tramways (bondes) atendendo em 1920, 84,3% das viagens, e em 1930, a 75,1%, ligando o nó central aos bairros da Zona Sul e Norte, existindo linhas para os subúrbios e Zona Oeste; e deslocamentos por trem (Maria fumaça, pois os elétricos só aparecem em 1934/37), que atendiam os subúrbios, Baixada Fluminense, cidades da Serra; São Paulo, Minas Gerais... rede responsável, em 1920 por 13,2% das viagens, e em 1930, 17,4%. Era uma cidade dos trilhos à época, de modo que não era uma cidade preparada para o automóvel, ainda um veículo de certa forma considerado “exótico”. O Plano Agache identifica problemas de ordem funcional nos fluxos urbanos de circulação que estariam impedindo um funcionamento adequado da cidade. Mesmo com relativamente poucos veículos automotores, dado todo movimento se dar por ruas estreitas, difícil topografia, dividindo fragmentariamente a cidade, e ter passagem obrigatória pelo Centro, existia um tráfego permanentemente congestionado, e o transporte público de bondes e trens já se mostra insuficiente para o crescimento demográfico e expansão da área urbana. A questão da circulação será um dos elementos chave, um dos focos do Plano (o outro será o zoneamento), o esqueleto sobre o qual todos os outros elementos se apóiam e propõe para ele uma remodelação total, tanto da dimensão viária, como a articula com os demais meios de transportes, numa perspectiva a um só tempo de intermodalidade e âmbito urbano-metropolitano-regional. Esta é uma visão inovadora, avançada, e que visava constituir uma rede de transportes com forte conexidade, homogeneidade, multimodal, com diversos nós, ao invés de um só então existente. A proposta contém uma rehierarquização dos transportes, e no seu interior uma rehierarquização da rede viária reformada. Trata-se de um Plano Viário com uma nova tipologia de vias expressas, anel de circulação, rótulas, vias transversais (com túneis sob os morros), vias diagonais, vias nos contrafortes, vias periféricas, num esquema radial-perimetral. À este Plano Viário articula-se uma reorganização geral dos transportes coletivos numa visão intermodal. O Plano trabalha com três escalas: a) as ligações regionais; b) aquelas dos bairros para a zona central e industrial; e c) intra Centro, com seu descongestionamento por nova tipologia de avenidas. A idéia parte da noção de que o Rio de Janeiro seria o ponto nodal de uma rede nacional de comunicação (incluindo rodovias, ferrovias, sistemas telefônicos, aeroportos). As vias regionais (denominadas de Paulista e Petropollitana) penetrariam na cidade pelo novo nó constituído na Praça da Bandeira rearticulando-se com os bairros ao sul por um túnel (origem do atual Rebouças, embora com certo deslocamento para o eixo do Rio Comprido), e com os bairros ao norte por um “boulevard” circular usando a ligação rápida entre as distintas partes da cidade, o que incluía também outra ligação por túnel (no eixo do atual Santa Bárbara), onde se previa também um metrô acompanhando este eixo. O novo sistema viário complementa-se com rede de novas avenidas para a resolução da rede viária no Centro, com a previsão da atual Avenida Presidente Vargas, ligando Centro a Zona Norte e as vias de penetração regional, o que viria a permitir o reforço da configuração tentacular da cidade no que se denomina “estrutura em dedos da mão”. Além da configuração de nova rede viária, propunha-se a reorganização das estradas de ferro com sua eletrificação e transformação em metrô. Porém, esta foi uma idéia que não se concretizou. O Plano Agache com sua compreensão da questão da circulação pelo viés intermodal como meio de articular os diferentes elementos e atividades econômicas da urbe previa uma conjugação da rehierarquização da rede viária e da modernização das ferrovias, e propõe a substituição da rede de bondes por uma rede de metrô para obter maior fluidez e rapidez entre os pontos da cidade expandida com um âmbito que cobriria a cidade expandida: Centro, Zonas Sul e Norte e subúrbios, e o que chama de aglomerações satélites, e num segundo momento para Niterói. Em resumo, o conjunto do projeto de metrô tinha etapas distintas: 1) com a transferência da Estrada de Ferro Central do Brasil em linha de grande subúrbio, com seu alongamento para a periferia; 2) linha subterrânea no Centro do Rio; 3) extensão para todo o Distrito Federal; 4) segunda linha de Copacabana até a Ilha do Governador; 5) linha subterrânea para Niterói. Note-se como já previa a ocupação da Zona Oeste com linha para a Barra, Jacarepaguá e Recreio e daí até Santa Cruz quando faria uma linha circular com as linhas ferroviárias da Estrada de Ferro Central do Brasil até São Cristóvão! Trata-se assim, o Plano Viário de Agache, de um exemplo para reflexão no momento em que atualmente a metrópole do Rio de Janeiro não apresenta um Plano de Transportes que dê conta do crescente número de veículos motorizados, nem consegue investimentos suficientes para uma modernização e expansão da sua rede ferroviária e metroviária.