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Chão Urbano

Chão Urbano ANO I Nº 11 Agosto 2001

01/08/2001

Integra:

 

ANO I Nº11 Agosto 2001

 

                                                                          Laboratório Redes de Infraestruturas e Organização Territorial - IPPUR/UFRJ  

           Coordenação Mauro Kleiman  

Equipe: Genivaldo Santos, Leriane Romão,Nina Elisa da Silva, Sonia Wagner, Vanessa Pereira

 

 

 Opinião

 

 

 Infra-estrutura x ajuste fiscal “Entre a cruz e a caldeirinha”: recuperação do desenvolvimento e compromissos com o FMI

 

A crise da energia elétrica trouxe luz para a ausência de investimento em  infra-estrutura (por parte do atual governo). Como as repercussões políticas foram muito profundas, e a compreensão do impacto na economia e desenvolvimento do país amadureceu, anuncia-se agora um retorno à aplicação de recursos nos setores elétrico e ferroviário (“Infra-estrutura voltará a ter verbas do governo depois de cinco anos” – O Globo 01/08/01). Aponta-se, neste sentido, a utilização de “R$1,1 bilhão, inclusive para socorrer ex-estatais”, sendo “R$700 milhões no setor elétrico e R$400 milhões na construção e recuperação de dois ramais na malha ferroviária Nordeste”. No setor elétrico a verba iria para Furnas, Chesf e Eletronorte para a construção de “cinco linhas de transmissão, num total de 1.206 km, e uma subestação...” para aumentar a oferta de energia até 2003. No setor ferroviário prevê-se participação do governo nos investimentos “na parte dos bens das ferrovias – trilhos e dormentes” sob a argumentação que no final da concessão estes retornam à União. No entanto, mal prevê-se este pequeno retorno de investimentos, o novo acordo com o FMI anunciado em 03 de agosto de 2001, apresenta entre as condições para o desembolso de US$15 bilhões “a continuidade da austeridade nos gastos públicos e a redução de investimentos – em energia, por exemplo” (“FMI tem US$ 15 bi para o Brasil” – O Globo 04/08/01), e em saneamento básico pois dos previstos R$ 1,8 bilhões até o fim do ano só liberou-se R$ 13 milhões (“Tesoura vai atacar área social” – JB 09/08/01) Mais uma vez, portanto, as preocupações econômicas voltadas para o equilíbrio contábil sobrepassam as necessidades sociais de desenvolvimento do país, sendo inclusive saudadas efusivamente por economistas  (“economista Paulo Leme do banco Goldman Sachs, em Nova York, ficou eufórico ao saber do acordo com o FMI (...) agora, o Brasil tem reservas garantidas para impedir pressões sobre o câmbio e a inflação. Ele classificou o acordo de espetacular” – O Globo 04/08/01) À euforia do governo e economistas do mercado convive o povo brasileiro com a dura realidade dos preços subindo, do racionamento, do desemprego,... Não se conhece experiência de desenvolvimento sem investimentos em infra-estrutura  Quanto mais demoramos a voltar a aplicar recursos em energia elétrica, portos, rodovias, ferrovias, água e esgoto, transportes, maior será nossa distância em relação ao crescimento econômico e ao bem-estar da população. Até quando?

 

 

 

                                                                                                         Redes e serviços urbanos

 

 Reafirmação do padrão desigual de aceso e redes de serviços urbanos no Rio de Janeiro Enquanto as áreas residenciais em expansão de camadas de maior renda estão recebendo um conjunto de novas obras de infra-estrutura urbana, as áreas de habitação das camadas populares continuam tendo ausência/ precariedade de serviços urbanos ou dificuldades para conclusão de obras destinadas a suprir suas carências. A Barra e o Recreio, áreas de expansão de camadas de maior renda estão recebendo novos investimentos: na Barra estão sendo executadas as obras de uma Estação de Tratamento de Esgoto e um Emissário submarino, aos quais estarão articulados uma rede coletora de esgotos (com 286 Km) e seis Elevatórias (“Garotinho vistoria obra de emissário com faixa, fogos e banda de música” – O Globo 07/07/01) e a promessa de abertura da licitação de novo tranco alimentador de água na Barra (JB-07/07/01), que visaria minorar os problemas de abastecimento do bairro, e foi viabilizada em parceria com empresas privadas, pela Câmara Comunitária da Barra (O Globo –17/04/01). No Recreio estão em andamento as obras da rede coletora de esgoto, e elevatórias em execução pela Prefeitura do Rio, atendendo ao grande crescimento populacional (77% nos últimos 4 anos incluindo Vargem Grande e Vargem Pequena) e imobiliário no bairro (com mais 287% em relação a 2000)(“Construção civil lidera crescimento”- O Globo 02/08/01). Além das obras de rede de esgoto a Companhia Estadual de Gás (GEG) está executando as obras da rede de gás natural para atender mais 1000 novas residências no bairro (“Recreio terá mais gás canalizado”- O Globo – 09/08/01). Enquanto isto muito próximo desses bairros, na Cidade de Deus, os moradores enfrentam problemas com ausência ou precariedade dos serviços urbanos (“Esgoto, lixo  acumulando-se...”- O Globo-– 09/08/01). Já na periferia da Região Metropolitana do Rio , em Japeri, cidade classificada pelo estudo da Fundação CIDE, do Estado do Rio de Janeiro, como a mais carente, pela classificação dos municípios por índice de qualidade de vida (IQM) “falta de saneamento efome geram doença misteriosa” (“Estado tem 84 municípios carentes”- JB- 08/08/01). Entre os indicadores que compõem o IQM está o saneamento, onde pelo Censo de 1991 apenas 3,83% dos domicílios estavam ligados à rede coletora de esgoto, sendo a maior parcela lançada em valas negras (40,54%), e apenas a metade das casas eram abastecidas por rede geral de água (50,7%) havendo percentual muito elevado de casas servidas por poços (39,6%). Este retrato de duas realidades contrastante revela que apesar das obras de infra-estrutura estarem sendo executadas na direção de áreas de camadas populares (Programa de Despoluição da Baía de Guanabara e Nova Baixada e o “Favela-Bairro”) os investimentos ainda são irrelevantes diante da magnitude do problema, principalmente frente ao atendimento permanente das necessidades das áreas de camada de maior renda nas áreas de sua expansão. Reafirma-se assim o padrão histórico de estruturação urbana no Rio de Janeiro marcado pela desigualdade de acesso às redes de infra-estrutura e seus correspondentes serviços urbanos.

 

 Estruturação Intra-Urbana

 

 

Moscou: A estruturação Urbana de uma cidade que faz pensar – notas de visita*

 

 

A estrutura intra urbana das cidades brasileiras tem sido analisada muito fortemente pelo viés de conceitos e experiências concretas de realidades de países desenvolvidos. Não há preocupação de verificar realidades mais próximas de nosso quadro urbano como as cidades da América Latina, e de países mais distantes da Europa do Leste que atravessam por difícil momento de passagem para outras experiências sócioe-conômicas. Abrindo os olhos para esta realidade, que nos seriam mais próximas, nos deparamos com Moscou, capital da Rússia*. Com uma estrutura urbana radio-concêntrica cujo núcleo central confunde-se com a história russa: o Kremlin e a Praça Vermelha, de vertiginosa beleza urbanística e arquitetônica, a cidade apresenta características de semelhanças e diferenças com os grandes centros urbanos brasileiros que numa primeira observação pudemos apreender. Entre as semelhanças destaco o grande número de automóveis nas ruas que * Em junho de 2001 o professor Mauro Kleiman esteve em Moscou apresentando dois trabalhos no X Fórum Mundial de Estudos da América Latina e Caribe junto ao Instituto de Latino America da Academia de Ciencias da Rússia no simpósio “ Globalização e desenvolvimento territorial nos espaços periféricos emergentes”. segundo informações chegam a 2 milhões, o que é algo apenas um pouco superior aos em circulação no Rio de Janeiro (1,8 milhões) , com uma frota desigual que inclui grande quantidade de veículos antigos (em especial da marca Lada) , e já um bom número de veículos novos, muito importados e de alto luxo. A circulação desta grande quantidade de veículos só parece a salvo de congestionamentos de vulto pela existência de uma rede viária composta de avenidas muito largas (4/5 pistas em cada direção) e de dois anéis, um primeiro em torno do núcleo central histórico da cidade, e outro circundando, vamos dizer assim, a “grande Moscou”, o que minimizaria de certa forma o impacto da estrutura radioconcêntrica da cidade. Nos transportes coletivos notamos semelhanças e diferenças. A diferença principal prende-se à extraordinária rede de metrô em Moscou, que para além da beleza arquitetônica das estações, cumpre papel social efetivo de transporte de massa. Com trens de 8/10 vagões passando a cada 1/ 2 minutos a rede cobre a “grande Moscou” , através de uma solução de engenharia/ desenho com uma linha circular (que acompanha o anel viário periférico do núcleo central) que situa-se na parte mais profunda do sistema enquanto que as demais linhas vão se superpondo acima desta circular, de modo que, a grosso modo, a cada lance de escada (rolante ou não) alcança-se os demais ramos. A rede de metro atende circulação de massa, mas a articulação desta rede com as ligações de superfície , não parece suficiente. Apesar da existência de linhas de ônibus elétrico e algumas poucas de bondes essa redes que deveria fazer a “costura” dos bairros, à primeira vista não parece em condições de cumprir este papel. Para além destas modalidades existem trens de subúrbio articulados com estações de metrô, e nesta ligação metrô trens, notamos uma semelhança com o caso brasileiro, pois encontra-se aí linhas de vans, que provavelmente  servem à subúrbios (seja porque o metrô não os atingem, ou no caso do trem não tem mobilidade e capacidade para levar as pessoas às suas moradias) . Outro aspecto importante a ressaltar trata-se de que para além do núcleo urbano histórico do Kremlin e Praça Vermelha, em torno dele encontram-se um anel de ruas com prédios neoclássicos, alguns em art-deco, e depois replicando-se em vários círculos espaços estruturados a partir do modelo progressista (racional- funcionalista). Assim num primeiro círculo periférico, próximo do núcleo histórico e do neo-clássico temos superquadras da era stalinista: grandes blocos de prédios dispostos em enormes áreas verdes com vias internas de circulação restrita, e depois em seguidos anéis outras superquadras mais recentes, reaplicando o modelo. Notamos igualmente construções recentes de residências de edifícios no anel neo- clássico, que replicam fachadas neste estilo, ou em um “neo-art-deco”, e na direção do aeroporto condomínios fechados com casas individuais em estilo neo-eclético (misto de neoclássico, com pós-moderno, art deco, art-noveau). Alguns impactos da abertura comercial podem ser medidos na estruturação das cidades, como a introdução de shopping-centers (inclusive um ao lado do Kremlin, devidamente “enterrado” embaixo de uma praça para não interferir no conjunto histórico), que cria como em todas as cidades novos pontos de atração e formas de convivência, assim como de redes de fast-foods (como o Mc Donald´s) que atraem muitas crianças com seus pais e jovens. Nota-se também que esta abertura comercial, introduziu na paisagem uma enorme quantidade de anúncios, em todos os tipos de suporte, que no núcleo histórico e no neo-clássico, a meu ver criam insuportáveis ruídos, e deveriam ser melhor regulamentados, para não enfeiar os belíssimos recantos arquitetônicos e urbanísticos em Moscou. Muito poderíamos aprender na troca de conhecimentos entre a problemática urbana brasileira e das cidades russas, mormente com uma cidade como Moscou, que faz pensar, refletir, ao instigar-nos com sua história, sua arquitetura, sua estrutura urbana, transportes, habitação, com o rosto e a alma de seu povo.

 

Mauro Kleiman

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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