01/08/2000
ANO I N I AGOSTO 2000
Laboratório Redes de Infraestruturas e Organização Territorial - IPPUR/UFRJ
Coordenação Mauro Kleiman
Equipe: Marina de Castro, Renata Pessoa, Sonia Wagner, Vanessa Pereira
Apresentação
O “Chão Urbano” do Redes Urbanas – Laboratório Redes de Infra-estrutura e Organização Territorial trata-se de um boletim de análise conjuntural sobre a problemática urbana. Este boletim comporá com o “Resenha Urbana” – (publicação impressa de opinião e análise sobre a estruturação do espaço urbano, infra-estrutura e habitação, cujo no. 1 será lançado em breve) um conjunto de informação, posicionamento e contribuição ao debate). Utilizando-se de uma rede de comunicação – INTERNET – busca-se apresentar de forma destacada determinados assuntos que permitam um acompanhamento e compreensão do processo de urbanização nas suas diferentes facetas. Quando abordados pela “grande imprensa” estes assuntos ficam encobertos ou confundem-se com aqueles outros que de alguma forma também se referem à cidade, diluindo-se seu significado para os estudiosos e interessados nas questões do processo de urbanização. Neste número de lançamento os assuntos mostram diferentes facetas da estruturação do espaço urbano. Enfoca-se por um lado a problemática da infra-estrutura abordando a questão do efetivo atendimento de serviços de água e esgoto frente a dados que apontam uma melhoria de atendimento da população (vide Opinião) e a singularidade de investimentos pela iniciativa privada em rodovias e ferrovias. Por outro ângulo analisa-se movimentos do mercado imobiliário com o retorno da construção de vilas e aparthotéis atendendo a extremos das camadas de renda da população.
Vem aí o “Resenha Urbana”
Com artigos sobre a problemática urbana será lançado brevemente o “Resenha Urbana”, publicação de opinião e análise conjuntural. O primeiro número traz artigos sobre o impacto da Linha Amarela no Rio de Janeiro; a rede viária nos anos 60 no Rio; a infra-estrutura nas cidades médias; privatização dos serviços de água e esgoto; favelas e infra-estrutura e a questão água e esgoto na Barra. Neste lançamento os temas foram desenvolvidos pela equipe do Laboratório. Nos números seguintes o “Resenha Urbana”, além de incorporar artigos dos orientandos de pós-graduação do prof. Mauro Kleiman, estará aberto a outras contribuições.
Opinião
• PNAD e realidade dos serviços de água e esgoto. Os dados da mais recente PNAD (Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílios) do IBGE revela uma melhoria no abastecimento d’água pois comparando com 1995 há 3,5% mais domicílios servidos por rede, mais 4,6% ligados à de esgoto. Permanecem contudo diferenças regionais porquanto no Nordeste o total de domicílios atendidos por rede de água é de 65% e por coleta de esgoto adequada (rede ou fossa séptica) apenas 36,3% (JB 22/07 /2000). Contudo, mesmo os dados que apontam melhorias devem ser observados com cautela. Isso porque não captam o efetivo atendimento social que deveria ser prestado pelas redes de água e esgoto. Limitam-se à verificação da existência de uma ligação à rede, dependente do entendimento do morador sobre o que isto significa. O morador pode entender que tendo vaso sanitário está ligado a uma rede, ou tendo pia teria ligação com rede de água... Trata-se de uma representação que o indivíduo faz. Não se tem assim informações, por exemplo, sobre se o volume de água atende às necessidades diárias, se chega com pressão suficiente, se entra diariamente (regularidade), quantos são os dias que o serviço não funciona, se existem vazamentos, etc (qualidade), se a água é “boa” (qualidade biológica). Em outro nível não se conhece a capacidade de pagamento pelos serviços de água e esgoto dado que a tarifa mínima no Rio sendo da ordem de 10% de um salário mínimo (R$15,16), deve representar grande dificuldade para os moradores gerando possivelmente inadimplência e uso de alternativas informais em caso de corte.
Análise conjuntural
Habitação / Mercado Imobiliário
A volta das vilas e dos aparthotéis no Rio
O mercado imobiliário do Rio de Janeiro apresenta na sua dinâmica o retorno de duas modalidades de investimentos: as vilas e os apart-hotéis. O mercado movimenta-se nestes dois casos procurando atender os extremos do gradiente das faixas de renda. Abre, pelo lado das vilas, a possibilidade de moradia para camadas de menor renda; e pelo dos apart-hotéis, permite a retomada de aplicações no setor imobiliário como investimento (compra de unidades para rentabilização por aluguel), ou nova modalidade de habitação para camadas de alta renda.
Vilas – As vilas, modalidade de habitação muito difundida no Rio no século XIX e parte do XX, proibidas até nova legislação recente permiti-las novamente, retornam ao cenário imobiliário do Rio. Várias vilas estão sendo construídas para camada de baixa renda nos Subúrbios e Jacarepaguá, sendo em geral casas assobradadas de pequeno porte (de 2 quartos no máximo). Já existe inclusive um “Movimento de Construção de Casas Populares para Famílias de Baixa Renda” com projetos em andamento em São Gonçalo com famílias que sozinhas não conseguiriam adquirir sua casa (Órgão Informativo da Abadi no. 222 – ago 2000). Segundo arquiteto procurado por grupos que desejam organizar-se para morar em vilas em “São Paulo e Brasília já é uma movimento com centenas de conjuntinhos e vilinhas já construídas...” As casas criadas pelo arquiteto têm entre 44 e 55 metros quadrados (2 quartos) por preço entre R$ 11 mil e R$ 12,5 mil (Órgão Informativo Abadi ago 2000). Algumas destas vilas contudo não colocam as casas à venda mas são construídas para aluguel, reconstituindo assim um setor rentista na cidade. Mas se estas vilas destinam-se a faixas de renda mais baixa, verifica-se também a construção de condomínios de casas geminadas igualmente assobradadas, que embora distribuídas em várias ruas internas de um grande lote destinam-se a camadas de renda mais alta sendo vendidas como “condomínios fechados” mas que assemelham-se ao aspecto de vilas (várias vilas no mesmo terreno). O Laboratório Redes de Infra-estrutura e Organização Territorial está acompanhando este fenômeno e desenvolvendo pesquisa sobre este retorno das vilas ao cenário habitacional do Rio de Janeiro, para em breve apresentar um artigo e um livro sobre o assunto.
Apart-hotéis - Muito polemizada, principalmente pelos possíveis danos ambientais que possa provocar a construção de apart-hotéis tem sido menos analisada os altos níveis de lucro que estes empreendimentos podem trazer, e seus impactos sobre a infra-estrutura. A incorporação imobiliária, que tem entre suas estratégias para a maximização dos lucros aquela da inovação (arquitetônica, comercial) como a mais importante, tem a partir da lei municipal complementar 41/99, a possibilidade de retomada da construção de apart-hotéis no Rio suspensa há 15 anos. A lei traz novidades que permitem alavancar a rentabilidade dos empreendimentos quando possibilita apartamentos com mínimo de 30m2 (antes era de 40m2), e somente uma vaga de automóvel para cada 2 apartamentos (nos edifícios residenciais a lei prevê uma vaga por unidade). Por outro lado igualando aparthotéis a hotéis permite número de pavimentos (gabarito) acima daquele restrito de áreas de orla (como no Recreio que é de 3 andares). Estes elementos propiciam um ganho extraordinário à incorporação pois paga-se pela compra do preço do terreno residencial e constrói-se número muito superior de unidades, (dado a redução da área mínima exigida por apartamento) e elevação do número de andares, reduz-se custo da área coletiva (redução da área de garagens), e vende-se a preço superior ao agregar serviços hoteleiros, cuja administração além disto terá seu custo em parte subsidiado pela redução em 80% do IPTU aplicada a hotéis estendida a apart-hotéis por similaridade. Não por acaso “os negócios deixam construtores eufóricos” e segundo o presidente do Ademi José Conde Caldas "até o final do ano o Rio de Janeiro deverá assistir ao lançamento de 2.500 unidades de apartamentos" (JB 12/08/00) "... a um preço mínimo de R$ 1000 mil por unidade." (JB 10/08/00) A questão é que a inserção de prédios com maior número de unidades cria um grande impacto sobre a infra-estrutura de água e esgoto, mormente onde localizar-se-ão o maior número de lançamentos - Barra e Recreio - que não têm rede de esgoto ou são atendidos precariamente por estas e por aquelas de água.
Singularidade
Iniciativa privada investe em infra-estrutura para o Sudeste A infra-estrutura no Brasil, seja aquela inter-regional / produtiva (rodovias, ferrovias, portos...), ou a intra-urbana (avenidas, túneis, viadutos, redes de água e esgoto, etc.), foi ao longo de todo o século XX um investimento do Estado. O capital privado beneficiou-se da construção, sofisticação técnica e manutenção da base produtiva e de funcionamento das cidades, configurada com a riqueza produzida pelo conjunto da população. De forma que quando “grupo de grandes empresas...” anuncia “megaprojeto para o Sudeste” (JB 13/08/00) com o intuito de “investir diretamente na modernização do sistema... criando malha rodoferroviária mais barata para escoar produção do Sudeste...” apresenta-se como uma singularidade diante da história da construção da infra-estrutura brasileira onde o Estado tem aparecido como seu único provedor.
“Premidos pela necessidade de interligar racionalmente a infra-estrutura de transportes e ampliá-la já que os novos projetos esboçados pelo governo não saem do papel...” os empresários compuseram grupo de empresas – Vale do Rio Doce, CSN, BUNGE (grupo argentino), Unibanco, Becnel (americana) e Telemar, e criaram a “Companhia de Desenvolvimento do Sudeste (CDSE)... que escolheu oito projetos prioritários a serem “desenvolvidos por sociedades de Propósito Específico (SPEs) instrumento para formação de associações entre empresas que irão construir novas estradas e ferrovias concorrendo a licitações que incluirão a exploração de concessões depois de prontas”. Dois projetos aparecem como prioritários: a RJ 109 que liga o Porto de Sepetiba através de rodovia articuladora das BRs 116, 101 e 040 por atravessá-las transversalmente e um de padronização e fabricação de vagões sendo a “idéia a formação de um pool..., para criação de uma central de produção de vagões e locomotivas...” Como observa-se, se a singularidade aparece quando os empresários passam a investir na infra-estrutura, o mesmo não ocorre com a prioridade dos investimentos, que continuam a ter como alvo a resolução das questões de circulação. Os investimentos em infra-estrutura de circulação historicamente abarcam entre 65% e 70% dos mesmos, restando cerca de 25% para aquelas infra-estruturas (água, esgoto, etc.) ligadas com a habitabilidade.
Notícia
Aumento na População Urbana (O Mundo nas Cidades /JB – 05/07)
Estudos mostram que a população urbana, pela primeira vez na História, vai superar o número de habitantes que moram fora das cidades; entre 2000 e 2025 o percentual de moradores urbanos passará de 47,7% para 61% da população mundial. Este crescimento se dará principalmente nos países em desenvolvimento. Em 2025, dois terços da população viverão nas cidades, desafio para o qual “tanto o Estado quanto as autoridades locais devem se preparar, já que os problemas que as cidades vivem agora, como tráfego, contaminação do ar e a exclusão social, podem alcançar proporções dramáticas”( Kofi Annan, secretário geral da ONU). O crescimento natural da população, o êxodo rural e o desenvolvimento econômico são as principais causas do aumento da população urbana; no entanto, o problema central é a falta de capacidade das cidades de lidar com esse crescimento.
Evidentemente esse crescimento gerará sérios problemas; para analisá-los, 3.500 delegados de 98 países, entre eles os prefeitos das 15 cidades mais populosas do mundo, se reuniram em Berlim na Urban 21, a conferência mundial sobre o futuro das cidades. A luta contra a pobreza urbana e a melhora das condições de vida estão entre as principais metas.