Visualizar - Revistas | Chão Urbano

Chão Urbano

Chão Urbano ANO X – N° 4 JULHO / AGOSTO 2010

01/07/2010

Integra:

ANO X  N 4  JULHO / AGOSTO 2010

 

Editor

Mauro Kleiman

 

Publicação On-line

Bimestral

 

Comitê Editorial

• Mauro Kleiman (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)

• Márcia Oliveira Kauffmann Leivas (Doutoranda em Planejamento Urbano e Regional)

• Maria Alice Chaves Nunes Costa (Dra. em Planejamento Urbano e Regional)

• Viviani de Moraes Freitas Ribeiro (Dra. Planejamento Urbano e Regional IPPUR/UFRJ)

• Luciene Pimentel da Silva (Profa. Dra. – UERJ)

• Hermes Magalhães Tavares (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)

• Hugo Pinto (Prof. Dr. Universidade do Algarves – Portugal)

 

IPPUR / UFRJ

Apoio CNPq

LABORATÓRIO REDES URBANAS

LABORATÓRIO DAS REGIÕES METROPOLITANAS

 

Coordenador Mauro Kleiman

 

Equipe

Aline Alves Barbosa da Silva, Carolina Rezende Kroff, Priscylla Conceição Guerreiro dos Santos, Fernanda Colmenero de Melo e Moura, Natalia Andrea Urbina Castellón

 

Pesquisadores associados

Audrey Seon, Humberto Ferreira da Silva, Márcia Oliveira Kauffmann Leivas, Maria Alice Chaves Nunes Costa, Viviani de Moraes Freitas Ribeiro, Vinícius Fernandes da Silva

 

Artigos

As vias expressas e seus impactos na mobilidade  da metrópole do Rio de Janeiro

Mauro Kleiman

 

Percepção do Impacto Ambiental Provocado com a Construção de uma Via Expressa: O Caso da Via Baía de Todos os Santos em Salvador – BA

Augusto César da S. M. Copque, Fabíola Andrade Souza, Denise Vaz de Carvalho Santos , Juliana Freitas de C. Guedes, Maria Sacramento O. Guimarães

 

 

As vias expressas e seus impactos na mobilidade  da metrópole do Rio de Janeiro

Mauro Kleiman

Resumo

O artigo procura apontar como as vias expressas, por  suas tipologias singulares em relação a estrutura urbanística e rede viária existente no Rio de Janeiro- tem forte impacto na mobilidade e deslocamentos. Estes grandes equipamentos de infraestrutura de transporte coloca, igualmente, a questão da acentuação da dependência automotiva para os deslocamentos na metrópole e sua restrição social.

Palavras-chave: via expressa; mobilidade;Rio de Janeiro.

 

I-Introdução

Inicialmente cabe estabelecer uma necessária compreensão distintiva entre transporte e mobilidade, apesar da evidente articulação entre ambos. Os transportes estão associados aos processos da organização territorial em suas diferentes escalas- intra-urbana, metropolitana, regional,nacional,internacional, e  em primeiro lugar articulados aos processos econômicos em geral, com seus impactos na urbanização, metropolização e formação e desenvolvimento dos fenômenos da periferização e peri-urbanização.  O objetivo dos transportes trata-se de, por meio de movimentos, reduzir as distâncias, vencer descontinuidades, sejam físico-geográficas ou econômicas, pois o modo de produção capitalista impõe movimentos rotineiros e superpostos permanentes entre todos seus momentos de produção e consumo. A atividade de transporte,  aquilo que ela vende, é  reduzir distâncias conectando, aproximando pontos, articular atividades e ações, distribuir mercadorias, serviços, prover a possibilidade de necessária da Força de Trabalho ao Capital, propiciar deslocamentos para as áreas de residência, comércio,etc., e entre estas. Mas seu objetivo de reduzir distâncias só se completa se os transportes o fazem no mais curto espaço de tempo, onde para tal busca-se alterar permanentemente, por meio de inovações tecnológicas a correlação espaço-temporal, para cumprir seu papel na economia de aproximar produção de consumo; reduzir o tempo de circulação de mercadorias;dar movimento a Força de Trabalho...Enfim, transportar é deslocar-se no espaço. Poder-se-ia assim pensar que existiria uma sinonímia entre transporte e mobilidade, pois de fato mover-se de um ponto a outro implica em deslocamento no espaço. Contudo, apesar de serem dois conceitos que evidentemente guardão articulação constante, pois para ter mobilidade necessita-se de transportes,eles não aparecem como sinônimos : transporte como deslocamento rotineiro  implica em fluxos,ou sejam deslocamentos somente no espaço  físico-geográfico, enquanto que mobilidade trata dos deslocamentos também no espaço físico´-social, implica em interações sociais, implica na possibilidade e efetividade de deslocamentos entre as hierarquias sócio-espaciais no território estratificado  e segregado sócio-espacialmente.(Kaufmann, 2008; Wiel,2002 ). Assim sendo, deslocamento no espaço vira mobilidade quando possibilita uma implicação com a possibilidade de movimentar-se em âmbitos sociais diferentes até a uma mobilidade social(como na passagem de uma classe social a outra). Neste sentido, a capacidade de mobilidade é uma condição de participação no mundo urbano, mas que para efetivar-se precisa de um conjunto de fatores, como  entre outros o nível de renda, a existência de modais de transportes coletivos e particulares e sua acessibilidade segundo o nível de renda..De modo que pode existir deslocamentos sem mobilidade.

Orientamos, então,  nossa reflexão com base num escopo de interpretações que insere-se no corpo do debate sobre transportes na cidade, que acentua-se no marco atual do avanço do capital, incorporando novos elementos que visam romper a estanqueidade de sua análise  como técnica, e a dicotomia de sua referência como causa ou condicionante do processo de urbanização buscando estabelecer a relação direta entre seu papel na mobilidade e  interconexões que propiciam e a estruturação do território. 

Por outro ângulo os deslocamentos no território brasileiro, em suas diferentes escalas, fazem-se majoritariamente pelo transporte automotivo. Configurou-se, assim, uma dependência para os movimentos de circulação, principalmente ao automóvel particular e ao ônibus em detrimento do transporte de massa ferroviário. Como consequência a questão da mobilidade espacial, tomada como importante recurso social estará articulada às possibilidades e constrangimentos dados pela renda de cada camada social ao poder de compra e de manutenção do veículo automotor que guarda-se o nexo com entre a possibilidade de movimentos de circulação e deslocamentos para a camada de renda mais alta, e os constrangimentos e até mesmo a total impossibilidade de mobilidade para a de baixa renda. Gera-se, assim sendo, para as camadas populares o fenômeno de sua marginalização e exclusão sócio-econômica, para os quais busca alternativas para sua mobilidade, colocando-se nas metrópoles brasileiras possibilidades e restrições de mobilidade por classe social. Por esta ótica, entende-se como constituinte desta mobilidade a combinação entre o acesso ao veículo automotor, e a existência qualitativa de rede viária compreendida como infra-estrutura que permite a ligação física, mas principalmente a ligação social entre os elementos do território  possibilitando assim uma capacidade de deslocamento traspassando-se as barreiras existentes da  hierarquia socio-espacial do território com acessibilidade para os diferentes lugares, com redução de tempo de percurso. Neste sentido, existiria um nexo entre a possibilidade de deslocamentos e a renda mais alta, e constrangimentos à mobilidade da camada de renda baixa com restrições ao acesso ao emprego, maiores tempos e custos de viagem, e mesmo de movimentos (Dupuy, 1999; Dupuy, Bost, 2000; Figueroa, 2005, Kleiman,2001,2009; Kaufmann, 2008; Scippacerda, 1998; Segui,1991). A questão das possibilidades de deslocamentos esta  ligada ao conceito de acessibilidade. Segundo diferentes autores analisados  em Segui e Reynés(2003) quando se faz referência à "acessibilidade" esta expressa a capacidade de  um lugar  ser alcançado a partir de lugares com diferentes localizações geográficas e configurações sociais. Em outras palavras, a acessibilidade seria a qualidade de deslocar-se de um ponto ou de uma área sem ou com redução de barreiras na comunicação dos componentes de um sistema espacial (Castiello, Scippacerola, 1998). Esta qualidade é o produto da conjugação complexa no tempo e no espaço de uma série de fatores que condicionam a capacidade de deslocamento envolvendo as noções de “distância” e tempo”.

“Distância", esta intimamente relacionada com acessibilidade mas pode ser abordada como distância espacial, física ou real, e concomitantemente também poderia se dizer que qualquer distância não é apenas uma localização no espaço, mas também no tempo, como afirmou Fu Tuan (1980, citado em Segui, Petrus (1991).  Segundo o autor citado na verdade a unidade de tempo é frequentemente utilizada para atribuir significado a um lugar distante. Além disso, quando falamos de velocidade (km / h) estamos nos referindo-se a cobrir um espaço físico medida certamente "distância espacial", mas também nós nos referimos às unidades de tempo, ou seja, "a distância temporal."O binômio "distância / tempo" mudou ao longo do tempo dado a contração gradual na mesma medida em que os meios de transporte evoluíram, alterando-se a correlação entre os mesmos. O par  "distância-espacial/ distância-temporal", vem sendo alterado, no caso dos deslocamentos automotivos, entre outros elementos, pela introdução de vias expressas, como aquelas implantadas no Rio de Janeiro. Porém, para além disso, Segui e Reynés(2003) apontam  “que o uso do espaço e a percepção do que dele se tem depende da avaliação individual do que seja distância, apreciação subjetiva  influenciada por fatores principalmente sócio-econômicos e/ou culturais que baseia a ideia de "distância perceptiva”, uma distância relativa, medida sobre um espaço relativo às suas condições sócio-econômicas-culturais”. A combinação de acessibilidade e  distância, em conjunto com os demais fatores já elencados acima, vai determinar a mobilidade, segundo Potrykowski e Taylor(1984),que no entanto, pode-se exprimir-se de forma diferenciada no interior de uma mesma área, dado que em cada uma delas podem ser observados altos níveis de heterogeneidade pela presença ou ausência de atividades produtivas ou serviços, condições sociais e de grupos populacionais (La Nave, 1998; Portrykowski, Taylor, 1984).

As vias expressas tem tido importante papel na configuração recente da metrópole do Rio de Janeiro. Concebidas no contexto de um sistema de auto-estradas urbanas, que previa cinco delas, inseridas no “Plano Dioxiadis” de 1965, como "Linhas Polícromicas", foram construídas , até o momento, apenas duas : a "Linha Vermelha", em 1992, e a " Linha Amarela" em 1997, ficando apenas como ideia as outras três: a "Verde", a "Azul" e a Marron". A “Verde” ligaria a Gávea à Via Dutra, o que incluiria um projetado túnel urbano extenso entre o bairro da Gávea com a Rua Uruguai na Tijuca, seguindo desta na direção do Túnel Noel Rosa(construído, que liga Vila Isabel ao bairro do Jacaré), e deste em forma de elevado(parcialmente construído) se atravessaria os bairros adjacentes até cruzar a Av. Brasil até seu enlace com a Via Dutra. A “Azul” ligaria o Recreio dos Bandeirantes a Rodovia Washington Luís, com traçado totalmente singular pois que cortaria em diagonal várias partes da cidade. Sua ideia e traçado foi incorporada pelo Plano Lucio Costa para a baixada de Jacarepagua. Partes desta via existe hoje em dia, como a Av. Salvador Allende, a Rua Cândido Benício, e outras, atravessando os bairros do Recreio, Jacarépagua, Madureira, Irajá,etc. mas não sob a forma de via expressa. A “Marron” ligaria o Centro a Santa Cruz, e desta nenhuma parte foi executada. Se executadas á época de sua idealização, ou mesmo depois ,como as duas implantadas, certamente a distribuição da população, as atividades econômicas e sociais estariam configurando a cidade-metrópole de uma outra forma-conteúdo. O período de tempo decorrido entre a ideia do Plano Dioxiadis e a efetiva implantação das duas únicas vias expressas pensadas encontrará o território urbano-metropolitano já dominado pelos deslocamentos automotivos, e , assim sendo, seus impactos serão muito importantes como busca de resolução dos problemas advindos da opção rodoviarista, e não como antecipação a estes como todo Plano se propõe. Tanto a “Linha Vermelha” como a “Linha Amarela” impactam fortemente, como grandes equipamentos de transporte, nos deslocamentos como na e na mobilidade e acessibilidade, sendo também  elemento contribuinte à dinâmica do mercado imobiliário, induzindo a recomposições espacial e territorial da cidade-metrópole. Neste artigo vamos focar nossa exposição nos seus impactos nos deslocamentos, mobilidade e acessibilidade.

A “Linha Vermelha” e a “Linha Amarela”, apesar de ambas serem vias expressas possuem traçados que as diferenciam. A primeira tem traçado que acompanha os eixos longitudinais  tradicionais no Rio de Janeiro, sendo uma paralela a Av. Brasil. Já a segunda tem traçado transversal aos tradicionais eixos viários longitudinais. A “Linha Vermelha”, contudo, apesar de seu traçado longitudinal, vai implicar em mudanças importantes nos deslocamentos pelo modal automotivo na cidade-metrópole, pois sua implantação, na verdade, complementa a  via transversal composta pelo Túnel Rebouças e o Elevado Paulo de Frontin, que fazem a ligação expressa da Zona Sul com as vias de acesso-saída da cidade, sem passar pelo Centro( que era o trajeto obrigatório antes da abertura dos túneis Santa-Barbara e Rebouças).  A via conta com parte de sua estrutura em forma de Elevado de dois andares; trevos de viadutos para enlaces nas ligações com a Ilha do Governador-Aeroporto Internacional, e com as Rodovias Washington Luís e Via Dutra; e no trecho lateral ao Aeroporto foi construída sob forma de ponte sobre as águas da Baía de Guanabara. A “Linha Amarela”, por seu turno conta com um conjunto de viadutos e túneis, (entre os quais os mais extenso com 2 Km e 200 metros), e trata-se da primeira auto-estrada urbana pedagiada. Por seu traçado e característica de via expressa propicia rápida acessibilidade a vasta área de expansão, situada a oeste, principalmente ao novo bairro de camada de alta renda (Barra da Tijuca e adjacências), mas também a Subúrbios tradicionais que atravessa. Estes dois grandes equipamentos de transporte impactam fortemente nos deslocamentos e mobilidade do Rio de Janeiro, mas coloca a questão da acentuação da dependência da mobilidade na metrópole ao automóvel particular, que por sua flexibilidade, autonomia e velocidade capacitou-se como padrão para os deslocamentos nas cidade, ordenada em zonas de especificidades, estanques entre si , sendo o automóvel o veículo capaz de articular suas partes fragmentadas.

O uso do automóvel particular ressalta, igualmente,  para além de seu papel funcional na economia, a questão de mobilidade populacional espacial tomada como um recurso social importante. Assim o que está em jogo na metrópole são as possibilidades e restrições de mobilidade por classe social.

 

II- As vias expressas “Linha Vermelha” e “Linha Amarela” no contexto da construção da dependência automotiva para a mobilidade no Rio de Janeiro e de mudanças na dinâmica territorial

 

Como já assinalamos acima as duas vias expressas foram concebidas no conjunto de vias denominadas “linhas policrômicas“, no bojo do “Plano Dioxiadis”, elaborado no final do Governo Carlos Lacerda, em 1965. Quando da elaboração do Plano a mudança do modal de deslocamentos no Rio de Janeiro de ferroviário para automotivo já evidenciava-se como uma ruptura inexorável. Os movimentos até meados da década de 1950 eram dados por uma extensa rede de bondes que cobria toda a cidade, e pelos trens que serviam aos subúrbios e a periferia. A partir de então observa-se uma inversão de tal importância que irá consolidar os deslocamentos pelo modal automotivo em detrimento do modal ferroviário.

No momento da concepção das “Linhas Policrômicas” a configuração do Rio de Janeiro já contempla o fenômeno de sua metropolização com a expansão de periferias distantes do núcleo central, na Baixada Fluminense ; a densificação e verticalização dos bairros de camadas de renda alta e consolidação de sub-centros importantes, tanto nestes bairros como nos subúrbios. A dinâmica territorial em mudança se complementa com a abertura de nova área de expansão de camada de renda alta. Logo em seguida ao Plano Dioxiadis encomenda-se a Lúcio Costa um Plano de ordenamento urbanístico para a Baixada de Jacarepaguá (Zona Oeste do Rio de Janeiro), onde a ocupação era então rarefeita, sobretudo na vasta área entre a orla da praia e as lagoas da região ,compondo-se de um vasto areal. Pensada como uma expansão “nobre” da cidade para a ocupação como continuidade da Zona Sul, pelas camadas de renda alta, sua acessibilidade se fará pelo modal automotivo para o qual constroem-se uma autoestrada (Lagoa-Barra), com a introdução de nova tipologia de via com elevado de dois andares e túneis, e duas avenidas, concebidas também como vias expressas: a Av.  das Américas e  e Av.Alvorada(atual Ayrton Senna), todas estas três vias implantadas antes mesmo e para apoiar a ocupação da vasta área.

A “Linha Amarela”  por Dioxiadis  antes do Plano Lúcio Costa, terá uma parte do seu traçado aproveitado por este como um dos dois eixos viários em que se organiza a estrutura urbanística da Baixada de Jacarepaguá – o eixo perpendicular (que denomina Avenida Alvorada) ao eixo monumental denominado Avenida das Américas. Tanto essas duas vias, como a autoestrada Lagoa-Barra e as “Linhas Policrômicas” inserem-se na verdadeira “febre” viária dos anos 1960, com a construção de toda uma nova tipologia de vias com viadutos elevados, park-ways, autoestradas urbanas, extensos túneis urbanos, que visava dar suporte à opção para deslocamentos pelo modal automotivo em substituição ao modal ferroviário.

 

III - A concepção e configuração das vias expressas “Vermelha“  e  “Amarela”

 

A concepção original das vias expressas do Rio de Janeiro guarda relação com a ideia de autenticas autoestradas, introduzindo técnicas empregadas em rodovias interurbanas no âmbito intra-urbano. Seriam vias de caráter monofuncional, ou seja com restrição de uso apenas para automóveis particulares, com intuito de propiciar acessibilidade com fluidez máxima de tráfego, tendo assim porosidade/ permeabilidade mínima. Sua configuração foi como equipamento de circulação típica de uma autoestrada urbana: tem parte na superfície, parte em níveis diferenciados para evitar cruzamentos eis por vários viadutos, parte em elevados de dois andares, parte em  túneis, (sendo o maior  com 2200 metros de extensão considerado o maior túnel urbano do mundo). Seriam vias totalmente impenetráveis por pedestres, que só a cruzam através de passarelas, sendo o acesso de veículos por rampas de aceleração. Trata-se de território fechado estritamente reservado a circulação motorizada, separado do restante da estrutura viária para melhor funcionar. À concepção restritiva acentua-se pela introdução, por primeira vez no Rio, da ideia de pedágio urbano. Na “Linha Vermelha” esta ideia de pedágio foi retirada do projeto por determinação do governador Brizola, (já que na ocasião a via foi construída com recursos mistos oriundos tanto do governo federal ,como do estadual), sob o argumento que destinava-se a dar maior acessibilidade a área de menor renda localizada na Baixada Fluminense. Já na “Linha Amarela”, construída numa parceria entre o município do Rio e as empreiteiras de sua obra de implantação, a ideia do pedágio se manteve, até por conta da via depois de pronta, pelo contrato estabelecido para sua construção, passar a uma concessionária privada formada pelas próprias empreiteiras da obra. O pedágio é cobrado nos dois sentidos, tendo preço reajustado anualmente, sendo seu valor inicial, em janeiro de 1998 de R$ 1,90, estando  agora em janeiro de 2010 em R$ 4,00.

A “Linha Vermelha” manteve a concepção original de via com mínima porosidade/ permeabilidade, e embora ao longo do tempo tenha aberto mão de uma monofuncionalidade restrita aos automóveis particulares o fez para número reduzido de viagens por ônibus e vans restritas a poucas linhas e horários. Mantém,assim sendo a possibilidade de maior fluidez e rapidez de tráfego, embora sendo cada vez mais utilizada-sinal de seu exito- verifique-se bloqueios á fluidez em vários pontos e horários ao longo do dia. Por seu turno, a “Linha Amarela”, concebida inicialmente com uma restrição singular, sem nenhuma porosidade/permeabilidade, para dar acessibilidade fluida e muito rápida apenas à área de expansão da Barra da Tijuca. Guarda, neste sentido, semelhança com as vias exclusivas, construídas nos EUA quando do processo de suburbanização, que possibilitavam a ligação exclusiva entre o centro de negócios e os empreendimentos imobiliários da camada de renda alta que foi ali habitar. Na origem seu enlace estaria articulado a outra via expressa, a Linha Vermelha, e na outra ponta a Av. das Américas (que também na sua concepção inicial seria uma via expressa).

Debate no interior da corporação de técnicos da Prefeitura do Rio de Janeiro irá contudo, alterar a concepção original de uso restrito dirigido aos moradores de área de renda mais alta, abrindo pontos de permeabilidade ao longo da via tendo hoje 22 saídas e 35 acessos. Essa alteração possibilitou acessibilidade a bairros suburbanos, e bairros da área de Jacarepaguá, que tinham limitada e difícil articulação com o restante da estrutura da cidade, por estradas estreitas, sinuosas, e mesmo com acentuado aclive.

Uma segunda alteração de importância será a alteração do caráter monofuncional, de via restrita a automóveis particulares, quando foi-se permitindo, ao longo do tempo, a paragem de transporte coletivo por ônibus. Inicialmente as linhas ligavam a área da Barra da Tijuca, e bairros de Jacarepaguá ao Centro do Rio e o subúrbio do Méier a Barra; e mais recentemente abriu-se as linhas entre a periferia da metrópole (Baixada Fluminense) à Barra da Tijuca. Contam-se, até o final de 2009 vinte e quaro linhas de ônibus que utilizam a via, sendo cinco ligando a periferia- Baixada Fluminense a Barra.  

 

IV– Impactos das Vias Expressas na mobilidade no território do Rio de Janeiro

 

As vias expressas “Vermelha” e “Amarela”, como grandes equipamentos de transporte são um dos elementos indutores de alteração na mobilidade, e contribuintes para um movimento de recomposição territorial no Rio de Janeiro. As vias modificam o binômio acessibilidade/distância espaço-temporal que vão contribuir para determinar mudanças na mobilidade (objeto deste artigo), mas as modificações que introduzem irão alavancar a ocupação imobiliária residencial e comercial do novo bairro de classe alta e suas regiões adjacentes,  na remodelação dos bairros suburbanos, e na modernização de partes da Baixada Fluminense(que examinaremos em outro artigo a ser publicado proximamente).

As vias expressas construídas alteraram de maneira muito importante os aspectos da acessibilidade e distancia espaço-temporal impactando na problemática da mobilidade. O binômio acessibilidade/distância espaço temporal apresenta mudanças para diferentes pontos do território urbano-metropolitano, ao reduzir os obstáculos de comunicação entre os lugares e possibilitar sua ligação mais fluida e rápida.

A “Linha Vermelha” possibilita, neste sentido, tanto deslocamentos expressos intra-urbanos Zona Sul-Norte , como deslocamentos de âmbito metropolitano tanto para a periferia- Baixada Fluminense, como para Niterói-São Gonçalo e cidades da Região dos Lagos ao articular-se com a Ponte Rio-Niterói, como para a Região Serrana(e desta com Minas Gerais e Brasília, e a Região Nordeste do país, esta pela Rodovia Rio-Bahia),  e com São Paulo (e desta com a Região Sul brasileira). Embora sua articulação com a Zona Sul do Rio,  evidencie , evidentemente, seu propósito primeiro de beneficiar a camada de maior renda das facilidades de articulação livre e veloz com todos os pontos de atividades econômicas e sociais do território, seu impacto na modificação da mobilidade da população da Baixada Fluminense, de menor renda tem sido muito importante. De fato a via alterou a correlação espaço-tempo entre o núcleo da metrópole-incluindo-se neste seu Centro de negócios e comércio e a Zona Sul, de modo que a acessibilidade, principalmente o município de Duque de Caxias  mais diretamente articulado à via, e os de São João de Meriti e Nilópolis, relativamente próximos, ganharam um “encolhimento” geográfico aproximando-os do núcleo. Colocou-se, assim, a meu juízo,a  possibilidade de camadas de renda inferiores traspassarem a hierarquia sócio-espacial da metrópole e terem acesso mais rápido a equipamentos coletivos,serviços, comércio,lazer. O que não torna, contudo, esta possibilidade plena será a necessidade de contar com renda suficiente para comprar e manter um veículo automotor próprio, ou mesmo para circular de ônibus, ainda mais que poucas linhas foram autorizadas a utilizar esta via, ( mantendo-se a maioria das ligações periferia-núcleo por ônibus circulando pela Av.. Brasil).

Já  a “Linha Amarela” reduziu os obstáculos de comunicação entre os lugares, tanto os centrais como os periféricos da metrópole com os da Barra e Subúrbios, ao ser  concebida e implantada como via de alta velocidade e de traçado transversal aos tradicionais eixos longitudinais viários, ferroviários, e metroviários do Rio de Janeiro. A capacidade dos lugares Barra e Subúrbios serem alcançados desde os demais lugares da metrópole com suas diferentes localizações geo-sócio-econômicas apresentava importantes obstáculos. Para alcançar a Barra, apesar da existência de uma auto-estrada(a “Lagoa-Barra”), e das vias do Elevado Paulo de Frontin e túnel Rebouças, que lhe articulam com a Zona Sul e Centro, estes percursos por sua já intensa demanda endógena de deslocamentos  foi colocando cada vez mais obstáculos na comunicação de fluxos em relação a Barra. Além disto a auto-estrada “Lagoa-Barra” segue o traçado longitudinal da rede viária e assim sendo para atingir os pontos mais distantes daqueles do inicio da  Barra a capacidade de atingir o centro e final da área estará condicionada a acompanhar todo trajeto do conjunto de veículos que percorrem a área aumentando em muito a correlação espaço-temporal para tal. A “Linha Amarela” altera esta acessibilidade por introduzir uma capacidade de alcançar em menor tempo, e desde logo, de maneira veloz, e sem obstáculos desde o centro da metrópole e periferia distante o centro da área da Barra e daí distribuir os fluxos de deslocamentos para os diferentes lugares de forma mais equilibrada.

Para os bairros suburbanos a alteração no mesmo binômio acessibilidade/distância espaço-temporal pode ser compreendida como ainda de maior radicalidade. Para alcançar os lugares suburbanos desde o centro da metrópole só existia os caminhos de traçado longitudinal viários e ferroviários. Os viários demandavam percursos por estradas sinuosas e estreitas, antigos caminhos de penetração a áreas rurais da cidade, que na medida da utilização progressiva  pelo modal automotivo passa a ser leito a  circulação de automóveis e linhas de ônibus. O modal automotivo foi acentuando-se nestes bairros, tanto quanto foram sendo o descaso com investimentos e o “sucateamento” do modal ferroviário, que tinha sido o responsável pelo aparecimento e crescimento de núcleos urbanizados em torno das estações. No entanto, a expansão do modal automotivo não foi acompanhado de modernização e melhorias na rede viária, de modo que para alcançar os bairros suburbanos desde o centro e demais lugares da metrópole  exigia-se um percurso obrigatório no sentido longitudinal das estradas da região trazendo muitos obstáculos para a comunicação entre os lugares. À este aspecto combinava-se o da distancia espaço-temporal muito estendida pois para percorrer de um ponto a outro da cidade até os subúrbios gastava-se muito tempo. A “Linha Amarela” por seu traçado transversal às vias longitudinais viárias e ferroviárias revoluciona a capacidade de acessibilidade e correlação espaço-temporal para os subúrbios. Ao eliminar-se a obrigatoriedade do uso do traçado longitudinal a transversalidade da via articula diretamente os bairros suburbanos aos demais lugares, o que conjugado ao incremento da velocidade propiciado por via sem cruzamentos, com pouca permeabilidade, monofuncional, contraiu de maneira muito expressiva o tempo de percurso entre os diferentes pontos da metrópole e os subúrbios.

A mobilidade resultante da introdução da via expressa “Linha Amarela”  foi direcionada especialmente para a camada de maior renda, que tem a capacidade de adquirir e manter um automóvel particular. O exito de sua implantação com base nesse viés pode ser observado pelo crescimento extraordinário do número de veículos/dia que a utilizam que passou dos iniciais 52 mil veículos/dia em 1998 para   350 mil veículos/dia em 2009 (dados da concessionária da via:Linha Amarela S.A.-LAMSA). A via foi concebida como monofuncional-para o automóvel- com permeabilidade mínima voltada quase que com exclusividade a atender a acessibilidade rápida à área de expansão da camada de alta renda- Barra da Tijuca e adjacências. A via foi concebida para aumentar a capacidade de mobilidade diferenciada da camada de alta renda de acesso aos diferentes lugares da metrópole. Acentua assim a auto-mobilidade desta camada de renda que expressa-se na sua capacidade de deslocar-se velozmente, sem obstáculos, para múltiplas direções, em diferentes momentos, segundo suas conveniências ou necessidades. O fato da via ter pedágio só reafirma a ideia dessa relação entre mobilidade e classe de renda. O pedágio,contudo, cobrado através de barreira física, ainda que tenha faixas de passagem por passe eletrônico, contradiz o pressuposto de via de alta velocidade, sem obstáculos, e tem se tornado ponto de engarrafamento constante, tanto mais quanto tem aumentado o número de veículos que fazem uso da via. O uso cada vez mais intenso da via por moradores da área de alta renda já fez, inclusive, necessário utilizar faixa reversível pelas manhãs em direção ao centro da metrópole. Mas o lugar da praça de pedágio, localizado após a passagem da via pelos bairros suburbanos tem propiciado aos moradores de renda média e mesmo média-baixa, que tenham carro próprio, uma mobilidade que realmente não tinham antes da abertura da via. A posição do pedágio, no entanto, lhes cria uma barreira de acesso a área da Barra hoje sub-centro de grande comércio e serviços, e local de lazer. A possibilidade de maior mobilidade aos moradores dos bairros suburbanos só foi possível, pela alteração da concepção inicial de via quase sem permeabilidade nesta área. Por outro ângulo, a via concebida apenas para uso restrito a automóveis particulares,foi,pouco a pouco sendo aberta a utilização por linhas de ônibus, que incluem, agora, inclusive, aquelas que ligam a periferia-Baixada Fluminense à Barra, possibilitando maior capacidade de acesso por moradores de menor renda a empregos e lazer. Em contrapartida o uso da via por crescente número de ônibus já vem acarretando restrições na capacidade ótima de ligação de diferentes pontos da metrópole em menor tempo. 

 

V- Conclusão: o papel das vias expressas “Vermelha” e “Amarela” na mobilidade  do  território do Rio de Janeiro         

 

Com traçados diferenciados mas ambos com inovações, possibilitando acessibilidade tanto a área  de maior renda, e de sua expansão para oeste; a antigos subúrbios; às periferias, a vias expressas “Vermelha” e “Amarela” podem ser entendidas como  indutores dos mais importantes no processo de uma nova configuração de mobilidade territorial , tanto sobre a dimensão morfológica, como funcional e social mais recente do Rio de Janeiro.

As vias apesar da defasagem entre o momento de sua concepção (meados dos anos 1960), e sua construção, entre 1991 e 1997,  não tiveram alterado seu pensado caráter de infraestrutura de circulação “pura”. A concepção destas vias ainda pode ser atribuída aos conceitos do modelo racional-funcionalista, onde a função de circulação está separada das demais. Visa atender em primeiro lugar as necessidades do Capital (quanto a circulação de  bens,força de trabalho, aproximar moradia e emprego, moradia e comércio , etc.), e no aspecto urbanístico articular as partes da território fragmentado em áreas de especificidades, por sua colocação por sobre a desenho urbanístico pré-existente que contém uma série de elementos de bloqueio e/ou entrave á fluidez e velocidade necessárias a economia e atividades sócio-culturais. Neste sentido, encaixa-se perfeitamente no “bojo” tanto do “Plano Dioxiadis”, como no “Plano Lúcio Costa” , ambos ratificadores dos conceitos funcionalistas, para os quais o desenho ortogonal da rede viária pré-existente impediria à função de circulação sua coerência com o desenvolvimento econômico e do modo de vida “moderno” do Rio de Janeiro. As vias expressas, assim sendo, são concebidas “ignorando” ou “apagando” a estrutura viária existente, que não se pensa sequer poder ser remodelada, e serão construídas por sobre e/ou cortando o desenho existente. Trata-se de implantar uma nova tipologia de vias, restritas a acessos e à plurifuncionalidade, servindo apenas ao automóvel particular.

A “Linha Amarela” encaixa-se perfeitamente no modelo racional funcionalista, que tem no Plano Lúcio Costa para para a Baixada de Jacarepaguá (onde localiza-se a área de camada de alta renda do Rio),um de seus momentos mais emblemáticos e exemplares(além de Brasília,evidentemente seu momento “maior”)pois nele a função de circulação esta separada das demais, e onde, todos os usos e atividades estarão ordenados em áreas de especificidades. A via “Amarela” em termos funcionais  materializa o “eixo transversal” proposto no Plano Lúcio Costa ,indutor de acessibilidade para camadas de maior renda por novo acesso mais rápido do Centro de negócios e comércio, pelos “fundos” da área, mas também do que pensava ser o acesso da população de menor renda localizadas em áreas da periferia imediata e longínqua e subúrbios a todos os equipamentos de consumo e lazer e serviços que a “nova cidade,“ localizada na Barra da Tijuca, propicia, como Centro Metropolitano que aponta no memorial descritivo do Plano como traço de união de todas as camadas sociais do Rio de Janeiro.

Na área da Barra e adjacências a via fez parte da concepção de uma nova paisagem urbana, a paisagem da cidade modernista, adaptada para o automóvel ou cidade do automóvel. Imaginada para ser uma nova opção de acessibilidade mais rápida para a área de expansão de camada de renda alta da metrópole, com fraca porosidade e um limitado número de penetrantes, drenados ainda mais pelo pedágio urbano, a via embora não tenha sido construída como parte de uma operação de urbanismo, contribui fortemente para transformações tanto morfológicas como funcionais e sociais.

Mas, por outro lado, provoca uma ruptura na morfologia urbana dos Subúrbios marcados até então marcada pela rua como espaço público, por tratar-se de um modelo perfeito de equipamento de circulação restritamente reservado aos deslocamentos motorizados automotivos, separados das demais funções para melhor propiciar tráfego fluido e veloz entre pontos do território do Rio de Janeiro. O efeito para os subúrbios em todos os planos tem produzido uma recomposição territorial. Em termos de transformações morfológicas a mudança é radical fabricando-se uma nova paisagem urbana. A via expressa com seu território fechado, viadutos, acessos em rampa, corta e substitui a estrutura de ruas sinuosas, estreitas, com forte porosidade, e separa, parte, divide, bairros suburbanos ao meio. Onde antes se percorria a pé todo um bairro, atualmente a circulação só é possível de veículo automotor. Em termos funcionais o impacto de um re-hierarquização total da rede viária, pois o traçado transversal da via expressa em relação às vias pré-existentes alterou a correlação espaço-temporal de acessibilidade aos bairros suburbanos: quando antes para atingir do núcleo da metrópole ao interior destes bairros era necessário percorrer vias de penetração sinuosas e estreitas agora o percurso se faz pela articulação de duas vias extensas longitudinais (Avenida Brasil e Linha Vermelha) com a Linha Amarela que atravessa todos os bairros. Para obter esta alteração de alcance de acessibilidade abriram-se porosidades não previstas na concepção inicial da via para alguns pontos do subúrbio. A via se tornou o principal eixo de penetração da área, relegando a rede viária anterior o papel de alimentadora e distribuidora de seu tráfego.

Por seu turno, a “Linha Vermelha” também contém os elementos conceituais do modelo racional funcionalista principalmente por ter mantido, ao contrário da “Amarela” sua mínima porosidade/permeabilidade, com menos possibilidades de acessos, e sua relativa monofuncionalidade ao restringir o número e horários de linhas de ônibus . Sua funcionalidade manteve-se como via rápida de articulação metropolitana e regional, além da sua função intra-urbana. A “Vermelha” dado o incremento de velocidade que possibilita contraiu, de forma espetacular, a noção de lugar distante, no tempo e no espaço, atribuído aos municípios da Baixada Fluminense(já citados acima) , modificando-a para lugar mais próximo; assim como implica numa redução de espaço-tempo da articulação do núcleo da metrópole à sua dimensão regional. A combinação entre acessibilidade que a via permiti de alcançar diferentes pontos do território com a contração do binômio espaço-tempo determina uma mobilidade muito importante para a camada de renda alta, e relativa, ainda que ligada ao automóvel particular a renda mais baixa, mas atende ,com mais certeza, aquele grupo de renda média atualmente encontrado na modernização da Baixada Fluminense.

 As vias expressas “Vermelha” e “Amarela”,contudo, acentuaram de forma muito importante a dependência automotiva para a mobilidade na metrópole do Rio de Janeiro. Isto porque ao propiciar uma mudança no binômio acessibilidade/distância espaço-temporal para vários bairros de camadas de renda diferenciadas, tornando  o mapa do Rio “menor”, impulsiona a utilização do veículo automotor, e carreia para si as possibilidades de um melhor e mais rápido deslocamento. Este efeito de “afunilamento” tem se aprofundado quando se nota que desde a implantação das vias na década de 1990 nenhuma outra opção, ainda que viária, de tal porte foi construída, ou sequer melhorada as já existentes, carreando para elas um cada vez mais crescente número de veículos do modal automotivo. Na “Linha Amarela” este fenômeno de “afunilamento “ se amplifica, pois seu traçado transversal aos eixos longitudinais tradicionais torna a via um locus de atratibilidade permanente  e crescente(como mostram os dados expostos acima), pois propicia uma acessibilidade muito veloz a um grande conjunto de bairros dos antigos subúrbios do Rio  antes tido como longínquos pontos do território. No entanto a via , por ter pedágio coloca um bloqueio social aos de menor renda, impossibilitando sua mobilidade, ao menos plenamente.

A “Linha Vermelha” e a “Linha Amarela” recolocam, assim sendo, a problemática da ausência de concepção multimodal para os deslocamentos, e ratificam o papel do automóvel particular como elemento mais importante na  contribuição à mobilidade territorial na metrópole do Rio de Janeiro. Sua concepção e construção liga-se, assim, a manutenção da opção de uma política de transportes que privilegia o modal automotivo e possibilita a acentuação do uso do automóvel, e para tal cumprem de forma espetacular sua função combinada de contração do binômio espaço/tempo entre os lugares do território, atendem sua estruturação como ordenação racional-funcionalista, contribuem para transformações morfológicas na paisagem , mas, contudo,  possibilitam mobilidade relativa de acordo com as classes sociais.

 

REFERENCIAS BIBILOGRAFICAS

 

CASTIELLO,  N.; SCIPPACEROLA, S.(1998) Dell acecesibilita, In Bolletino della Societá Geografica Italiana, Serie XX, vol. 3 pp. 443-484.

DUPUY, G. (  1995 ) L auto et la ville. Paris: Flammarion.

DUPUY, G. e BOST, F.(2000). L automobile et son monde.  Paris:  l Aube Editeurs.

FIGUEIROA, O. (2005).”Transporte Urbano y Globalización.  Políticas y efectos en América Latina.”  Revista Eure.  Santiago: PUC – Chile – Vol. XXXI nº94:  pp,41-53.

LA NAVE, M.  (1998)“Il sistema della mobilita locale nelle regioni italiane”. In Bolletino dela Societá Geografica Italiana, Serie XII, vol 3, nº3-4, p. 505-514.

KLEIMAN, M. (2001) “Rede viária e estruturação intra urbana. A prioridade dos investimentos na rede viária e seu papel na configuração das cidades: o Rio de Janeiro sobre rodas”. In: Anais do IX Encontro Nacional da ANPUR,  Rio de Janeiro: ANPUR, pp 1596-1608.

KLEIMAN, M. (2009) “Política viária e mobilidade nas metrópoles brasileiras” , In CHÃO URBANO, ano IX n 1, janeiro-fevereiro, Laboratório Redes Urbanas-IPPUR/UFRJ.

KAUFMANN, V. (2008) Le paradoxes de la mobilité. Lausanne: Presses polytechniques et universitaires romandes.

POTRYKOSKI, M.;TAYLOR, Z. (1984) Geografia del Transporte. Barcelona:Ariel.

SEGUI, JM.; PETRUS, JM.(1991) Geografia de redes y sistemas de transporte. Madrid: Sintesis

SEGUI, JM.; REYNÉS, M.R.M. (2003) “Pluraridad de métodos y renovación conceptual em la geografia de los Transportes de siglo XXI”, In Scripta Nova Vol. VII nº 139 abril de 2003. Barcelona:Scripta Nova -Revista eletrônica de Ciencias Sociales da Universidad de Barcelona.

WIEL, M. (2005) Ville et Mobilité: un couple infernal?. Provence:Éditions de L Aube.

 

 

 

Percepção do Impacto Ambiental Provocado com a Construção de uma Via Expressa: O Caso da Via Baía de Todos os Santos em Salvador – BA

Augusto César da S. M. Copque, Fabíola Andrade Souza, Denise Vaz de Carvalho Santos , Juliana Freitas de C. Guedes, Maria Sacramento O. Guimarães

 

Resumo: O presente artigo faz uma análise crítica sobre a construção da Via Expressa Baía de Todos os Santos, em Salvador – BA.  A construção desta via irá provocar grande impacto na capital baiana e a proposta deste estudo é caracterizar a área de influência do projeto, analisar alguns possíveis impactos ambientais, bem como identificar a maneira que os moradores/comerciantes instalados na região sentem-se afetados pela obra e se há percepção dos impactos ambientais relacionados. Para atingir o objetivo deste trabalho, utiliza-se o método de pesquisa qualitativo tendo como fonte de informação a entrevista individual, semi-estruturada, com combinação de perguntas fechadas e abertas.

 

Palavras-chave: Impacto Ambiental, Via Expressa, Salvador.

 

Abstract: This article makes a critical analysis on the construction of the expressway Baia de Todos os Santos in Salvador - BA. The construction of this road will cause a major impact on city and purpose of this study is to characterize the area of influence of the project, consider some possible environmental impacts, and identify the way that the residents and traders settled in the region feel affected by the work and whether perceptions of environmental impacts related. To achieve the objective of this work, uses the method of qualitative research as a source of information and the individual interviews, semi-structured, with a combination of closed and open questions.

Keywords: Environmental Impact, Expressway, Salvador.

 

1. INTRODUÇÃO

 

A atividade humana pode alterar, de forma positiva ou negativa, as características inerentes aos meios físico, biótico e antrópico; a este processo dá-se o nome de impacto ambiental. Portanto, o Estudo de Impacto Ambiental – EIA é realizado no sentido de identificar e avaliar as conseqüências da atividade humana sobre estes meios, buscando, consequentemente, propor medidas mitigadoras para os impactos negativos, e promover o aumento dos positivos. (HENRY & HEINKE, 1989)

Na resolução CONAMA nº 01/1986, define-se que o Estudo de Impacto Ambiental é necessário para projetos de grande porte, como a construção de estradas de rodagem com duas ou mais pistas. Nesta situação está enquadrado o projeto de criação da Via Expressa Baía de Todos os Santos (VIA BTS), uma via que se propõe a ser uma nova alternativa para a circulação viária em Salvador-Bahia-Brasil, dispondo de 05 faixas de tráfego em cada uma das duas pistas, sendo 04 faixas exclusivas para veículos de carga; facilitando o escoamento da produção regional do Estado ao conectar a BR-324 (principal via de acesso ao município) ao Porto.

 

 

Figura 1 – Área de estudo - Via Expressa Baía de todos os Santos. Fonte: CONDER (2009), adaptado pelos autores, 2010.

O percurso da via estende-se por 4.297 metros e inclui a construção de 3 túneis (370 metros), 14 elevados, mais de 23km de pista de rolamento, 4 passarelas, 3.200m de ciclovia e 30.500m2 de passeio. O fluxo de veículos estimado é de 3.400 veículos de carga e mais de 58 mil veículos de outros tipos por dia, com redução de 3.200 metros de distância no trajeto realizado atualmente por outras vias.

Devido às grandes alterações que a construção desta via irá provocar no município, houve a necessidade de identificar os principais impactos ambientais decorrentes e a percepção destes impactos pelos moradores / comerciantes instalados na região, no sentido de indicar os principais aspectos a serem observados para mitigação.

Partindo deste pressuposto, o presente artigo consta desta introdução mais três partes e uma conclusão. Será feita a caracterização da área de influência da via, a identificação e classificação dos impactos ambientais a partir de análises realizadas sobre o traçado do projeto, mapas de localização e visita a campo, bem como a percepção dos impactos pela população atingida através da metodologia de pesquisa qualitativa. Ressaltando que não foi possível ter acesso ao real Estudo de Impacto Ambiental realizado para a via, uma vez que a instituição estadual responsável pela obra não cedeu o material para análise. Por fim, na conclusão, chamar-se-á atenção que a pesquisa qualitativa permitiu levantar questões de natureza social e cultural da área que não poderiam ser percebidas através de estudos quantitativos ou sem estabelecer interação com interlocutores do local.

 

2. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE INFLUÊNCIA

 

A região que será afetada, direta e indiretamente, pelos impactos ambientais da Via Expressa inclui trechos de quatro regiões administrativas (RA) de Salvador: Cabula, Brotas, Liberdade e Centro, cujos dados de população e área estão na tabela 1:

 

 

TABELA 1: ÁREA E POPULAÇÃO DA REGIÃO AFETADA.

RA’s

Área (ha)

População em 2000 (IBGE)

População prevista em 2015 (IBGE)

Variação populacional (%)

I – Centro

698

85.544

76.762

- 10,3

III - Liberdade

720

188.027

187.267

- 0,4

V – Brotas

1.115

191.604

223.088

16,4

XI – Cabula

698

137.364

172.113

25,3

FONTE: Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Salvador (2004).

 

A construção da Via Expressa irá afetar o traçado de algumas vias de intenso fluxo de veículos, como Ladeira do Cabula, Rótula do Abacaxi, Avenida Heitor Dias, Largo Dois Leões, Estrada da Rainha e Ladeira do Canto da Cruz; além de provocar vários impactos ambientais, como a desapropriação de imóveis residenciais e comerciais.

A hidrografia da região é composta pela Bacia da Cidade Baixa, Bacia do Camarujipe e Rio das Tripas. O ecossistema terrestre é composto por flora representada pela Mata Atlântica e fauna composta por espécies de pássaros e pequenos animais que vivem em ambiente urbano, ainda que em proporções mínimas, uma vez que a região encontra-se bastante urbanizada, com distribuição do uso e ocupação do solo em residencial, comercial, industrial, sem-uso e institucional.

Analisando-se o crescimento populacional entre os censos 1991 e 2000, percebe-se um crescimento na razão de 1,84 para o município de Salvador, enquanto que para as Regiões Administrativas afetadas pelo projeto, esta razão fica em decréscimo de 0,85 para RA I-Centro e aumento em 0,24 para RA I-Liberdade; 0,93 para RA V-Brotas e 2,51 para RA XI-Cabula. (BAHIA, 2006)

A renda per capita, de acordo com o Censo Demográfico 2000, indica um valor de R$ 590,04 para a RA I-Centro; de R$ 219,79 para a RA IV-Liberdade; de R$ 499,06 para a RA V-Brotas e de R$ 263,52 para a RA XI-Cabula (BAHIA, 2006), caracterizando uma população de baixa renda ocupando a região.

 

3. IDENTIFICAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS

 

O meio ambiente pode ser definido como um conjunto de forças e condições que cercam e influenciam os seres vivos e as coisas em geral. Os constituintes do meio ambiente compreendem fatores abióticos, como o clima, a iluminação, a pressão, o teor de oxigênio, e bióticos, como as condições de alimentação, modo de vida em sociedade e para o homem, educação, companhia, saúde e outros (Ambiente Brasil, 2009).

De acordo com a legislação ambiental, atividades potencialmente degradantes do ambiente são aquelas que, direta ou indiretamente, prejudicam a saúde, segurança e o bem estar da população, afetando desfavoravelmente os seres animais e vegetais de uma região e as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; causando prejuízo às atividades sociais e econômicas; e/ou lançando materiais ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos. (BAHIA, Lei Estadual nº 3.858/1980).

Nesse sentido, antes de realizar qualquer atividade, principalmente aquelas associadas a grandes projetos, é necessário o diagnóstico dos impactos ambientais. A partir de análises realizadas sobre o traçado do projeto, mapas de localização e visita a campo, realizada em 31/05/2009, pode-se observar diversos impactos no ambiente a serem provocados pela construção da Via Expressa Baía de Todos os Santos. Com base em DAVIS e CORNWELL (1991) a seguir serão apresentados os impactos mais relevantes identificados e sua classificação.

 

3.1 Poluição Sonora

 

Apesar de não ter havido medição do impacto sonoro, pode-se considerá-lo negativo ao avaliar que o aumento da via de 4 para 10 faixas implica em acréscimo no número de veículos trafegando (principalmente caminhões nas faixas exclusivas) e conseqüente aumento da poluição sonora afetando lojas comerciais, prédios residenciais, escola, na proximidade da via.

A poluição sonora pode ser classificada como um impacto direto e de média intensidade, pois atua sem necessidade de outros meios e dentro de uma distância máxima que o ruído pode alcançar; tem abrangência local, por ser percebida no entorno da via, pela vizinhança; é cíclica, com um fluxo diurno maior que o noturno; tem efeitos imediatos (como o stress) e de longo prazo (como a surdez); tem impacto considerado reversível, uma vez que interrompida a fonte do ruído o impacto cessa imediatamente, porém há possíveis conseqüências irreversíveis – como a surdez e outros problemas na saúde causados por exposição prolongada.

 

3.2 Poluição do Ar

 

Da mesma forma que a poluição sonora, o aumento na quantidade de veículos também traz como conseqüência o aumento na emissão de gases poluentes, tornando-se fator negativo da implantação da via.

A poluição do ar pode ser classificada como um impacto direto, pois os poluentes são lançados no ar atingindo a população e provocando problemas respiratórios; de média intensidade, principalmente por permitir a formação de ilhas de calor; com abrangência desde a escala local à global, afeta de forma mais intensa a vizinhança imediata, porém gera reflexos regionais, nacionais e globais, contribuindo à soma dos poluentes causadores de efeito estufa - aquecimento global; de longa duração, devido ao caráter permanente da via; tem efeito imediato (como problemas respiratórios); pode ser reversível, interrompendo ou controlando a quantidade de gases emitidos.

 

3.3 Poluição da Água

 

Este impacto também pode ser percebido de forma negativa, uma vez que a avenida poderá provocar recobrimento do leito do Rio das Tripas, além de assoreamento do mesmo, principalmente com aumento de lançamento de resíduos durante a obra e a implementação do projeto sobre o rio, com consequente mudança da paisagem.

As obras têm ação direta sobre o rio, devido às atividades do canteiro de obras exercidas em seu entorno, contudo, são de pequena intensidade, pois o mesmo já encontra-se poluído. Pode-se considerar os efeitos como temporários, uma vez que os maiores impactos serão observados durante as obras e com alcance local, devido a mudanças nas características física da área da obra. Os efeitos são imediatos e as ações são reversíveis, caso haja a possibilidade de recuperação do rio.

 

3.4 Desmatamento

 

Haverá supressão de vegetação no decorrer da via, especialmente nos trechos do Cabula e ao lado da construção do Horto Bela Vista (próximo à BR-324), implicando em redução de espécies de Mata Atlântica e espécies secundárias. Este impacto é direto, pois provoca mudança na paisagem, contudo é de pequena magnitude, devido a área encontrar-se com pequena parcela de vegetação. Seus efeitos são permanentes, já que, mesmo que haja replantio, não será da mesma vegetação original e o alcance é local, sobre a vegetação existente no entorno da via. As conseqüências do desmatamento podem ser percebidas a médio prazo, com mudança da sensação térmica local; e são irreversíveis, pois uma vez desmatado e construído, a configuração inicial não será recuperada.

 

3.5 Impacto Econômico

 

O Cabula, por ser a região mais nova em termos de ocupação e com maior área de expansão disponível, foi a única a apresentar índice de crescimento superior ao do município, no período pesquisado em BAHIA (2006). A realização do projeto da Via Expressa pode ter como conseqüência o aumento demográfico no seu entorno a taxas maiores do que as observadas na década de 1990, uma vez que o acesso à área será facilitado, principalmente o Cabula, onde ainda existe espaço para expansão, já iniciado através da construção de alguns condomínios fechados, como o Horto Bela Vista.

Apesar da desapropriação de mais de 700 imóveis, que implicarão na realocação de diversas famílias para outros imóveis no entorno; pode-se observar esta expansão como um aspecto positivo e de grande impacto na economia, especialmente por valorizar os imóveis que permanecerão na área, devido ao aumento do fluxo de veículos, além de melhor acesso à região do Comércio e Cidade Baixa, valorizando o território.

Haverá melhoria do transporte de carga no acesso ao Porto de Salvador, que hoje suporta 250 mil contêineres por ano, poderá ter sua capacidade ampliada para 3 milhões, além do aumento da segurança no transporte. Estas ações podem implicar em aumento no número de empregos e melhoria de renda para a população, deve-se considerar também os impactos no nível de emprego durante a obra, especialmente para construção civil.

Por fim, a via aumentará a acessibilidade para as margens da Baía de Todos os Santos, renovando as possibilidades de incremento do turismo náutico e retomada da Ilha de Itaparica como opção de veraneio.

 

3.6 Impacto Estético

 

Uma das maiores vantagens na construção da via está na mudança estética que será provocada no percurso, com aumento na qualidade visual da rodovia em diversos pontos da obra, desde seu início na BR-324, como em alguns pontos críticos no percurso, a exemplo da Rótula do Abacaxi, Estrada da Rainha e, principalmente, a saída do túnel para acesso ao viaduto próximo ao porto, cujas obras originais estavam inacabadas e degradadas.

 

3.7 Impacto Político e Social

 

A dinâmica social será afetada em nível local e regional. Em nível local, a Via irá separar a comunidade por onde passa em seus lados esquerdo e direito e torna-se necessária a construção de passarelas e outras formas de comunicação para os moradores do entorno. No nível regional, sentido do início ao fim da via, a comunicação será facilitada, especialmente para usuários de veículos (particulares ou coletivos), por permitir novas formas de acesso entre bairros que antes eram mais distantes. O projeto pretende facilitar a mobilidade dos pedestres com a construção de passeio e ciclovias e a integração entre as localidades por passarelas, ainda que o número de 4 seja reduzido para a extensão da via.

Espera-se melhoria nos serviços de esgotamento sanitário (hoje o Rio das Tripas é um depósito de dejetos) e de iluminação pública, principalmente quando se percebe a importância do projeto para o Governo Estadual, uma vez que a construção da via é anunciada na imprensa como a obra viária de maior impacto nos últimos anos na Bahia.

 

3.8 Impacto na Saúde e Segurança

 

Os impactos provocados pela poluição sonora e do ar podem ser percebidos como negativos para a saúde da população, a exemplo de stress, surdez e problemas respiratórios, entre outros, em contrapartida, haverá mudança na acessibilidade aos serviços de saúde, facilitando a circulação de ambulâncias e o acesso a hospitais e postos de saúde existentes.

Quanto à segurança da população, as alterações na infraestrutura de transporte permitirão diminuir o índice de acidentes com caminhões; melhorar o fluxo de veículos que circulam na região, principalmente na Rótula do Abacaxi; ampliar o número de faixas da Avenida Heitor Dias e Estrada da Rainha.

 

 

 Figura 02: Localização dos imóveis, fotografias da equipe. A – Área residencial B – Área comercial Fonte: autores (2009)

 

4. PERCEPÇÃO DOS IMPACTOS PELA POPULAÇÃO

 

Para atingir o objetivo da percepção dos impactos pela população, utilizou-se o método de pesquisa qualitativo tendo como fonte de informação a entrevista individual, semi-estruturada, com combinação de perguntas fechadas e abertas. Foram realizadas 19 entrevistas, distribuídas em quatro pontos focais: Horto Bela Vista e Rótula do Abacaxi (residencial com maior poder aquisitivo); Avenida Heitor Dias e Baixa de Quintas (comercial); Estrada da Rainha e Ladeira do Canto da Cruz (residencial); e Porto.

Inicialmente foram aplicadas questões para a identificação do entrevistado, permitindo avaliar sua condição socioeconômica, bem como sua relação com a área de estudo. Neste sentido, questionou-se sobre sua relação/situação com a área e tempo que freqüenta o local, além de gênero, idade, posição no grupo familiar, escolaridade, situação ocupacional e renda mensal.

Posteriormente, foram aplicadas questões abertas, dando ao entrevistado a possibilidade de discorrer sobre o tema sem respostas ou condições prefixadas. Estas perguntas foram divididas em dois grupos: percepção do projeto, para saber se o entrevistado conhecia o projeto da Via Expressa e de quais formas ele se sentia afetado; e percepção dos impactos, no sentido de identificar, por espontaneidade, os aspectos positivos e negativos inerentes.

Ainda relacionado ao item ‘percepção dos impactos’, realizou-se perguntas fechadas para que os entrevistados cotassem a intensidade de cada tipo de impacto previsto anteriormente. Para os impactos de poluição sonora, do ar, da água e desmatamento, questionou-se sua intensidade como forte, média, suave ou não existente. Em relação às condições econômicas dos moradores e comerciantes, perguntou-se como poderia haver alteração, dando por opções: aumento, estabilidade ou redução, além de manter uma questão aberta para o entrevistado discorrer sobre como esta alteração ocorreria. E, para os impactos de estética, de relação social e saúde e segurança, questionou-se se estes seriam bom, médio, ruim ou inexistente.

Os dados coletados em campo foram agrupados e comparados entre si permitindo traçar o perfil dos entrevistados e avaliar o grau de percepção destes em relação à construção da Via Expressa, seus efeitos sobre a população e os impactos ambientais decorrentes.

Com base na tabulação dos dados de identificação, chegou-se a conclusão que a maioria dos entrevistados tem características de classe média ou baixa, sendo classificados como comerciantes de pequeno porte e/ou funcionários de empreendimentos locais; do gênero masculino; acima de 40 anos de idade; chefe de família e escolaridade nos níveis fundamental, médio e superior; contrapondo a renda abaixo de 5 salários mínimos.

Quanto à percepção do projeto, a maioria (63,1%) conhece superficialmente, sem detalhes como, por exemplo, quais são as áreas de desapropriação, qual a forma de indenização que será utilizada para os que forem removidos, quando as obras irão começar. O mais interessante neste aspecto foi o fato de vários entrevistados que questionaram a falta de informações, dizerem que conheceram o projeto através do órgão responsável pelo projeto, ou de panfletos distribuídos pela instituição, o que mostra o descuido em divulgar a informação completa aos verdadeiros interessados.

Ainda neste tópico, as pessoas com renda ou escolaridade mais elevadas sentem-se mais beneficiadas com a construção da Via, enquanto que os pequenos proprietários, autônomos e pessoas com renda mais baixa sentem-se prejudicados com perda de clientes e/ou relocação, implicando perda de identidade cultural. As referências sempre estavam associadas à circulação na área ou atividade profissional do entrevistado.

Em relação aos aspectos positivos, dentre os que responderam (84,2%), a grande maioria fez referência à melhoria no fluxo de veículos na região e redução dos engarrafamentos. Poucos fizeram referência a outros aspectos, como geração de empregos, urbanização e infraestrutura, mudança no comércio local, acesso aos bairros no entorno e redução de alagamentos. Não houve referência à valorização dos imóveis que permanecerão na área, aumento da segurança no transporte de carga, possível revitalização da região do Comércio, melhorias estéticas e na segurança para pedestres.

Para os aspectos negativos, a maioria fez referência à desapropriação dos imóveis residenciais e comerciais, principalmente aqueles com renda e escolaridade mais baixa e que se sentem afetados pela relocação e conseqüente perda da identidade cultural. Também há referência a perda de clientes e espaço de trabalho, tanto durante a construção quanto após implantação. Houve apenas uma pessoa preocupada com o tempo da obra e sua conclusão, no sentido de não ser mais um “elefante-branco” na cidade. Não houve referência espontânea a outros aspectos, como aumento da poluição sonora, do ar ou da água e desmatamento, ainda que nas perguntas específicas sobre estes temas, a maioria perceba estes impactos como negativos.

Ao serem abordados a respeito de como ficariam as condições econômicas dos moradores e comerciantes da região com a construção da Via, a maioria (52,6%) imagina redução, principalmente relacionadas à relocação do ponto comercial e/ou perda de clientes. Os que sugeriram aumento da renda fizeram relação com pontos comerciais que irão permanecer. Não houve referência às condições econômicas dos moradores que permanecem e que podem ter seus imóveis valorizados.

Pode-se perceber que, apesar da maioria não ter citado nas questões abertas os impactos ambientais levantados neste trabalho, as pessoas identificam-nos como negativos.

O aumento da circulação de carros é visto como causador de poluição sonora com intensidade forte ou média por 84,2% dos entrevistados, mesmo percentual que indica esta fonte como causadora de poluição do ar, nas mesmas intensidades. Já a poluição da água (Rio das Tripas) e desmatamento foram percebidos como impacto suave ou inexistente pela maioria, uma vez que a população identifica que o rio já se encontra poluído, bem como existem poucos espaços verdes no entorno da área de construção.

O impacto visual é indicado como positivo, sendo bom ou médio, por 84,2%, no sentido de que a construção irá deixar o percurso mais bonito em relação ao que existe atualmente. Embora a maioria também cite que as relações sociais serão prejudicadas em função da via, reforçando a questão da relocação e perda de identidade cultural, citada como aspecto negativo nas questões descritivas.

Na percepção de impacto na saúde e segurança dos moradores e freqüentadores da região, as respostas se concentraram em torno de médio e ruim, os entrevistados se preocupam com a segurança na travessia, mas não sabem se a Via Expressa trará resultados positivos ou negativos, uma vez que a quantidade e a localização das passarelas não são de conhecimento público. Estas preocupações reforçam a questão de desconhecimento do projeto, abordada de forma aberta anteriormente.

 

5. CONCLUSÃO

 

O uso da metodologia de pesquisa qualitativa permitiu levantar questões de natureza social e cultural da área que não poderiam ser percebidas através de estudos quantitativos ou sem estabelecer interação com interlocutores do local.

A aplicação das entrevistas, interação e compreensão das informações coletadas possibilitou a conscientização para aspectos como perda de identidade cultural e impactos socioeconômicos sofridos pela população. Impactos que, assim como os causados por ruído de tráfego e poluição do ar, também são passíveis de mitigação.

Apesar de não ter havido quantificação para os impactos analisados, alguns indicadores levantados neste trabalho permitem direcionar para o horizonte a ser seguido no sentido de realizar ações de menor impacto ao meio ambiente, durante e após as obras de construção da Via Expressa Baía de Todos os Santos; uma vez que as vantagens socioeconômicas e de infraestrutura de transporte justificam a construção da mesma.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

AMBIENTE BRASIL, Disponível em: http://www.ambientebrasil.com.br/. Acesso em: 10 Mai. 2009.

BAHIA. Companhia de Desenvolvimento Urbano da Bahia - CONDER. 2006. Atlas do Desenvolvimento Humano da Região Metropolitana de Salvador. Salvador: CONDER. PNUD. Fund. João Pinheiro.

BAHIA. Companhia de Desenvolvimento Urbano da Bahia - CONDER. Disponível em: <http://www.conder.ba.gov.br>. Acesso em: 10 mai. 2009.

BAHIA. Lei Estadual nº 3.858. 1980. Disponível em:  http://www.meioambiente.salvador.ba.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=222&Itemid=9&limit=1&limitstart=0. Acesso em: 13 jul. 2009.

CONAMA. Resolução nº 001. 1986. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res86/res0186.html>. Acesso em: 13 jul. 2009.

COPQUE, Augusto C. da S. M. & SANTOS, Denise V. de C. & SOUZA, Fabíola A. & GUIMARÃES, Maria S. O. 2009. Relatório de caracterização do meio ambiente afetado para estudo de impacto ambiental: Via Expressa Baía de Todos os Santos. Apresentado à disciplina Análise de Impacto Ambiental dos Sistemas de Transporte do Mestrado em Engenharia Ambiental Urbana da Escola Politécnica da UFBA.

COPQUE, Augusto C. da S. M. & SANTOS, Denise V. de C. & SOUZA, Fabíola A. & GUEDES, Juliana F. 2009. Utilização de entrevista como método de pesquisa qualitativo para percepção do impacto local com a construção da Via Expressa Baía de Todos os Santos. Apresentado à disciplina Métodos de Pesquisa Quantitativos e Qualitativos do Mestrado em Engenharia Ambiental Urbana da Escola Politécnica da UFBA.

DAVIS, Mackenzie L.; CORNWELL, David A. 1991. Introduction to Environmental Engineering. 2° ed. McGraw-Hill. USA.

HENRY & HEINKE. 1989. Environmental Science and Engineering. New Jersey: Prentice Hall Inc. Englewood Cliffs.

NEVES, José Luis. 1996. Pesquisa Qualitativa – Características, Usos e Possibilidades. Caderno de Pesquisas em Administração. São Paulo, V.1, nº3. Acesso em 09/07/2009 às 22:15h em  

http://www.ead.fea.usp.br/cad-pesq/arquivos/C03-art06.pdf

Arquivo da Revista