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Chão Urbano

Chão Urbano ANO X – N° 3 MAIO / JUNHO 2010

01/06/2010

Integra:

ANO X – N° 3  MAIO / JUNHO 2010

Editor

Mauro Kleiman

 

Publicação On-line

Bimestral

 

Comitê Editorial

Mauro Kleiman (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)

Márcia Oliveira Kauffmann Leivas (Doutoranda em Planejamento Urbano e Regional)

Maria Alice Chaves Nunes Costa (Dra. em Planejamento Urbano e Regional)

Viviani de Moraes Freitas Ribeiro (Dra. Planejamento Urbano e Regional IPPUR/UFRJ)

Luciene Pimentel da Silva (Profa. Dra. – UERJ)

Hermes Magalhães Tavares (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)

Hugo Pinto (Prof. Dr. Universidade do Algarves – Portugal)

 

IPPUR / UFRJ

Apoio CNPq

LABORATÓRIO REDES URBANAS

LABORATÓRIO DAS REGIÕES METROPOLITANAS

 

Coordenador Mauro Kleiman

 

Equipe

Aline Alves Barbosa da Silva, Carolina Rezende Kroff, Priscylla Conceição Guerreiro dos Santos, Fernanda Colmenero de Melo e Moura, Natalia Andrea Urbina Castellón

 

Pesquisadores associados

Audrey Seon, Humberto Ferreira da Silva, Márcia Oliveira Kauffmann Leivas, Maria Alice Chaves Nunes Costa, Viviani de Moraes Freitas Ribeiro, Vinícius Fernandes da Silva


Artigos

O significado das propostas de infra-estrutura do Plano Agache e seu impacto no Rio de Janeiro: A questão da infra-estrutura de habitabilidade

 Mauro Kleiman

 

Resíduos Urbanos: O Programa “Pacto pelo Saneamento”

Viviani de Moraes Freitas Ribeiro

 

Integração do Planejamento Urbano e de Recursos Hídricos pela Sustentabilidade Ambiental

Luciene Pimentel da Silva

 

 

O significado das propostas de infra-estrutura do Plano Agache e seu impacto no Rio de Janeiro: A questão da infra-estrutura de habitabilidade

Mauro Kleiman

 

Para que possamos apontar os significados das propostas de infraestrutura do Plano Agache e seu impacto no Rio de Janeiro no caso da habitabilidade, assinalamos inicialmente nossa concepção de infraestrutura, pois será a partir desta que analisamos o quadro que encontramos no momento do Plano. Nossa linha de investigação insere-se no campo teórico e prático do tratamento da infra-estrutura não como objeto de estanque, mas como processos articulados em rede, compreendidas como forma de organização que conjuga possibilidades técnicas com atendimento social de um território dado, e seus nexos com o processo de urbanização. Assim sendo, à compreensão corrente de infra-estrutura como objeto de técnica e suas funções econômicas que conduz a seu tratamento como objeto isolado, incorporamos as dimensões topológica, cinética e adaptativa, e social, que permitem pensá-lo como objeto sócio-técnico estruturador dos fluxos necessários a cidade/território contemporânea inserindo sua relação com o território (em geral) e o espaço urbano. A infra-estrutura pensada como processo em rede propicia a criação de um território urbano, posto que produzindo a base material da cidade confere-lhe condições de uso e habitabilidade através do relacionamento da variável técnica (com suas diferentes possibilidades) e o atendimento social, por meio da prestação de serviços urbanos: de água, esgoto, gás, eletricidade. A palavra chave das redes trata-se de conexidade, pois ela coloca em relação os diferentes elementos do espaço urbano como moradia, comércio, fábricas... mas, não apenas como meio de técnico de ligação física para acesso e uso dos serviços, mas como relação organizada de elementos sócio culturais e artificiais podendo ser tomada como um equipamento de solidarização urbana, porque coloca em relação física os elementos da cidade, mas também em relação social, pois suas ligações implicam em ligação social na medida em que institui os indivíduos como sócio dos serviços. A conexidade está articulada a homogeneidade, ou seja, que a matéria que flui na rede o faça sem perdas e/ou obstáculos para uma transmissão plena.

O Plano Agache se fundamenta numa visão de que a infra-estrutura é um elemento promotor de um funcionamento adequado da cidade. Neste sentido, existe ainda um tratamento de infra-estrutura mais como objeto técnico e suas funções econômicas. A palavra chave no Plano Agache para infra-estrutura é eficiência, a busca da cidade eficiente, não existindo ainda a compreensão plena de infra-estrutura como objeto sócio técnico, de maneira explícita. Contudo, observa-se que o Plano trabalha com as dimensões de habitabilidade (água, esgoto, inundações) elevando esta dimensão de infra-estrutura “dissimulada nas profundezas do solo” então até hoje tomadas como subalternas ao papel de “órgãos essenciais da vida da cidade” o que é uma percepção inovadora, e combinado a dimensão da circulação, busca pensá-las e beneficiar todo o espaço urbano sem discriminar ou privilegiar determinadas áreas da cidade (diversamente de sua proposta de diferenciação de áreas de moradia pelas classes sociais), e mais ainda, quando associa às suas propostas uma prospectiva metropolitana incluindo Niterói, cidades serranas e a extensão para a periferia, percebendo que a cidade já tinha um âmbito territorial mais amplo que aquele atendido pela infra-estrutura existente, além da verificação de sua insuficiência em relação ao momento da década de 20/30 e as pressões de crescimento demográfico e área de abrangência. Tem assim, uma percepção de configuração ideal para o conjunto de aglomerações que evitaria sua descontrolada dispersão, procurando ao mesmo tempo um equilíbrio para evitar concentração exagerada, possibilitando um melhor aproveitamento e eficácia, relação custo benefício das infra-estruturas de água, esgoto e transportes.

O Plano Agache trabalha com uma visão tanto para habitabilidade, água e esgoto, como para a circulação (viário, ferroviário, aquaviário e aéreo) já integrando uma noção de rede a partir da sua explicitação da necessidade de conexidade de conectar os elementos do espaço urbano. Fundamenta-se numa visão de conjunto ainda que esta seja no estanque ao interior de cada dimensão: existe uma visão de conjunto do ambiente urbano para a questão da água, esgoto e escoamento de águas pluviais, e outra para a questão dos transportes. Nota-se, para os transportes um entendimento mais claro das interfaces entre estes e de uma relação com o território e seus decorrentes impactos; e apesar de um enfoque global sobre a questão de que esgoto e inundações sob a ótica higienista nota-se um entendimento e tratamento ainda de certa forma estanque entre água e esgoto e inundações. Tem-se uma visão do conjunto de problemas ou “patologias“ que afetam o desenvolvimento adequado da urbe, e propõem-se soluções concretas para a infra-estrutura com um horizonte de meio século, o que caracteriza de fato um plano de infra-estrutura para o Rio.

O quadro de infra-estrutura à época do Plano Agache guarda relação com suas propostas. A observação e diagnóstico que o Plano Agache faz da situação da infra-estrutura, utiliza-se do instrumental racional-funcionalista para precisar a situação e propor soluções. A qualificação do quadro de infra-estrutura de habitabilidade de água e esgoto encontrado por Agache no Rio de Janeiro tomando nossa concepção de infra-estrutura é que o abastecimento d’água tinha nível de baixa conexidade, ou seja, não atendia de maneira completa o âmbito urbano, apresentava volume insuficiente para o atendimento da população, com déficit permanente de água, pressão oscilante, alto índice de desperdício e perdas (50%), e apresentava bloqueios e rupturas, ou seja, tinha baixa homogeneidade.

O abastecimento era feito por redes construídas no século XIX/início do XX com captação por pequenas barragens de alvenaria, não tinham bacia de acumulação, dependiam do regime de chuvas, o que levava às famosas faltas de água, as águas eram consideradas puras, sendo seu tratamento feito apenas por decantação, e barramentos de ferro para conter o lixo; tinha reservatórios construídos no século XIX, e apenas no século XX fazem-se reservatórios com maior capacidade dotando a cidade de um sistema de controle de distribuição. Existe um sistema de manobras manuais na rede para desviar o abastecimento de um ponto a outro, e grandes problemas de abastecimento no final das linhas e pontos altos nas décadas de 1920 e 1930 com grande déficit de abastecimento.

Apesar do contexto e diagnóstico sobre a insuficiência e problemas de abastecimento de água e de uma proposição de remodelação completa de rede e reservatórios acumuladores e regulatórios e de previsão de crescimento de 250 litros diários/habitante (que é mais ou menos a demanda e utilização que se tem hoje), os projetos realizados à época cobriram apenas parte das necessidades existentes, e a curto prazo seriam de novo insuficientes. A proposta do Plano seria a de grandes barragens e reservatórios no Maciço da Carioca, refutando a ideia da busca de mananciais mais abundantes e regulares mais afastados, que é o que de fato veio a ocorrer com as primeira e segunda adutoras de Lages, a primeira em 1936/37 quando o déficit já era de 200 milhões de litros/dia. Estas adutoras são em tubos de concreto e a com a segunda adutora de Lages tem-se mais 215milhões/dia o que só cobre o déficit. Com a construção da primeira adutora do Guandu tem-se mais 380 milhões de litros/dia, mas só atende a Zona Sul, e será somente com a técnica de adutora em rocha com a segunda adutora do Guandu, nos anos 1960 que se tem mais 2,4 bilhões de litros/dia, e uma rede mais conexa e homogênea com forte pressão, relacionando os diferentes elementos do território urbano/metropolitano, ainda que parte da Baixada Fluminense, favelas partes altas, e Zona Oeste continuem tendo problemas, e persistam graves desperdícios e perdas de água (40%).

Como o Plano Agache propunha uma configuração territorial mais compacta, ele não previa a necessidade de abastecimento de água de uma metrópole estendida, nem com a população de hoje de 11 milhões de habitantes e sua expansão para Niterói, São Gonçalo, Itaboraí e Baixada Fluminense.

Quanto à rede de esgoto, a então existente concedida à empresa City of Iprovements até 1947, tinha características de fraca conexidade não relacionando todos os elementos do espaço urbano, tendo sido construída no século XIX sem um plano de conjunto que abrigasse toda a área urbana cobrindo no máximo 50% da mesma área urbana, e assim mesmo apenas onde existisse demanda solvável. Era uma rede parcial, com baixa homogeneidade, funcionando por gravidade, com pouco declive, passava por fundo de terrenos e sobre prédios, tinha poucos poços de visita, apresentando importantes obstruções, e tratamento apenas sumário por grade de barras de limpeza manual. A City, sendo empresa privada, colocou a rede apenas onde existia demanda solvável, ou seja, quem pudesse pagar pelo serviço, atingindo assim, apenas áreas de maior renda. Com o crescimento da cidade, o percentual da área atendida foi sendo cada vez menos abrangente.

A proposta do Plano Agache para a rede de esgotos, dada a situação encontrada, é mais radical que no tocante a de água, pois propõe sua transformação completa, tanto quanto a sua gestão, que sairia da esfera privada para a pública, quanto em relação ao âmbito territorial de sua alocação, que se estenderia para a área urbana já então expandida da cidade, incluindo os subúrbios, mas sem ainda estender-se para um âmbito metropolitano. Incluía também mudança de métodos, substituindo-se totalmente a rede antiga, e lançando-se o esgoto em pontos no mar ou baía em volta do litoral dividindo-a a zona urbana em três zonas, cada qual com sua rede em sistema separativo e com estações receptoras para limpeza automática e estação de tratamento (cobrindo a área do Rio Comprido até Leblon; Rio Comprido até Jacaré e Zona do Subúrbio).

A concessão a City só vai caducar em 1947 e a proposta do Plano irá ser executada de maneira parcial através de construção de rede pelo Governo Federal em 1934 (rede mais elevatória) na Zona Sul então em expansão para Leblon, Ipanema, Lagoa, Gávea e Urca; e em 1937 na Zona da Leopoldina com uma primeira estação de tratamento na Penha em 1940/43. Áreas de favelas, loteamentos da Baixada Fluminense permanecem com ausência de coleta de esgoto. E o lançamento de esgotos continua sendo até o final dos anos 1960 grande parte sem tratamento ou com tratamento primário na baía e no mar, até quando se constrói o interceptor oceânico da Glória a Ipanema, e o emissário submarino. Só recentemente temos a nova estação de tratamento da Alegria, e a introdução em andamento da rede de tratamento e emissário da Barra e adjacências, permanecendo ainda problemas de esgotamento da Zona Oeste “pobre” em Bangu, Campo Grande, e áreas próximas; e persistência de ausência ou precariedade nas áreas de renda baixa.

Já com relação ao problema detectado das inundações urbanas, este aspecto recebe tratamento em separado da questão de água e esgoto, dado que a rede então existente de escoamento de águas pluviais não conseguia evacuá-las, o Plano Agache busca apresentar propostas de solução abrangente com fixação de terrenos, redução do volume das águas das grandes chuvas por reordenamento por valetas de esgotamento e pequenas barragens e tanques reservatórios nas fraldas das vertentes; e regularização do regime dos rios de cada bacia (diminuindo o fluxo no período de chuvas, e aumentando-os na estação seca) e canais de derivação. As medidas propostas, contudo, não foram implantadas, e na realidade as inundações permaneceram ao longo do tempo nos mesmos pontos até hoje, agravando-se pelo adensamento da cidade a impermeabilização, e pela ocupação descontrolada e desmatamento dos morros, acelerando assim, a descida das águas das chuvas e material orgânico.

Sobre os impactos do plano Agache na questão da infra-estrutura de habitabilidade do Rio de Janeiro podemos, então, apontar que tendo em vista suas propostas observa-se que são executadas, por vezes não exatamente como o Plano indica, ou no lugar onde indica, mas mais importante ainda, no tocante a infra-estrutura refere-se, a meu juízo, à base conceitual trazida pelo Plano, a um novo entendimento sobre o papel de infra-estrutura na estruturação de uma urbe de uma metrópole então em formação como no caso do Rio de Janeiro. Agache trabalha com a ideia que a infra-estrutura é um equipamento de articulação da estrutura urbana que possibilitaria destravar, desbloquear os entraves verificados para a constituição de uma cidade eficiente. Neste sentido, tanto as propostas de água e esgoto (como os de rede viária e ferroviária) transpassam os perímetros das diferentes zonas estabelecidas para a cidade. Apesar deste entendimento, suas propostas para abastecimento de água, dado talvez sua preocupação em não estender demasiadamente a área urbana, conduziu-o a propor aumentar o volume oferecido com os mananciais já existentes, quando a necessidade para a metrópole já era muito mais ampla, e a solução diversa da sua proposta foi buscar aduções mais abundantes e regulares fora do Rio de Janeiro.

Cremos que o Plano Agache tinha um entendimento avançado do que seja infraestrutura enquanto processos articulados em rede, pois, um funcionalista stricto-sensu estabeleceria infra-estrutura em relação com as atividades e funções inerentes a cada zona. Por outro ângulo, um funcionalista teria que raciocinar igualmente que como separou, fragmentou a cidade em áreas de especificidade, a infraestrutura seria aquele equipamento que articularia as partes.

O Plano Agache traz uma contribuição conceitual importante em relação a visão de infraestrutura de habitabilidade entendida como elemento estruturador e não subalterno à configuração da urbe. Ao buscar, principalmente, compreender e propor sua ampliação por rede completa integrada ao âmbito já então expandido da cidade, e mesmo que para a água aponte soluções parciais, trata-se de um plano geral contendo todas as etapas de um planejamento, algo ausente no momento atual apesar da enorme e complexa metrópole do Rio de Janeiro. A persistência atual de graves problemas de conexidade e homogeneidade das redes de água e esgoto da metrópole, inclusive com sua não universalização, mostra como Agache percebeu sua importância social estruturante e integrada, ao invés da continuidade de seu entendimento apenas como objeto técnico e uso compartimentado.

 

Resíduos Urbanos: O Programa “Pacto pelo Saneamento”

Viviani de Moraes Freitas Ribeiro

 

Dois dos grandes problemas ambientais da atualidade são o armazenamento, o tratamento e a destinação final dos resíduos urbanos (sólidos, líquidos ou gasosos), sub-produtos originados dos processos econômico-sociais das sociedades de consumo, que contribuem para o aumento do consumo dos recursos naturais.

Surge, assim, a necessidade da criação de soluções adequadas para mitigar os riscos para a saúde e para o meio ambiente. Nesse sentido, o planejamento urbano busca amortizar os problemas provenientes do crescimento da população e, principalmente, de sua concentração nas cidades, desenvolvendo, assim, ações mais curativas do que preventivas no que diz respeito ao fornecimento de serviços públicos e equipamentos urbanos.

O saneamento deve ter um caráter preventivo com o objetivo de proporcionar a população condições de vida dignas que lhe garantam a saúde. Segundo a Organização Mundial de Saúde – OMS, saneamento “é o controle de todos os fatores do meio físico do homem, que exercem ou podem exercer efeitos nocivos sobre seu bem estar físico, mental e social” e saúde “é o estado de completo bem estar físico, mental e social, e não apenas ausência de

doença”.

A Constituição Federal, especificamente em relação ao saneamento, determina “ser atribuição do sistema único de saúde participar da formulação da política e da execução de ações de saneamento”. Estabelece, também, “ser competência da União instituir diretrizes para o setor, na perspectiva do desenvolvimento urbano, e do município organizar e prestar os serviços públicos de interesse social” (FMS, 1995, p. 13 e 17).

De acordo com Ascelrad (2001), “o que caracteriza as cidades contemporâneas, sob os efeitos da globalização, é justamente a profunda desigualdade social na exposição aos riscos ambientais”. Para esse autor, “além das incertezas do desemprego, da desproteção social e da precarização do trabalho, os trabalhadores (...) têm acesso também desigualmente aos recursos ambientais como água, saneamento e solo seguro (ACSELRAD, 2001, p. 23).

O planejamento deve ser constituir-se em um instrumento de democratização no processo de estruturação e de requalificação urbana, em especial quanto à questão do saneamento ambiental e do armazenamento, do tratamento e da disposição final do lixo, de modo participativo e com vistas a beneficiar toda a população. Nessa linha de pensamento, o Governo do Estado do Rio de Janeiro, lançou o Programa Pacto pelo Saneamento com a meta de acabar com os lixões e ampliar a coleta de esgoto da população fluminense de 25% para 80%, em um prazo de 10 anos.

Segundo as informações publicadas no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, em 18 de junho de 2010, “o pacto é composto por dois sub-programas: Rio + Limpo, de esgotamento sanitário, cuja meta é coletar e tratar 80% de esgoto no estado em 10 anos ( hoje 60% da população possui coleta, mas apenas 30% são tratados) e Lixão Zero, da erradicação dos lixões, que pretende construir aterros sanitários e remediar lixões em todo o Estado, envolvendo, ainda, a rede de coleta de lixo, inclusive apoiando as prefeituras nesse serviço, em geral, deficiente” (D.O. 18/06/10).

Programa Pacto pelo Saneamento oferece incentivos financeiros e apoio técnico aos municípios para implantar sistemas sustentáveis. Entretanto, de acordo com o Vice-governador, Luiz Fernando Pezão, o estado só não avançou mais, “não apenas no meio ambiente, como em todas as outras áreas, por falta de mais projetos”. Com relação aos dados apresentados pelo governo, entre 2007 e 2009, foram investidos R$ 480 milhões nesses sub-programas. Deste montante, já foram investidos R$ 260 milhões no Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG) e no Programa de Saneamento da Barra da Tijuca e Jacarepaguá (PSBJ). Atualmente, outros R$ 150 milhões estão sendo aplicados em ambos os programas” (D.O. 18/06/10).

Toda e qualquer iniciativa voltada a ampliação do acesso aos recursos ambientais como água, saneamento e solo seguro é bem vinda e necessária. Entretanto, cabe ressaltar a importância dessa proposta do governo voltada a elaboração de projetos sustentáveis por parte dos municípios com recursos estaduais, na proposição ações preventivas e, não somente curativas, com vistas a evitar ou minimizar a degradação ambiental e de modo a integrar o saneamento ao planejamento territorial, em prol da melhoria das condições de vida da população.

 

Bibliografia:

ACSELRAD, Henri (Org.). A duração das cidades: sustentabilidade e risco nas políticas urbanas. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE. Ministério da Saúde. Manual de saneamento. Brasília, 1999.

Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro. Estado assina convênios para sanear e acabar com lixões. Guedes de Freitas, 18 de junho de 2010.

 

Integração do Planejamento Urbano e de Recursos Hídricos pela Sustentabilidade Ambiental

Luciene Pimentel da Silva

 

A população urbana no mundo tem crescido bem mais do que a população rural, provocando o crescimento das cidades sem planejamento, sobretudo das áreas adjacentes, chamadas de peri-urbanas. No Brasil, a população urbana já supera os 80% (Ministério das Cidades, 2003). Os efeitos desse crescimento urbano sem planejamento suficiente materializa-se na paisagem urbana, sobretudo nas grandes cidades do chamado mundo em desenvolvimento. A gênese dos problemas é difusa, com origens nas fragilidades das políticas públicas, mas também com fortes componentes culturais e sócio-econômicos. São inúmeros os impactos, mas destaca-se a saúde coletiva e a qualidade de vida dos “habitantes urbanos”. 

Ao final da década de 90, a política e o sistema nacional para gestão de recursos hídricos foi re-direcionado com a promulgação em 1997 da lei federal 9433. Destaca-se entre seus fundamentos a determinação de que a unidade territorial para implementação da política e de atuação do sistema nacional para a gestão dos recursos hídricos seja a bacia hidrográfica[1]. Determina ainda, que a gestão seja feita de forma descentralizada e contando com a participação do poder público, dos usuários e das comunidades, além de apresentar como objetivos, assegurar à atual e futuras gerações disponibilidade de água em padrões de qualidade adequados, a utilização racional e integrada dos recursos hídricos para promoção do desenvolvimento sustentável e, a prevenção e defesa contra eventos hidrológicos críticos, como cheias, enchentes e secas, naturais ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais. Entre as diretrizes para que estes objetivos sejam alcançados estão a adequação da gestão dos recursos hídricos às carcateríticas locais (físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais) e a integração entre a gestão de recursos hídricos e a gestão ambiental, de uso e ocupação do solo, com os setores de usuários, assim como com o planejamento nos níveis regional, estadual e nacional. Destaca-se ainda, que a lei só prevê bacias e cursos d´água associadas ao domínio Federal e Estadual. Ou seja, não são reconhecidos na lei cursos d´água ou bacias municipais.

Destaca-se neste conjunto de políticas, o fato de que embora o uso e a ocupação do solo seja disciplinado por políticas federais e estaduais, o crescimento da população urbana, acaba por depositar no poder municipal forte peso no controle da ocupação do solo. Soma-se a este fato a necessidade estabelecida na lei de adequação das políticas de gestão de recursos hídricos às características locais. Levando a gestão dos recursos hídricos à aproximação do nível ou escala em que ocorre o planejamento urbano. Assim, ao determinar que a gestão de recursos hídricos seja integrada à política de uso e ocupação do solo, a lei 9433 acaba por promover a necessidade de integração do planejamento urbano à gestão dos recursos hídricos. Dada a preponderância dos habitantes das cidades em detrimento aos demais, torna esta integração ainda mais premente. Já que entre outros, o planejamento urbano busca fornecer a infra-estrutura urbana necessária para habitação das cidades, como drenagem, abastecimento de água, esgotos sanitários e coleta do lixo, conjunto atualmente denominado de saneamento ambiental; e, a gestão dos recursos hídricos também tem que está associada à gestão ambiental – mais uma vez identifica-se superposição de objetivos no planejamento urbano e na gestão de recursos hídricos.

Para que a integração ocorra de forma mais plena, entende-se que o planejamento urbano necessita associar o espaço de planejamento urbano de forma coerente à área da bacia hidrográfica. Ainda, que a oferta da infra-estrutura seja adaptada de forma mais estreita à realidade local. Induzindo o “pensador” do espaço urbano a considerar a distribuição espaço-temporal dos recursos naturais. A água e suas políticas de gestão podem concretizar o controle do crescimento urbano à oferta da água e de outros recursos naturais a ela associados, contribuindo para a sustentabilidade ambiental. Adicionalmente, observa-se que os parâmetros urbanísticos estão mais associados a questões estéticas e culturais do que à concretude da oferta de recursos naturais. Suscita-se pela criação de indicadores ou indexadores da ocupação urbana associados à gestão dos recursos hídricos, limitados pelas ofertas pluviométricas anuais, capacidades de armazenamento dos solos, escoamentos e características climáticas.

Nesta “onda”, surge o LIUDD (Low Impact Urban Design and Development), traduzido neste texto como DDUBI (Desenho e Desenvolvimento Urbano de Baixo Impacto). Também reconhecido na literatura internacional como Water Sensitive Design and Development Techniques.

O DDUBI propõe a descentralização da infra-estrutura urbana que passa a ser dimensionada com base no ciclo hidrológico e nos recursos hídricos disponíveis nas bacias hidrográficas, no restabelecimento da vegetação nativa, oportunizando áreas de infiltração, e retorno à medida do possível, dos ecossistemas naturais. A infra-estrutura dimensionada localmente, ou seja, o abastecimento de água, o lançamento de efluentes e a gestão e tratamento dos resíduos sólidos sejam feitos dentro dos limites da bacia hidrográfica e na medida do possível, de forma descentralizada. Usando as águas pluviais como força motriz do ciclo hidrológico e resultado do forçante climático, esta onda DDUBI propõe que seja feita a gestão das águas pluviais, ou seja, o que a engenharia de recursos hídricos e o planejamento da infra-estrutura urbana, de forma conservadora trata como problema (águas pluviais e escoamentos superficiais) é convertido em fonte de recursos. De acordo com o DDUBI, os princípios básicos a partir do qual as estratégias de desenvolvimento devem ser formuladas caso a caso podem ser resumidos em: (i) Trabalhar com a natureza e não contra ela; (ii) Minimizar o uso de energia e de materiais; (iii) Gerenciar as águas pluviais de maneira a imitar a natureza; (iv) Criar conexões entre áreas e pessoas; (v) Trazer a natureza de volta às areas urbanas; (vi) Buscar soluções descentralizadas para saneamento ambiental.

O LIUDD ou DDUBI tem sido empregado com sucesso, tanto em áreas em desenvolvimento, quanto no re-desenho de bairros já consolidados, por exemplo, na cidade de Portland nos Estados Unidos, em Melbourne na Austrália e Auckland na Nova Zelândia. Para gestão das águas pluviais, são empregados reservatórios de águas pluviais, telhados verdes, pavimentos permeáveis, jardins urbanos, entre outros. Observa-se também que a adoção destas estruturas apresentam-se como novas oportunidades de negócios e emprego de novos materiais. Isto implica na necessidade de adaptação do mercado e uma quebra de espécie de paradigma cultural arquitetônico e construtivo. Ressalta-se que estas estruturas suscitam maior participação e manutenção para seu correto funcionamento. Se empregadas de forma particpativa, promovem uma desejada sinergia pelo pensamento ambiental-sustentável.

Mas não é só a forma de lidar com os excessos pluviais que se diferenciam no DDUBI, também a maneira de pensar o suprimento de água, destinação de esgotos e efluentes, assim como a destinação do resíduo sólido. A proposta é que todos os serviços estejam associados à própria região hidrográfica. São minimizados longas linhas de dutos pelas cidades, que na atualidade, com a dinâmica de crescimento das populações urbanas nunca parecem ser suficientes. Observa-se que o transporte do lixo também é minimizado, seus impactos acabam sendo distribuídos, promovendo maior observância de suas consequências. Todos estes serviços promovem impactos na geração de empregos em serviços, que indiretamente repercutem na necessidade de deslocamento de pessoas e transporte. Impactam ainda de forma positiva nas necessidades energéticas.

O DDUBI naturalmente promove a integração do planejamento urbano à gestão dos recursos hídricos na direção do desenvolvimento sustentável. É especialmente atrativa sua aplicação em áreas urbanas periféricas, ainda em desenvolvimento. As necessidades de investimento público na infra-estrutura urbana é diminuída e, de certa forma, é descentralizada. Há ainda um catalizador do DDUBI, constituído por novos materiais construtivos com aproveitamento de resíduos e otimização de gastos energéticos, a chamada arquitetura ecológica ou sustentável. Várias dessas idéias e políticas públicas neste sentido já estão em materialização. No entanto, para sua concretude e sustentabilidade futura é preciso promover educação ambiental focada também nos adultos, apropriar de perto os fatores de sucesso e suas lacunas, para que as mesmas possam ser redirecionadas, promovendo a tão desejada qualidade de vida nos centros urbanos.



[1] Bacia hidrográfica é uma área de captação natural da água da precipitação que faz convergir os escoamentos por uma única saída, seu exutório. É delimitada topograficamente e é formada por um curso d´água principal, que geralmente lhe dá o nome, e seus afluentes.

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