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Chão Urbano

Chão Urbano XXII N°5 SETEMBRO/OUTUBRO DE 2022

01/02/2023

Integra:

Chão Urbano ANO XXII Nº 5 SETEMBRO/OUTUBRO DE 2022

Editor

Mauro Kleiman

Publicação On-line

Bimestral

Comitê Editorial

Mauro Kleiman (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)

Márcia Oliveira Kauffmann Leivas (Dra. Em Planejamento Urbano e Regional) Maria

Alice Chaves Nunes Costa (Dra. Em Planejamento Urbano e Regional) – UFF Viviani de

Moraes Freitas Ribeiro (Dra. Planejamento Urbano e Regional IPPUR/UFRJ) Luciene

Pimentel da Silva (Profa. Dra. – UERJ) Hermes Magalhães Tavares (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)

Hugo Pinto (Dr. Em Governação, Conhecimento e Inovação, Universidade de Coimbra – Portugal)

Editora Assistente Júnior

Gabriela Hafner e Celine Santos de Andrade

IPPUR / UFRJ

Apoio CNPq

LABORATÓRIO REDES URBANAS LABORATÓRIO DAS REGIÕES METROPOLITANAS

Coordenador

Mauro Kleiman

Equipe

Gabriela Hafner e Celine Santos de Andrade

Pesquisadores associados

André Luiz Bezerra da Silva, Audrey Seon, Humberto Ferreira da Silva, Márcia Oliveira Kauffmann Leivas, Maria Alice Chaves Nunes Costa, Viviane de Moraes Freitas Ribeiro, Vinícius Fernandes da Silva, Priscila Loretti Tavares.

 

Texto

Incorporação imobiliária e infraestrutura de transportes na reconfiguração dos subúrbios do Rio de Janeiro: o papel dos micro e pequenos incorporadores

Mauro Kleiman ¹

¹ Prof. Titular da UFRJ

 

 Resumo

O artigo trata da atividade da incorporação imobiliária face a introdução de mudanças na infraestrutura de transportes nos modais ferroviários e automotivos no Rio de Janeiro, focando em seus impactos nos subúrbios, onde se desvela a ação de micro e pequenos incorporadores, obscurecidos pela ênfase e visibilidade da ação em empreendimentos de grande porte nas Zonas Sul , parte da Norte e Centro , é desvelada em sua existência empreendimentos como agentes da produção de importante parcela do parque imobiliário dos subúrbios da cidade. A operação do metrô, da via expressa Linha Amarela, e do BRT Trans carioca, e o contexto adjunto de implantação de novo tipo de comércio, no entanto, atrai incorporadores de grande porte para esta áreas da cidade realizando uma reconfiguração dos subúrbios, conduzindo, novamente ao obscurecimento dos micros e pequenos incorporadores, embora sua ação produtora de parte do parque imobiliário dos subúrbios permaneça.

 

Palavras-chave: Incorporação imobiliária, infraestrutura de transportes, micro e pequenos incorporadores, reconfiguração dos subúrbios, Rio de Janeiro

 

Abstract

The article deals with the activity of real estate development in view of the introduction of changes in the transport infrastructure in the rail and automotive modes in Rio de Janeiro, focusing on its impacts in the suburbs, where the action of micro and small developers is revealed, obscured by the emphasis and visibility of the action in large enterprises in the South, part of the North and Center Zones, is revealed in its existence and enterprises as agents of the production of an important portion of the real estate park in the suburbs of the city. The operation of the subway, the Linha Amarela expressway, and the BRT Transcarioca, and the associated context of implementing a new type of commerce, however, attract large developers to these areas of the city, carrying out a reconfiguration of the suburbs, leading, once again, to the obscuring of micro and small developers, although their action producing part of the housing stock in the suburbs remains.

Keywords: Real estate development, transport infrastructure, micro and small developers, suburban reconfiguration, Rio de Janeiro

 

1-Introdução

A infraestrutura de transporte com sua capacidade de ligar um ponto da cidade a outros pontos por diferentes caminhos e modais, sejam estes automotivos – com a base em estradas, ruas, avenidas e vias expressas, propiciando o movimento de automóveis particulares, ônibus e o modelo de ônibus rápido em vias segregadas( BRT), ou ferroviários com suas vias eletrificadas levando ao deslocamento de trens, metrô e veículo leve sobre trilho (VLT), tem se colocado como um dos vetores para a atuação mais recente – de meados dos anos 1980 até hoje- da incorporação imobiliária nos subúrbios do Rio de Janeiro.

Inicialmente, se deve assinalar que a denominação de subúrbios era atribuída a todos os lugares no entorno das estações de trem e entre as linhas da Estrada de Ferro Central do Brasil e da Leopoldina. Estas duas linhas, constituídas ainda no Segundo Império no século XIX ,faziam, a primeira, a ligação entre Rio e São Paulo, e a segunda ligava o Rio a Minas Gerais.

A Central tem ramal de ligação com Santa Cruz na zona Oeste do Rio, com seguimento até Mangaratiba (hoje extinto) e um “nó” em Deodoro que se ramifica no ramal de Japeri que fazia a ligação para a passagem de Barra do Piraí em direção ao Vale do Paraíba e São Paulo. Foi construída por capital inglês visando a ser parte de rede ferroviária de escoamento da produção cafeeira, mas também desde logo dedica-se ao transporte de passageiros. Em seu caminho vários subúrbios do Rio se consolidaram como Méier, Madureira, Bangu, Campo Grande, Santa Cruz, entre outros; e no ramal Japeri destacam-se Nilópolis, Mesquita, Nova Iguaçu. Tem também a chamada Linha Auxiliar que demanda a Belford Roxo

Já a Leopoldina toma a direção do contorno da baía da Guanabara consolidando os subúrbios de Ramos, Bonsucesso, Olaria, Penha, e já fora dos limites do Rio, Duque de Caxias, e as cidades serranas de Petrópolis e Teresópolis, e Juiz de Fora já em Minas Gerais chegando a Belo Horizonte. Também existiu uma linha envolvendo a baía fazendo a ligação ferroviária entre Rio e Niterói passando por Magé e São Gonçalo, linha esta extinta, mantendo-se apenas ligação via Gramacho até Guapimirim.  

No início os transportes por trem seriam feitos a vapor sendo que a partir de 1934 implantam-se linhas eletrificadas aumentando as velocidades dos trens e suas capacidades de número de passageiros.

Por outro lado, o Rio instala através de empresas estrangeiras, paulatinamente, o que virá a ser das mais extensas e completas redes de bondes do mundo com veículos elétricos servindo de conduto à criação de loteamentos nos então areais de Copacabana, Ipanema e Leblon, na Zona Sul da Cidade e Vila Isabel na Zona Norte, sendo forte indutor do crescimento da Tijuca, tendo no Centro da cidade seu ponto de transbordo no largo da Carioca. Deste “nó” quem vinha da zona Sul podia pegar outro veículo para a zona Norte dos subúrbios como Méier, Cascadura, Madureira( entre outros), e das estações destes subúrbios e dos da Zona Oeste saíam linhas de bondes na direção de bairros não servidos por trens como Tanque, Taquara, Pechincha e Freguesia , e às ruas internas de Campo Grande, por exemplo, constituindo-se verdadeira malha de possibilidades de movimentos. (para maiores informações e análises sobre o papel de bondes e trens na urbanização do Rio de Janeiro ver Abreu, 1978).

Assina-lhe, igualmente, o papel das antigas estradas de penetração dos subúrbios , que em parte acompanham o traçado das vias férreas, e de outro lado “ costuram parte das áreas suburbanas para além das proximidades das estações de trem: as avenidas Automóvel Club ( atual Av. Martim Luther King ) e a avenida Suburbana( atual Av. Dom Helder Câmara), que propiciaram o deslocamento de modalidades automotivas- carros particulares, ônibus e lotações pelo interior da malha viária que configuram os subúrbios do Rio. Inicialmente utilizadas por número reduzidos de veículos foram sendo alvo da possibilidade de acesso a moradias e comércios por um crescente exponencial destas modalidades automotivas e se transformaram, até os dias atuais em caminhos que propiciam a transformação dos subúrbios do Rio permitindo ampliar os deslocamentos individuais ou coletivos, ainda que nestes de forma atomizadas, para além dos trens e bondes, estes como transportes de maior capacidade.   .

Com base nessas redes de modalidades ferroviárias e avenidas de penetração se configurou um amplo parque imobiliário nos subúrbios do Rio que completa uma ocupação densa , ainda que de maneira geral horizontal, constituída de casas e pequenos prédios de dois andares, sob o comando de uma incorporação imobiliária de base rentista, ou seja que tendo excedente oriundo de suas atividades profissionais investem na construção de residências para aluguel em sua maior parte , ou para revenda como forma de reembolso de lucros oriundos da diferença entre o valor da construção da edificação e o de sua venda. Uma incorporação de indivíduos visando obter renda com o parque imobiliário constituindo, A produção , em geral então, é realizada por “mestres de obras” sem formação acadêmica formal, autodidatas, para venda ou aluguel dos imóveis; ou encomendadas a estes ou a grupos de trabalhadores informais com conhecimentos de “pedreiro”, por donos de terrenos nos subúrbios para residência própria ou aluguel para renda.

Outro produtor do espaço suburbano foi o Estado brasileiro ao construir conjuntos habitacionais primeiro através dos Institutos de seguridade por categoria profissional em várias áreas dos subúrbios do Rio.

Ressalte-se que ao lado desta importante produção de parque imobiliário formal, se implantam, se consolidam e crescem no seu interior e em grande número um enorme parque imobiliário informal- as moradias das Favelas da Leopoldina e da Central ( linha principal e auxiliar).

 

2- Os micros e pequenos incorporadores imobiliários e a reconfiguração do espaço construído dos subúrbios do Rio de Janeiro

Quando se discute a produção imobiliária no Rio, em geral, quase que automaticamente, são levadas em consideração as grandes empresas do setor, incluído a imprensa e o senso comum das pessoas, como sendo as principais ou mesmo “únicas” “produtoras “ da cidade e de suas transformações. De fato, se por um lado, são as grandes empresas as responsáveis pelas edificações mais “visíveis” na cidade, por seu porte monumental, maior número de pavimentos, e mais recentemente (como vamos assinalar na parte três do artigo) por empreendimentos que configuram-se até como similares a pequenos bairros, isto escamoteia, “nubla” o papel dos micro e pequenos incorporadores imobiliários na construção e transformação do parque imobiliário da cidade, notadamente nos subúrbios.

Em pesquisa que realizamos ( inicialmente sobre o período de 1979 a 1983 e que foi sendo atualizada até 2019)  encontramos dados reveladores destas figuras constituidoras de parte do parque imobiliário do Rio e procuramos desvela-los.(Kleiman,1985)

Se anota a existência de uma miríade de micros e pequenos incorporadores individuais que compõem entre 25% até 35% da produção total do parque imobiliário do Rio, enquanto que uma restrita franja de grandes incorporadores (5,4% do total) respondem por 42% dos empreendimentos e um grupo de médios incorporadores a quem cabem mais de um terço da produção edilícia. Tomado a área que acentuamos neste artigo- os subúrbios entre 40 a 50% da produção se devem aos micro e pequenos incorporadores. (para mais informações da pesquisa inicial ver Kleiman, 1985)

Então, embora de fato, poucos grandes empreendedores fazem quase a metade e os mais visíveis edifícios do Rio, a parcela do conjunto difuso de micro e pequenos incorporadores não se ressaltam na paisagem urbana, mas constroem parcela importante das moradias, e em se voltando o olhar para os subúrbios seu parque imobiliário se deve em parte expressiva, a metade ou quase 60% dele a estes incorporadores.

O perfil dos micro e pequenos incorporadores não é homogêneo, e em lugar da autonomia das diferentes funções encontradas na incorporação- projeto, construção, comercialização, etc, ( ver Topalov, 1968 e 1974) que são articuladas pela figura do promotor imobiliário que as “orquestra”,  se tem que uma expressiva parte deles (42,9%) que atua não organizada como empresa( são pessoas físicas atuando individualmente ou em forma de grupamentos associativos de pessoas físicas), e outra parte (57,1%) constituem empresas jurídicas, embora se observe que estas podem se resumir a um único empreendimento e se dissolverem , podendo retornar sobre esta forma em outra oportunidade, com o mesmo grupo de indivíduos ou não.

O perfil dos micro e pequenos incorporadores típicos( pois correspondem a 84% da amostra examinada revela que são: a) tem atividade meramente ocasional, resultado de observação de oportunidade de preço de terreno mais reduzido que a média normal, e menor preço de materiais para construção- obtidos , em geral, em barganhas com lojas destes produtos( areia, pedra, cimento, ferragens) cujos donos são seus familiares ou amizades ou com quem fazem acordo para pagamento a longo prazo ou por escambo com alguma unidade do prédio que realizam; b) são construtores, isto é, articulam a função de promotor “orquestrador” imobiliário apenas no momento da edificação , podendo utilizar como projetista ele próprio ou algum familiar que esteja se graduando em arquitetura ou engenharia, sendo a etapa de comercialização realizada também por ele mesmo; c) tem fonte de recursos próprios para fazer a edificação, em geral proveniente de excedentes obtidos em sua atividade profissional original, na maioria comerciante, e uma parcela bem menos expressiva, aproveitou recursos de financiamentos do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) repassados por bancos estatais( em geral provenientes da Caixa Econômica Federal) o que exigia que formalizassem a atividade de incorporação imobiliária.  Quando empresas se constituem como sociedades familiares, por vezes o faziam associando-se a terceiros, na maior parte familiares ou amizades de confiança; d) possuem capital próprio de dimensões limitadas, tendo de acumular excedentes de sua atividade principal por longo tempo até realizarem um empreendimento imobiliário o que os faz detentores de atividade ocasional, restrito a determinada área dos subúrbios(onde tem conhecimento da população ali residente, círculo de amizades com outros comerciantes e profissionais liberais(dentistas, médicos...) que preveem possam ser consumidores de seu produto. O prédio, fruto desta atividade ocasional tem, em sua maioria porte reduzido, composto de três a 4 andares sob pilotis para servir de vaga de garagem de carros, com um máximo de seis unidades por andar, composto na maior parte de apartamentos de sala e dois quartos com área máxima de 60 m ². Á este micro ou pequeno incorporador imobiliário ocasional que aproveita de determinadas circunstâncias atribuímos à sua prática o nome de “atirador”, ou seja, aquele que só efetua o “tiro” no momento que o risco é mínimo e máxima a possibilidade de lucro. Trata-se de um movimento muito rápido de fluxo e refluxo de capital excedente de sua atividade principal em direção à construção edilícia, não permanecendo no setor imobiliário o lucro auferido. A necessidade do “atirador” de acertar o alvo os faz buscar uma tática de inovação locacional, buscando entre as ruas da área que conhecem aquelas ainda sem edifícios e com alguma característica de “tranquilidade” como ruas com pouco ou nenhum bar, ainda arborizadas, etc.

Além deste incorporador típico pode se anotar a presença, reduzida  : a) aqueles que tem atividade mais estendida no tempo , mas por breve período- por 2 a três anos seguidos ou intermitentes. Estes últimos, os intermitentes, se caracterizam por um movimento de afluxo/refluxo/afluxo para a incorporação imobiliária. Parece “adormecer” sua atividade por determinados momentos, mas a retoma quando observa novas oportunidades conjunturais. Os denominamos de incorporadores “baleia”: emergem em momentos de chance de realização de lucro, e “submerge” nos momentos de refluxo da demanda. Em geral não trazem inovações no produto repetindo formatos de edificações e locacionais que lhes trouxeram lucros com determinada clientela restrita a faixa de renda de camada média ou média-média. Os de atuação mais reiterada de alguns anos seguidos são em geral de origem em corretoras de imóveis que aplicam seus excedentes de capital em edifícios com algum tipo de imóvel com inovação na fachada, na planta, em varandas mais largas, sendo que no atual século XXI, a partir dos anos 2000, trazem comodidades de lazer aos imóveis , como piscinas, quadra de esportes, visando atrair clientela de faixa de renda um pouco acima da média, com simulacros de imóveis construídos em zonas mais ricas como a Barra da Tijuca. Este reduzido grupo de incorporadores micros e/ou pequenos podem vir a ter um caminho de “sistematicidade” na atividade imobiliária podendo vir a “crescer” e se tornarem médios incorporadores.

Os efeitos da atuação dos micros e pequenos incorporadores são transformadores da configuração dos subúrbios do Rio, predominantemente ocupados por ruas com casas unifamiliares configurando mudança de uso para multifamiliar ao introduzir edifícios embora a maioria com 4 andares, mas já mais recentemente com edifícios de maior altura ( até de quinze andares) e número de unidades, marcando uma tendência de verticalização das áreas suburbanas, desmanchando a paisagem horizontalizada. Nota-se , também, mudança na tipologia da população que passa a habitar os subúrbios: antes lugar de camadas de renda familiar baixa até 5 salários-mínimos e agora com crescente aumento de habitantes de renda média de 5 a mais salários. Pelo menos  em parte existe uma anotação de alteração do perfil socioeconômico da população suburbana com uma parte da produção dos micros e pequenos incorporadores voltada para as camadas médias. Isto atrai comércio de maior porte como supermercados e mais serviços ( bancários e outros) modificando o que era pleno suburbano para bairros de antigos subúrbios.

 

3- Modificações na infraestrutura de transportes e comércio e seus impactos na incorporação imobiliária: os micro e pequenos incorporadores irão sobreviver ?

As modificações na infraestrutura de transportes na cidade do Rio de Janeiro com a introdução da modalidade ferroviária do Metrô, e a abertura da via expressa viária Linha Amarela, e da modalidade de ônibus no modelo BRT com a linha Trans carioca, implicam em forte fator que favorece mudanças nas ações da incorporação imobiliária e sua tipologia de agentes nas áreas suburbanas.

Á estas modificações de infraestrutura de transporte se soma a introdução de novo formato de comércio varejista, de nova modelagem como Shoppings sobre o formato de Mega-Centers e supermercados de grande porte(hipermercados).

Embora a introdução de novas infraestruturas de transporte tenham datas de início de operação diferenciadas (Expansão do metrô Linha 2 em 1981 só ia até S. Cristovão e Maracanã, em 1988 até Triagem e Engenho da Rainha, em 1994 a de Del Castilho, em 1996 Thomaz Coelho e Vicente de Carvalho, chegando em 1998 até a Pavuna já no limite entre o Rio e a Baixada Fluminense), a via expressa do modal automotivo Linha Amarela é aberta ao tráfego em 1997, e o BRT Trans carioca só entra em operação em junho de 2014, todos seus projetos e traçados já são de conhecimento da incorporação imobiliária que buscaram se antecipar na busca e compra de terrenos lindeiros à estes novos caminhos de deslocamento. Estes novos caminhos propiciam aos habitantes da cidade e da metrópole( caso dos habitantes da Baixada Fluminense que através da estação da Pavuna como a mais próxima deles podem acessar o Rio), notadamente no caso dos habitantes dos subúrbios a que servem ou atravessam, possibilidades de movimentos por diferentes modalidades de modais que vão da baixa capacidade de transporte(caso dos automóveis particulares) a alta capacidade através do metrô, passando pela média capacidade dos ônibus da modalidade BRT.

Anote-se que uma obra de infraestrutura viária na década de 1970, a Av. Radial Oeste sendo aberta em 1973 já tinha provocado uma alteração de acesso mais rápido ao subúrbio do Méier e bairros adjacentes ( no que viria a ser denominado pela incorporação imobiliária como “Grande Méier”), ainda que por meio de deslocamentos atomizados por uma miríade de autos particulares, taxis e ônibus. Ainda que por movimentos de baixa capacidade de transporte a via provocou uma importante alteração na correlação espaço-tempo reduzindo a viagem entre o Centro, Zona Norte e mesmo com a Zona Sul( através de outra obra muito importante o Túnel Santa Bárbara aberto ao trafego em 1963-primeiro túnel urbano de grande extensão no Rio, que propiciou a ligação de bairros da zona sul aos da norte sem passar obrigatoriamente pelo Centro como era até então)e os subúrbios do Rio provocando inúmeras ações da incorporação com a construção de edifícios de maior número de pavimentos (8 até 12 andares), já modificando a paisagem do “Grande Méier”, atraindo importante comércio e serviços, principalmente para as ruas adjacentes a estação de trem mas já se expandindo para uma malha mais ampla.

Se pode entender no contexto desta modificação mudanças na tipologia edilícia como assinalado, com a mudança da paisagem mais horizontal de casas e pequenos prédios para uma mais verticalizada com edifícios de maior gabarito e a introdução de uma diferenciação da camada de renda antes de menor valor para uma de renda média que passa a ocupar o local. Esta modificação pode explicar a inauguração já em 1986 do Norte Shopping na antiga Av. Suburbana na altura de Pilares, ainda que na época não com o sentido que veio a ganhar mais recentemente como Mega Center, mas já com uma concentração de lojas em local fechado alterando a relação antes existente no Méier e arredores, comum a todos subúrbios com lojas de rua com comércio de armazéns, quitandas, açougues, padarias, bares...

A entrada em operação do metrô Linha 2, quando se consuma, ainda que paulatinamente, modifica a correlação espaço-temporal entre a posição de cada subúrbio servido por suas composições e de acordo com as possibilidades de intervalos menores de movimentação dos comboios, reduzindo tempo de viagem moradia-trabalho-escola-equipamentos de saúde, lazer...propiciando uma mobilidade urbana antes inexistente ou tendo fortes constrangimentos.

A instalação do Shopping Nova América se realiza aproveitando sua ligação direta, inclusive física por meio de passarela com a estação Del Castilho da Linha 2, e acesso viário , a partir de 1997 pela Linha Amarela, tem seu projeto inicial extrapolado de um shopping center tradicional ( voltado a lojas de varejo de roupas, eletrodomésticos, óticas, brinquedos, etc) se tornando um Mega Center, (concepção advinda de experiências neste sentido nos EUA). Nesta nova forma se vai acoplando às lojas ,paulatinamente desde 1995 e no decorrer dos anos 2000 segundo descrição de Silva(2015): atividades educacionais(filial de universidade privada); dois hotéis voltados ao turismo de negócios; centro empresarial-Nova América Corporate, com três edifícios de escritórios  (com capacidade para acolher 21 empresas) , e mais três torres comerciais- Nova América Offices com 15 pavimentos cada e 921 salas para atividades de profissionais liberais, empresas de serviços; área de lazer denominada Rua do Rio , contento bares e restaurantes simulacro de várias partes tradicionais da cidade que ali são reproduzidas.( para mais informações, fotos, mapas e análise sobre o desenvolvimento do mega Center ver Silva, 2015).

No entorno da estação do metrô Del Castilho corroborado pela conjunção de novas e diferenciadas infraestruturas de transporte-metrô e via expressa Linha Amarela, tendo como coadjuvantes as infraestruturas pré-existentes- estação de trem e a antiga av. Automóvel Club, atraem incorporadores de grande porte para a realização de empreendimentos imobiliários compostos de grupos de edifícios com alto número de pavimentos e áreas de lazer com piscinas , quadras de esportes , caminhos de passeio a pé ou de bicicletas. Aproveitam a desindustrialização da área e utilizam seus grandes terrenos para trazer para os subúrbios empreendimentos que vinham realizando na Barra da Tijuca para classe de renda mais alta os oferecendo para camadas de renda média, média-média. Forma-se assim um grupo muito expressivo de “mini bairros” de edifícios altos e com grande número de apartamentos ( em geral sala dois quartos) que interessam as camadas médicas que não possuem renda para se localizar em áreas de renda mais alta. Modificando, então tanto a tipologia habitacional, como a socio econômica,  assim como a paisagem antes horizontalizada para outra verticalizada, e também mudam a relação moradia-consumo antes espalhada em atividades especializadas no pequeno comércio de rua( açougues, padarias, armazéns, quitandas, botequins...) para um comércio centralizado num shopping mas que agora se apresenta como um conjunto de atividades diferenciadas aliando ao comércio, a hotelaria de negócios, aos edifícios de atividades de serviços e profissionais liberais e mesmo trazem para ele o lazer, o passeio, os bares e restaurantes, os cinemas...

Ressalte-se nesta área que à imposição deste novo tipo de empreendimento se mantém a ocupação habitacional em conjuntos habitacionais, entremeadas por áreas de favelas.

O mesmo formato irá ocorrer, embora em porte menor no entorno das estações primeiro a de metrô e depois a do BRT em Vicente de Carvalho, se instala em 2021 o Shopping Carioca e um hiper mercado (Atacadão). Ao shopping também vão se anexar prédios comerciais e mesmo um serviço público- O Rio Poupa Tempo. Conjuntos de edifícios são construídos, principalmente margeando a linha 2 do Metrô tanto em Del Castilho como já se dirigindo à área da estação de Irajá, e aqueles no entorno do Shopping. Se destacam aqueles que introduzem, da mesma forma que em Del Castilho, os empreendimentos com lazer de piscinas, saunas, quadra de esportes, passeios privados, etc trazendo para camadas médias uma tipologia dos empreendimentos para camadas de renda mais alta. Edifícios também são construídos nas proximidades da estação do BRT. (para maiores detalhamentos, fotos e mapas ver, igualmente, Silva, 2015).

Anote-se que na área da Av. Vicente de Carvalho e Av. Meriti e ruas transversais já vinham se localizando prédios de pequeno gabarito com 4 andares sob pilotis, mas com tipologia de renda mais alta que a média na Vila da Penha e parte de Brás de Pina realizados por pequenos incorporadores. Aponte-se também para empreendimentos de prédios em Bonsucesso, Olaria, Ramos e parte da Penha e Penha Circular, realizados por incorporador individual. Nestes subúrbios

Ainda na direção da linha do BRT Trans carioca aparecem alguns prédios isolados, mas que introduzem parques de lazer, e mesmo conjuntos de prédios para rendas mais baixas que a média na área de Vaz Lobo.

Já em Madureira, Campinho e Tanque na linha do BRT Trans carioca a incorporação experimenta forte estagnação devido a insegurança destas partes dos subúrbios face a ações de grupos ilegais. O parque imobiliário existente nestes locais é fruto de produção anterior a este momento com ações de micros e pequenos incorporadores e de médios agentes com edifícios entre 4 e 8 andares, alguns com mais de um bloco de apartamentos. No contexto se nota forte incremento da produção informal em favelas que crescem em densidade populacional e quantidade de edificações algumas com certa verticalização. Em Madureira tão forte chegou a situação de insegurança que existem prédios inteiros de escritórios ou apartamentos residenciais e casas que foram abandonadas por seus proprietários ou inquilinos.

A produção imobiliário retoma sua ação de incorporação ao longo da linha do Trans carioca na Taquara, através de pequenos e médios/ grandes (empresas de engenharia e de comercialização se unindo na produção de prédios residenciais alguns com equipamentos de recreação como piscinas, quadra de esportes, etc). Alguns destes empreendimentos chegam a ter 8 blocos de apartamentos, se aproveitando das proximidades da via expressa Trans olímpica, que possibilita acesso as praias do Recreio dos Bandeirantes. Assim ,sob a ótica da incorporação terrenos nas cercanias da nova via expressa passam a ser disputados por incorporadores de maior porte, que passam a empreender na Taquara, embora se note o seguimento de ações de  micros e pequenos incorporadores também realizando nas mesmas cercanias da via expressa, com prédios de 4 andares em apartamentos de sala e dois quartos.  São realizados, também prédios comerciais, os mais recentes destes com , em geral 8 pavimentos, e residenciais de 4 a 8 pavimentos, existindo igualmente vários condomínios de casas de renda média e mais alta. Existe, igualmente, produção informal de casas ou pequenos prédios produzidos com ajuda de “pedreiros” em favelas que acompanham a margem do rio Grande, e na favela do Jordão. Além disto o comércio da Taquara sofre uma importante alteração com a inauguração no fim de 2022 de um shopping, revertendo de certa forma seu tradicional comércio de rua, que ao menos até este momento não sofreu esvaziamento, ao contrário apresenta novas construções abrigando lojas de rua (voltado a eletrodomésticos, móveis, roupas, papelarias , farmácias, hortifrutis e supermercados. 

Por fim, respondendo a pergunta que colocamos sobre a sobrevivência dos micros e pequenos incorporadores na produção e transformação dos subúrbios do Rio de Janeiro podemos apontar para o impacto das novas infraestruturas de transporte e as mudanças no formato de comércio como elementos que trazem algumas reflexões.

A primeira reflexão a se fazer é que a implantação de infraestruturas de transporte inovadoras em seu formato, capacidade de transporte e alteração para mais nas velocidades com redução de tempo de viagem, confirma seu poder de atração para lugares de moradia e de comércio. É como se fosse um “imã”: ao se apor no território uma infraestrutura inovadora ela tem atraído para si, para suas cercanias, habitantes que percebem nelas as possibilidades de melhorias em sua mobilidade na cidade.

E, segunda reflexão, se pode anotar que ao atrair um grande número de novos habitantes, com alteração na capacidade de consumo por serem , em geral, de nível de renda mais elevada que a população que ali residia atrai-se comércio também de formato inovador, que ao se colocar nas cercanias das novas moradias possibilitam, paradoxalmente, redução de deslocamentos para quem puder adquirir imóveis nos empreendimentos em torno das novas vias de transporte e consumirem ou se servirem daquilo que os megacenters dispõem. Por outro lado, as novas infraestruturas de transporte possibilitam moradores de outros subúrbios chegarem a estes novos formatos de consumo e serviço. Assim atraem como “imã” aqueles que não estão nas cercanias.

A terceira reflexão é que as novas vias de infraestrutura de transportes implicam em maiores possibilidades de movimentos em direção a trabalho, atividades educacionais, equipamentos de saúde, lazer praiano ou em parques, para muito além das cercanias do novo formato de comércio e serviços,pois os megacenters por mais funcionalidades e atividades que propiciam não substitui a cidade, embora possa ser um simulacro em miniatura de partes dela. Assim as novas infraestruturas de transportes ampliam as possibilidades de movimentos e atraem mais gente e veículos a elas.

E a reflexão final é sobre a consideração sobre a permanência ou não de micro e pequenos incorporadores na produção do parque imobiliário dos subúrbios do Rio. Evidencia-se no formato da tipologia dos empreendimentos imobiliários e a quem se destina as residências, escritórios, quartos de hotéis, lojas de varejo, que os incorporadores de grande porte adentraram pelos subúrbios do Rio colaborando para a intensa modificação do uso do solo urbano da cidade e de sua paisagem edilícia. Os subúrbios se verticalizaram como nunca tinha acontecido, os empreendimentos chegam a ter aspectos e funcionalidades de mini-bairros, com muitos blocos de apartamentos ( em geral de sala e dois quartos, alguns com varanda, tendo estacionamentos ou vagas de garagem, e contando equipamentos de lazer semelhantes ao das zonas de maior renda da cidade( Sul e Barra da Tijuca), abrigam uma população de renda mais elevada que a que antes dominava esta área , revelando uma transformação socio-econômica de renda baixa ou média baixa para renda média e em alguns casos até de renda média alta(embora em menor proporção que as demais).

Esta entrada dos grandes incorporadores se faz mais nítida na faixa às margens da via expressa Linha Amarela e nas cercanias dos megacenters, e nas margens da Linha 2 do metrô onde suas estações coincidem com este formato novo de shopping ampliado, com a consequente transformação dos lugares antes sub-urbanos em bairros.

Mas permanece a anotação do seguimento da produção de parte do parque imobiliário por micros e pequenos incorporadores nas entrelinhas da malha territorial modificada pelas infraestruturas inovadoras de transporte. Isto porque, continua a existir uma demanda por uma residência mais exclusiva em pequenos prédios com menor número de unidades, e também uma população de renda média-média que não tem intenção de mudar,ou precisa da proximidade com local de trabalho, escolas, assistência de saúde, redes de conhecidos, familiares e amizades. Assim mesmo nos lugares de atividade de grandes incorporadores esta atrai os micros e pequenos que se aproveitam das inovações de infraestrutura de transportes e comércio para lançar mão de suas atividades isoladas, individuais, dar seu “tiro” num alvo já ampliado pelos grandes produzindo onde no interior das malhas viárias ou do metrô ou BRT , nas ruas mais “tranquilas” dos subúrbios seus empreendimentos isoladas, ocasionais ou aquelas sequenciadas por curto período de tempo na base explicitada do afluxo/refluxo e novo afluxo conforme seus excedentes individuais ou familiares das atividades principais que exercem lhes vislumbre possibilidades de auferir renda ampliada através de construção de pequenos prédios ou “vilas” de casas.   

 

Referências bibliográficas

Abreu, M. de A.(1988). A evolução urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:,IPLANRIO- Jorge Zahar Editor.

Kleiman, M. (1985). Os pequenos promotores imobiliários e as transformações no espaço construído. Dissertação de Mestrado, Rio de Janeiro: IPPUR-UFRJ

Topalov, C.( 1968). Introduction a une recherche sociologigue sur les promoteurs immobiliers. Paris: CSU

Topalov, C. (1974). Les promoteurs immobiliers. Paris: Mouton

Silva, A.L.B da(2015) Transporte Coletivo e cidade. Tese de doutorado, Rio de Janeiro e Porto(Portugal): IPPUR-UFRJ, Universidade do Porto-Departamento de Geografia

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