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Chão Urbano

CHÃO URBANO ANO XXII N°4 JULHO/AGOSTO DE 2022

26/12/2022

Integra:

CHÃO URBANO ANO XXII Nº 4 JULHO/AGOSTO DE 2022

 

Editor

Mauro Kleiman

Publicação On-line

Bimestral

Comitê Editorial

Mauro Kleiman (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)

Márcia Oliveira Kauffmann Leivas (Dra. Em Planejamento Urbano e Regional) 

Maria Alice Chaves Nunes Costa (Dra. Em Planejamento Urbano e Regional) – UFF Viviani de Moraes Freitas Ribeiro (Dra. Planejamento Urbano e Regional IPPUR/UFRJ) Luciene Pimentel da Silva (Profa. Dra. – UERJ) Hermes Magalhães Tavares (Prof. Dr. IPPUR UFRJ) Hugo Pinto (Dr. Em Governação, Conhecimento e Inovação, Universidade de Coimbra – Portugal)

Editora Assistente Júnior

Gabriela Hafner e Celine Santos de Andrade

IPPUR / UFRJ

Apoio CNPq

LABORATÓRIO REDES URBANAS LABORATÓRIO DAS REGIÕES METROPOLITANAS

Coordenador

Mauro Kleiman

Equipe

Gabriela Hafner e Celine Santos de Andrade

Pesquisadores associados

André Luiz Bezerra da Silva, Audrey Seon, Humberto Ferreira da Silva, Márcia Oliveira Kauffmann Leivas, Maria Alice Chaves Nunes Costa, Viviane de Moraes Freitas Ribeiro, Vinícius Fernandes da Silva, Priscila Loretti Tavares.



TEXTO

Metrópole expandida do Rio de Janeiro como “ Bacia de Atividades” e necessidade de novo modelo de planejamento

 

Mauro Kleiman ¹

Prof. Titular da UFRJ ¹




Resumo

O artigo, em forma de ensaio, busca explorar os elementos que indicam que a metrópole do Rio de Janeiro tem se configurado de modo expandido, pois além de seu importante crescimento no interior de seu núcleo, se anotam, em distintas direções novos núcleos de desenvolvimento de segunda residência, acompanhados de comércio e serviços, mas também do fenômeno da favelização, e de pólos econômicos de vulto nas áreas de óleo/gás e produção automotiva. De tal forma estes núcleos para fora dos limites da região metropolitana, distantes de sua original centralidade se colocam , que anotamos uma ideia de metrópole expandida sob uma forma que denominamos de “bacia de atividades”. Assim se coloca a necessidade de pensar, e o fazemos de maneira exploratória como planejar e gerir esse novo território expandido, com múltiplos lugares de diferentes atividades, propondo um planejamento integrado com cooperações supra-municipais e ações coordenadas e transversais, superando o modelo racional-funcionalista.

Palavras chave: Bacia de atividades, Metrópole expandida, modelo de planejamento e gestão,infraestrutura, cooperações territoriais, Rio de Janeiro.

 

Abstract

The article, in the form of an essay, seeks to explore the elements that indicate that the metropolis of Rio de Janeiro has been configured in an expanded way, because in addition to its important growth within its nucleus, new development nuclei are noted in different directions. of second homes, accompanied by commerce and services, but also by the phenomenon of favelization, and by important economic poles in the areas of oil/gas and automotive production. These nuclei are placed outside the limits of the metropolitan region, far from their original centrality, in such a way that we annotate an idea of ​​an expanded metropolis under a form of what we call an “activities basin”. Thus arises the need to think, and we do it in an exploratory way, how to plan and manage this new expanded territory, with multiple places of different activities, proposing an integrated planning with supra-municipal cooperation and coordinated and transversal actions, surpassing the rational- functionalist.

Keywords: Basin of activities, Expanded metropolis, planning and management model, infrastructure, territorial cooperation, Rio de Janeiro


  1. A metrópole expandida

A  metrópole do Rio de Janeiro, apesar de se encontrar numa crise econômica desde sua perda de lugar de poder político-administrativo como capital da República, sua desindustrilaização, que entre outros fatores levaram ao um empobrecimento de grande parte de sua população, tem apresentado expansão em diferentes dimensões.

Em primeiro lugar se pode apontar para uma expansão no núcleo da metrópole, a cidade do Rio de Janeiro, com: a) a ocupação e consolidação das áreas à oeste da cidade na Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes, Vargem Grande e Vargem Pequena, e Jacarepaguá( com seus 11 sub-bairros), se constituindo em zona residencial de camadas de renda alta( principalmente na Barra, mas também no Recreio e parte das Vargens e Jacarepaguá), e renda média alta e média ( igualmente em parte da Barra, Recreio Vargens e Jacarepaguá). Mas para além da ocupação como lugar de residência, acompanhando os habitantes que ali se instalaram se configurou como importante subcentro de comércio ( principalmente mas não apenas no formato de Shopping Centers), e de serviços. Esta expansão do núcleo da metrópole em parte se fez com base no modelo de planejamento racional-funcionalista expresso no Plano Lúcio Costa para a Barra, embora suas diretrizes não tenham sido seguidas de forma contundente, sendo alteradas em parte por interesses da incorporação imobiliária. Ressalte-se que à ocupação desta vasta área de expansão como lugar de camadas de mais alta renda, foi e tem sido acompanhada pela colocação da população mais pobre sobre a forma de favelas, com expressivo crescimento tanto de seu número de lugares como expansões internas sejam horizontais, e mesmo com verticalizações de edificações, tendo vasto comércio próprio; b) consolidação e expansão das áreas também à oeste que já vinham sendo ocupadas desde o início do Século XX, em torno dos seus primeiro núcleos urbanizados nas estações ferroviárias nos bairros de Realengo, Bangu, Campo Grande e Santa Cruz, com áreas residenciais de camadas de renda mais baixa, embora em Campo Grande se note a presença de camadas médias, que desde os anos 1950 tem experimentado forte incremento populacional, com núcleos industriais( em Bangu primeiro e depois em Campo Grande) acompanhados de forte comércio de rua, e mais recentemente por Shopping Centers em Campo Grande e Bangu. Igualmente nessas áreas se observa uma intensificação da favelização. À esta expansão de bairros ferroviários, mais recentemente, principalmente depois da abertura do túnel da Grota Funda e da entrada em operação do BRT Transoeste, se colocam nos bairros de Guaratiba grandes conjuntos de população de baixa renda em loteamentos precários e favelas, que dado a utilização intensa do BRT diariamente na direção do Terminal Alvorada na Barra encontram aí , neste sub-centro de comércio e serviços seus locais de emprego formais ou informais. Esta expansão a oeste acrescentou espaço ocupado cinco vezes maior que continha o núcleo da metrópole!;c) se pode apontar para o fenômeno da persistência de procura da população de renda mais alta pelos bairros da Zona Sul da cidade, que embora já não contem com espaços para novas edificações em quantidade( pelo menos face a legislação vigente, que sempre pode ser modificada face aos interesses imobiliários), já que horizontalmente estão plenamente ocupados, seguem atraindo população pela sua representatividade como lugar dos mais ricos da sociedade, constituindo-se em contínuo pólo de habitação, comércio , serviços e lazer praiano; d) consolidação e crescimento dos antigos subúrbios em bairros com intenso comércio popular de rua e Shopping Centers( como em Madureira), e serviços, com edificações verticalizadas, e intensa favelização  

Em segundo lugar podemos anotar a expansão da metrópole para além de seu núcleo central. Nesta expansão externa se tem vários eixos de expansão. Um primeiro na direção das cidades-municípios da Baixada Fluminense, que embora já existissem desde o início do Século XX ao redor das estações ferroviárias população habitante e pequeno comércio, se consolida e se incrementa como lugar de moradia da população de renda mais baixa( sua maioria), com alguns núcleos de renda média e até renda média alta( principalmente em Nova Iguaçu, mas também em parte de Caxias e Nilópolis), com vasta ocupação residencial se espalhando para muito além do redor das estações ferroviárias, importante comércio de rua, e até Shopping Centers, instalações industriais de pequeno e médio porte, mas de maior importância, igualmente, como a Refinaria de Caxias. Nota-se , como em toda a metrópole, como o crescimento do número de favelas e suas expansões internas, incluso com edificações verticalizadas. Nesta expansão se deve assinalar a extensão da metrópole na direção de seu limite com o Vale do Paraíba, expressada pela acentuação desde os anos 1970 e incrementada durante o Século XXI pela utilização massiva da linha de trem do ramal de Japeri, antes menos demandado e hoje o mais demandado pela população até pelo menos seu ponto final como linha eletrificada em Paracambi( antes a linha eletrificada chegava a Barra do Piraí, se isto se mantivesse se pode supor que a população acompanharia este caminho levando a expansão para mais longe).  

Numa outra direção se tem a expansão para leste onde , principalmente após a inauguração da ponte Rio-Niterói em 1974, pouco a pouco, e notadamente nas últimas três décadas, configuraram-se e cresceram bairros em praias oceânicas de Niterói (Itaipu, Itaipuaçu, Piratininga, Camboinhas) abrigando população residencial de camadas de mais alta renda; e o crescimento demográfico vertiginoso de São Gonçalo com população de baixa renda e intensa favelização. Com a ponte intensifica-se , também a ocupação como áreas praianas de segunda residência de Maricá, Saquarema/Araruama, mais recentemente no Século XXI já tendo população residente fixa(primeira residência) de camadas de renda mais alta, com mescla de camadas de menor renda inclusive em loteamentos precários e favelas. Seguindo na mesma direção se teve a experiência, não levada adiante, de um pólo econômico de refino de óleo e gás em Itaboraí( Comperj), e se tomarmos as ocupações de lazer praiano e segunda residência de Cabo Frio/Arraial do Cabo e Búzios então se configura uma expansão periurbana de alta renda, mesclada com rendas média alta e média e núcleos de baixa renda. Expressão nítida de uma metrópole que extrapolou seus limites de região metropolitana e avança numa periurbanização diferenciada do que se tinha na metropolização brasileira onde até então só os mais pobres iriam para as áreas mais afastadas do núcleo metropolitano. 

À expansão para o leste se deve somar aquela em direção a região serrana( Petrópolis/Teresópolis/Nova Friburgo). Petrópolis sendo hoje praticamente um bairro da metrópole do Rio, não só com segunda mas principalmente como primeira residência mesclando bairros de renda alta , com os de camadas médias,e intensa ocupação de encostas por população de baixa renda, sujeita a desastres ambientais. Teresópolis/Nova Friburgo tem área comum de produção de agricultura orgânica, e a segunda tem indústria de roupas íntimas, sendo as duas áreas de segunda ou primeira residência de camadas de maior renda, conjugado a intensa favelização , principalmente em Teresópolis.

Numa outra direção, a da Costa Verde( Mangaratiba/Angra dos Reis/Ilha Grande e Paraty) se tem outra expansão da metrópole em área de lazer praiano e Patrimônio Histórico, contendo residências de alta renda, hotéis, bares e restaurantes e eventos culturais.

As expansões para a região serrana e as costas Verde e Região dos Lagos funcionam como um “elástico”: esticam a metrópole em suas direções nos finais de semana e férias e trazem de volta parte das pessoas ao núcleo da metrópole nos dias úteis, embora se anote cada vez mais a fixação de pessoas em primeira moradia nestas áreas.

Por fim, destacam-se dois importantes pólos econômicos em diferentes direções que expandem a metrópole para muito além de suas proximidades e definem uma metrópole regional. 

O primeiro pólo está no norte do Estado do Rio, com atividade extrativa de óleo e gás. Esta atividade, por sua natureza mineradora tem que ter uma articulação com a sede da empresa (a Petrobras) que se encontra no Rio, de onde também se desloca grande parte das equipes de trabalho offshore em plataformas no mar em frente a Macaé o que demanda conexidade intensa entre as duas partes, fazendo com que este ponto mais ao norte do Estado configure, também a metrópole.

O segundo pólo econômico é o automotivo, com a instalação de várias montadoras no sul do Estado, em Resende/Porto Real, que desova sua produção de automóveis e caminhões através do Porto de Itaguaí(este na borda da cidade do Rio), por meio de transporte por ferrovias. Anote-se , igualmente, que este porto se trata de um “hub” dado que por ele também se exporta minério que vem por ferrovia de Minas Gerais. A conexão aqui se evidencia numa metrópole expandida e cuja articulação supõe, inclusive, ligação com outros dois estados: Minas e São Paulo, pois é desta última que vem parte das auto peças utilizadas nas montadoras.

Se tem ,assim sendo, o que denomina uma “Bacia de Atividades”: uma rede de cidades em diferentes direções com diversas funções e atividades que ultrapassam completamente a idéia de metrópole ou região metropolitana (idéia exposta inicialmente por Ascher(1988) em livro que denomina esta bacia como Metapolis), sendo mais adequada a denominação tomada do meio de recursos hídricos de uma enorme bacia de conexões e interações, que coloca a questão de como geri-la e planejá-la. 

   

2. Modelos de planejamento e gestão para uma metrópole expandida como “bacia de atividades”

No Brasil planejar e gerir uma metrópole expandida com dimensão regional de bacia de atividades, como este caso do Rio de Janeiro que examinamos apresenta inúmeras dificuldades, visto que o planejamento e a gestão territorial continuam desarticulados entre eles e as poucas estruturas de cooperações inter-territoriais são incipientes. 

Estas dificuldades têm origem na própria base conceitual racional-funcionalista que prevalece na organização do Estado brasileiro e em todas as formas de articulações entre territórios político-administrativos nele inseridos. As formas de intervenção territorial são assim pontuais, estanques e setorializadas, agravando a falta de articulação entre planejamento e gestão. 

Outro fator que dificulta a cooperação territorial é a rigidez e a hierarquia dos três níveis de governo: federal, estadual e municipal. Procede que, apesar de constituírem estados independentes e autônomos sobre a questão territorial, estados e principalmente municípios, mostram-se limitados quanto à capacidade de gestão dos problemas que ultrapassam seus limites administrativos. Além disto, a estrutura federalista brasileira caracteriza-se pela prevalência do Executivo Federal no interior desta hierarquia com a passagem de todas as resoluções e liberação de recursos financeiros de temas importantes pela Presidência da República, limitando a capacidade financeira dos outros entes federados.

Soma-se ainda a dificuldade de gestão pública brasileira, que não têm conseguido transformar objetivos em instrumentos de planejamento e de transformar os instrumentos de planejamento em ações concretas. Esta dificuldade decorre da imaturidade do aparelho de estado constituído para este fim, que apesar de ter recentemente elaborado os primeiros Plano-Nacionais do período democrático, não conseguiu instituir um corpo técnico e uma organização capaz de estruturar uma política de Estado territorial e formas de garantir sua devida contratação.

A estrutura federativa brasileira é organizada através de três perímetros político-administrativos: os municípios (popularmente chamados cidades), os estados federados e o Estado Nacional. Apesar da constituição brasileira determinar que estes três níveis de governo possuem autonomia constitucional, na prática da política e da gestão governativa, o Poder Executivo do Estado Nacional (Presidência da República), controla e determina as diretrizes, as ações, a regulação e a liberação de recursos aos outros entes federados. 

É importante salientar que existe em todos os sub-níveis nacionais grandes disparidades – tanto de caráter regional como também grandes disparidades entre as cidades - onde se aplica o sistema de governo centralizado. Assim sendo, aquelas cidades que “encabeçam” grandes áreas metropolitanas replicam a configuração da hierarquia observada no país, absorvendo o papel de esfera decisória centralizada e recebendo mais recursos financeiros e ações resolutivas de seus problemas. Este esquema determina aos municípios que compõem a metrópole, e que se caracterizam por uma menor importância em termos econômicos e sociais, uma subordinação que conduz a não resolução ou resolução precária de seus problemas.

Entende-se a gestão do território como questão baseada numa abordagem conceitual de sustentabilidade que integra componentes ambientais, econômicos e políticos. Visando o desenvolvimento e ordenamento do território a partir de critérios de equidade social, a problemática da política e sua relação com o planejamento do território configura-se de importância. Também relevantes são os aspectos institucionais do caso do Rio de Janeiro, com vasta extensão física, dotado de uma bacia de atividades de grandes dimensões e que abarca diferentes âmbitos político-administrativos em vários níveis de governo. 

O modelo de um comitê gestor que se propõe como um formato integrador de diferentes níveis de governos e, ao mesmo tempo descentralizador e com participação social democrática, possibilita a discussão frente ao modelo padrão de gestão brasileiro fortemente centralizador e focalizado em decisões racional-funcionalistas. Trata-se de buscar , num formato ampliado, pensar em se configurar um Comitê para a Integração da Bacia de Atividades.

Para tal se deve conhecer os elementos, atividades e funções que necessitam melhor articulação de infraestrutura ; os âmbitos político-administrativos de seu percurso e os atores envolvidos e os problemas que acarretam danos ao meio ambiente e à população. 

A gestão territorial no Brasil baseia-se nos conceitos do modelo racional-funcionalista no qual a formulação das idéias se restringe ao aparelho tecno-burocrático e, seu nível decisório à cúpula do Estado. Já a implantação de suas diretrizes e ações está sempre restrita às áreas formais e de maior renda. A gestão institucional do território em suas diferentes escalas acompanhou o modelo  que adota o processo decisório e de formulação sempre centralizado e seletivo. Quanto aos atores participantes é igualmente restritivo no que se refere a seu âmbito sócio-espacial. Como o modelo racional-funcionalista trabalha com a unidade espacial zona – com perímetros fixos pré-estabelecidos e com o território em partes estanques, e, também não se concebe a idéia de se ter conexões e interações coordenadas e ações compartilhadas na metrópole expandida em bacia de atividades.


3. À modo de conclusão propositiva: uma idéia de modelo de planejamento e gestão territorial para metrópole expandida em bacia de atividades do Rio de Janeiro 

O modelo de gestão no Brasil de base racional-funcionalista tem servido para a política territorial em suas diferentes escalas. Pode-se perceber o uso do seu conceitual na unidade espacial .

Os valores de ordem, beleza e progresso “embebem” o modelo. Ordem remete à idéia de controle que se dá pelas leis, à vontade de ordenar tudo aquilo que se entende como imerso no caos. Cada coisa deve ser posta em seu lugar, o que remete também a uma rigidez, imutabilidade. Mas aqui se trata de colocar em ordem, para assim então se impulsionar mudanças para frente – o progresso. Para tal, o modelo separa cada coisa, uso, função e atividade de maneira estanque, em perímetros definidos – em zonas – que será a unidade espacial de ordenamento, planejamento e gestão territorial. O modelo consolida-se no Brasil através do planejamento racional-funcionalista como instrumento de Estado (incorporado como figura central para assegurar equilíbrio econômico-social). Sua aplicação, fundada nos seus conceitos, será conduzida de maneira centralizada, “adhoc”, isto é, sem ouvir a sociedade, pois esta se encontra indiferenciada no indivíduo-tipo para que o corpo técnico, com base em deduções científicas emita respostas-tipo, através do desenho ou do redesenho das formas da cidade pelos processos de estabelecimento de áreas de especificidades. O modelo e seu instrumento operativo – o zoneamento – produzem uma estratificação sócio- espacial organizada e segregativa que será o recurso da política territorial no país. O Estado controla o ordenamento do território investindo em infraestrutura, equipamentos e serviços públicos naquelas áreas de maior renda em nexo com interesses econômicos e, neles, organiza usos, atividades e tipologias. 

O modelo de planejamento e gestão para o território tem sua formulação e decisões tomadas de forma centralizada, monolítica, no sentido da definição por alta esfera do executivo, da unilateralidade e não reconhecimento dos diferentes atores da sociedade e das necessidades dos usuários. Como a unidade espacial e de planejamento do modelo é a zona, também para a metrópole esta será tomada em partes estanques. Trabalha-se com a ideia de sistemas parciais fechados e por setores . A gestão do território faz-se por meio de legislação (leis,decretos, portarias, regulamentações) buscando-se a normatização e regulação dos elementos do território expandido, distinto assim do seu planejamento, dos seus lugares e de seus usuários. Na escala urbana e metropolitana a lógica da gestão do território acompanha plenamente a unidade espacial zona, não conseguindo compreender que existiu uma expansão que extrapola os limites e perímetros político-administrativos sem os devidos nexos entre as diferentes expansões assinaladas.

A gestão do território com base no modelo racional-funcionalista deve apresentar uma inflexão para os conceitos de um outro modelo que através de ações de coordenação supra limites de zonas e supra municipais vise a articulação entre as partes que compõem a metrópole expandida, através de ações transversais às dos diferentes órgãos dedicados ao território. Neste sentido, criar Autoridades supra-municipais da metrópole expandida como bacia de atividades, se dedicando a : i) transportes;ii) recursos hídricos, meio ambiente e água e esgoto; iii) resíduos sólidos , traria um novo modus operandi para a gestão desse fenômeno com tal magnitude e complexidade.

O modelo racional-funcionalista, no qual a zona tem sido a unidade espacial de tratamento técnico, quando confrontado com o processo de mudanças produtivo- econômicas da mundialização, que supõe flexibilidades, mostrou suas limitações, por sua concepção de áreas delimitadas e rigidamente estanques, por suas funções específicas decididas unilateralmente e de forma centralizada.

Contudo uma revisão crítica do funcionalismo propõe às áreas de especificidades do zoneamento uma combinação destas, recuperando suas proximidades, misturando-se usos e funções, tratando o espaço pela noção de lugar com referências às suas especificidades cultural, social e histórica. Se deve buscar novo modelo que tenha como base a idéia de superar as estanqueidades e trabalhar na base de um planejamento integrador com cooperações, propondo respostas que envolvam ações coordenadas, com envolvimento democratizante dos atores envolvidos na discussão da intervenção no território e, ao tratamento estanque da zona como unidade espacial, sua substituição por uma integração entre as partes. 

A ideia seria de um Comitê de Bacia de Atividades, que coordenaria as Autoridades elencadas acima como os principais elementos de um território metropolitano expandido. A idéia de Comitê de Bacia advém daquela desenvolvida no campo dos recursos hídricos, onde a bacia hidrográfica como unidade territorial vem desde a década de 1950, influenciada pela experiência do Tenesse Valley Autority (TVA) de planificação regional (no bojo do New Deal concebido para resolver a crise da Grande Depressão nos EUA). A ideia colocava-se, contudo, ainda num ambiente conceitual e de ação de configuração do território onde vigora a noção de estanqueidade entre as partes e por efeito, ações pontuais parcializadas no território, por meio de administração centralizada, que pretende-se superar.

A situação somente começa a apontar para uma alteração quando no final da década de 1970 (1978) cria-se no Brasil o Comitê Especial de Estudos Integrados de Bacias Hidrográficas (CEEIBH), pensado como instrumento para equacionar conflitos, embutindo uma noção de território articulado e administração descentralizada. O CEEIBH dará origem a Comitês de Integração pelo país.

Um novo modelo de gestão, que realmente marque uma mudança mais importante, só virá no final da década de 1990, acompanhando neste sentido a passagem do modelo de gestão territorial. De fato a concepção até então hegemônica, de base racional-funcionalista, de tratamento do território a partir de unidades espaciais estanques configurando áreas de especificidades tendo como efeitos políticas dirigidas a estas partes, com administração centralizada e formulação restrita ao corpo técnico, será refundada por nova concepção . Diante de transformações econômico-produtivas, terá a necessidade/desafio de articular e integrar as partes precisando para tal descentralizar a administração pública e na realidade social a partir de uma coerência entre os níveis institucional-legal e o social. Supõe, neste sentido, o alargamento da democracia com a construção de espaços de participação popular na gestão urbana; um direcionamento das decisões para as demandas sociais e a democratização das informações e do acesso aos bens e serviços públicos.

No aspecto político-administrativo a atuação dos Comitês de Bacias Hidrográficas( como o da bacia hidrográfica do Paraíba do Sul, que contempla boa parte da área da metrópole expandida do Rio de Janeiro) tem sido muito importante na direção de uma descentralização, o que representa uma mudança profunda no âmbito do Estado brasileiro, fortemente centralizada na figura do Executivo. O estímulo e a formação de Consórcios Intermunicipais; Comitês de Sub-Bacias (através de ações auto-organizativas) e Associações de Usuários representa uma ruptura na cultura administrativa e política brasileira. Além de significar a descentralização de fóruns de discussão, formulação de ações e monitoramento, propiciará, em longo prazo, uma revisão do caminho atual de “cima para baixo” em demandas e propostas vindas de “baixo para cima”, portanto apoiando também a ampliação de democratização. (Pereira, 2003)

No tocante à gestão do território esta descentralização reforçaria a ideia de tratar de maneira integrada e articulada o todo, e não as partes, como no modelo racional-funcionalista, e adotar-se-ia um modelo de ações transversais coordenadas. O papel dos Comitês de Bacias Hidrográficas tem sido, apesar da complexidade (mosaico) institucional que abarca, de sinalizador e implantador de uma mudança cultural e administrativa no Estado brasileiro que rompe com a política centralizadora, de formulação restrita a técnicos e de intervenções pontuais e por partes para um planejamento integrador de cooperações supra-municipais e dos elementos básicos de formação de um território de conexidades e interações entre as partes em matéria de transportes, recursos hídricos, meio ambiente e saneamento e resíduos sólidos.

Assim, no escopo deste trabalho tratou-se de fazer uma reflexão sobre o significado e o grau de inovação que a figura de um comitê gestor integrador de bacia de atividades introduz em face do modelo de gestão territorial centralizador e socialmente restritivo em vigor no Brasil.

O modelo racional-funcionalista problematiza a configuração do território por uma política de gestão de partes estanques, formulada restritamente pelo corpo técnico. Na passagem para um novo modelo, trabalhar o território de uma metrópole expandida envolveria um princípio norteador de uma gestão mais descentralizada com cooperações integradoras das partes. 

Isto exigiria um contraponto na procura de ruptura com o padrão corrente centralizado na figura do Executivo (no nível nacional, sub-nacional e municipal). O processo de elaboração e execução dos orçamentos é caracterizado por um rígido controle de seus procedimentos pela tecno-burocracia e pela verticalização na forma da organização administrativa do Estado (Fedozzi, 1997) revertendo-o o processo decisório e executivo incluindo ( como já já constitucionalmente estabelecido na Constituição de 1988) mecanismos institucionais dinamizadores dos direitos sociais e políticos da população pela ampliação de práticas participativas na administração pública, como se tem feito nas experiências dos Comitês de Bacias Hidrográficas num movimento simultâneo relacionando o corpo social ampliado e o tratamento integrado da unidade espacial. Inicialmente porque o novo modelo busca aderência à idéia de inclusão com a participação de um conjunto de atores sociais presentes na unidade espacial bacia hidrográfica. No território, por sua vez, trabalha a intervenção no entendimento da totalidade do espaço percebido como lugar, ou seja, eivado de significados culturais sociais, econômicos e políticos, propondo-lhe uma política geral.

Podemos apontar que o modelo gestor de água deveria ser balizador de um Comitê de Metrópole Expandida ao apresentar um fórum social mais amplo e mais efetivo que aquele apenas formal do modelo estratégico e, por procurar incorporar a idéia da totalidade do território para seu tratamento, ao invés das intervenções  parciais com a passagem para um planejamento integrado com cooperações coordenadas das Autoridades transversais.

Por fim , se deve atribuir importância fundamental ao estabelecimento de redes de infraestrutura em forma de “malha”, principalmente em transporte ferroviário de passageiros que permitam articular o conjunto de cidades e pólos econômicos da metrópole expandida do Rio de Janeiro com redução da correlação espaço-tempo ( uma rede ferroviária eletrificada de média velocidade já cumpriria este papel); além , claro da ampliação da rede de rodovias como vias expressas; uma “malha” expandida de redes de água e esgoto universalizando o atendimento de serviços básicos para a vida; e estes elementos em rede de âmbito macro deveriam se replicar nos âmbitos urbanos possibilitando mobilidade e serviços básicos a todos num passo necessário à equidade social de um território sujeito ao fenômeno analisado de uma metrópole expandidas como bacia de atividades.  

 

Referências Bibliográficas

Ascher, François (1988). Metapolis: Acerca do futuro da cidade, Oeiras: Celta Editora.

COSTA, Francisco José Lobato da (2003). “Estratégias de gerenciamento de recursos hídricos no Brasil: áreas de cooperação com o Banco Mundial”, em Série Água Brasil, Brasília, Banco Mundial. 

FEDOZZI, L. (1997). Orçamento participativo. Reflexões sobre a experiência de Porto Alegre, Rio de Janeiro, Observatório de Políticas Urbanas e Gestão Municipal. FASE/IPPUR. 

KETTELHUT et al (1998) A experiência brasileira de implementação de comitês de bacias hidrográficas, em Simpósio Internacional sobre Gestão de Recursos Hídricos, Gramado/RJ. 

KLEIMAN, M. (2003) "Les multiples metropolès à Rio de Janeiro: la relation d’inégalité social d’accés aux infrastructures et le système de lieux urbains centraux et periphériques ", em Les Metropoles des Infrastructures, Paris, Harmatann. V.1.p.15-26. 

____________.(2002) Permanência e mudança no padrão de alocação sócio-espacial das redes de infra-estrutura urbana no Rio de Janeiro - 1938-2001, em Cadernos IPPUR/UFRJ. Rio de Janeiro: , v.1, n.2, p.15 - 35.

PEREIRA, Dilma Seli Pena (org) (2003). Governabilidade dos Recursos Hídricos no Brasil: a implementação dos instrumentos de gestão na bacia do Rio Paraíba do Sul, Brasília, Agência Nacional de Águas (ANA).


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