01/08/2020
CHÃO URBANO ANO XX, nº4 JULHO/ AGOSTO 2020
Editor
Mauro Kleiman
Publicação On-line
Bimestral
Comitê Editorial
Mauro Kleiman (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)
Márcia Oliveira Kauffmann Leivas (Dra. Em Planejamento Urbano e Regional)
Maria Alice Chaves Nunes Costa (Dra. Em Planejamento Urbano e Regional) – UFF
Viviani de Moraes Freitas Ribeiro (Dra. Planejamento Urbano e Regional IPPUR/UFRJ
Luciene Pimentel da Silva (Profa. Dra. – UERJ)
Hermes Magalhães Tavares (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)
Hugo Pinto (Dr. Em Governação, Conhecimento e Inovação, Universidade de Coimbra – Portugal)
Editores Assistentes Júnior
Beatriz Angelo e Julia Paresque
IPPUR / UFRJ
Apoio CNPq
LABORATÓRIO REDES URBANAS LABORATÓRIO DAS REGIÕES METROPOLITANAS
Coordenador
Mauro Kleiman
Equipe
Beatriz Angelo e Julia Paresque
Pesquisadores associados
André Luiz Bezerra da Silva, Audrey Seon, Humberto Ferreira da Silva, Márcia Oliveira Kauffmann Leivas, Maria Alice Chaves Nunes Costa, Viviane de Moraes Freitas Ribeiro, Vinícius Fernandes da Silva, Pricila Loretti Tavares
Índice
Administração hiperconcentrada, governança bloqueada, e o desenvolvimento dos territórios metropolitanos brasileiros: o exemplo do Rio de Janeiro
Mauro Kleiman¹
¹ Prof. Titular da UFRJ
Administração hiperconcentrada, governança bloqueada, e o desenvolvimento dos territórios metropolitanos brasileiros: o exemplo do Rio de Janeiro.
Resumo:
O artigo trata da problemática da administração e governança das metrópoles brasileiras, e de seu impacto no desenvolvimento do território. Tem como base a pesquisa " Análise dos aspectos político-institucionais das Regiões Metropolitanas brasileiras", que coordenamos no IPPUR/UFRJ. Toma-se como caso exemplar a metrópole do Rio de Janeiro, apresentando-se o tipo e configuração de sua administração;a qualidade, funções e competências de seus órgãos e instituições.Busca-se analisar a tensa inter-dependência observada entre sua estrutura político-administrativa, hiperconcentrada no Poder Executivo com as novas idéias-conceitos de governanta que pretender-se-ia implantar para um desenvolvimento com condições de sustentabilidade. Tendo uma hipercentralização de decisões no nível de governo Executivo simultaneamente verifica-se que a implementação de políticas territoriais faz-se de maneira atomizadas , sem ações coordenadas de planejamento,enquanto apresenta uma não-aplicação ou fragilidade de dispositivos de governança .Como conseqüência tem-se um conjunto de entraves ao desenvolvimento do território.
Palavras-chave: Metrópoles, Modelos de administração, Políticas institucionais, Rio de Janeiro
Abstract
The article deals with the problem of administration and governance in Brazilian metropolises, and its impact on the development of the territory. It is based on the research "Analysis of the political-institutional aspects of the Brazilian Metropolitan Regions", which we coordinate at IPPUR / UFRJ. The metropolis of Rio de Janeiro is taken as an exemplary case, presenting the type and configuration of its administration; the quality, functions and competences of its bodies and institutions. It seeks to analyze the tense interdependence observed between its political structure -administrative, hyper-concentrated in the Executive Branch with the new ideas-concepts of housekeeper that it was intended to implement for a development with conditions of sustainability. Having a hyper-centralization of decisions at the Executive government level simultaneously, it appears that the implementation of territorial policies is done in an atomized manner, without coordinated planning actions, while presenting a non-application or weakness of governance devices. a set of obstacles to the development of the territory.
Keyword: Metropolises, Administration models, Institutional policies, Rio de Janeiro
Apresentação
A problemática da configuração qualitativa da administração pública no Brasil,aparece no caso dos territórios metropolitanos como um objeto de estudo de importância para uma análise crítica.Observa-se,de fato, uma tensão entre uma estrutura hiperconcentrada no Poder Executivo e novas concepções a partir de idéias-conceitos de governança que pretender-se-ia implantar para um desenvolvimento com condições de sustentabilidade.Tendo uma hipercentralização de decisões no nível de governo Executivo simultaneamente verifica-se que a implementação de políticas territoriais faz-se de maneira atomizada, sem ações coordenadas de planejamento,enquanto apresenta uma não-aplicação ou fragilidade de dispositivos de governança.Como conseqüência tem-se um conjunto de entraves ao desenvolvimento do território. O texto estruturar-se em três partes: a primeira apresenta o contexto de redefinição do Estado brasileiro que combina um processo de re-democratização com ações neoliberais com a redução de sua esfera de atuação; a segunda refletè sobre a estrutura político-institucional e administrativa do caso do Rio de Janeiro, analisando-se a diferença entre as propostas e o discurso de modernização que apontam para os conceitos de governança, e a realidade de um quadro de centralização de poder e de decisões conjugada a uma fragmentação de ações implementadoras;na terceira, a modo de conclusão, temos uma análise das conseqüências da configuração da administração sobre o desenvolvimento do território.
1 - O contexto administrativo entre dois movimentos: democracia ampliada e neoliberalismo
A administração pública brasileira tem entre suas principais características históricas a centralização de decisões e ações políticas na figura do Poder Executivo nos diferentes níveis de governo.
A República brasileira,fundada nos conceitos do Estado Liberal,tendo corno marca uma democracia a princípio restritiva (onde do final do século XIX até 1930 somente votavam aqueles que fossem proprietários),o voto era aberto,e apenas muito paulatinamente este torna-se universal e secreto,sendo que só no final do século XX será o voto estendido aos analfabetos,que constitui parcela importante da população. Além disto em dois largos períodos-1930-45 e 1964-82 vive-se sobre regime autoritário,com momentos de fechamento do Parlamento passando o poder de legislar ao Executivo, com constituições outorgadas,indicações para os Executivos locais e estaduais por nomeação direta do Presidente da República,onde então, consolida-se ainda mais o seu poder.
Este quadro conduz a que o aparelho de Estado estatal voltado a políticas de desenvolvimento do território fosse configurado lentamente, contassem sempre com frágil estrutura e forte dependência ao Executivo central. As possibilidades de alteração deste quadro colocaram-se no bojo do processo de redemocratização do país nos anos 1980. A administração pública coloca-se diante,então, de uma busca de sua reformulação encontrando,contudo,um contexto com dois movimentos que tensionam-se em contradições. Do final dos anos 80 — início dos 90, num processo complexo colocam-se a relação entre as proposições de consolidação democratizante (advindas do longo percurso de saída do regime autoritário para a redemocratização, que culmina na Constituição de 1988), e a agenda neoliberal (Diniz 1995,Diniz e Boschi 1989; Fiori 1993). A vertente democratizante propunha-se a uma abertura de espaço a novos atores; expansão da esfera pública através da organização autônoma da sociedade; aumento de participação e ampliação dos controles externos ao governo; transparência e abertura do processo decisório por meio de consulta e negociação; e reformas com prioridades sociais. Por seu lado, a agenda neoliberal busca a eficácia na ação do Estado que para tal deve ter uma característica minimalista com redução e desmantelamento do aparelho de Estado, sendo o poder de decisão insulado num pequeno grupo de tecnocratas. Pretere-se a negociação (para dar rapidez às decisões), o que conduz a uma aversão a consultas, hipercentralizando-se as resoluções na Presidência da República, com um desenho de reformas (que serão feitas por decretos presidenciais) com prioridade econômica. (Fiori 1991; Melo e Costa 1995; Santos 1992; Diniz 1996).
A agenda neoliberal, que se toma predominante, traz paradoxos e empecilhos para a implementação da governança e desenvolvimento sustentável nas regiões metropolitanas. No processo para a liberalização a redefinição do papel do Estado implicou na busca de reforma de sua estrutura político-administrativa, onde entre outros elementos, ocorreu um esvaziamento da função de planejamento econômico e territorial e dos seus organismos de ação. Neste sentido, os organismos de planejamento e gestão de regiões metropolitanas, criados em 1974, serão extintos ou igualmente esvaziados de suas atribuições e modalidades de ação. A passagem que se buscou através da descentralização de funções para os governos locais (prevista na Constituição de 1988) não se completa, pois embora os municípios tenham agora autonomia política para eleger seus prefeitos, não tiveram o repasse dos recursos orçamentários e tributários para fazer frente às novas funções que lhe são delegadas. A permanência da hipertrofia da função executiva focada no governante do país poderoso por hipercentralizar decisões (inclusive legislativas por meio das Medidas Provisórias) e a maior parte dos recursos (dado que não se faz uma reforma tributária distributiva de recursos e impostos pelos estados da Federação), fazem prisioneiros de lealdade politica, subserviência, clientelismo etc., os governantes dos estados federados, os quais replicam esta cultura com os prefeitos dos municípios. Isto dificulta a cooperação entre os diferentes níveis de governo, e tem também como conseqüências a não-configuração, ou a não consolidação de esferas de negociação e participação da sociedade civil na construção de políticas públicas, e muito menos no seu processo decisório. Com a redemocratização existiu uma abertura para a criação de muitas associações, inclusive de baixa renda. No mesmo momento, incrementa-se igualmente o terceiro setor com o surgimento de uma miríade de organizações não-governamentais, inclusive urna parcela importante ligados a problemática ambiental. Mas em ambos os casos observa-se sua pulverização com uma multiplicação de interesses, por vezes divergentes, sem que tenha construído-se formas de coordenação e integração que conjuguem demandas, reivindicações e participação em políticas públicas.
A vertente da democracia ampliada possibilita,por seu turno, a introdução das idéias-conceitos de governança.Isto porque esta supõe a participação da sociedade civil na construção de políticas assumindo a existência de uma pluralidade de atores que devem ser inseridos, e para que tenham uma coordenação que coloque em coerência suas demandas e permita iniciativas comuns. Pressuporia ,assim, a negociação permanente entre as partes,incluindo parcerias que articulem o público e o privado,e ações integradoras entre os diversos níveis de governo e organismos para tratar de domínios referentes ao território(habitação,transportes,infra-estrutura,entre outros). A ação conjugada de diferentes atores e parcerias visa,por sua vez, gerir divergências e possibilitar associar uma configuração territorial que atualmente encontra-se fragmentada sócio-territorialmente. Propõe-se a governança como a capacidade de gestão do território através de um arranjo negociado entre os diferentes atores sócio-políticos para articular a multiplicação existente de interesses. Supõe ,também, a cooperação entre diversos governos locais e níveis governamentais-cooperação intercomunal-e simultâneamente necessita da descentralização de ações para atender as demandas locais específicas. Conjuga-se,igualmente,numa virtual interdependência a introdução das idéias-conceito de governança e aquelas que propugnam pelo desenvolvimento sustentável do território. No caso brasileiro o tipo de abordagem da sustentabilidade será aquela colocada pelo campo neoliberal.
Esta abordagem define a sustentabilidade em termos da reinvenção das funções económicas no apoio do crescimento. A noção utilizada reduz a sustentabilidade a uma questão técnica guiada pela rentabilidade econômica. Deste modo, trabalha-se com (programas de remediação ambiental e de correção ou eliminação das conseqüências ambientais negativas do consumo e da produção privados, reduzindo a sustentabilidade à tarefa de limpar problemas ambientais passados e prevenir novos, sem modificar de forma estrutural a economia nas esferas da produção e consumo (Lake,2000; Foladori 2001a).
A saída exclusivamente técnica aos problemas ambientais mostra que detem-se nas causas aparentes sem tocar nas suas causas estruturais, sendo assim resolvidos de forma atomizada, setorizada, sem perceber sua compreensividade onde integram-se componentes ambientais, políticos e econômicos.
O Estado no Brasil, assim sendo, criou departamentos, setores especializados, e mesmo secretarias e ministérios na estrutura de governo para lidar com o meio ambiente (Foladori 2001 b), mas trata-o somente como "problema" ecológico, e não como algo que seria "resposta" a problemas sociais e políticos (Brand, 2001). ( --- A questão é então tratada no seio da racionalidade técnico-científica, sem participação cidadã e dos demais atores envolvidos, não especialistas, numa construção social sobre as condições e soluções para um urbano-metropolitano sustentável. No caso 1 das metrópoles brasileiras, onde a população de baixa renda vive em áreas sem serviços urbanos, a inexistência de esfera pública de discussão e propositiva lhes dá poucas oportunidades de participar de metas de sustentabilidade.
A experiência da Agenda 21 no Estado do Rio de Janeiro (instituída como Comissão Executiva da Agenda 21 Rio em 1999) tenta introduzir um formato mais participativo e de formação de consensos, combinado com a busca do rompimento da estanqueidade da lógica setorial da estrutura de governo propondo uma "transversalidade" da noção de desenvolvimento sustentável em todas as secretarias de estado, para servir de exemplo de um redesenho da esfera estatal na direção de uma descentralização. A experiência na prática, contudo, revelou-se uma outra configuração de esfera consultiva, onde inclusive os empresários reforçam o seu peso político; e sua metodologia replica projetos isolados e âmbito sócio-espacial restrito.
Então, com este conjunto de tópicos colocam-se questões para a possibilidade de governança com metas de sustentabilidade. Onde a governança com sustentabilidade para as regiões metropolitanas propõe a gestão integrada tem-se uma atomização de autoridades, níveis de governo (em geral conflitantes) e organismos para tratar de diferentes domínios (habitação, transportes, meio ambiente...). Onde necessita cooperação entre os diversos atores e a negociação para formação de consensos encontra dispersão de interesses, e hipercentralização nos governantes na formulação e decisões , autoritarismo e hegemonismo. Quando propugna descentralização e funções e ações, com coordenação e cooperação entre níveis de governo e intercomunidades, vê-se em face da centralização de recursos e decisões a nível supra-metropolitano e mesmo dependente de resoluções do Presidente da República.
Para tentar uma resolução desses paradoxos, mesmo que apenas relativamente e de forma ainda assim incompleta, busca-se na substituição do modelo de planejamento urbano um caminho no sentido de dar a base para a configuração de uma governança.
O campo de concepção neoliberal reformula seu discurso sobre o urbano visando introduzir a base conceituai do modelo estratégico no lugar do modelo racional — funcionalista. Enxerga-se no modelo estratégico os elementos que possibilitariam a implementação de princípios e dispositivos de governança.
A reestruturação produtivo-econômica, advinda da crise do fordismo com a introdução do sistema de produção flexível caracterizado por acentuação da desconcentração e fragmentação das fases e funções de produção; a revolução da informatização , a utilização do método just-in-time, conduz igualmente a uma reestruturação do território, onde o espaço metropolitano ganha maior relevo como epicentro da nova expansão capitalista, e induz a um novo modelo de planejamento adaptativo a normas dinâmicas e ao movimento do sistema urbano. O planejamento estratégico intervindo pontualmente, qualificando ou requalificando bairro a bairro, rua a rua, por projetos urbanos, utiliza-se de um princípio de gestão mais flexível, descentralizado, eficiente e eficaz. Do setor empresarial são apropriadas idéias-chave como: "criar e explorar condições favoráveis" (marketing urbano); desenvolver potencialidades" (imagem atrativa) e sobretudo, "ser competitivo para a ação sobre a cidade tornada empresa" (Machado, 2004). Para atingir estes elementos o modelo pretende a coordenação e integração de níveis de governo e instâncias de ação, e invoca o fortalecimento de mecanismos nos participativos de decisão.
2. A realidade da administração centralizada e as propostas de Governança na Metrópole do Rio de Janeiro.
A Região Metropolitana do Rio de Janeiro contando com uma população da ordem de 11 milhões de habitantes (segundo o Censo Demográfico de 2001 —10.872.768 habitantes) tem alto grau de urbanização — (99,3%); (tanto no seu núcleo como nos 17 municípios que a compõem), alta densidade demográfica (1909,7 hab./m2), abarca 75,6% da população do Estado do Rio de Janeiro.
A área da região representa 12,43% da superficie total do estado do Rio de Janeiro. No centro encontra-se o município do Rio de Janeiro; ao norte os municípios de Nilópolis, São João de Meriti, Duque de Caxias, Guapimirim, Mesquita, Nova Iguaçu, Queimados e Belford Roxo concentram-se na Baixada Fluminense ; em volta da Baía de Guanabara encontram-se os municípios de Magé, São Gonçalo, Niterói, Itaboraí, e Tanguá; E a oeste, Seropédica e Paracambi.
A metrópole trata-se de um epicentro dinâmico(o segundo em importância no país) seja na dimensão econômica,como na social, contando com amplo setor comercial e de serviços;importante infra-estrutura portuária(2 portos);aero-portuária(2 aeroportos);tem os principais "hubs" de telecomunicações via internet do país;auto-estradas;vias expressas;importante setor industrial com pólos de produção de aço;petroquímicos.refinarias;possuem forte parque científico-tecnológico,contando com várias instituições de ensino e pesquisa;sendo também sede de grandes empresas(Petrobras,Vale do Rio Doce...),e de inúmeras instituições do governo federal;e seu núcleo concentra importantes equipamentos e instituições culturais.
O dinamismo e importância sócio-econômica da metrópole engendram igualmente, um conjunto de problemas que abrangem diferentes dimensões que conformam um elevado grau de complexidade para sua gestão. Entre os problemas ressaltam-se aqueles referentes a moradia;infra-estrutura de água/esgoto e a coleta e depósito do lixo;transportes;e questões ambientais que exigiriam uma administração e ações de âmbito metropolitano. Contudo, não existe na organização político administrativa do país a figura da autoridade de âmbito metropolitano — o governo metropolitano. A estrutura federativa do Brasil compreende três níveis de governo — a União, os estados e os municípios.
Estes últimos na forma que dispõe a Constituição de 1988 são titulares de autonomia própria, portanto não possuem apenas caráter administrativo autónomo, como aparecem como titulares de personalidade política, com prefeitos eleitos. Esta afirmação política dos governos locais, com ações próprias dificulta a existência de uma estrutura de coordenação pela atomização e diferenças de interesses conjugado a uma fragmentação que agrava-se pela competição pelos escassos recursos que não lhe foram destinados quando a descentralização proposta na constituição. Assim tem-se entre os 17 municípios da região metropolitana uma permanente e forte tensão proveniente das colisões e conflitos entre os interesses político-partidários, em muitos casos divergentes entre eles, e com o governo do Estado e da União de quem dependem para concretizar políticas urbanas, ambientais e sociais. A dependência das partes frente a União e governo do estado, que tem sua base na hipertrofia do executivo e na hipercentralização das decisões que conduz á política do clientelismo, tem mantido a metrópole em comando ao mesmo tempo atomizado pelos governos locais e centralizado na dependência aos níveis de governo do país e do estado federativo. Esta multiplicidade de comandos e de funções torna complexa a configuração de um ente de gestão metropolitano. Quando da criação, por lei, da figura da Região Metropolitana do Rio de Janeiro em 1974 sua motivação foi a de configurar um tipo de solução institucional para o planejamento através de um organismo supra local de âmbito metropolitano mas integrado a administração do governo a nível estadual. Neste sentido, este nível de governo criou a Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (FUNDREM) como entidade sob supervisão da Secretaria de Planejamento e Coordenação geral do Estado, com o objetivo de apoia-lo tecnicamente (em termos de planejamento de território). O organismo foi extinto em 1990, no contexto da adoção de idéias neoliberais, e desde então não existe um outro órgão responsável pelo planejamento da região metropolitana. A Constituição de 1988 delegou ao nível de governo do estado federado, através da organização integrada entre os municípios constituintes o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum. A integração não concretiza-se. como assinalado pelas razões expostas acima. Também, como conseqüência da maior autonomia dos governos locais a região metropolitana perdeu importância política.
Do ponto de vista funcional, podemos afirmar que a indeterminação/inexatidão do que é competência municipal e do que é estadual, bem como o enfraquecimento atual da entidade metropolitana, impedem que um planejamento integrado se realize efetivamente. Quando o nível de governo do estado federado assume várias funções de âmbito metropolitano, o núcleo da metrópole, a cidade do Rio de Janeiro predomina sobre as demais atraindo para si a maior parcela dos investimentos e ações públicas para a resolução de seus problemas em detrimento dos municípios periféricos. Em legislação complementar, de 1997, apresenta-se uma nova estrutura com características que apontariam para uma modalidade de governança. Nesta lei, a Região Metropolitana do Rio de Janeiro será administrada pelo poder executivo do estado federado, que seria assistido por um Conselho Deliberativo constituído por 13 (treze) membros representantes, cujos nomes seriam submetidos ao poder Legislativo, e nomeado pelo governador, com mandato de dois anos. Apesar da existência da lei, a Região Metropolitana do Rio de Janeiro não possui gestão compromissada com essa realidade. Tendo em vista que o Conselho Deliberativo jamais foi instalado e as decisões mais importantes quedam nas mãos do poder Executico sem ouvir o Legislativo, e outras são tomadas pelos prefeitos dos municípios.
Em termos de competências o nível de governo do estado federado, tendo a atribuição gestora da Região Metropolitana do Rio de Janeiro detêm a maior parte delas, mas os governos locais também tem determinadas funções, por vezes duplicando ações, gerando-se conflitos. Inicialmente podemos observar que como não existe um organismo metropolitano, será o nível de governo estadual que detêm a competência da função de coordenação e planejamento integrado inclusive do desenvolvimento econômico e social. Assim, o governo do Estado do Rio de Janeiro realizaria, exclusivamente, o planejamento integrado da Região Metropolitana e estabeleceria normas para o seu cumprimento e controle; coordenaria a execução dos programas e projetos de interesse metropolitano; estabeleceria, normas gerais sobre a execução dos serviços comuns de interesse metropolitano e o seu cumprimento e controle; exerceria as funções relativas à elaboração e supervisionaria da execução dos planos, programas e projetos relacionados às funções públicas e serviços de interesse comum, consubstanciado no Plano Diretor Metropolitano; promoveria, acompanharia e avaliaria a execução dos planos, programas e projetos, observados os critérios e diretrizes propostos pelo Conselho Deliberativo. Cabe salientar no entanto que além do Conselho Deliberativo não ter sido implantado, como assinalamos nunca existiu a configuração do Plano Diretor Metropolitano. Por seu turno, a coordenação e o planejamento integrado tem sido substituído por uma atomização de atividades e ações pontuais.
Já a competência sobre transportes, apesar deste ser considerado de interesse metropolitano, não existe uma autoridade neste âmbito para seu planejamento e gestão. Muito recentemente (em 2003) configurou-se um Plano Diretor de Transportes Urbanos para a metrópole, e apenas no plano das idéias o governo do Estado, como anunciou em 2007, pensa em instalar uma Agência Metropolitana de Transportes, o que configuraria uma autoridade supra-local. O transporte por ônibus e vans/ kombis e taxis são de competência dos municípios, a quem cabe também melhorias na rede viária, apesar de vias expressas e estradas poder também ser de competência estadual e mesmo federal. O transporte ferroviário, metroviário e aquaviário é concedido a empresas privadas e fiscalizados pelo governo do estado
A competência sobre abastecimento de água e coleta e tratamento de esgoto é do nível de governo estadual, mas muito recentemente (em 2007) parte da coleta de esgoto da cidade do Rio de Janeiro passou ao município. Observam-se tentativas de consórcio intermunicipais entre governos locais da área mais pobre da metrópole (Baixada Fluminense), para tentar resolver, principalmente, a questão da coleta de esgoto.A competência sobre meio ambiente-poluição atmosférica e de corpos hídricos-é do governo estadual, mas a coleta de resíduos sólidos é dos municípios, enquanto que sua deposição em aterro sanitário volta a ser do estado o que tem provocado conflitos pois o depósito localiza-se na área pobre da metrópole.
Por fim, apesar da previsão de um Plano Diretor Metropolitano, este nunca foi efetivado, e a competência sobre ordenação territorial está atomizada pelos diferentes municípios. A cidade do Rio de Janeiro, núcleo da Metrópole, assim como os demais estão obrigados pela Constituição de 1988 a terem Planos Diretores, e assim tem feito. A cidade do Rio de Janeiro tem um Conselho de Planejamento Urbano (COMPUR) formado por representantes do governo e da sociedade civil, mas ao invés de ter caráter deliberativo como a princípio estabeleceu-se, passou a ser meramente consultivo, e ainda assim muito raramente é convocado a opinar. No mesmo caso, além do Plano Diretor o governo local aplica um Plano Estratégico, que na primeira versão definiu os "pontos fortes" para o desenvolvimento do município através de uma Assembléia de representantes do empresariado, governo e organizações da sociedade civil organizada. No entanto a sociedade civil organizada em associações para demandas e posicionamentos frente a este quadro espelha uma grande heterogeneidade e fragmentação de interesses na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. A estrutura de representação dos interesses econômico-empresariais - Câmara de Comércio, Associação dos Lojistas, Federação das Indústrias, Associação de Dirigentes de Empresas Imobiliárias, Federação dos Bancos entre outros, tem mantido seu peso político-econômico nas discussões, demandas, e seu papel nas decisões sobre os assuntos da metrópole, até porque conseguiram guardar certa homogeneidade e articulação nos seus interesses. Já a representação das camadas populares — Associação de Moradores, Federação das Favelas, Federação de Associação de Moradores, Sindicatos de Trabalhadores, tem muitas vezes contestada suas representatividades e mostram uma maior atomização fragilizando suas demandas e reivindicações. Sua participação tem sido mais intensa nos fóruns de discussão (inclusive de Planos Diretores), de caráter consultivo, e não tem espaço, e não consegue obtê-lo quando dos processos decisórios, portanto deliberativos.
3 - A modo de conclusão: administração hiper-concentrada, questões de governança e desenvolvimento problemático do território metropolitano do Rio de Janeiro
No escopo deste trabalho observamos que a tentativa de introdução das idéias-conceitos de governança, principalmente através do modelo de planejamento estratégico, e de algumas iniciativas de reforma da estrutura do Estado brasileiro encontram pela frente uma cultura político-administrativa centralizada, apoiada por fortes grupos de interesses econômicos,e ao mesmo tempo constituída por ações atomizadas quanto às políticas para o território. O caso da Região Metropolitana do Rio de Janeiro apresentado no escopo deste trabalho, evidencia as dificuldades para a introdução do desenvolvimento sustentável e sua relação com a modalidade e dispositivos de governança.
O discurso da redução do papel do estado na economia desmonta um conjunto de organismos dedicados às dimensões da dinâmica metropolitana esvaziando o instrumento de planejamento territorial. O esfacelamento da Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, não repondo-se em seu lugar nenhum outro órgão e conduz a uma multiplicidade de comandos, através, do governo do estado e dos governos locais municipais. Esta multiplicidade de comandos mostra que a descentralização da estrutura político-administrativa do país pretendida, ainda que parcial não completa-se, e na verdade tem-se um movimento duplo simultâneo de desconcentração e concentração o que cria um alto grau de complexidade para a constituição de fórum e ações metropolitanas.
Assim, cada município da região metropolitana faz seu Plano Diretor, sem vislumbrar os problemas em comum com os vizinhos. O Plano Diretor, tendo sua base conceituai no modelo racional-funcionalista continua a ser elaborado visando a uma zoneamento urbano com a configuração de áreas de especificas que podem ser diferentes em cada município pois atendem em primeiro lugar os interesses do capital imobiliário, indústria e comércio, focam, também, a maior parcela dos investimentos em rede viária, que é de competência do governo local. O ordenamento do território metropolitano estará, assim sendo, demarcado por um mosaico de segmentos compartimentados.
A Agenda 21 apesar do discurso propositivo de integração "transversal" de ações, para o "desenvolvimento sustentável", e ter como alvo de um âmbito mais abrangente — o Estado do Rio de Janeiro — e com base numa descentralização, na prática age pontualmente, prioriza o "local" sendo o todo apenas uma soma de partes reforçando o "mosaico" assinalado, e não dissolve a concentração de poder decisório nas mãos do governador do estado.
A estrutura de governo mantém uma hipercentralização no governador do Estado do Rio de Janeiro, e mesmo que os prefeitos dos municípios também exerçam a mesma hegemonia e centralização nos governos locais, como não tem recursos suficientes, repassado pela União e pelo Estado do Rio, tem que manter o tempo todo demandas reinvindicatórias num permanente jogo onde misturam-se compadrio, subserviência, clientelismo, interesses político-partidários...Isto porque os recursos para elementos chave de sua funcionalidade como água/esgoto e transportes tem origem no orçamento da União, em maior parcela, e dos estados federados. Na esfera decisória, centralizada nos poderosos governadores e Presidente da República tem prevalecido os interesses econômico-empresariais sobre o social.
Os setores populares da sociedade civil da Região Metropolitana do Rio de Janeiro tem buscado organizar-se em movimentos reinvidicatórios, mas sua característica é de pulverização por uma miríade de associações, nem sempre com interesses em comum, e sem um fórum que os coordene e promova um consenso em torno de uma agenda em comum. Na Agenda 21, e nos diversos Planos Diretores, nota-se, uma intenção de abertura de canais de participação. Esta participação apresenta-se, por vezes, meramente em termos de formalidade, como por exemplo nas audiências públicas de discussão do Plano Diretor do Rio de Janeiro em habitação, transporte, saneamento... pois se a sociedade civil pode ter voz nas discussões, a tematização do que vai ser levado à esfera decisória tende a ser conduzida pelos atores de maior peso econômico-setor imobiliário, banco, indústria e comércio que consegue induzir seus interesses como sendo o "interesse geral". Embora a fase de discussão e elaboração do Plano passe pelo poder legislativo — onde se dá a abertura de voz a setores populares -quando passa-se ao momento do processo decisório, volta-se à base racional-funcionalista do Estado brasileiro, onde tão somente o aparelho técnico-burocrático formula as diretrizes do Plano, informa ao governo do Estado a quem cabe sancionar e vetar. Mas notam-se esforços-tentativos de aprofundamento da possibilidade da participação em alguns municípios periféricos por meio de instrumentação de setores populares em legislação urbanística, ordenamento de território, Estatuto da Cidade, e a configuração de fóruns de formulação, gestão, e controle de políticas públicas pela comunidade, através da criação de figuras como o Conselho da Cidade, e o Congresso da Cidade. Estes planos, que ampliam a participação por compreenderem esferas públicas com maior autonomia, ainda que não plena, também buscam romper o modelo racional-funcionalista com propostas de integração com municípios vizinhos. Uma idéia de Consórcio de Municípios tem sido buscada entre os governos locais da área periférica da região metropolitana — a Baixada Fluminense, mas tem esbarrado na dependência de recursos da União e do Estado. Prevêem uma integração coordenada, principalmente na coleta e tratamento de esgoto, mas a competência sobre este tema e recursos são de âmbito estadual e federal.
O discurso do desenvolvimento sustentável aplicado ao contexto urbano-metropolitano gerou um conjunto de organismos nas estruturas do governos estaduais e locais voltados à problemática ambiental- Secretaria de Meio Ambiente, Instituto Estadual de Florestas, a Agenda 21, entre outros, e instrumentos como o Estudo de Impacto Ambiental (EIA)
Contudo, o privilegiamento da agenda econômica visando o "crescimento" e a concepção neoliberal de liberação das forças de mercado conduzem a ações de caráter remediador de impactos ambientais de realizações de projetos, e limpeza de suas conseqüências — poluição de corpos hídricos, doenças... ou de conscientização de segmentos da sociedade para a preservação de meio ambiente com base numa educação ambiental (Fórum 21,1998).
Um primeiro nível de ação, mais imediato que poderia dar a base de uma sustentabilidade está na relação entre as condições mínimas de vida e o meio ambiente, mas a não universalização do acesso a serviços de água/esgoto, e coleta de lixo, induz a uma degradação ambiental nas áreas de baixa renda (Jacobi 1988, Kleiman,2002). A não articulação de grande parcela da população à redes-serviços coloca-a fora da cidade legal/oficial, o que dificulta sua inserção em movimentos de discussão de políticas públicas, pois tem que privilegiar no seu dia-a-dia, a busca pela água e como descartar o esgoto. Dois importantes elementos que dariam base a sustentabilidade estão descartados: aqueles funcionais que garantiriam a qualidade do meio ambiente não se completam, pois grandes áreas da metrópole tem problemas de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto; e aqueles da coesão social que estará fragmentada numa parcela não-incluída no mundo urbanizado e que tem dificuldades de participação por necessidades de sobrevivência e falta de uma esfera democrática.
Os empecilhos de sustentabilidade agravou-se também no campo mais imediato pelo privilegiamento do modelo automotivo como meio de deslocamento. Como em todas as metrópoles brasileiras, no Rio de Janeiro, os movimentos diários são marcados pela possibilidade de acessibilidade da camada de maior renda, e os constrangimentos aos deslocamentos da camada de baixa renda. Assim, se grande parcela da população tem dificuldades ou mesmo impedimento, de sair da moradia ao trabalho, à escola, aos hospitais... um dos pilares da sustentabilidade — a justiça social - já apresenta-se corroído. O modal automotivo, exige também constantes modificações no seu suporte — a rede viária, canalizando parte importante dos recursos para infra-estrutura (cerca de 70%) à manutenção, extensão e modernização das redes viárias, o que implica no privilegiamento da resolução da circulação da camada de maior renda. Governança e desenvolvimento sustentável ainda interagem na dependência da capacidade de articular interesses diversos dos diferentes atores sociais com base em cooperação e negociação. Depende, assim, de mobilização através da associação de parceiros para a discussão, negociação, consentimento, e decisão de políticas para o território. (Offner, 1999; Le Fèbvre, 1998). Neste sentido, o estado como ator hegemônico cede lugar a uma pluralidade de atores que devem ter seus interesses concertados numa esfera de discussão e negociação em busca de consensos, o que pressuporia também, equilibrar o peso político-econômico de cada ator. Acontece que, ainda que no processo de redemocratização do país tenham-se aberto determinados espaços para diferentes atores, inclusive de baixa renda, terem direito a voz, consultivamente, não constitui-se uma esfera pública autônoma (Habermas, 1987) onde pudessem, equilibradamente, participar do processo decisório. Além disso, como já assinalamos, o Estado não perdeu seu papel centralizador mantendo-se um peso desmesurado na figura do poder executivo — o Presidente da República; os governadores dos estados federados, e os prefeitos de cidades.
Por seu turno, têm-se que concertar, também,diferentes níveis de governo —estado e municípios. Isto esbarra no conflito de interesses político-partidários, e mesmo nas indefinições sobre competências — o que seria estadual, o que seria municipal, o que seria nacional (por exemplo: enquanto grassa a epidemia da dengue existe uma discussão interminável se o combate ao mosquito transmissor cabe a qual nível de governo — o mosquito é local, estadual ou nacional?)
Assim, no caso do Rio de Janeiro,onde a governança com sustentabilidade propõe a gestão integrada tem-se uma atomização de autoridades, níveis de governo (em geral conflitantes) e organismos para tratar de diferentes domínios (habitação, transportes, meio ambiente...). Onde necessita cooperação entre os diversos atores e a negociação para formação de consensos encontra dispersão de interesses, e hipercentralização nos governantes na formulação e decisões , autoritarismo e hegemonismo. Quando propugna descentralização e funções e ações, com coordenação e cooperação entre níveis de governo e intercomunidades, vê-se em face da centralização de recursos e decisões a nível supra-metropolitano e mesmo dependente de resoluções do Presidente da República.
Percebe-se que o desenvolvimento do território metropolitano do Rio de Janeiro carece de uma configuração político-institucional que possibilite uma administração coerente com sua complexidade. A multiplicidade de interesses em um território fragmentado exigiria instituições de coordenação e integração;consórcios e cooperação intercomunais;colocar em coerência,através da participação com negociação as demandas da pluralidade dos atores;parcerias público-privadas;entre outras iniciativas. Enfim supor-se-ia uma redefinição de princípios de ação pública em torno de dispositivos de governança com sustentabilidade. Estes dispositivos permanecem, no Rio de Janeiro, em grande parte adstritos ao nível do discurso, ou quando postos em prática apresentam-se como mecanismos parciais, pontuais, não configurando um todo articulado. Estão presentes como pequenas "ilhas" num "oceano" de uma estrutura hipercentralizada, autoritária, com ações atomizadas para o desenvolvimento do território.
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