23/07/2019
CHÃO URBANO ANO XIX, nº 4 JULHO / AGOSTO DE 2019
Editor
Mauro Kleiman
Publicação On-line
Bimestral
Comitê Editorial
Mauro Kleiman (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)
Márcia Oliveira Kauffmann Leivas (Dra. Em Planejamento Urbano e Regional)
Maria Alice Chaves Nunes Costa (Dra. Em Planejamento Urbano e Regional) – UFF
Viviani de Moraes Freitas Ribeiro (Dra. Planejamento Urbano e Regional IPPUR/UFRJ Luciene Pimentel da Silva (Profa. Dra. – UERJ)
Hermes Magalhães Tavares (Prof. Dr. IPPUR UFRJ) Hugo Pinto (Dr. Em Governação, Conhecimento e Inovação, Universidade de Coimbra – Portugal)
Editores Assistentes Júnior
Beatriz Angelo e Julia Paresque
IPPUR / UFRJ
Apoio CNPq
LABORATÓRIO REDES URBANAS LABORATÓRIO DAS REGIÕES METROPOLITANAS
Coordenador
Mauro Kleiman
Equipe
Beatriz Mesquita Angelo e Julia Paresque
Pesquisadores associados
André Luiz Bezerra da Silva, Audrey Seon, Humberto Ferreira da Silva, Márcia Oliveira Kauffmann Leivas, Maria Alice Chaves Nunes Costa, Viviane de Moraes Freitas Ribeiro, Vinícius Fernandes da Silva, Pricila Loretti Tavares
QUEM PRODUZ A PERIFERIA? A PRODUÇÃO DO BAIRRO DE CAJAZEIRAS EM SALVADOR, BAHIA
Camila Fernanda de Sousa Lopes[1]
Kaíc Fernando Ferreira Lopes[2]
Isadora Cardoso[3]
1 Engenheira Civil, Centro Universitário Planalto do Distrito Federal,
camilafernandalopes@hotmail.com
2 Me. Eng. de Transportes e Gestão Territorial, Universidade Católica do Salvador,
kaic.lopes@ucsal.edu.br.
3 Graduanda no curso de Bacharelado em Geografia, Universidade Católica do Salvador,
Isadora.cardoso@ucsal.edu.br
RESUMO
Este artigo é resultado de uma pesquisa empírica realizada no bairro de Cajazeiras XI, no contexto periférico da cidade de Salvador. O espaço urbano de uma grande cidade é complexo e pode ser entendido como um produto histórico, e a partir destes fatos, o artigo busca explorar a produção do espaço urbano na periferia de Salvador, mais especificamente o bairro de Cajazeiras XI, uma das unidades do Projeto Urbanístico Integrado Cajazeira. Para atingir ao objetivo proposto, o artigo analisa a produção do espaço urbano do bairro identificando quem o produz, através da pesquisa e exposição dos agentes envolvidos e dos processos ocorridos no espaço, logo, são identificados conforme Corrêa (1995), os seguintes agentes: a) os promotores imobiliários; b) o Estado; e c) os grupos sociais excluídos.
Palavras-chave: Produção do espaço urbano. Grupos sociais. Periferia urbana. Exclusão socioespacial.
1. INTRODUÇÃO
O espaço urbano é o local onde acontecem as relações sociais e econômicas e onde ocorre o desenvolvimento do capitalismo, que fica expresso em sua base territorial, que reflete através do espaço a sociedade de classes gerada pela expansão capitalista. No espaço urbano estão presentes a produção, comercialização, investimentos e as transações que configuram e organizam a dinâmica da circulação do capital no território. É preciso ressaltar que neste mesmo espaço de circulação do capital é onde se encontram as diferenças sociais de apropriação do capital, onde circulam as benesses gerenciadas pelo Estado em conjunto com a iniciativa privada, que acabam por gerar impactos no território, entendidos como os processos de ordem socioespacial. Logo, no contexto da cidade capitalista é possível encontrar a centralização da oferta dos bens e serviços que estão distribuídos no espaço e de outro lado, a carência e precariedade deles.
Neste mesmo espaço complexo e repleto de contradições, não são apenas as ações do mercado que acabam por transformar e (re)configurar o espaço urbano, mas também as relações sociais de outros agentes que são capazes de modelar e remodelar através de uma dinâmica particular calcada muitas vezes nas relações de solidariedade, autoconstrução e resistência destes grupos.
No contexto capitalista de produção e acumulação, existe a ordenação de serviços e equipamentos que devem ser distribuídos no espaço urbano, bem como para quem e onde estes mesmos devem ser destinados, ou seja, uma ordem socioespacial, mas, existe uma espécie de “contraordem” que é instituída pelos grupos que não possuem capital, mas que é expressivo em relação à quantidade e que quando unidos e mobilizados são capazes de alterar e se apropriar de um território – quando este não é de interesse do Estado e/ou do capital – deixando suas marcas através de ações coletivas e de saberes construídos em conjunto que acabam por resultar em um dinâmico processo histórico de relação com o lugar.
Esta “contraordem” acontece principalmente nas áreas em que os “olhos” do Estado e do capital não estão voltados, o que acaba por definir uma vida diferente das áreas das áreas onde há ação direta e investimentos dos agentes que possuem maior poder econômico. A “contraordem” aqui citada, se refere à necessidade dos grupos que possuem menor poder econômico de criar estratégias para sobreviver, que geram relações socioespaciais, que geram territorialidades que são expressas na vida cotidiana dos indivíduos presentes no espaço urbano, entendidas como as relações sociais sobre o espaço. A cidade, o bairro, a rua, a praça são o lugar da vida, onde todos os dias acontecem as trocas diárias, as disputas e onde são construídos os elos de sentimento, pertencimento dos indivíduos para com os demais, seja na comunidade ou na vizinhança, o território define a vida no lugar.
Este lugar do cotidiano é configurado como o espaço das práticas políticas e culturais que ocorrem no espaço urbano. A população, no caso do espaço urbano negligenciado, uma vez segregada socioespacialmente, acaba por definir seus territórios, impondo de maneira coletiva seus modos de vida, onde o espaço urbano simplesmente acaba por refletir as identidades e histórias de vida todos os indivíduos responsáveis pela produção cotidiana deste mesmo.
Neste artigo, é analisado o bairro de Cajazeiras XI, localizado na periferia da cidade de Salvador, capital do Estado da Bahia e possui sua história iniciada por volta do ano de 1970 com o projeto urbanístico iniciado pelo governo estadual para atender a famílias que recebessem até cinco salários mínimos – requisito este que já na época criava barreiras para os que não possuíssem a faixa salarial mínima.
Figura 01: Localização da Bahia no Brasil e localização de Cajazeiras XI em Salvador
Fonte: Elaboração própria, 2019.
O bairro de Cajazeiras XI, de acordo com o último Censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o bairro possui uma população de 16.899 habitantes (IBGE, 2010), e como todo espaço produzido no contexto de uma sociedade capitalista, é possível observar a fragmentação das diferentes condições socioeconômicas presentes em Salvador, onde, mesmo em um bairro que é predominantemente ocupado por uma população de baixa renda, há indivíduos que estão presentes no grupo dos excluídos que são mais excluídos através das últimas ações do capital e do Estado no bairro, que serão analisadas no decorrer do artigo.
Nos últimos tempos, por conta da precariedade de moradia e para maximizar seus lucros, o capital passa a voltar o olhar para o bairro na intenção de produzir moradias que sejam capazes de aumentar seus lucros, isso acontece por conta do valor do terreno, que no caso de Cajazeiras XI, possui um valor muito baixo e que faz com que o capital imobiliário consiga obter altos lucros na produção de moradia, nos últimos anos, o bairro tem presenciado a construção de condomínios residenciais, começando a gerar um processo de especulação imobiliária. É preciso ressaltar que estes novos condomínios possuem um padrão diferenciado dos conjuntos habitacionais construídos pelo Estado no chamado “Projeto Urbanístico Cajazeira”.
Portanto, a seguir pretende-se analisar a produção do espaço urbano do bairro identificando quem o produz, através da pesquisa e exposição dos agentes envolvidos e dos processos ocorridos no espaço. Para atingir este objetivo, serão identificados conforme Corrêa (1995), os seguintes agentes: a) os promotores imobiliários; b) o Estado; e c) os grupos sociais excluídos.
2. A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO
De acordo com Corrêa (1995), “o espaço de uma grande cidade capitalista constitui-se, em primeiro momento de sua apreensão, no conjunto de diferentes usos da terra justapostos entre si.” (CORRÊA, 1995, p. 7). Estes diferentes usos são organizados das mais diversas maneiras que se refletem nas áreas industriais, as áreas de comércio, área de lazer etc.
De acordo com Corrêa (1995), o espaço urbano é fragmentado e articulado, ressaltando que a fragmentação e a articulação ocorrem no espaço urbano, simultaneamente, onde:
cada uma de suas partes mantém relações espaciais com as demais, ainda que de intensidade muito variável. Essas relações manifestam-se empiricamente através de fluxos de veículos e de pessoas associadas a operação de cargas e descarga de mercadorias, aos deslocamentos quotidianos entre as áreas residenciais e os diversos locais de trabalho, aos deslocamentos menos frequentes para compras no centro da cidade ou nas lojas de bairro, às visitas aos parentes e amigos.
O espaço urbano, congrega materialidades e imaterialidades que são resultados das ações e relações dos agentes sociais envolvidos na produção e consumo, que são capazes de criar e recriar este mesmo, conforme suas práticas e necessidades. Para compreender a dinâmica urbana é preciso entender através da análise, como os agentes sociais atuam na produção do espaço urbano, uma vez que seus interesses e escalas de ação, determinam processos que, quando materializados no espaço são capazes de definir e redefinir a configuração da cidade.
Autores como Bahiana, Capel e Corrêa, definem tipologias para os agentes sociais da produção do espaço urbano. Neste contexto, Corrêa (1995), considera que as relações entre os agentes sociais e a produção do espaço urbano, podem ser agrupados em duas visões, a primeira é que “considera a ação dos agentes sociais concretos, com papeis rigidamente definidos, portadores de interesses, contradições e práticas espaciais que ora são de cada um, ora são comuns” e a outra que “que diz respeito à escala como dimensão espacial na qual a ação humana, seja qual for, efetivamente se realiza.” (CORRÊA, 2011, p. 40).
As ações sobre o espaço urbano possuem caráter histórico, assim como são estratégias e práticas espaciais que compreendem ideologias, que acabam por gerar contradições e conflitos. Para Corrêa (2011), os agentes sociais estão “inseridos na temporalidade e espacialidade de cada formação socioespacial capitalista” (CORRÊA, 2011, p. 43), e de acordo com o autor, os agentes são capazes de materializar os processos na construção do ambiente social, ou seja, o espaço urbano, reforçando que os agentes e os processos são elementos fundamentais e inseparáveis da sociedade de do seu movimento.
Sobre os Processos identificados no bairro, é possível citar a Segregação socioespacial, que pode ser definida como a concentração de tipos de população dentro de um mesmo território. No caso de Cajazeiras XI, a segregação urbana pode ser lida como a segregação residencial e socioeconômica. O bairro possui um forte padrão de concentração de pessoas com baixa renda e grande parte das moradias resultam de invasão de terras.
No bairro de Cajazeiras XI, a produção do espaço está relacionada ao processo histórico de criação, onde conjuntos habitacionais foram construídos com o objetivo de produzir moradia para determinados grupos que poderiam acessá-las de acordo com suas faixas de renda. Em relação à produção destes espaços, é possível observar as fotos feitas no local, conforme as figuras a seguir.
Figura 02: Moradias produzidas pelo Estado
Fonte: Elaboração própria, 2019.
Figura 03: Moradias produzidas pelo Estado
Fonte: Elaboração própria, 2019.
Figura 04: Novas moradias produzidas por agentes imobiliários
Fonte: Elaboração própria, 2019.
Figura 05: Novas moradias produzidas por agentes imobiliários
Fonte: Elaboração própria, 2019.
Figura 07: Ocupação dos grupos sociais excluídos
Fonte: Elaboração própria, 2019.
Conforme as figuras retratam, o bairro possui uma forte estratificação. Os indivíduos que possuem renda, mesmo que mínima, conseguem acessar as moradias produzidas pelo Estado e pelos agentes imobiliários. Do outro lado, os grupos sociais excluídos modelam o espaço de acordo com suas necessidades.
É possível perceber no bairro, a diferença socioespacial, conforme é possível constatar nas figuras, o espaço dos grupos sociais excluídos parece ter a ausência das mãos do Estado.
3. CONCLUSÃO OU CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi possível constatar que o bairro apresenta forte segregação socioespacial na escala local, uma vez que, as moradias produzidas pelo Estado e as mais recentes, pelos promotores imobiliários, são acessadas por uma pequena parcela da população, na tentativa de auto segregação em condomínios “fechados”, já a esmagadora maioria da população, invade terrenos desocupados, e são configurados como os grupos sociais excluídos, uma vez que só podem acessar a moradia através da produção e modelação de seu próprio espaço.
REFERÊNCIAS
BAHIANA, L. C. C. Agentes modeladores e uso do solo urbano. Anais da Associação dos Geógrafos Brasileiros, Rio de Janeiro, n. 18, 1978, p. 53-62.
CAPEL, H. Agentes y estratégias em la producción del espacio urbano español. Revista geográfica, n. 8, p. 19-56.
CORRÊA, R. L. O espaço urbano. São Paulo: Ática, 1995.