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Chão Urbano ANO IX – N° 4 JULHO / AGOSTO 2009

01/07/2009

Integra:

ANO IX – N° 4  JULHO / AGOSTO 2009

Editor

Mauro Kleiman

 

Publicação On-line

Bimestral

 

Comitê Editorial

Mauro Kleiman

Márcia Oliveira Kauffmann

Maria Alice Chaves Nunes Costa

Viviani de Moraes Freitas Ribeiro

 

IPPUR / UFRJ

LABORATÓRIO REDES URBANAS

LABORATÓRIO DAS REGIÕES METROPOLITANAS

 

Coordenador Mauro Kleiman

 

Equipe

Aline Alves Barbosa da Silva, Carolina Rezende Kroff, Fernanda Comenero Melo de Moura, Priscylla Conceição Guerreiro dos Santos

 

Pesquisadores associados

Audrey Seon, Humberto Ferreira da Silva Márcia Oliveira Kauffmann, Maria Alice Chaves Nunes Costa, Viviani de Moraes Freitas Ribeiro. Vinícius Fernandes da Silva

 

Artigo

 

Infra-estrutura de Água e Esgoto e Favelas

Mauro Kleiman

 

 

Infra-estrutura de Água e Esgoto e Favelas

Mauro Kleiman

Tomando-se como marco de tempo o final dos anos 30 do século XX, quando começa a acelerar-se o processo de urbanização, nota-se no crescimento das cidades as áreas de moradia populares, que expressando também uma “não-política” habitacional vão segregando-se em favelas e/ou cortiços nos interstícios dos núcleos urbanos, e numa intensa periferização sob a forma de loteamentos, onde a ausência de infra-estrutura viabilizava o preço baixo do lote (Santos, 1980; Jacobi, 1989; Oliveira A., 1993; Parisse, 1969).

O Estado, durante pelo menos seis décadas, utilizando-se do argumento jurídico que anotava como irregulares ora a ocupação das terras onde se fincavam as moradias, no caso das favelas, por exemplo, ora a clandestinidade e/ou irregularidades urbanas dos loteamentos, pratica uma política de ausência, não articulando estas áreas de habitação populares às modernas redes de infra-estrutura que vinham sendo implantadas e desenvolvidas nas cidades, muitas vezes ao lado destas áreas populares. O que se pode observar é que ao longo deste período de mais de 60 anos o Estado troca uma política de presença, abrangente e sistemática por barganhas políticas: é o momento de instalação de bicas d’água na parte baixa dos morros, uma caixa d’água aqui, outra ali, doação de canos e manilhas.., enfim o “toma lá da cá seus votos” conhecido como política clientelista (Oliveira, A., 1993; Kleiman, 1997, 2002, 2005).

O resultado desta “não-política” ou política da ausência foi duplo. Por um aspecto, as cidades no Brasil terão uma estrutura intra-urbana como um mosaico de partes que não se articulam. Assemelham-se à “um queijo suíço”, onde a parte onde está o queijo são as áreas de camadas de maior renda com acesso aos serviços urbanos, e onde estão os furos as áreas populares sem poder contar com os mínimos benefícios da urbanização. Por outro aspecto, diante da ausência do Estado, à semelhança da autoconstrução da habitação, as camadas populares terão também a necessidade e mais um sobre-trabalho de auto-construírem sua infra-estrutura. Assim aparecem modelos de alternativas, sejam totalmente clandestinas (o “gato” na rede d` água),  sejam  “toleradas”,  ou mesmo apoiadas pelos governos nos mutirões para canalizar-se a água, em que o Estado entrava com os canos. Mais difíceis foram as tentativas de alternativas para a coleta de esgoto, e então ou “espeta-se” a rede pluvial (quando esta existe ), ou utilizam-se mesmo as “valas negras” e o “balão de fezes”. Quando conseguem constróem-se rede unitária, numa tradução do sistema francês do “tout-à-l`égout”, jogando nele a água da chuva, o esgoto, o lixo, móveis velhos,roupas...com as conseqüências que pode-se imaginar (Kleiman 1997, 2002, 2005).

As áreas de renda baixa nas cidades brasileiras passaram desde os anos 30 do século XX, até meados dos anos 90 sem uma política abrangente e sistemática de água e esgoto. Durante este largo período a marca será a do não-provimento ou provimento muito precário. Para as favelas o poder público atuou de maneira clientelista-eleitoreira instalando aqui e ali no máximo “bicas d’água”, enquanto que para os bairros periféricos como, por exemplo, aqueles da Baixada Fluminense e Zona Oeste do Rio de Janeiro se faziam a modalidade de manobras na rede  para “emprestar-lhes” água quando esta sobrava na cidade, ainda assim atingindo pequeno número de habitantes, com irregularidade, pouco volume e baixa pressão. Se na água ainda havia alguma opção para dotá-la mesmo que precariamente, quanto ao esgoto restavam as “valas negras” do lançamento a céu aberto. Este será, portanto, um período de “não política” pública de infra-estrutura para as camadas de renda baixa, que responde com a autoconstrução de redes “alternativas”.

As favelas, visadas nos anos 1960-70 por uma política de remoção das áreas de interesse do capital imobiliário para zonas periféricas das cidades voltam a se expandir nos anos 80-90. No Rio de Janeiro e Salvador entre 20 a 40% da população mora em favelas (Maricato, 2001). A partir da década de 1980 observa-se a configuração de políticas institucionais de urbanização de favelas em substituição a idéia de remoção desenvolvendo-se um discurso de intervenção por meio de ações integradas – política de habitação com dotação de infra-estrutura, equipamentos urbanos, etc. – que na realidade não se concretiza a não ser por alguns êxitos parciais e pontuais. A partir de meados da década de 1990 identificam-se Programas que propugnam a integração das favelas aos bairros, com o objetivo de inseri-las na cidade formal. Será neste contexto que se identifica a partir de 1995 Programas de Água e Esgoto para prover acesso aos serviços às camadas de baixa renda. Estes programas com parte financiada por empréstimos de organismos internacionais, com contrapartida dos governos estaduais e/ou municipais propõem-se a instalar redes completas de Água e Esgoto, articulando-as, seguindo normas e especificações técnicas regulares. Pensa-se, ao introduzirem-se estas redes nas áreas de camadas populares, integrá-las à cidade legal/oficial. Os primeiros destes programas são os aplicados no Rio de Janeiro: “Favela-Bairro”, o “Despoluição da Baía de Guanabara” e o “Nova Baixada”, e que depois serão replicados em outras cidades como o “Baía – Azul” e seu braço para  a área popular o “Ribeira-Azul” em Salvador. A questão que se coloca é que estes programas têm se revelado pontuais atingindo apenas algumas áreas de renda baixa e não um programa generalizador, e por outro aspecto seus resultados são parciais numa articulação às redes de água e esgoto, mas com problemas no serviço prestado (Kleiman 1997, 2002, 2005).

 O padrão de distribuição sócio-espacial da infra-estrutura no caso de água e esgoto aponta através dos programas citados para uma novidade singular de aplicação de recursos para acesso a meios essenciais para camadas de renda baixa. Esta modificação não altera o padrão, pois se mantém fortes e maiores investimentos nas áreas de maior renda.

Esta situação coloca em pauta outro elemento importante para a reflexão, qual seja o do modelo de rede utilizado para água e esgoto nas cidades brasileiras. O modelo padrão das redes com grande porte, hiperdimensionado e contando com sofisticação técnica foi standartizado para todas as cidades.

Constituiu-se assim uma uniformização de tipologia de rede e também de sua normatização (regras técnicas de engenharia, desde as peças componentes à implementação, operação e manutenção, e de tarifação). Configurou-se neste sentido um quadro coerente com a estruturação sócio-espacial das cidades com base no modelo racional-funcionalista. As redes de infra-estrutura em geral, inclusive as de água e esgoto objeto de nosso estudo, contextualizam-se como contribuintes na configuração das cidades no bojo do modelo racional-funcionalista. Como no Brasil o modelo, como já assinalamos, controla e equipa apenas a parte da cidade dita formal em nexo com as camadas de maior renda e interesses imobiliários, de acordo com a separação de usos e funções diferenciados por classes, o modelo padrão da rede de água e esgoto foi concebido para atender apenas esta parte. Em primeiro lugar, porque seu porte e sofisticação técnica exigem sua alocação onde exista demanda solvável que minimamente reponha o custo de implantação, operação e manutenção, o que exclui as camadas populares, que não têm renda para pagar a tarifação do acesso. Em segundo lugar, seu projeto de engenharia prevê uma correspondência com a ortogonalidade das cidades, não encontrada na estrutura urbanística das áreas pobres onde as “ruas” são aquilo que sobra da superposição das casas, de modo que o modelo da rede não “consegue” nelas penetrar. O modelo standartizado de rede revela capacidade de responder a especificidade da demanda das áreas de camadas de maior renda, colocando problemas para uma resposta as de menor renda. A uniformização das redes, portanto não conduz à universalização dos serviços.

Assim se o padrão de distribuição sócio-espacial da infra-estrutura no caso de água e esgoto aponta através dos Programas Especiais citados para uma novidade singular de aplicação de recursos para acesso a meios essenciais para camadas de renda baixa, esta modificação não altera o padrão, pois se mantém fortes e maiores investimentos nas áreas de maior renda, aparentemente introduzindo-se apenas uma espécie de “desvio” no padrão para um atendimento em áreas de baixa renda, que não altera substancialmente seu conteúdo, devendo ser levantado e analisado, como propomos no projeto ora apresentado, o grau de urbanização que estaria sendo atingido quanto à implantação e prestação de serviços.

 

 

 

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