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Chão Urbano

CHÃO URBANO ANO XVIII - nº 4 JULHO / AGOSTO DE 2018

30/07/2018

Integra:

 

CHÃO URBANO ANO XVIII - nº 4  JULHO / AGOSTO  DE 2018

 

Editor  

Mauro Kleiman

Publicação On-line

Bimestral

Comitê Editorial

 • Mauro Kleiman (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)

• Márcia Oliveira Kauffmann Leivas (Dra. em Planejamento Urbano e Regional)

• Maria Alice Chaves Nunes Costa (Dra. em Planejamento Urbano e Regional) – UFF

 • Viviani de Moraes Freitas Ribeiro (Dra. Planejamento Urbano e Regional IPPUR/UFRJ)

• Luciene Pimentel da Silva (Profa. Dra. – UERJ)

• Hermes Magalhães Tavares (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)

 • Hugo Pinto (Dr. em Governação, Conhecimento e Inovação, Universidade de Coimbra – Portugal)

Editores Assistentes Júnior

Silvana Ferreira de Lima

 IPPUR / UFRJ

Apoio CNPq

LABORATÓRIO REDES URBANAS LABORATÓRIO DAS REGIÕES METROPOLITANAS

Coordenador

 Mauro Kleiman

Equipe

João Gabriel Caciano e Letícia Rosa da Silva.

Pesquisadores associados

 André Luiz Bezerra da Silva, Audrey Seon, Humberto Ferreira da Silva, Márcia Oliveira Kauffmann Leivas, Maria Alice Chaves Nunes Costa, Viviani de Moraes Freitas Ribeiro, Vinícius Fernandes da Silva, Pricila Loretti Tavares.

 

 

 

Índice

ORIENTAÇÃO DAS POLÍTICAS DE TRANSPORTE A PARTIR DOS PRINCÍPIOS DA COESÃO E EQUIDADE SOCIAL: ALGUMAS QUESTÕES SOBRE O SISTEMA DE BRT NO RIO DE JANEIRO.. 3

 

TRANSPORTE COMO SERVIÇO PÚBLICO E COMO DIREITO FUNDAMENTAL: DECISÕES POLÍTICAS E LEGITIMAÇÃO JURÍDICA DO TRANSPORTE POR ÔNIBUS NO RIO DE JANEIRO.. 18

 

A CRISE DA MOBILIDADE URBANA NO RIO DE JANEIRO: O MODAL CICLOVIÁRIO COMO POSSIBILIDADE  32

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ORIENTAÇÃO DAS POLÍTICAS DE TRANSPORTE A PARTIR DOS PRINCÍPIOS DA COESÃO E EQUIDADE SOCIAL: ALGUMAS QUESTÕES SOBRE O SISTEMA DE BRT NO RIO DE JANEIRO[1].

 

André Luiz Bezerra da Silva[2]

Resumo

Os transportes, que durante muito tempo foram tratados apenas por um viés numérico-quantitativo, passam, nos últimos anos, a ser um tema de investigação privilegiado também no campo das chamadas ciências sociais. Alargam-se assim as suas possibilidades de atuação no seio de políticas urbanas atuais, não mais apenas como uma técnica da engenharia, mas também por sua função social, a partir do estreitamento de relações com princípios como coesão territorial e equidade social. No Brasil essa temática, ainda que muito timidamente, tem estado cada vez mais presente nos debates urbanos, a partir de uma nova legislação e seus possíveis efeitos no ambiente urbano. No Rio de Janeiro, as recentes políticas de transporte público, apesar de ainda apartadas de um planejamento mais amplo e sistêmico, podem revelar boas oportunidades para a realização de projetos e ações voltados para as áreas menos privilegiadas da cidade, amenizando um quadro histórico de desigualdade sócio-espacial, atribuindo um outro e mais amplo e importante papel para os sistemas de transportes públicos. 

Palavras-chave: Transportes; Planejamento; Coesão; Equidade.

 

1 - Introdução

       Algumas orientações de natureza politico-normativas vêm destacando nos últimos anos a importância da dimensão territorial e das características locais na formulação de políticas públicas, enxergando o território não só como um espaço de suporte às atividades e serviços existentes, mas também como um sistema social e institucional com várias relações, atividades e transações econômicas, culturais e sociais. A respeito disso, Santinha (2014) afirma que os processos sociais e econômicos tomam forma num contexto espacial e podem ser influenciados por fatores geográficos como a distância/proximidade, a identidade de cada local e também as características físicas, sociais, culturais e demográficas.

       Segundo o autor, contraria-se, portanto, a lógica que muitos autores defendiam no final do século passado: com o fenômeno da globalização e o advento e a proliferação das tecnologias de informação e comunicação, o espaço deixaria de ser relevante, na medida em que haveria uma perda de importância do acesso a fatores de produção tangíveis, em prol do interesse da disponibilidade de fatores de produção intangíveis, designadamente a informação e o conhecimento. 

       Decorrente da maior importância que vem sendo atribuída à dimensão territorial no seio das políticas públicas, os princípios de coesão territorial e equidade social vêm ganhando maior destaque e atenção nas últimas duas décadas no bojo de algumas orientações políticas, notadamente nas de transporte, com o intuito generalizado de alcançar o desenvolvimento harmonioso de todos os territórios (ou seja, um desenvolvimento social e econômico mais equilibrado e equitativo), valorizar a sua diversidade e complementaridades, possibilitando à população aproveitar melhor as características existentes em cada território.

       Assim, este artigo objetiva, mais na forma de uma abordagem preliminar da temática do que no estabelecimento de definições conclusas, tecer algumas reflexões e considerações sobre a importância e possibilidade de aplicação dos princípios de coesão territorial e equidade social na concepção das políticas de transporte. A discussão é feita basicamente em duas partes: na primeira aborda-se algumas questões teórico-conceituais sobre os princípios de coesão e equidade e a forma como vêm sendo incorporados pelas políticas de transporte, sobretudo a partir do final do século XX e início deste, revelando o que vem se denominando como uma essência  multidisciplinar dos transportes; na segunda parte do artigo tenta-se apontar alguns caminhos e sugestões, envolvendo os princípios de coesão territorial e equidade social, para implementação junto ao recente sistema de BRT (ainda em instalação) no Rio de Janeiro.

 

2 - Os princípios de coesão territorial e equidade social nas políticas de transporte  

      Algumas políticas de transporte, sobretudo em países da Europa como Espanha e Portugal, e também da América do Norte como Canadá e Estados Unidos, vêm sendo orientadas nos últimos anos pelos princípios que norteiam a ideia de coesão territorial e equidade social.  Tais políticas visam, antes de tudo, que os sistemas de transporte possam contribuir para um desenvolvimento harmonioso/equilibrado do território, em que a dimensão territorial adquire uma maior preponderância. Exemplo disso percebe-se no Projeto da Linha Metrosur de Madrid,  desenvolvido a partir de 2000 como uma estratégia de planejamento urbano com base no poder indutor da oferta de novos padrões de acessibilidade e usos do solo em áreas carentes. Na Cidade do Porto, Portugal, o projeto metroviário, inaugurado em dezembro de 2002,  nasceu a partir de uma concepção de desenvolvimento que ultrapassa em larga escala questões e preocupações operacionais e arquitetônicas das infra-estruturas e equipamentos do próprio sistema, buscando antes interagir e se relacionar com a cidade, visando um vasto e forte domínio de integração urbana na elaboração do próprio projeto e integrando o sistema num contexto metropolitano diverso e extremamente complexo. Em 2010 a prefeitura de Toronto, no Canadá, iniciou um projeto de expansão dos antigos Path (caminhos) das décadas de 1960 e 1970, imensas galerias subterrâneas interligadas às estações de metrô e trem e aos edifícios e estabelecimento das áreas envolventes, com alta concentração de serviços, atividades e pessoas. Os empreendimentos mais recentes em Toronto, localizados nas áreas envolventes desse sistema, têm como ponto fundamental sua ligação com o "underground" e o sistema metroviário da cidade. Nos Estados Unidos projetos mais recentes de implantação de sistemas de BRT vêm sendo realizados em antigas áreas industriais, a exemplo de Cleveland, aproveitando infraestruturas já instaladas e incentivando, a partir de instrumentos previstos na legislação urbana, a revitalização de áreas degradas. No Brasil, algumas ações, ainda que timidamente, tentam acompanhar essa tendência, como as "Ruas da Cidadania"[3] em Curitiba e o projeto dos Shoppings Metrô[4], em São Paulo. Esses projetos e ações vêm sublinhando de forma constante a importância da abordagem de princípios como coesão territorial e equidade social como fatores essenciais na formulação de políticas de transporte coletivos. Sem a intenção de esgotar a discussão, façamos então uma rápida abordagem desses dois princípios nas políticas de transporte.

       A noção de coesão territorial, central em algumas políticas recentes de transporte, emerge formalmente em 1986, no Ato Único Europeu, que inicialmente fez da coesão econômica e social uma nova competência da União Europeia, com o intuito de se promover o desenvolvimento mais harmonioso do território. Mas é só com o Tratado de Amsterdã (1997) que surge pela primeira vez o conceito de coesão territorial num texto oficial. Há, segundo Santinha 92014), quatro episódios institucionais relativamente recentes que marcam significativamente a política territorial na Europa: a publicação da Agenda Territorial da União Europeia (primeiro em 2007, e a versão renovada em 2011); o lançamento do Livro Verde sobre a coesão territorial (2008); a inclusão da coesão territorial no Tratado de Lisboa (2009) como 3° pilar de atuação a par da coesão econômica e da coesão social;  e o esboço da Estratégia Europa 2020, adotada em 2010, com o intuito de relançar a economia europeia e na qual a coesão territorial surge como um dos principais objetivos a atingir. No âmbito desses episódios, a ideia de coesão territorial apresenta-se com uma espécie de conceito catalisador, a partir do qual diversas políticas possam gerar práticas discursivas e integradas.

       Como uma possível orientação para as políticas de transporte, o princípio de coesão territorial ainda não apresenta uma clareza total de ideias e ações, verificando-se algumas incompletudes relacionadas ao seu conceito (o quê) e à sua operacionalização (como).

       Não obstante essa dificuldade, autores como Pereira e Carranca (2009) defendem que a ideia de  coesão territorial está, antes de tudo, à semelhança dos conceitos de coesão econômica e social, intimamente ligado ao princípio de solidariedade e, nessa medida, visando garantir objetivos de equidade no acesso aos equipamentos, aos serviços, às infraestruturas, às atividades e ao conhecimento. A ideia de coesão territorial representa uma possibilidade de discutir as atuais tendências territoriais, e deve ser considerada como um referencial que permite estruturar diferentes valores e culturas, e promover um diálogo intersetorial (TATZBERGER, 2006; SERVILLO, 2010).

       Neste sentido, e seguindo a linha de pensamento proposta por Santinha (op. cit.), entende-se que as políticas de transportes, para que possam ajudar na amenização de algumas desigualdades urbanas, precisam cada vez mais, apesar de toda indefinição conceitual que possa haver, orientaram-se a partir de um conjunto de dimensões analíticas subjacentes ao princípio de coesão territorial, que para Santinha (op. cit.), a princípio, seriam três: 1) reconhecer e lidar com a heterogeneidade territorial e a complexidade das dinâmicas territoriais; 2) estabelecer uma organização territorial que promova a intensificação das relações interurbanas e a complementaridade de usos, funções e competências entre áreas urbanas; e 3) desenvolver intervenções integradas assentes em sistemas de governança territorial.

       Sobre a dimensão da heterogeneidade territorial e a complexidade das dinâmicas territoriais importa, num primeiro momento, que as políticas de transportes sejam concebidas para reconhecer e combater a problemática associada às disparidades territoriais, questão esta que desde cedo se constituiu em uma das principais preocupações inerentes às políticas públicas -  veja-se, por exemplo, o caso da Política de Coesão da União Europeia e a atribuição dos fundos estruturais -, cujas intervenções têm sido, de certa forma, ancoradas no desenvolvimento de estratégias de promoção de justiça social, um princípio normativo associado à equidade ou igualdade de oportunidades (Sen, 2010, apud SANTINHA, op. cit.). A associação do conceito de justiça social a questões territoriais por autores como Lefebvre (1969), Harvey (1973; 1996), Young (1990) e, mais recentemente, Soja (2010) e Fainstein (2010), veio não só contribuir para um aprofundamento da noção de território, que não deve ser encarado simplesmente enquanto objeto inanimado e passivo onde ocorrem processos sociais, como também chamar a atenção para a relação que existe entre esta dimensão e a sociedade. Intervir sobre os territórios a partir das políticas de transporte torna-se pois crucial se quisermos que sejam mais equitativos, devendo, neste sentido, a distribuição de recursos, serviços, equipamentos e o seu acesso ser considerado um direito humano básico.

       As políticas de transporte precisam assim tirar partido da diversidade dos territórios, ou seja, considerar as potencialidades e as fragilidades territoriais diferentes, o que consequentemente se traduz na análise das capacidades (bens, equipamentos, infraestruturas, recursos...) existentes para formular políticas diversificadas, aproveitando os elementos e equipamentos de que dispõe o território ao nível material,  na forma de recursos culturais, bens públicos e a estrutura urbana em geral. Esta orientação baseia-se no pressuposto de que as políticas de transporte não devem orientar-se somente pela ofertas de mais e rápidos deslocamentos, ainda que sejam importantes e fundamentais, mais principalmente como uma forma de combate à assimetrias locais de desenvolvimento, orientando e incentivando  investimentos seletivos e valorizando recursos locais. Espera-se assim que algumas políticas de transporte deixem de ser pensadas tão somente  a partir de situações problemáticas, para passarem também a considerar o território e seus equipamentos e elementos enquanto recursos fundamentais para aumentar o leque de oportunidades de quem ali vive ou desenvolve suas atividades, e enquanto fonte de qualidade de vida, bem-estar, conhecimento e bom desempenho para as organizações

       No que se refere à dimensão da organização territorial, as políticas de transporte precisam atuar no sentido de evitarem concentrações excessivas de desenvolvimento em poucas áreas, facilitando o acesso aos benefícios proporcionados pelas aglomerações existentes em todos os territórios; melhorando o acesso, através de uma melhor conectividade, aos serviços de interesse geral, de forma social e espacialmente equitativa; eliminando divisões, na medida em que os problemas de conectividade e de concentração só podem ser eficazmente resolvidos com a estreita cooperação entre todos os níveis de intervenientes. Não espera-se com isso que as políticas de transportes venham alimentar um tipo de desenvolvimento exclusivamente policêntrico, mas sim que possam contribuir de forma mais eficaz na promoção de uma organização territorial capaz de encorajar a cooperação, isto é,  promover uma maior complementaridade entre as áreas urbanas, de forma a que estas desempenhem um papel estrutural ao criar espaços mais harmônicos e, ao mesmo tempo, desenvolver possibilidades de acesso à atividades e serviços públicos e privados por parte de grupos sociais menos privilegiados. O que de fato tenta-se destacar é a possibilidade de que as políticas de transporte venham a contribuir mais fortemente para o desenvolvimento de áreas urbanas mais equânimes, seja no seu core ou nas chamadas periferias, aproveitando-se do potencial que muitas destas venham oferecer (MEIJERS; WATERHOUT; ZONNEVELD, 2007). 

        A partir desta ótica, faculta-se a possibilidade de que as políticas de transporte fomentem novos relacionamentos e interdependências funcionais e espaciais, minimizando a velha dicotomia centro/periferia, promovendo uma maior integração e complementaridade territorial urbana (MARQUES, 2003), podendo constituir-se num fator não só integrador, mas também de desenvolvimento para o território.

       Quanto à dimensão de governança territorial, as políticas de transporte, para que possam atuar na produção de um quadro de melhor coesão territorial, precisam cada vez mais serem produto de uma articulação mais eficiente, quer entre diferentes níveis de administração (ideia de governança multinível ou de cooperação/coordenação vertical, a que está associado o princípio de subsidiariedade), quer entre entidades/atores do mesmo nível (ideia de cooperação/coordenação horizontal entre diversos atores, incluindo esferas pública, privada, sociedade civil e terceiro setor), questões decisivas para a formulação de políticas de transporte e sua participação em estratégias coletivas territoriais (BOTKA, 2009; FEIO; CHORINCAS, 2009; JANIN RIVOLIN, 2010, apud SANTINHA, op. cit.). É vasta e diferenciada a literatura que discute o tema da governança no campo das política territoriais, mas o seu conceito e os contextos onde é aplicado não são consensuais, pelo que não existe, a priori, um mecanismo de governança superior aos demais. Apesar de tudo, há um reconhecimento generalizado de que o termo governança, quando pensado para as políticas de transporte, se refere ao desenvolvimento de diferentes formas de atuação, em que a fronteira entre os setores público, privado e sociedade civil têm se atenuado (RHODES, 1996; STOKER, 1998).

       Sobre o princípio de equidade social, este ganha destaque nas políticas territoriais principalmente a partir da década de 1990 (CAMPBELL, 1988; DAVEY & DEVAS, 1996; LIMA, 2004; FIREMAN, 2014). No Brasil essa discussão já se esboça desde a década de 1970 (KOWARIK, 1970; ABREU, 1978; VETTER e MASSENA, 1982), mas só no fim da década de 1980, após o término da ditadura militar, é que ela ganha destaque em documentos oficiais, com a Constituição Federal de 1988, buscando reafirmar os direitos humanos e os objetivos sociais em políticas implementadas a partir de então (LIMA, op. cit.).

      A etimologia da palavra “equidade”, segundo Grave (s.d.), vem do latim aequitas, que significa igualdadesimetriaretidãoimparcialidadeconformidade. Pode também ser entendida como a forma de conceber igualdade tratando de forma desigual e justa os grupos que estão em desvantagem a outros, a fim de amenizar algumas desigualdades. Fireman (op. cit.) defende que equidade, e também inequidade[5], são conceitos políticos, que além de expressarem quantidades, como os termos igualdade e desigualdade, expressam também uma avaliação moral relacionada à justiça social[6]. Essa perspectiva faz pensar o quanto importante pode ser a presença da ideia de equidade nas políticas urbanas para a produção de cidades melhores para se viver.

       No seio exclusivo das políticas de transporte esse debate ganha força na forma de uma crítica às ações pontuais e micros dos sistemas de transportes coletivos, dirigida em sua maior parte por uma lógica empresarial e mercadológica, não contribuindo para um melhor quadro de igualdade e oportunidades, sobretudo em cidades latino-americanas, onde o uso do solo urbano é marcado por contrastes entre áreas bem providas de infraestrutura e de equipamentos urbanos, próximas e mesmo contíguas de outras onde esses recursos são insuficientes e/ou inexistentes. Essa estrutura tem potencializado uma discussão acerca da natureza e do papel social das políticas de transporte, que ainda sem pretender alcançar um quadro de igualdade plena, almeje pelo menos uma situação de melhor equidade na distribuição de alguns equipamentos e serviços urbanos, na direção de uma justiça distributiva na cidade, reconhecendo peculiaridades e necessidades diversas.

     Alguns estudos (SILVA, 2015, 2016; ITDP, 2016) vêm discutindo essa questão da ideia de equidade nas políticas de transporte, e como estas poderiam se integrar num planejamento territorial mais amplo. Embora reconhecendo a existência e importância de outros fatores ligados à ideia de eqüidade social, tais como habitação, saneamento, renda, educação, saúde, cultura, dentre outros, existem alguns que, por seu grande poder catalisador de ações, vêm ganhando muita relevância, como o setor de transporte, capaz de desencadear inúmeros outros processos na relação com a cidade.

       As políticas de transporte, enquanto projetos e ações voltados para a produção de uma melhor equidade social, tem estado cada vez mais presente no debate sobre o futuro do Brasil e, principalmente, de suas metrópoles, notadamente em razão de seus efeitos no ambiente urbano, não mais apenas como uma técnica da engenharia, mas também por sua função social. A concepção e implementação de políticas de transporte não mais podem excluir do seu seio os debates sobre o direito à cidade, entendido este como o usufruto eqüitativo das cidades e seus equipamentos e serviços, dentro dos princípios da sustentabilidade e da justiça social, pelo contrário, precisam cada vez mais ter esses fatores como um dos eixos norteadores de suas ações e projetos, enquanto uma condição inarredável de participação no mundo urbano (ITDP, 2016). Para além da otimização do movimento físico, as políticas de transporte tornam-se também uma ferramenta de justiça social, uma vez que a distribuição espacial dos serviços, equipamentos e atividades urbanas normalmente distam dos locais de moradia da maioria da população - fato que se agrava para as parcelas de menor renda.

     Enquanto parte de um ordenamento territorial mais amplo e complexo, e orientadas pelo princípio de equidade, podem as políticas de transporte tornar-se um meio pelo qual os governos consigam prover acesso justo e mais equânime para a superação das necessidades sociais básicas, como acesso ao emprego e condições de vida razoáveis, indiferente de renda ou localização. Tendo o princípio de equidade enquanto uma condição primária para sua realização, as políticas de transporte seriam concebidas principalmente para uma melhor distribuição de benefícios de urbanização para todos membros de uma sociedade, indiferente de onde eles vivem.

       Os princípios de coesão territorial e equidade social aqui sucintamente tratados, acredita-se, podem gerar uma melhor possibilidade de abordagens e implementação das políticas de transportes, mais articuladas e integradas à várias dimensões setoriais, ou seja, facilita e incentiva a procura de coerência de políticas, também estas baseadas numa visão partilhada sobre um mesmo território. Essa ideia de articular, integrar e territorializar as políticas de transportes, incorporando nas mesmas os princípios de coesão e equidade, contribui para uma maior sinergia entre diferentes políticas e para a maximização dos seus impactos territoriais, amenizando o fato de as decisões sobre transportes serem tomadas essencialmente de um ponto de vista setorial e de forma desarticulada com as outras políticas territoriais.

 

3 - Orientação das políticas de transporte a partir dos princípios de coesão territorial e equidade social no Rio de Janeiro: os recentes sistemas de BRT  

       Nos últimos anos as discussões sobre as políticas de transporte no Rio de Janeiro vêm ultrapassando cada vez mais a ideia de que estas devam estar centrada apenas na otimização do deslocamento físico, buscando também formas de (re)criar novas relações cotidianas entre pessoas e lugares, com uma melhor distribuição de serviços, equipamentos e atividades pela cidade. Sendo um dos maiores viabilizadores da mobilidade urbana, os equipamentos de transporte, considerados objetos sócio-técnicos, teriam, com esse pensamento, o objetivo de romper com a estanqueidade do território (KLEIMAN, 2015).      

       A partir principalmente da implantação da Política Nacional de Mobilidade Urbana[7], e mais recentemente do Estatuto das Metrópoles[8], os transportes, não só no Rio de Janeiro mas também em outras cidades do Brasil, precisam ser pensados e tratados para muito além dos aspectos exclusivamente econômicos, como algo essencial no funcionamento e na configuração da vida social da cidade. Neste sentido, o transporte, especialmente o coletivo, se constitui em fator essencial para manutenção do equilíbrio da sociedade, representando, pois, um importante cenário de construção da vida social, ao fornecer efetivas oportunidades para a integração entre o indivíduo e a cidade. Nesse espaço, é permitindo ao indivíduo, por um lado, obter condições de expressar sua individualidade, por outro, tomar conhecimento de outros estilos de vida, de modelos culturais e das atividades e serviços sociais, reconstruindo assim de forma permanente seu habitar[9] no mundo.

       Com a recente implantação dos Sistemas de BRT[10] no Rio de Janeiro, torna-se urgente e necessária a orientação desses projetos a partir dos princípios de coesão territorial e equidade social, criando-se, assim      espera-se, novas possibilidades de relações dos transportes públicos com a cidade, relações que não apenas de trabalho, consumo ou lucratividade, mas também de incentivar misturas, expectativas, sonhos, desejos, esperanças, diminuindo esquemas de segregação e disparidades sócio-espaciais. Esta característica nunca esteve presente nas políticas de transporte público no Rio de Janeiro, impedindo um papel dos transportes coletivos enquanto instrumento produtor de espaços equânimes, dotados de boa urbanidade e não tão desiguais. Na verdade trata-se de uma importante lacuna a ser preenchida quanto ao papel dos transportes coletivos e seus equipamentos no Rio de Janeiro, que inclui não apenas a otimização e eficiência dos deslocamentos, mas principalmente a vinculação desses equipamentos à produção de espaços capazes de propiciarem mudanças futuras e novas oportunidades na vida de muitas pessoas, e nesse aspecto os sistemas de BRT precisam ser repensados em seus efeitos sobre a cidade.

       O Sistema de BRT, até onde se sabe e se pode pesquisar, vem sendo projetado e implantado sem um planejamento específico orientado a partir dos princípios de coesão e equidade,  desconsiderando aspectos territoriais, urbanísticos e sócio-econômicos das áreas ao longo do trajeto, caracterizando-se mais como um tipo de canalização do movimento pendular, provocando um efeito “túnel” em seu percurso: os veículos passam, mas de forma “cega”, sem compreender por onde passam (KLEIMAN, PACHECO, EYER, 2016) e sem dialogar com o território. Esse é um dos principais desafios que se coloca atualmente para a gestão pública no Rio de Janeiro, ou seja, a capacidade de relacionar e desenvolver esse sistema de transporte a partir dos princípios de coesão territorial e equidade social.

       Pensa-se inicialmente que algumas áreas envolventes dos equipamentos de interface[11] desse sistema,  poderiam, enquanto mini áreas de planejamento, e através de um plano específico e uma intervenção controlada, serem capazes de oferecer condições para uma melhor interatividade de ações e atores, pela conexão de densidades de pessoas, atividades, equipamentos e práticas sediadas nessas áreas de nodalidades urbanas, criando-se possibilidades de enfrentamento dos desafios referentes aos quadros de desigualdade sócio-espacial e fraca coesão de alguns contextos urbanos. Seriam criadas assim algumas Áreas de Intervenção Especial e Controlada (AIEC)

       Com diretrizes e normas específicas voltadas para o seu aproveitamento específico, além de um caráter multidisciplinar na sua elaboração, contando para isso com a participação de diversas secretarias municipais, as AIEC podem vir a ser uma ferramenta de auxílio ao poder público, em parceria com o poder privado e a sociedade civil, no desenvolvimento não apenas de ações votadas para a infra-estrutura viária e sistema de transportes coletivos, mas também na elaboração e coordenação das ações e projetos urbanos realizados nas áreas de influência dos equipamentos de interface, promovendo uma articulação mais estreita e concertada entre os setores de transporte coletivo e o urbanismo, favorecendo o desenvolvimento econômico, amenizando desigualdades sócioespaciais e possibilitando a disseminação de serviços, atividades e equipamentos urbanos por áreas já consolidadas e menos privilegiadas.

       A indicação dos equipamentos de interface e das AIEC mais propícios aos empreendimentos e projetos não seria uma coisa simples, exigindo-se o levantamento e análise minuciosa de importantes aspectos da área como: 1) população, empregos, renda; 2) faixa populacional excluída dos transportes coletivos por questões tarifárias; 3) Identificação da rede de transporte coletivo que atende à área e da demanda transportada nestas linhas; 4) Identificação das áreas com mais potencial de urbanização e/ou menos propícias ao adensamento, em relação à capacidade dos corredores de transporte; 5) Identificação da dependência da população da área pelo transporte coletivo; 6) evolução do uso do solo e adensamento populacional com a evolução da oferta de serviços de transporte; 7) Caracterização do sistema viário local; e 8) Identificação da localização dos equipamentos de interface e sua possível interferência no entorno. Reconhece-se que esses aspectos são apenas iniciais, podendo surgirem outros no decorrer dos processos de levantamento.

       Intervir de forma planejada nas AIEC, a partir de uma política que busque identificar os equipamentos de interface com maior potencialidade para desenvolvimento urbano, pode ter um duplo efeito que ajude na construção de um melhor quadro de coesão territorial e equidade social: 1) ajudar a encontrar soluções que potencializem e diversifiquem as atividades e serviços locais, trazendo inúmeros benefícios não só para a população mais próxima das AIEC e dos equipamentos de interface, mas também das áreas e municípios adjacentes, facilmente acessíveis pelo transporte coletivo, desenvolvendo uma melhor vivência e apropriação do espaço público, contribuindo ainda para renovar a imagem dessas localidades frente à cidade, ajudando a quebrar alguns preconceitos sociais existentes; e 2) promover um tipo de continuidade entre essas áreas e outros espaços metropolitanos adjacentes.

       Mais do que transformações físicas, e ressalvada as questões de ordem operacional que possa envolver, a construção do sistema de BRT, ainda que não seja este considerado como o mais adequado para ser a espinha dorsal do transporte público no Rio de Janeiro, deve permitir que se tire o melhor proveito de cada contexto, reconhecendo suas peculiaridades e potencialidades, facultando que um grande número de pessoas possam usufruir de novas situações, serviços e lugares, contribuindo na formação de uma consciência social e política acerca da importância de que os projetos para o sistema de transporte tenham como eixos centrais os princípios de coesão e equidade.

 

4 - Considerações finais 

       Muito além de uma reordenação de formas e deslocamentos, está em jogo neste momento um futuro de novas e melhores oportunidades na cidade do Rio de Janeiro, futuro este que para ser melhor não pode prescindir da ideia de transporte em um novo paradigma, abordando a relação dos deslocamentos das pessoas com o planejamento das cidades para um desenvolvimento mais harmônico e justo, de modo a propiciar o acesso universal da população às oportunidades oferecidas pela cidade.

      Conquanto não seja o único caminho possível para se pensar no desenvolvimento de um pretenso quadro de melhor coesão e equidade, nem desejando que tudo de melhor da cidade seja localizado junto ou próximo aos eixos de transporte, dependendo inclusive de outras ações para sua eficácia, tampouco objetivando a criação de um modelo ou método acabado, vale a pena considerar, e algumas experiências confirmam, a aplicação de princípios de coesão territorial e equidade social, aqui abordados de forma breve, na elaboração de políticas de transporte, como uma alternativa visando a valorização e dinamização de muitas áreas da cidade, sendo um instrumento fundamental e de imenso potencial, merecedor de tratamento e atenção.

     Desta maneira, acredita-se, o sistema de transporte coletivo assumiria uma posição mais central no que se pode chamar de uma reflexão urbana mais ampla, representando mais do que um somatório de equipamentos para o deslocamento urbano, mas promovendo a construção de visões de um desenvolvimento urbano que traduza a definição e a partilha de objetivos e projetos comuns. Teria-se assim a possibilidade do reforço de uma dimensão social nas políticas de transporte coletivo, associando-as, no caso dos espaços urbanos-metropolitanos, aos interesses de uma melhor equidade social e coesão territorial.

 

 

5 - Referências bibliográficas

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TRANSPORTE COMO SERVIÇO PÚBLICO E COMO DIREITO FUNDAMENTAL: DECISÕES POLÍTICAS E LEGITIMAÇÃO JURÍDICA DO TRANSPORTE POR ÔNIBUS NO RIO DE JANEIRO

 

  Rosangela M. Luft[12]

 

Introdução

 

 

   A mobilidade geográfica acontece no espaço e é principalmente através dos sistemas de transporte que a população consegue acessar os lugares nas cidades e dar efetividade a seus direitos, atenuando os efeitos segregadores produzidos pelas desiguais condições de ocupação do território. Entender o caráter não neutro do território e a necessidade de pensar e planejar seu acesso a partir das interações que se estabelecem entre os sujeitos e os lugares, são, portanto, condições fundamentais para entender a importância do transporte público na efetivação do direito à cidade (LEFEBVRE, 1991).

              Diferentes modais de transporte de passageiros estão entre os serviços de responsabilidade do Estado. Contudo, as condições de efetivação desses serviços públicos devem ter como premissa o enquadramento do transporte entre os direitos sociais fundamentais na Constituição Federal brasileira (art. 6º[13]). Tal inserção foi uma resposta às demandas e mobilizações sociais ocorridas no Brasil em 2013 e que tiveram como principal fundamento a baixa qualidade dos serviços e os altos custos suportados pela população com as tarifas (VELOSO, 2015). E, ainda, essa categorização tem importantes implicações, pois impõe ao Estado o dever de garantir a todos os cidadãos o acesso ao transporte público em condições isonômicas.

              Não obstante, mesmo expressamente qualificado como direito social, as decisões dos poderes públicos a respeito da provisão dos serviços de transporte costumam tratá-los primordialmente como mercadorias, como infraestruturas e mecanismos de fluxo (residência-trabalho), não como meios de promoção de acessibilidade. Essas decisões tendem a se centrar em critérios técnicos e econômicos que não priorizam as necessidades concretas dos usuários e dissimulam as relações de poder que se consolidaram em torno da exploração dos serviços. Nesse sentido, será abordado o caso do transporte rodoviário municipal do Rio de Janeiro, apontando como decisões políticas ligadas ao planejamento e gestão desse serviço reproduziram essa tendência. Será apontado como as desculpas de ordem técnica e financeira colocam em segundo plano as reais demandas da população usuária e obscurecem relações de poder fortemente oligopolistas (MATELA, 2014) – e corrompidas.

              As condições em que o desenho do serviço aconteceu no Município apontam que as modelagens técnica, jurídica e financeira não decorreram nem de políticas públicas de mobilidade, nem de um planejamento que contemplasse territorialmente as desigualdades econômicas e sociais estabelecidas no Rio de Janeiro. O poder público reproduziu sua tendência histórica de realizar intervenções reativas e episódicas, assumindo uma regulação meramente formal e institucionalizadora de movimentos realizados no seio da estrutura empresarial privada (ORRICO e SANTOS, 1999). A análise terá como principal referência os dados obtidos por meio dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instituída em 2017 na Câmara de Vereadores do Município do Rio de Janeiro[14].

              Para realizar a referida apreciação, em um primeiro momento o transporte será analisado a partir de dimensões substantivas derivadas de uma visão mais abrangente de mobilidade urbana e de transporte enquanto direito fundamental. Em um segundo momento, serão explicitadas algumas condições jurídicas que devem ser observadas para a operação do serviço público de transporte de passageiros e abordadas decisões a respeito de modelagem e da gestão do transporte rodoviário no Município do Rio de Janeiro. Avança-se, finalmente, para um debate necessário acerca da indissociável relação entre mobilidade enquanto direito e a democratização dos processos decisórios e de controle.

 

 

1.           Desigualdades territoriais e direito ao transporte

 

Compreender o caráter fundamental do transporte pressupõe entender os fatores reais que justificam sua caracterização como direito social. Um quadro de desigualdade e de intensa disputa por terra urbanizada favoreceu dois processos característicos da urbanização brasileira: a precariedade do uso do solo urbano e a metropolização expandida das grandes cidades. Alguns efeitos desse processo foram a ocupação irregular da terra, a autoconstrução da casa – pela população mais pobre – e a expansão de bairros sem urbanização, com sistemas de transporte precários para conduzir a força de trabalho (MARICATO, 2011). Nessa urbanização desigual, a lógica financeira do mercado imobiliário intensificou o deslocamento das populações de baixa renda para periferias ainda mais distantes.

O território não é, deste modo, elemento neutro onde se desenvolvem as relações entre os indivíduos. É possível identificar espacialmente a construção social de estruturas de privilégios quando se avalia, por exemplo, as disparidades entre os grupos sociais na localização da sua moradia em relação às atividades econômicas que exercem; quando se qualifica o local de vivência a partir dos bens e atividades urbanas essenciais disponíveis (escolas, postos de saúde, serviços públicos); ou, ainda, quando se compara o tempo necessário de transporte e os meios empregados para diferentes sujeitos acessarem as atividades urbanas (cultura, lazer, saúde, religião, serviços). O território é, portanto, condição essencial de compreensão da realidade social, pois a corporificação dos direitos ocorre espacialmente. 

Para Balbim, a definição dos lugares não se dá apenas por suas características intrínsecas, mas também “pela condição de mobilidade das pessoas que os ocupam e das redes que elas acessam e movimentam a partir desse ponto” (2016, p. 23-24). E, ainda, os espaços públicos acessíveis só geram mobilidade quando os indivíduos ou grupos se apropriam física e cognitivamente desses espaços (Santos, 2014). As características desta apropriação são determinantes para definir a mobilidade: produtora de igualdades ou desigualdades, promotora de espacialidades de cidadania ou de exclusão. 

Pinto e Ribeiro bem observam que “mais que deslocamentos pendulares, as práticas de mobilidade articulam diversos espaços urbanos a partir de práticas, experiências, recursos e agentes, em uma complexa rede física e de sociabilidade. As identidades são produzidas por meio das redes de pessoas, ideias e coisas em movimento e não pelo pertencimento a um espaço único, compartilhado de habitação, seja uma região, seja um Estado (Cresswell 2011). Constituem-se, assim, subjetividades móveis, que implicam diferentes formas de apropriação dos lugares” (2016, p. 176).

Uma vez que a acessibilidade não é recurso distribuído de forma equivalente entre os sujeitos, necessário reconhecer que o transporte público é um meio determinante de mobilidade geográfica, com potencial de redução das desigualdades territorializadas e de promoção de integração social. Para isso, é necessário que o transporte seja implementado no âmbito de políticas públicas que dialoguem as diferentes dimensões da vida nas cidades e busquem desempenhar um papel redistributivo por meio de medidas de planejamento e gestão dos serviços.  

Ainda que se tenha ampliado o reconhecimento do caráter social e inclusivo do transporte público (art. 6º, CF), enquanto meio de concretização de direitos no território, prepondera o tratamento técnico nos processos decisórios concretos. Os sistemas de transporte são definidos especialmente a partir da ideia de infraestruturas e tecnologias – não de pessoas –, as quais exigem o estabelecimento de condições operacionais eficientes que garantam equações econômico-financeiras equilibradas. Martens afirma que “a modelagem de transporte e a análise de custo-benefício são dois elementos chave utilizados no planejamento do transporte (…) pouca atenção é dada para outra dimensão chave do desenvolvimento sustentável: e justiça social” (2006, p. 01).

Dificilmente os critérios de economicidade e de eficiência técnica contemplados isoladamente para esses serviços estão em consonância com as demandas concretas, nem são capazes de desempenhar um papel espacialmente redistributivo. As maneiras como operam os poderes públicos e os agentes econômicos demonstram que são coadjuvantes as ideias de que um bom transporte público de passageiros implica uma visão socioterritorial sistêmica, capaz de atender todos os que dele necessitam e da maneira que melhor corresponda às suas necessidades. Se observamos os elementos que determinam as escolhas a respeito de modais e formas de execução dos serviços de transporte, identifica-se uma distância grande entre ações de mobilidade e necessidades sociais, sendo o transporte determinado notadamente por relações de poder (econômico).

 

 

2.           As decisões sobre o serviço público de transporte no Rio de Janeiro

 

A classificação jurídica de uma atividade como serviço público é atributo importante para entender as condições de operação dos modais de transporte. Na teoria jurídica, o conceito de serviço público é permanentemente tensionado, ora assumindo concepções mais abrangentes, ora sendo determinado a partir de elementos que restringem as atividades que integram esta categoria (DI PIETRO, 2017). Aragão conceitua serviços públicos como “atividades de prestação de utilidades econômicas a indivíduos determinados, colocadas pela Constituição ou pela Lei a cargo do Estado, com ou sem reserva de titularidade, e por ele desempenhadas diretamente ou por seus delegatários, gratuita ou remuneradamente, com vistas ao bem-estar da coletividade” (ARAGÂO, 2013, p. 151).

Realizando uma simplificação dos diferentes embates teóricos, pode-se afirmar que se qualificam como serviço público aquelas atividades categorizadas dessa forma por normas constitucionais ou infraconstitucionais. Aquilo que não receber legalmente esse enquadramento é considerado atividade de titularidade privada, a qual sofre regulação pelo Estado – no exercício do seu poder de polícia – ou serviço de interesse público, cuja titularidade é compartilhada entre Estado e particulares, com regimes de provisão diferenciados (ARAGÃO, 2008).

A maior parte dos modais de transporte de passageiros são tratados legalmente como um serviço público, ou seja, atividades prestacionais de titularidade dos entes públicos, os quais são os responsáveis por decidir sobre as condições de provisão destes serviços. Sobre eles incide a norma constitucional que estabelece que ao ente titular cabe decidir, a partir de uma escolha política, como irá provê-lo: se diretamente através da criação de uma empresa estatal ou se realizará a outorga para a iniciativa privada, devendo esta ser precedida de licitação (art. 175, Constituição Federal).

A licitação é procedimento próprio do regime jurídico público que se impõe quando há diferentes empresas no mercado com potencial interesse e em condições jurídicas e materiais para contratar a operação do serviço por determinado período, não sendo possível que todas o realizem simultaneamente, ou seja, envolve operação monopolística de linhas e/ou áreas. A licitação não é um fim em si mesmo, mas um procedimento que deve assegurar a ampla competitividade e uma igualdade de tratamento entre esses interessados para que, a partir dessa disputa, a administração obtenha a proposta mais vantajosa econômica e tecnicamente para os usuários (MOREIRA e GUIMARÃES, 2012).

No caso do transporte por ônibus, quando sua circulação acontece nos limites do território do Município, este é seu titular. No caso do Rio de Janeiro, o poder público municipal tem seguido a prática nacional de realizar a delegação da operação do serviço para instituições privadas (BRASILEIRO e HENRY, 1999). No ano de 2010 houve a primeira licitação de transporte que abrangeu todo o serviço rodoviário municipal de transporte de passageiros, sendo realizada a partir da divisão da operação serviço em cinco grandes áreas de transporte, sendo quatro delas licitadas – as redes de transporte regionais - RTRs 2 a 5[15]. Empresas interessadas foram induzidas a participar organizadas em consórcios, tendo em vista a amplitude de obrigações abrangidas pela operação e as condições estabelecidas para a habilitação técnica e financeira[16].

A despeito de um contrato de concessão delegar a operação do serviço por determinado período, ela não retira da Administração a titularidade do serviço. Logo, ela tem o dever de planejar as condições de qualidade e segurança, de atender as necessidades e interesses dos usuários da melhor maneira possível e de controlar a gestão de acordo com padrões fixados juridicamente (GOMIDE, 2000). Situações supervenientes à contratação, que porventura justifiquem novas imposições ao prestador do serviço, podem ser realizadas por meio de alterações no contrato. Nesse sentido, é importante conhecer os principais momentos em que as decisões fundamentais de um sistema de transporte são adotadas para avaliar os aspectos que são priorizados, os agentes dos processos de concepção e/ou alteração dos serviços, bem como as cristalizações em torno das condições de provisão.

O planejamento deve acontecer preliminarmente à licitação da operação e envolve medidas técnicas de modelagem; medidas econômico-financeiras de remuneração do serviço e de equilíbrio contratual; medidas jurídicas relativas à concorrência pública e de definição de direitos e obrigações do poder público, dos usuários e dos concessionários. A definição da modelagem do transporte público[17] precede a fase externa do processo licitatório, pois no momento da publicação do edital da concorrência já estão pré-fixadas, em sua essência, as condições regulatórias e de execução. As características de operação do serviço integram o próprio edital, seja em seu texto principal, seja em seus anexos.

Ao participar da licitação, as empresas concorrentes já conhecem os ônus e os limites de rentabilidade pela prestação do serviço, pois sua base essencial é estabelecida, conforme mencionado, no instrumento convocatório. É a partir deste que elas elaboram suas propostas para as concorrências públicas. As disputas entre os concorrentes giram em torno de alterações na tarifa de referência – estabelecida pelo edital – ou nos valores das outorgas pelos serviços. É no momento prévio ao ingresso dos concorrentes na licitação, portanto, que são firmadas as condições essenciais de equilíbrio econômico-financeiro do contrato que irá perdurar ao longo de todo o tempo em que a empresa assumir o papel de concessionária do serviço.

A modelagem do serviço pode ser efeito de estudos e decisões capitaneadas por órgãos e entidades que pertencem à administração pública. Contudo, no Rio de Janeiro, este tipo de inciativa é muito menos frequente, pois as modelagens dos serviços e das bases regulatórias contratuais são normalmente desenvolvidas por empresas privadas, contratadas pelo poder público ou, mais recentemente, por empresas privadas que participam de procedimentos de manifestação de interesse (PMI) cuja remuneração é feita posteriormente e dentro de condições legais[18].  

No caso do transporte por ónibus no Rio de Janeiro, sobretudo a partir do trabalho desenvolvido no âmbito da CPI dos ônibus, identificou-se como esses três âmbitos de planejamento do serviço aconteceram independente da participação dos usuários e por meio de medidas de duvidosa legalidade. A Prefeitura terceirizou a modelagem técnica, jurídica e econômico-financeira para instituições do mercado e esses serviços não foram remunerados pelo poder público, mas por empresa privada que atua no ramo de comercialização de cartões de crédito[19]. Não foi apresentado qualquer dado que indicasse a realização de PMI ou medida equivalente, a empresa privada de cartões doou os estudos à Prefeitura, a qual usou como base da licitação e do contrato de concessão. Esse “altruísmo”, de questionável impessoalidade, suscita questionamentos sobre o interesse dessa empresa na licitação e qual papel assumiu no contrato de concessão.

As referidas medidas ilegais de planejamento técnico, jurídico e econômico do serviço foram acompanhadas de outras ações do poder público que colocam em cheque a validade do procedimento licitatório e dos contratos de concessão dos serviços em vigor no Município.

Além da operação do serviço de transporte, a licitação envolveu outro importante serviço, que é correlato à primeira, mas que com ela não se confunde: a arrecadação e distribuição dos recursos, que acontece principalmente por meio da gestão da bilhetagem eletrônica. Uma vez que esse serviço precisa ser unificado para todo o sistema de transporte e operado de forma centralizada, era importante que o poder público municipal assumisse sua gestão ou fizesse uma contratação separada. Mas não foi o que aconteceu, por alegada decisão política do chefe do Poder Executivo[20], fixou-se que a bilhetagem eletrônica seria de responsabilidade das mesmas concessionárias de ônibus, o que induziu a uma operação centralizada da bilhetagem em uma empresa criada por entidade sindical representante dos interesses das concessionárias[21].

A decisão de não licitar separadamente a bilhetagem eletrônica foi intencional e equivocada. Já era de amplo conhecimento que “o fato de a câmara de compensação tarifária ser gerenciada integralmente pelas próprias empresas, através do sindicato, limita fortemente a atuação do poder público quanto ao planejamento operacional dos serviços” (ORRICO e SANTOS, 1999, p. 423). No caso do serviço de transporte por ônibus, as investigações realizadas pelo Ministério Público Federal (MPF) revelaram que os efeitos negativos são ainda mais graves, pois é por meio da operação centralizada da bilhetagem eletrônica que a Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (FETRANSPOR) – federação sindical que representa as empresas de ônibus – conseguiu implantar operação financeira sofisticada de pagamento de vantagens indevidas a funcionários públicos e de lavagem de dinheiro[22].

Quanto ao procedimento licitatório, verifica-se que sua validade foi comprometida quando o edital estabeleceu, nas condições para participação na licitação, para habilitação das empresas e para pontuação das propostas técnicas, fatores que privilegiaram claramente as empresas que já operavam o serviço[23]. Além disso, ele foi omisso em vários elementos essenciais para que os interessados elaborassem suas propostas, inviabilizando a ocorrência de uma verdadeira competição. Diversos problemas que afastam a competitividade do procedimento foram identificados, como a fixação de prazos muito reduzidos, afetados por alterações substanciais no edital[24]; exigências de habilitação técnica excessivas; imposição de critérios de pontuação das propostas técnicas que consideravam elementos próprios da fase de habilitação ou que priorizaram a experiência das empresas já estabelecidas no serviço rodoviário municipal. A vantajosidade das propostas não foi concretamente mensurada, pois o edital induziu uma não disputa ao permitir que os concorrentes apresentassem valores de outorga zero e ao não considerar que taxa interna de retorno (TIR) variável fosse considerada para avaliação das propostas comerciais[25].

As licitações não podem servir “de mera formalidade legal para regularizar os contratos dos operadores. O objetivo delas, seguramente, não é o de manter o status quo: a licitação constitui o momento adequado para se criar um novo quadro de relacionamento econômico e institucional entre o Poder Público e as empresas operadoras” (GOMIDE, 2000, p. 16). Quando a licitação e a concessão já apresentam problemas de partida – de modelagem técnica e jurídica – como no caso do Rio de Janeiro, eles se tornam irreversíveis.

 Nas concessões do Rio de Janeiro, a remuneração do concessionário se dá, em regra, com o pagamento das tarifas pelos usuários e com a exploração das receitas “complementares, acessórias ou de projetos associados” (art. 11, Lei n. 8.987/1995). É, deste modo, através da tarifa, que se avalia a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato durante todos os anos da concessão, sendo assegurada às empresas concessionárias a permanência de uma correspondência estável entre obrigações e lucro (Art. 37, XXI, CF).

Especificamente quanto aos contratos de concessão do serviço municipal no Rio, a CPI identificou inúmeros e graves problemas de gestão, os quais tornaram inexequível o controle e qualquer avaliação real sobre a manutenção de equilíbrio econômico-financeiro do contrato[26]. Inicialmente identificou-se que as empresas não cumprem o que foi licitado e pactuado no contrato de concessão, sendo, por exemplo, cobrados custos de gratuidades que deveriam ser suportados pela tarifa. Além disso, os valores apresentados nas propostas comerciais não condizem com os custos apresentados pelas empresas após o início da operação, as receitas acessórias não são computadas como receitas e avaliadas na análise do equilíbrio econômico e financeiro do contrato e, ainda, são realizadas revisões tarifárias nos momentos em que contratualmente deveriam ocorrer apenas reajustes – “revisões disfarçadas de reajustes”[27] – e em contextos de desequilíbrios contratuais favoráveis às empresas[28].

Cinco anos após o início das concessões, a Prefeitura decidiu implantar um amplo processo de racionalização do serviço[29], o qual abrangia a extinção de 51 linhas, a alteração de 26 e a criação de 25 novas linhas (ALMEIDA et. al, 2017). Essas medidas acenderam grande polêmica entre os usuários, pois, mais uma vez, as decisões não foram debatidas com a sociedade e foram justificadas por fatores técnicos e financeiros, afetando de modo especial o acesso da zona sul por população da zona norte (RODRIGUES e BASTOS, 2015).

Os diferentes fatores aqui apontados e demais aspectos revelados pelas instâncias de controle das concessões revelaram essa lógica de transporte como mercadoria, que embasa a prestação da maioria dos serviços públicos. A preocupação dos poderes públicos acaba se centrando prioritariamente na definição de um desenho que garanta a viabilidade econômica do contrato para o concessionário, colocando em segundo plano as necessidades concretas e o impacto da tarifa sobre os diferentes grupos sociais. Além disso, a transferência da modelagem e da gestão dos serviços de transporte público a empresas privadas acaba não desenvolvendo as capacidades estatais em relação aos modais de sua titularidade e atribui protagonismo excessivo aos concessionários.

A (alegada) falta de recursos humanos e materiais na Administração Pública a leva a contratar no mercado instituições que definam os direitos e obrigações relativos à exploração dos serviços de transporte, bem como efetuem a revisão das condições de execução dos contratos, assumindo uma posição coadjuvante. Ademais, a delegação a execução dos serviços às concessionárias gera dificuldades na aferição dos custos do serviço e da real taxa de retorno obtida pelo concessionário, pois a gestão acontece no ambiente das empresas e com pouca transparência. A lógica do transporte tecnologia-mercadoria compromete o transporte direito fundamental social.

 

 

 3.          Transporte enquanto direito e sua necessária democratização

 

As normas pós-Constituição de 1988[30], aprovadas para inserir uma maior competição na área dos transportes foram apropriadas e usurpadas pelas empresas, no exemplo analisado, para conferir ares de legalidade às delegações. O caso do Rio de Janeiro demonstrou como as empresas, através de suas entidades representativas (supra-sindicais), não apenas influenciam, mas capitaneiam as decisões políticas sobre o serviço, maquiando-as com argumentos técnicos e financeiros. O controle realizado não só pela Câmara de Vereadores, como pelos demais órgãos, como o Tribunal de Contas, o Ministério Público e o poder Judiciário, demonstram uma dimensão contemporânea perversa dessa concentração econômica das empresas, induzindo que a operação do serviço penda entre um oligopólio e um quase-monopólio, sustentado por mecanismos ilícitos.

A mobilidade tem capacidade transformadora da vida urbana, pois afeta a maneira como os indivíduos e os grupos se relacionam e participam de atividades que acontecem no território. É necessário, portanto, romper com essas rotinas setorializadas, tecnicamente e economicamente justificadas (dissimuladas), e entender as implicações substanciais e político-procedimentais do caráter fundamental atribuído ao direito ao transporte.

Barbosa problematiza o fato de que as dimensões econômica e técnica são normalmente priorizadas nas discussões a respeito da mobilidade e acrescenta a necessidade de incluir a reflexão sobre condições sociopolíticas da mobilidade. Ele aponta, ainda, que a questão urbana desemboca em um tríplice imperativo: a) constituição do lugar (sentido) em sua natureza coletiva e desenvolver estratégias coletivas, não individualistas; b) exigência da mobilidade para escapar das clausuras territoriais (e produzir o espaço da cidade) e; c) participação coletiva dos habitantes na ação política. (BARBOSA, 2016, p. 48)

A combinação histórica de usos do solo que induziram a localização segregada de classes sociais e a prevalência do transporte individual sobre o transporte público de passageiros tiveram efeitos diretos na provisão de bens e de infraestruturas. A centralidade do transporte individual aprofundou as desigualdades, alocando as despesas públicas para atender os motoristas do carro particular. Deste modo, a mudança no transporte pressupõe também novas formas de valorizar o caráter público e interativo dos espaços e a busca de respostas coletivas às necessidades sociais.

Para suplantar os efeitos segregadores do enclausuramento territorial e a escassa a desigual distribuição da acessibilidade, deve-se intervir nos processos decisórios de planejamento da cidade e da mobilidade urbana. Santos afirma que “não ignorando o papel estrutural que o mercado, designadamente o imobiliário, desempenha nos padrões de mobilidade, importa também explorar a perspectiva dos indivíduos na construção dos percursos geográficos e na forma como os representam” (Santos, 2014, p. 13)

A politização da definição dos sistemas de transporte e suas condições de operação são quase inexistentes. Segundo Gomide, “são poucos os municípios que contam com conselhos municipais de transporte, e não há informações sistematizadas disponíveis sobre o uso de audiências ou consultas públicas, para debater o planejamento e a política tarifária desses serviços públicos no país” (p. 323). No entanto, segundo dispõe a lei da Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei no 12.587/2012), entre os principais direitos dos usuários dos transportes está sua participação no planejamento, fiscalização e avaliação das políticas de mobilidade (art. 14 e 15).

A integração social por meio da mobilidade ampliada é consequência direta da intervenção estatal (BRAND, 2016). A ampliação democrática exige a mudanças de curto prazo quanto à forma de planejar, gerir e controlar o transporte público de passageiros e, a médio prazo, quanto às condições de execução dos serviços. Deve-se reconhecer a ilegalidade das contratações realizadas sem abertura dos debates a respeito de modelagens e de alterações contratuais e impor maior transparência quanto às despesas e a rentabilidade das concessionárias, de modo que os custos sociais e econômicos desses serviços não tenham sempre que ser suportados pela população.

 

 

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A CRISE DA MOBILIDADE URBANA NO RIO DE JANEIRO: O MODAL CICLOVIÁRIO COMO POSSIBILIDADE

 

 

Filipe Ungaro Marino[31]

 

APRESENTAÇÃO

Este artigo foi produzido em função do primeiro Seminário “Transportes, Urbanização e Equidade Social”, organizado pelo Laboratório Redes Urbanas e Organização Territorial do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), realizado no dia 25 de julho de 2018. O seminário tratou de um tema imperativo em seu contexto – a crise da mobilidade urbana – , visto que desde a década de 2000 as cidades brasileiras vêm experimentando um colapso de mobilidade sem precedentes. As causas que levam a esse quadro são variadas, e o Rio de Janeiro, segunda maior cidade do país, se estabeleceu como um caso exemplar de tal panorama. 

  Diversos dados apontam para o crescimento do tempo gasto com os deslocamentos intraurbanos nas cidades brasileiras (PERO; STEFANELLI, 2015). Um dos fatores indicados por Raquel Rolnik (2013), por exemplo, foi o aumento da renda média dos brasileiros a partir de 2003 sem que ocorresse a expansão proporcional do sistema de infraestrutura de transportes para os deslocamentos engendrados a partir desse aumento da renda. Em outras palavras, notou-se um maior número de pessoas e bens circulando pela cidade sem que o substrato desses deslocamentos – a mobilidade urbana, em seu entendimento mais amplo (SHELLER, 2006) – amparasse os cidadãos na forma de uma maior qualificação das experiências de viagens.

            O panorama descrito acima corrobora com a pesquisa realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI)[32], em setembro de 2015, ao apontar que, nas cidades com mais de 100.000 habitantes, 39% da população perde ao menos uma hora por dia no trânsito. Para o Rio de Janeiro, pesquisa da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (FIRJAN)[33] do ano de 2016 assinala que o carioca dispende o maior tempo de trajeto médio de ida e volta ao trabalho do Brasil, totalizando 2h21min. Segundo estimativas da FIRJAN, esse tempo médio acarretaria em um prejuízo à indústria equivalente a 5,9% do Produto Interno Bruto (PIB) produzido pelo município, estimado em R$ 623.856.000.000 em 2017.

  Dados do Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN) notabilizam ainda mais a gravidade desse quadro, indicando que o aumento de veículos motorizados individuais foi de 264% entre os anos 2000 e 2017, e impressionantes 608% para o caso das motocicletas[34]. Embora os aumentos tenham diminuído percentualmente desde 2010 (RODRIGUES, 2017), ainda contamos com mais veículos motorizados individuais a cada ano, ampliando a oferta desses veículos por habitante. Para Pero e Stefanelli (2015, p. 368), “o resultado dessa expansão são os frequentes congestionamentos, agravados pela ausência de investimentos significativos em transporte coletivo de massa, um dos motivos por trás das manifestações de junho de 2013”.

A partir dessas constatações, o presente artigo conta com o objetivo de compreender o panorama da mobilidade urbana de forma mais ampla no contexto de sua complexidade na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ). Em suas premissas, este trabalho recomenda a mobilidade ativa como uma das alternativas possíveis em prol da melhoria da qualidade da vida urbana da RMRJ. Para tal, foram discutidas as potencialidades de intermodalidade do meio de transporte cicloviário na maneira como a rede de infraestruturas de transporte público do Rio de Janeiro distribui-se territorialmente.

 

ASPECTOS METODOLÓGICOS

            Para atingir o objetivo deste artigo, realizou-se uma pesquisa do tipo explicativa. Os dados foram coletados através de uma investigação bibliográfica em autores-chave do campo dos estudos sociais urbanos, em relatórios publicados por agências governamentais, organizações públicas e privadas, e, também, em jornais e outros veículos de comunicação. O processamento dos dados coletados nessas fontes bibliográficas se deu por meio de uma análise crítica na qual foram buscados indicativos que caracterizassem o panorama da mobilidade urbana na cidade do Rio de Janeiro em sua complexidade.

 

A IMPORTÂNCIA DA MOBILIDADE URBANA: UMA BREVE REVISÃO DE LITERATURA

Desde a década de 1990, o campo dos estudos sociais urbanos corrobora a afirmação de que a mobilidade urbana, quando realizada plenamente, é um dos fatores que confere maior qualidade de vida nas grandes cidades. Além disto, vale mencionar que o movimento de bens e pessoas tornou-se uma característica essencial do modo de produção no contexto urbano do século XXI. Significa dizer que, na sociedade contemporânea, “a mobilidade das pessoas adquiriu uma importância maior que tinha em períodos anteriores” (HERCE, 2009, p. 15). Neste sentido, a mobilidade urbana vem se mostrando objeto de uma disciplina cada vez mais apta a conferir respostas aos problemas da urbanização acelerada, passando a influenciar desde a articulação territorial até o desenvolvimento econômico (Ibidem). Portanto, contar com a mobilidade é pressuposto essencial da experiência urbana e do “direito à cidade”. Nessa corrente, Mauro Kleiman (2011, p. 3) explica que

 

 

[...] a capacidade de mobilidade é uma condição de participação no mundo urbano, mas que para efetivar-se precisa de um conjunto de fatores, como entre outros o nível de renda, a existência de modais de transportes coletivos e particulares e sua acessibilidade segundo o nível de renda. De modo que pode existir deslocamentos sem mobilidade.

 

 

A forma urbana, as opções modais e as condições socioeconômicas dos sujeitos são peças-chave para a efetivação da mobilidade urbana. Para Izaga (2009, p. 5), “mobilidade e forma urbana são dois aspectos de uma mesma realidade social” e, também,  interdependentes, de modo que “a forma urbana condiciona as formas de mobilidade, juntamente com os componentes políticos e econômicos que mediam fortemente esta relação, assim como as condições de mobilidade influenciam a forma urbana” (Ibidem).

No tocante à forma urbana, cabe analisar o caso das cidades brasileiras, sobretudo o do Rio de Janeiro, onde décadas de políticas de mobilidade essencialmente viárias conformaram um espaço urbano desigual e majoritariamente composto de estruturas construídas para os veículos motorizados individuais. A esse fato, ressalta-se a importância da provisão de infraestrutura em orientar a escolha de utilização de determinado modo de transporte por cada cidadão:

 

 

A provisão da infraestrutura é feita normalmente pelo Estado, por meio de uma rede de vias, mas as técnicas utilizadas para a construção dessa infraestrutura favorecem os investimentos pró-automóvel, onde as elites e os setores da classe média compram automóveis e os demais setores usam transporte público fornecido por entidades privadas. Isto resulta em um espaço de circulação no qual as necessidades dos papéis mais vulneráveis (pedestres, ciclistas, passageiros de transporte público) são minimizadas em favor da utilização eficiente do automóvel (VASCONCELLOS, 1996, p. 170).

 

 

Não obstante o legado e a força dos investimentos pró-automóvel de que fala Vasconcellos (1996), atualmente, políticas rodoviaristas estão na contramão da Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU)[35], vigente no Brasil desde 2012. Nela, destacam-se a priorização do transporte coletivo em relação ao transporte privado e a priorização do transporte ativo em relação ao motorizado. A eficiência energética também é uma das diretrizes mais importantes da PNMU. Assim, a priorização dos modos de transporte ativos – como a bicicleta e o pedestrianismo – vai em encontro aos objetivos da lei dado o seu papel fundamental na construção de cidades mais socialmente justas e sustentáveis (ANDRADE; RODRIGUES; MARINO et al., 2016).

                Nesse contexto, investir em mobilidade ativa representa uma possibilidade de se responder – e atenuar – parte dos problemas de mobilidade decorrentes de políticas de transporte essencialmente rodoviaristas em muitas cidades brasileiras, sobretudo no Rio de Janeiro. A seguir, são apresentados dados que caracterizam o panorama atual da mobilidade fluminense, para, posteriormente, ser elaborado o argumento da importância da mobilidade ativa enquanto parte da solução dos problemas apontados.

 

O PANORAMA DA MOBILIDADE FLUMINENSE

  Conforme indicado na introdução deste artigo, o aumento do tempo gasto pelos cariocas e fluminenses no percurso casa-trabalho dimensiona o deterioramento da qualidade da vida urbana na metrópole fluminense. O agravamento desse quadro é ilustrado, por exemplo, pelo aumento paulatino da motorização individual desde 2003, que, junto ao crescimento da renda média e, consequentemente, dos fluxos urbanos, levanta reflexões e hipóteses que ampliam ainda mais a relevância do debate aqui proposto.

Um dos fatores que mais impacta na dinâmica da mobilidade territorial é a concentração de melhores recursos materiais e econômicos (emprego, renda, infraestrutura etc.) na região central quando comparada à dispersão da maior parte da população, especialmente a de baixa renda, nas áreas periféricas[36], sujeita a grandes movimentos pendulares na RMRJ dadas essas desigualdades territoriais. Dados publicados pelo Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS)[37] georreferenciam a concentração dos postos de trabalho na Região Administrativa (RA) do Centro do Rio de Janeiro em oposição à baixa oferta de empregos nas RAs mais periféricas e, também, nas centralidades de municípios que compõem a RMRJ.

Por sua vez, Pero e Mihessen (2013), além dos estudos publicados em Rio de Janeiro: Transformações na Ordem Urbana, lançados em coletânea pelo Observatório das Metrópoles (RIBEIRO, 2015), confirmam a ocorrência de um processo mais acentuado de periferização na metrópole fluminense entre 2000 e 2010, alinhando as desigualdades territoriais e a precariedade da mobilidade urbana como causa e consequência de um mesmo fenômeno. Aprofundando o debate, a pesquisadora Érica Tavares da Silva (2013) observa que, para o caso da metrópole fluminense, a periferização não se dá apenas de maneira extensiva no território, mas intensiva, também, na medida em que as favelas e outros microespaços populares coexistem e se proliferam nas áreas centrais, demandando, ao seu modo, soluções diversas de mobilidade urbana focadas na população de baixa renda.

Neste sentido, a experiência do movimento pendular entre as áreas periféricas e a centralidade impacta de maneira bastante controversa os habitantes da RMRJ. Para além do tempo gasto nesses deslocamentos, somam-se a notável precariedade de conforto, a falta de políticas mais efetivas de intermodalidade e de integração tarifária (apesar da variedade modal disponível) e o alto preço da tarifa em relação ao valor do salário-mínimo como limitações de deslocamento impostas aos usuários.

            Embora os investimentos em transporte urbano no Rio de Janeiro tenham se avolumado a partir de 2009[38] em decorrência da vitória da candidatura do Rio de Janeiro para sediar os Jogos Olímpicos, o que se assistiu foi a um grande montante de investimentos ser alocado de forma descoordenada a uma política de transporte metropolitana mais abrangente e democrática. Conforme ressalta o pesquisador Rafael Pereira, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, em entrevista ao Jornal O Globo, mesmo com investimentos na faixa dos R$ 13,6 bilhões, “as condições de mobilidade urbana dessa parcela da população praticamente não mudaram” (ALMEIDA, 2017). A baixa intermodalidade dos sistemas públicos de transporte, a hegemonia do modal viário (KLEIMAN, 2017), a construção de uma política tarifária restritiva (PERO; MIHESSEN, 2013) e o aumento tarifário acima da inflação corroboraram para que esses investimentos não refletissem na melhoria efetiva dos índices de mobilidade urbana:

 

 

O custo também não ajudou. O transporte público na Região Metropolitana do Rio ficou em média 30,8% mais caro de 2014 até setembro deste ano, enquanto a inflação na cidade no mesmo período foi de 23,44%. Os ônibus ficaram 54,81% mais caros, e o trem, 44,82%, apesar do pouco investimento (ALMEIDA, 2017).

 

 

Portanto, em prol de uma mobilidade plena para todos, percebe-se a necessidade de se instituir uma mudança paradigmática que transcenda as limitações impostas pelo transporte público motorizado e pela segregação socioespacial decorrente das desigualdades territoriais. Como estratégia, o pesquisador André Luiz Bezerra da Silva (2017) sugere pensar em mudanças que passem a tratar a mobilidade e os sistemas de transportes coletivos associadamente às ideias de responsabilidade social, equidade e coesão, de modo que se possa “adotar uma prática constante de tentar identificar todas as reais possibilidades e questões que perpassam as políticas de transporte, em todos os seus níveis e aspectos” (p. 23). Neste sentido, averiguar a potencialidade da mobilidade ativa como uma alternativa possível e paradigmática na promoção de cidades mais equânimes mostra-se de substancial importância no panorama atual da RMRJ.

 

O MODAL CICLOVIÁRIO COMO POSSIBILIDADE

Frente a todas as possibilidades de deslocamentos intraurbanos, uma resposta possível para a crise da mobilidade decorre da valoração da mobilidade ativa, especialmente aquela ligada ao uso da bicicleta. Entre as suas vantagens, vale dizer que um ciclista viaja até cinco vezes mais rápido do que um pedestre[39], carrega quatro vezes mais carga do que esse, além de superar em várias vezes a distância percorrida por uma pessoa caminhando num mesmo espaço de tempo[40].

Desta forma, por tratar-se de um meio de locomoção que faz uso da própria energia humana para o deslocamento – ou seja, onde o próprio viajante se torna agente ativo de sua viagem no tempo e no espaço –, são creditadas aos modos de transporte ativos muitas virtualidades positivas quando adotados no ambiente urbano. Para Herce (2009), “no tocante ao transporte de pessoas, cabe fazer a observação de que, além de transportadas por algum veículo, podem transportar-se a si mesmas; o transporte deveria, dessa forma, preocupar-se das viagens a pé e no solo em veículos mecânicos” (p. 22). Embora quase todo deslocamento nas cidades pressuponha a mobilidade ativa através da caminhada, por exemplo, para acesso aos equipamentos de transporte, o estudo deste tipo de mobilidade é relativamente novo dentro dos estudos urbanos (MARINO; BASTOS; ANDRADE, 2017)[41].

Em relação aos benefícios dos modos de transporte ativos, especialmente do modo cicloviário, dados da London School of Economics estimam a economia anual gerada pelo uso da bicicleta, na Inglaterra, como sendo de £ 3,3 milhões (cerca de R$ 15,7 milhões), “com custos econômicos, sociais e ambientais bem menores do que os impostos atualmente pelo tráfego motorizado” (ROSA; HERZOG; ESTEVES, 2012, p. 174).

Para além da questão econômica, novas formas de mobilidade intraurbana mais sustentáveis de menor velocidade passam a ser não apenas necessárias, mas também desejáveis. Elas engendram um tipo de relação entre viajante e cidade muito diferente daquele proposto pela alta velocidade e pelo isolamento termoacústico oferecido pelos automóveis, uma vez que “os ciclistas se deslocam à velocidade das reações humanas” (HOBSBAWM, 2002, p. 107). Assim, mesmo que a bicicleta não seja a solução para todos os problemas de mobilidade, a melhoria da mobilidade perpassa pelo transporte ativo, proporcionando, consequentemente, novas formas de fruição da cidade e de estilos mais saudáveis de se viver no espaço urbano. Segundo o jornalista André Trigueiro (2016, p. 7), no prefácio do livro Mobilidade por Bicicleta no Brasil:

 

Longas jornadas de ida e volta geram cansaço e depressão. Quanto maior o número de motores ligados (parados ou em marcha lenta em gigantescos engarrafamentos), maior a emissão de poluentes, maior o número de doentes, maior os custos com remédios ou tratamentos. [...] é nesse cenário caótico que várias cidades do mundo começaram a rever seus conceitos. É preciso coragem para repensar o modelo e reordenar prioridades. Em síntese, pode-se dizer que a taxa de sucesso desses novos projetos foi proporcional à redução do espaço reservado aos automóveis. Interligar os diferentes modais de transporte emprestando organicidade ao planejamento é outro traço comum a essas cidades que, sem exceção, abriram caminho para as bicicletas.

 

 

            Logo, podemos considerar a mobilidade ativa como um dos componentes possíveis na solução da difícil equação da mobilidade urbana no Rio de Janeiro. Se considerarmos que um ciclista urbano, quando amparado por infraestrutura cicloviária, percorre entre 2,66 e 4 quilômetros em 10 minutos, percebe-se o potencial da bicicleta em ser adotada como uma composição intermodal do carioca para os meios de transporte que a cidade oferece. A Figura 1 a seguir, elaborada pela ONG RioWatch com dados disponibilizados pelo ITDP, corrobora essa constatação:

 

 

 

Figura 1. Mapa do sistema de transporte público do Rio de Janeiro com raios de um quilômetro a partir das estações de trem, metro e BRT em funcionamento. Fonte: RioWatch 2016[42].

 

Ao analisarmos os raios de um quilômetro a partir das estações dos sistemas públicos de transporte de média e alta capacidade de parte da RMRJ, pode-se observar que as envoltórias das estações compreendem mais que 50% da população atualmente. No entanto, a estimativa é de que esse valor chegue a 57% da população em 2020[43]. O dado em questão permite vislumbrar o potencial de crescimento do modo de transporte cicloviário em sua relação intermodal com o sistema de transporte existente. Na premissa de que um quilômetro represente uma distância razoavelmente confortável para o uso cotidiano da bicicleta, isto evidencia o potencial da RMRJ em abarcar um novo modo de transporte integrador e sustentável a partir de investimentos em infraestrutura cicloviária, i.e., ciclovias, ciclofaixas, bicicletários e paraciclos. Para além desses investimentos, também é necessária a criação de uma política de transporte metropolitano que inclua a bicicleta como modo de transporte e que incentive o seu uso, desonerando as outras infraestruturas de transporte.

 

 

 

CONCLUSÃO

Este artigo caracterizou o panorama da mobilidade urbana na RMRJ, que se destaca no contexto nacional por apresentar o pior índice do tempo de deslocamento casa-trabalho, superando a metrópole de São Paulo, a maior do país. De modo a compreender esse panorama, foram apontadas questões que contribuíram para dimensionar o problema, muito embora a RMRJ tenha recebido o montante total de R$ 13,6 bilhões de reais para obras de investimento em mobilidade urbana desde a última década.

A dimensão da importância da mobilidade urbana como qualificadora do meio ambiente urbano foi apresentada a partir da interlocução com autores-chave deste tema no campo dos estudos urbanos. Em especial, os autores brasileiros enfocados no estudo da problemática da mobilidade nas metrópoles brasileiras, a exemplo de Herce (2009), Kleiman (2011; 2017), Vasconcellos (1996), Izaga (2009), Andrade, Rodrigues, Marino et al. (2016), entre outros.

Algumas das questões levantadas referiram-se à elevação contínua da motorização individual e do consequente aumento da taxa veículos por habitante; da dimensão territorial da região metropolitana do Rio de Janeiro, cuja segregação faz com que a maior parte da população resida na zonas periféricas da metrópole; da falta de uma política integradora de transporte; e da provisão de diversas infraestruturas de transporte com baixo grau de intermodalidade.

Com base nesse panorama, foi recomendada a inclusão do modo de transporte cicloviário como uma medida possível a favor da mitigação dos problemas enfrentados pela crise da mobilidade a partir das virtualidades positivas apresentadas pela mobilidade ativa. A partir da análise da densidade populacional e da infraestrutura pública de transporte, também foi possível discutir o potencial de crescimento do modo cicloviário na composição do sistema de transporte existente na RMRJ.

 

REFERÊNCIAS

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VASCONCELLOS, E. A. Transporte urbano nos países em desenvolvimento: reflexões e propostas. São Paulo: Editora Unidas, 1996.

 



[1] Artigo produzido com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPQ.

 

[2] Doutor em Geografia pela Universidade do Porto. Professor de Geografia do Instituto Benjamin Constant. Pesquisador Associado do Laboratório Redes Urbanas (IPPUR-UFRJ).  Bolsista de Pós-doutorado Júnior do CNPQ.

[3] As "Ruas da Cidadania" são sedes das Administrações Regionais que coordenam a atuação de secretarias e outros órgãos municipais nos bairros, incentivando o desenvolvimento de parcerias entre a comunidade e o poder público e oferecendo à população dos bairros serviços municipais, além de serviços das esferas estadual e federal. Estão localizadas nos terminais e nós do sistema de transporte urbano, onde são oferecidos diversos serviços nas áreas de saúde, justiça, policiamento, educação, cultura, esporte, habitação, meio ambiente, urbanismo, serviço social e abastecimento, entre outros. Existem também espaços destinados a pequenos estabelecimentos comerciais e cafés. Nos últimos anos têm sido consideradas um importante símbolo de descentralização administrativa e ponto de referência e encontro para os usuários dos serviços de transportes públicos, atendendo às necessidades e aos direitos do cidadão em vários setores.

[4] Projeto desenvolvido pela Companhia do Metropolitano de São Paulo desde o fim da década de 1990, estabelecendo algumas ações e projetos visando a implantação de empreendimentos comerciais e de serviços no entorno de suas estações, buscando assim uma forma de assegurar uma rentabilidade que não esteja atrelada diretamente à tarifa, com participação nos lucros de alguns dos empreendimentos.

[5] A palavra inequidade é aqui usada num sentido contrário ao de equidade, buscando designar diferenças oriundas da inexistência desta.

 

[6] O conceito de justiça social, discutido desde meados do século XIX, diz respeito à necessidade de alcançar uma repartição equitativa dos bens sociais. Está fundamentado em certos preceitos morais e políticos que cuidam de questões como igualdade de direitos, garantia de direitos básicos e, ainda, solidariedade coletiva. De várias maneiras, a noção de justiça social deriva da luta pela melhoria das condições sociais daqueles que vivem em situação mais desfavorecida. As maneiras como esse objetivo pode ser alcançado variam de acordo com os meios propostos, o que, por sua vez, está relacionado com o contexto ideológico daqueles que adotam a visão. Em termos de desenvolvimento urbano, a justiça social é vista muitas vezes como o cruzamento entre o pilar econômico e o pilar social.

[7] Instituída pela Lei nº 12.587, de 3 de janeiro de 2012, é um instrumento da política de desenvolvimento urbano de que tratam o inciso XX do art. 21 e o art. 182 da Constituição Federal do Brasileira.

[8] Instituído pela Lei nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015.

 

 

[9] O conceito de habitar aqui não é entendido como simplesmente alojar-se ou abrigar-se, mas sim com um processo existencial, uma forma de estar presente, de estar no mundo, com suas formas, objetos e os demais, com um valor e sentido muito além do econômico. Habitar seria assim um fundamento da definição ontológica do ser humano, um traço essencial do ser, tanto porque é essência como porque é a maneira como nós, seres humanos, estamos e nos transformamos na terra (HIERNAUX, 2012).

[10] O BRT (Bus Rapid Transit), ou Transporte Rápido por Ônibus, é um sistema de transporte coletivo de passageiros em ônibus articulado, desenvolvido para proporcionar deslocamento urbano rápido, por meio de infraetrutura segregada e com prioridade de ultrapassagem. No Brasil foi implantado primeiramente na cidade de Curitiba, em 1974. Mais tarde outras cidades como São Paulo, Porto Alegre e Belo Horizonte seguiram o exemplo. No Rio de Janeiro o primeiro sistema de BRT entrou em funcionamento em 2012.

 

[11] Equipamentos que proporcionam uma comunicação física e direta entre os sistemas de transporte e outros sistemas urbanos: estações metroferroviárias, terminais rodoviários e terminais multimodais.

[12]         Professora Adjunta do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), coordenadora do Grupo de Pesquisa Cidade, Direito e Mobilidade (CiDiMo).

[13]         Constituição Federal: Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.  

[14]        Disponível em http://cpidosonibus.com.br/. Esta CPI teve a aprovação de um relatório sintético e superficial, mas houve também a elaboração de um Relatório Alternativo amplo e detalhado pelo Vereador Tarcísio Motta do PSOL, integrante da CPI.

[15]         Ver divisão territorial das RTRs e consórcios formados no http://www.rio.rj.gov.br/web/transparenciadamobilidade

[16]         Ver Edital Concorrência CO n. 10/2010, disponível em http://cpidosonibus.com.br/documentos/

[17]                 Martens explica que “a modelagem de transportes é uma ferramenta para prever a demanda futura de transporte com o objetivo de gerar informações sobre o desempenho futuro do sistema de transporte existente ou expandido”.  (tradução livre, 2006, p. 03).

[18]         O processo de manifestação de interesse abre a empresas privadas a possibilidade de apresentar as modelagens de um serviço de transporte público. O art. 2º da Lei 11.922/2009 regula este procedimento: “ficam os Poderes Executivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios autorizados a estabelecer normas para regular procedimento administrativo, visando a estimular a iniciativa privada a apresentar, por sua conta e risco, estudos e projetos relativos à concessão de serviços públicos, concessão de obra pública ou parceria público-privada”. BELSITO explica que no Município do Rio de Janeiro, os casos de PMI publicados por avisos públicos - mesmo sem regulamentação legal - possibilitaram a seleção de uma única empresa autorizada para fazer estudos de viabilidade, podendo esta participar da licitação. Na opinião do autor, isso maximiza o problema do conflito de interesses (2015, pp. 282/283).

[19]         Conforme depoimento do representante da empresa Sinergia em 08/11/2017, responsável pela elaboração de base de dados e projeto básico da licitação, a empresa que a remunerou pelos serviços foi a CBSS - Companhia Brasileira de Soluções e Serviços, em função do Convênio 01/2009 firmado com a Prefeitura.  “Essa empresa contratou, além de nós, pelo menos mais três empresas”. Disponível em http://cpidosonibus.com.br/transmissao-das-sessoes-da-cpi/

[20]         Houve unanimidade nos depoimentos da CPI que a decisão de deixar nas mãos das empresas o controle da bilhetagem eletrônica e da distribuição de recursos foi decisão política da Prefeitura, não sugestão de ordem técnica. Ver depoimentos de 24/10/2017,  30/10/2017 e 08/11/2018. Disponível em http://cpidosonibus.com.br/transmissao-das-sessoes-da-cpi/

[21]    A empresa é a RIOCARD, que integra o grupo empresarial Riopar Participações SA (holding), constituída e controlada pela Federação das Empresas de Transporte Passageiros do estado do Rio de Janeiro (FETRANSPOR).

[22]         Ver Petição Inicial da Operação Ponto Final em http://www.mpf.mp.br/rj/sala-de-imprensa/docs/pr-rj/peticao-operacao-ponto-final/view, último acesso em 29/05/2018.

[23]         Nas 4 impugnações apresentadas por empresas ao Edital – Consórcio Metropolitano de Transporte SA, Grupo Plaza de Inversión AS, MetroRio e Supervia – na carta de desistência apresentada pela RATP Développement e na ação civil pública proposta pela Associação dos Contratantes e Contratados do Poder Público (ACCOPP) as impugnações se repetem: insuficiência dos prazos do edital e o direcionamento da licitação.

[24]         O Edital CO n. 010/2010 foi publicado no Diário Oficial em 15/06/2010 e estabeleceu um prazo exíguo de 45 (quarenta e cinco) dias para os interessados prepararem sua documentação, organizarem os consórcios, avaliarem os serviços e apresentarem suas propostas, o qual encerrou em 30/07/2010. No entanto, poucos dias e em quatro oportunidades foram realizadas diversas e substanciais alterações no edital, intituladas de erratas, sem reabrir os prazos aos interessados, conforme impõe o art. 21, § 4º da Lei n. 8666/93.

[25]         O caso da licitação da RTR3 demonstra isso, pois. Na proposta comercial, a empresa que ganhou a licitação (Internorte) apresentou uma TIR de 9,23%, empatando com a proposta da SPRIO que apresentou proposta com a TIR mais baixa, de 8,27%.

[26]         Por meio do Decreto Municipal n. 38.276/2014 foi imposta aos consórcios a realização de auditoria das demonstrações financeiras consolidadas. No entanto, conforme constatou-se nos trabalhos da CPI, entre 2010 e 2014 foi realizada apenas asseguração de dados, um trabalho mais superficial, pois as empresas contratadas informaram que as concessionárias não disponibilizaram as informações necessárias para a auditagem.

[27]         http://cpidosonibus.com.br/wp-content/uploads/2018/04/relatorio_alternativo_cpi_dos_nibus-versao_preliminar.pdf

[28]         Conforme identificou o Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro no processo de Inspeção Extraordinária n. 40/005936/2013 que abrangeu os períodos de 2010 a 2013. Disponível em http://cpidosonibus.com.br/files/tcm_5936/MF8164_040.005936.2013.pdf.

[29]         http://www.rio.rj.gov.br/web/smtr/racionalizacao/porquesppo

[30]         Sobretudo a Lei Geral de Licitações n. 8.666/1993 e a Lei de Concessões e Permissões de Serviços Públicos, no 8987/1995.

[31] Mestre em Planejamento Urbano e Regional pelo IPPUR; Doutorando em Urbanismo pelo PROURB e membro do LabMob.

[32] Disponível em . Acesso em 13 mai. 2018.

[33] Disponível em Acesso em 14 mai. 2018.

[34] Em 2000, o Brasil apresentava o total de 19.972.690 veículos e 3.550.177 motocicletas, ao passo que no ano de 2017 esses números passaram a ser de 52.916.160 e 21.608.568, respectivamente. Dados disponíveis em < https://www.denatran.gov.br/estatistica/237-frota-veiculos>. Acesso em 14 mai. 2018.

[35] Disponível em: . Acesso em 11 mai. 2018.

[36] Segundo Randolph (2010, p. 9), a expansão metropolitana fez com que a população de mais baixa renda saísse do centro, de forma que “mudaram seu lugar de moradia da metrópole para a área perimetropolitana, mas que continuam trabalhando ou estudando no Rio Janeiro”.

[37] Para visualização do mapa da concentração de empregos, disponibilizado pelo Consórcio Quanta, ver em . Acesso 16 mai. 2018.

[38] O Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) foi lançado em 2007, destinando grandes recursos por conta das obras olímpicas no Rio de Janeiro até o ano de 2016. Em 2013, foi lançado o PAC Mobilidade, que beneficiou tanto as obras de infraestrutura para a Copa do Mundo (2014) quanto os Jogos Olímpicos (2016). Dados obtidos em < http://www.pac.gov.br/sobre-o-pac/divulgacao-do-balanco/balancos-anteriores>. Acesso 20 mai. 2018.

[39] Um ciclista urbano geralmente viaja a uma velocidade de 16 a 24 km/h.

[40] Dados obtidos a partir do projeto Ciclo Rotas Centro do ITDP (Institute for Transport and Development Policy). Disponível em < http://itdpbrasil.org.br/ciclo-rotas-centro/>. Acesso em 20 mai. 2018.

[41] Além disto, dados da ONG Ciclocidade elencam de forma substanciosa o número de iniciativas, reportagens e estudos relacionados à mobilidade ativa, sobretudo nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Ver Dossiê – A Mobilidade Ativa na cidade de São Paulo (2016), disponível em: <https://www.ciclocidade.org.br/biblioteca/pesquisa-ciclocidade/file/136-dossie-a-mobilidade-ativa-na-cidade-de-sao-paulo-2016>. Acesso em 21 mai. 2018.

[42] Disponível em <http://www.rioonwatch.org/?p=30935>. Acesso em 18 mai. 2018.

[43] Dados da ONG RioWatch, disponível no endereço eletrônico da nota anterior.

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