12/07/2018
ANO XVIII - nº 3 MAIO / JUNHO DE 2018
Editor
Mauro Kleiman
Publicação On-line
Bimestral
Comitê Editorial
• Mauro Kleiman (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)
• Márcia Oliveira Kauffmann Leivas (Dra. em Planejamento Urbano e Regional)
• Maria Alice Chaves Nunes Costa (Dra. em Planejamento Urbano e Regional) – UFF
• Viviani de Moraes Freitas Ribeiro (Dra. Planejamento Urbano e Regional IPPUR/UFRJ)
• Luciene Pimentel da Silva (Profa. Dra. – UERJ)
• Hermes Magalhães Tavares (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)
• Hugo Pinto (Dr. em Governação, Conhecimento e Inovação, Universidade de Coimbra – Portugal)
Editores Assistentes Júnior
Silvana Ferreira de Lima
IPPUR / UFRJ
Apoio CNPq
LABORATÓRIO REDES URBANAS LABORATÓRIO DAS REGIÕES METROPOLITANAS
Coordenador
Mauro Kleiman
Equipe
João Gabriel Caciano e Letícia Rosa da Silva.
Pesquisadores associados
André Luiz Bezerra da Silva, Audrey Seon, Humberto Ferreira da Silva, Márcia Oliveira Kauffmann Leivas, Maria Alice Chaves Nunes Costa, Viviani de Moraes Freitas Ribeiro, Vinícius Fernandes da Silva, Pricila Loretti Tavares.
Índice
As portos e ‘a ponte’ na BAÍA DE TODOS OS SANTOS: pontos e contrapontos do planejamento urbano regional.. 3
Definição de parâmetros para análise da qualidade de infraestrutura destinada aos transportes não motorizados. 14
Reflexões iniciais sobre as dinâmicas que viabilizam a mobilidade em favelas cariocas. 25
Vale-Transporte e mobilidade urbana.. 38
Os deslocamentos pendulares intrametropolitano e as políticas de transportes no Rio de Janeiro implementadas entre 2010 e 2016. 49
Isabel aquino e Silva[1]
Francisco Antonio Zorzo[2]
RESUMO:
Esta comunicação trata dos efeitos urbano-regionais da construção da ponte Salvador-Itaparica. Foi analisado um documento recente emitido pelo Governo do Estado da Bahia que contém o Estudo de Viabilidade do projeto de interligação regional e da ponte de 14 km ligando Salvador à Ilha de Itaparica. A avaliação dos impactos deste grande projeto de transporte foi delineada no sentido de compreender a recentralização dos fluxos de pessoas e mercadorias. A comunicação procura mostrar o quanto as soluções apresentadas no Estudo de Viabilidade se distanciam das demandas sociais e não se comprometem com os impactos ambientais e territoriais no projeto.
Palavras-chave: ponte – Salvador – transportes – urbanização.
introdução
Esta comunicação procura avaliar o projeto da ponte Salvador-Itaparica do ponto de vista de sua articulação regional. A Ponte Salvador-Itaparica, com 14km de extensão em concreto armado sobre as águas do mar da Baía de Todos os Santos é uma intervenção (inter)urbana de grande impacto, proposta pelo Governo do Estado da Bahia. A concretização de tal projeto poderá desencadear uma série de fenômenos urbanos que reconfiguram a região metropolitana de Salvador e seu Recôncavo.
Tal obra será articulada a outros macroprojetos de intervenção no sistema viário estadual, obras do governo do Estado da Bahia à exemplo da Via Expressa Baía de Todos os Santos, já inaugurada e do Sistema Viário do Oeste, em que a ponte Salvador-Itaparica se enquadra enquanto um elemento estruturante. A partir de 2009, o Governo do Estado da Bahia planejou a ponte por meio de uma consultoria. Esta consultoria elaborou estudos de viabilidade, que no presente artigo serão avaliados em seus efeitos urbanos regionais. O projeto da ponte inicialmente previa uma obra com o custo total em torno de R$ 2 bilhões. Em valores atualizados, hoje a ponte está orçada em valor bem maior que significa 400% sobre o valor inicial, conforme a indicação a seguir:
O governo da Bahia anunciou, então, a construção desse empreendimento, com uma estimativa inicial de custo de R$ 2 bilhões, logo corrigida para um valor quatro vezes maior, cerca de R$ 8 bilhões. Em continuidade a essa intenção, foram publicados os decretos nº 13.387, 13.388 e 13.389 no Diário Oficial da Bahia de 28/10/2011, que declaram de utilidade pública, para fins de desapropriação, áreas dos municípios de Vera Cruz e Itaparica, com vistas à implantação do sistema viário do oeste. (GORDILHO, 2014, p.183)
Além dos gastos previstos para a execução da obra, outros valores já foram – e continuam sendo – investidos no seu projeto/planejamento. A contratação de empresas prestadoras de consultorias especializadas para elaboração de estudos de viabilidade e impactos ambientais, por exemplo, já gerou um ônus superior a 100 milhões ao Governo do Estado, conforme informações obtidas junto à Procuradoria Geral do Estado. Houve, de acordo com Gordilho Souza:
...a efetivação do contrato de um estudo de viabilidade, com a empresa McKinsey & Company, consultoria internacional, por um valor R$ 40 milhões, sem licitação, conforme divulgado no Diário Oficial de 23/03/2013. (GORDILHO SOUZA, 2014, p. 183)
O projeto da ponte Salvador-Itaparica, portanto demanda uma avaliação de seus efeitos sobre o território em que se inserirá, conforme se verá a seguir. Na primeira parte desta comunicação apresentam-se alguns dados sobre o projeto da infraestrutura, para em seguida discutir o processo de recentralização do papel urbano de Salvador e dos Portos da Baía de Todos os Santos no contexto regional.
1. A RECONFIGURAÇÃO DO TERRITÓRIO E DA REDE URBANA COM A CONSTRUÇÃO DA PONTE SALVADOR ITAPARICA
Conforme se vê na figura abaixo, a ponte Salvador- Itaparica tem um traçado sobre a Baía de Todos os Santos e deve interligar o Sistema Viário do Sul da Bahia com a capital do Estado. Ao inserir uma nova organização no espaço regional, com a realização da obra da ponte Salvador-Itaparica emergirá na baía uma nova paisagem. A integração rodoviária da RMS à Ilha de Itaparica, que será ampliada ao Recôncavo e ao Baixo Sul, modificará os fluxos regionais de capitais, mercadorias e pessoas.
Figura 01 – Mapa do traçado da Ponte Salvador-Ilha de Itaparica. Fonte: EVTE_SVO_2017
É impossível dissociar os interesses do capital da ação do Estado, embora no discurso do estudo de viabilidade do Sistema Viário do Oeste seja posto como um interesse coletivo, sabe-se que na realidade beneficiará às demandas da classe economicamente dominante; prioritariamente dos empresários e do capital global. O Estado, enquanto um dos principais agentes produtores do espaço, busca construir, arranjos constitucionais adequados que facilitem a continuidade do fluxo de capital pelo espaço e pelo tempo, conforme argumenta Harvey (2001).
A construção da Ponte Salvador-Itaparica, sobre as águas do mar da Baía de Todos os Santos é uma intervenção que provocará uma forte urbanização nos municípios que interliga, principalmente os da Ilha de Itaparica (Itaparica e Vera Cruz), que atualmente são pouco urbanizados. É possível inferir que a execução de tal projeto de interligação também impactará diretamente, em uma escala mais local, as “cabeceira da ponte”, ou seja, o bairro da Gameleira em Itaparica e o Centro Histórico de Salvador.
Esta estrutura se adéqua aos novos padrões globalizados de uso do solo, mas pode fragilizar o patrimônio cultural e arquitetônico característico do território, além de alterar a paisagem simbólica, que à nível de memória urbana, melhor representa Salvador: seu frontispício visto do mar. Além de modificar a paisagem, interferirá diretamente na atividade cotidiana dos moradores da região.
Os fluxos de pessoas e mercadorias entre Salvador e os municípios da região Recôncavo e Baixo Sul poderão ter novo sentido, nova direção. A ponte - se construída - trará um potencial de fluidez que se expressa no aumento da velocidade média aferida nos deslocamentos alterando a relação espaço tempo, a dinâmica, o ritmo, além imprimir uma nova percepção visual, sensitiva e imaginária a este território. Na hipótese da construção da ponte, cada vez mais iminente, ocorreria uma considerável reconfiguração regional. As regiões do Recôncavo, no sentido oeste e a Costa do Dendê e Costa do Cacau, ao sul do Estado, estabeleceriam uma ligação direta com a capital, através deste relativo “encurtamento da distância”, desta aproximação. A construção da ponte poderá transformar o espaço urbano regional modificando a sua funcionalidade e estruturação, ressignificando a centralidade urbana da capital do Estado e beneficiando o mercado imobiliário (segmento do capital) em toda a região.
Apoiado por um projeto de desenvolvimento econômico e social maior, o projeto da ponte, poderá sinalizar novos acontecimentos na Bahia. Nacionalmente, os fluxos norte e sul poderão ser interligados com Salvador, sonho baiano de muitas décadas.
Do ponto de vista do discurso oficial, o projeto da ponte entrou dentro de um plano maior: o projeto da Ponte Salvador Itaparica, como dito antes, está inserido no projeto do Sistema Viário do Oeste, que se apresenta como um sistema rodoviário estruturante, dividido em vários grandes segmentos a Ponte Salvador Itaparica, a duplicação da BA-001, a duplicação da ponte do Funil que liga o continente à Ilha de Itaparica pelo sul do recôncavo, bem como a implementação do trecho rodoviário que liga Santo Antônio de Jesus a Castro Alves.
No Estudo de Viabilidade Técnico Econômica (GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA, 2017), o projeto do SVO é apresentado enquanto um “vetor de desenvovimento”, considerando a existência de uma correlação imediata entre desenvolvimento socioeconômico regional com investimentos em infraestrutura de transportes e reordenamento territorial. Dentre os principais objetivos deste sistema viário estão previstos: o desenvolvimento da economia ao sul da Bahia; a reconfiguração da malha urbana regional promovendo o desenvolvimento de cidades de porte médio; o surgimento de um novo vetor logístico para Salvador dissociado da BR-324; a consolidação da Baía de Todos os Santos como um complexo industrial e portuário, de modo sustentável; e a recuperação do Centro Antigo de Salvador.
Ainda de acordo com tal estudo de viabilidade, o traçado da ponte considera as interferências existentes, especialmente aquelas relativas aos aspectos operacionais do Porto de Salvador, e também a necessidade de assegurar a passagem de navios cargueiros e grandes estruturas (plataformas, offshore, porteineres) que se dirijam para os portos e terminais no interior da Baía de Todos os Santos.
2. Recentralização do papel urbano de Salvador e dos Portos da baía de todos os santos- economia, novas oportunidades imobiliárias e produtivas
Dito isso, partimos a uma reflexão objetiva sobre alguns dos efeitos da construção deste equipamento. Um dos pontos mais relevantes é a recentralização do papel urbano de Salvador e do seu Porto, considerando-se as novas oportunidades imobiliárias, produtivas e demográficas que surgirão à partir deste empreendimento.
Na linha de raciocínio de Carvalho (2012) a macrorregião de Salvador vai se estender até Santo Antônio de Jesus. Virtualmente todo o Recôncavo formaria um arco com a capital, sem descontinuidade do fluxo rodoviário terrestre. O principal sentido dessa nova integração seria uma necessária ‘modernização’ da capacidade administrativa de Salvador.
Para Porto e Carvalho (2003) os problemas mais densos e relevantes continuam sendo os que ocorrem no interior da própria Salvador, sendo que alguns desses problemas assumem formas específicas na capital. Essa análise explica como as ligações viárias eram uma demanda dos anos 1990, mas agora com a eventual construção da ponte tais conflitos se ampliariam. A cidade poderia mergulhar em um grande congestionamento, se os fluxos não pudessem ser desviados ou assimilados pelas principais vias de escoamento (ver figura 2).
O projeto da ponte por si só não resolve os problemas urbanos de Salvador, mas exige muitos projetos complementares que requalifiquem a mobilidade urbana da RMS e integrem diversos modais de transporte, conforme prevê a Política Nacional de Mobilidade Urbana, lei nº 12.587 de 03 de janeiro de 2012.
No Projeto SVO 2017, mais precisamente no Estudo de Viabilidade, pode-se avaliar o fluxo induzido pela maior acessibilidade à capital, que passaria em 30 anos de aproximadamente 27000 veículos para cerca de 150000 veículos por dia. Tamanho aumento, significaria construção de novas vias na Ilha de Itaparica e duplicação das existentes para comportar a atração dos novos fluxos. O acesso norte e a BR-324 teriam uma estabilização do movimento na direção de Salvador, mas um aumento na direção de Feira de Santana. A supracitada ponte pode representar uma expansão urbana em direção ao Recôncavo Sul, incorporando os municípios de Vera Cruz, Itaparica, Salinas da Margarida, Jaguaripe, que poderão vir a ser novas áreas de expansão urbana de Salvador. Ela poderá tornar-se um novo acesso rodoviário ao complexo portuário da capital facilitando fluxos de mercadoria nos transportes de carga.
A partir dos fluxos ampliados a capital teria que receber inúmeros projetos de infraestrutura e de produção. Muitos dos processos de desenvolvimento ao longo da BR-324, desde Feira de Santana até as cidades da Petroquímica seriam reconfigurados. Atualmente a BR-324, de grande importância para a logística de cargas, é a única ligação entre o complexo portuário da Baía de Todos os Santos e as Rodovias BR-101, BR-116, BR-110.
Figura 2: Programação da ampliação da capacidade do SVO - localização dos tramos na Ilha de Itaparica.
Além da BR-324 as rodovias BR-101, BR-116, BR-242 E BR-110 são fundamentais para o acesso rodoviário aos portos da localizados na BTS, pois à partir dos seus entroncamentos com a BR-324 estabelecem conexão com as regiões nordeste e sudeste do país. Conforme se vê no mapa, a inserção da ponte afeta diretamente o tecido de Salvador. Esquematicamente constam apenas os grandes fluxos em vermelho e preto (Av. Paralela, BR 324, Via Expressa), entretanto, quando se vê em detalhe, surgem muitas outras vias, à exemplo das avenidas Bonocô, Suburbana, Contorno, Anita Garibaldi; ou seja, os fluxos se capilarizam dentro da cidade; as saídas representam o impacto da construção nas cidades ao Norte da RMS como Lauro de Freitas, Camaçari e Simões Filho.
Salvador, seu porto, e também o seu entorno imediato precisariam comportar empreendimentos da nacionalização e mundialização dos negócios atraídos por esse cenário. Segundo Farias (2011), não há como se compreender a história de Salvador, sem a noção exata do seu significado portuário na Baía de Todos os Santos. Em cada momento histórico a capital se rearticulou em termos comerciais e de sua função socioeconômica. Para este autor, desde os tempos iniciais, as facilidades de natureza geográfica na baía sempre foram exploradas e a atividade portuária local foi sempre marcante.
Na Bahia, a Cia das Docas do Estado da Bahia (CODEBA), empresa de economia mista, controlada pelo Governo Federal através da Secretaria Especial de Portos (SEP), exerce a autoridade portuária e responde pela administração dos portos públicos de Ilhéus (Porto de Malhado), Salvador e Aratu, estes dois últimos integrantes do Complexo Portuário da Baía de Todos os Santos onde funcionam sete portos que movimentam 35 milhões de toneladas de produtos: dois são públicos, o porto de Salvador e o porto de Aratú e cinco são instalações portuárias de uso privativo.
A globalização econômica provocou profundas alterações no segmento portuário e, em todo o mundo desenvolvido, teve início um amplo e acelerado processo de modernização dos portos, cujo objetivo maior foi o aumento da eficiência e a redução drástica dos custos na prestação dos serviços portuários. Em Salvador, o porto foi cada vez mais se especializando em carga geral e nos terminais de contêineres, conforme Marcos Porto (2007). Este porto é o maior movimentador de cargas em contêiner do Norte/Nordeste.
Com a ponte, o porto de Salvador, instalado em área central da cidade, terá o acesso comprometido pelo fluxo de veículos no seu entorno. Também merece referência a indisponibilidade de área de expansão para movimentação de carga em contêineres, de modo que os novos fluxos poderão ficar congestionados.
Se o fluxo que vier pelo SVO for de granel, ele terá que se destinar ao Porto de Aratú, que está localizado na Enseada do Caboto, município de Candeias, a 50 km de Salvador. Este porto movimenta cargas de insumos básicos para diversas indústrias do Centro Industrial de Aratu e do Polo Petroquímico, tais como Caraíba Metais (concentrado de cobre), Alcan (alumina) e Sibra (manganês).
Além do impacto da construção da ponte na movimentação de cargas nos portos da BTS, um dos seus efeitos mais significativos se traduz no tecido urbano e na dinâmica do capital imobiliário. Sobre o mercado imobiliário (principal agente no que tange à configuração urbana) empresas (incorporadoras/ construtoras) já detêm os títulos das propriedades e projetos engatilhados há décadas, terão forte crescimento com a interligação Salvador-Itaparica. A própria ilha está toda fatiada do lado da costa atlântica, mas do outro lado, a futura ponte poderá gerar grande especulação. A contra-costa da ilha, ainda bastante inexplorada, será alvo fácil de loteamentos e negócios imobiliários. O capital imobiliário vai valorizar os “terrenos de engorda” e alavancar novas construções (casas, condomínios, centros comerciais) em espaços ainda pouco densos.
Para se ter uma dimensão do quadro que retrata o modus operandi do mercado imobiliário em Salvador, e que se reproduz no país, Carvalho (2013) identifica que :
As principais empresas atuantes nesse mercado não têm mais um caráter local ou regional. Trata-se, agora, de grandes conglomerados, muitas vezes internacionalizados, que constroem obras como barragens, pontes e metrôs, e que, tendo participado dos processos de privatização, atuam, hoje, em ramos como a petroquímica, telecomunicações ou a limpeza pública das grandes cidades. Exemplos dessas empresas são a Odebrecht e a OAS, que, na sua origem, eram empreiteiras baianas e hoje podem ser caracterizadas como multinacionais presentes em diversos setores da economia. ( CARVALHO, 2012)
Com a justificativa de equilibrar a iniquidade existente entre o desenvolvimento regional, demonstrado à partir do PIB (tabela 1) o modelo metropolitano tenderá a se disseminar ao longo do território ‘beneficiado’ pelo projeto do SVO.
Santo Antônio de Jesus, como uma cidade média diretamente ligada ao projeto, com expressiva oferta de comércio e serviços tende a se expandir, integrando à macrorregião de Salvador. Atualmente já é possível identificar expressivos investimentos no setor industrial da cidade através da criação de um novo distrito industrial no município às margens da própria BA- 001, rodovia por onde prevê-se que passará o SVO, fator este que contribuiu para o fortalecimento da sua economia. Já é possível identificar também, ao longo desta via construção de grandes estruturas onde funcionarão portos-secos. Em visita técnica ao local, através de entrevista com funcionário, foi obtida a informação de que o Porto Seco Recôncavo é um consorcio entre 24 empresas locais, dentre elas grandes atacadistas.
Figura 3 – Tabela população, área e PIB da RMS
Nazaré, que outrora fora uma cidade expressiva e atualmente encontra-se “estabilizada”, provavelmente adquirirá uma nova dinâmica à partir da implementação do SVO. É possível deduzir que, pela sua localização, será um importante “entroncamento” entre os municípios de Santo Antônio de Jesus na direção oeste e Valença ao Sul. A ponte Salvador-Itaparica, pode alterar não apenas a morfologia territorial da região mas também criar novas relações sócio espaciais entre os municípios de Salvador, Itaparica, Vera Cruz, Salinas da Margarida, Muniz Ferreira, Nazaré, Santo Antônio de Jesus e a região do Baixo Sul, pois irá aumentar o fluxo de veículos, de pessoas, e principalmente de mercadorias, por criar um acesso mais rápido para os portos e para a RMS. Entretanto não será todo o arco de municípios ao redor do Recôncavo que ganhará com o empreendimento viário; o projeto não contempla diretamente cidades outrora relevantes na rede urbana, como Cachoeira, São Félix, Maragogipe ou Santo Amaro.
Todos os municípios da RMS serão atingidos pelos efeitos dessa interligação entre a região metropolitana e a região conhecida como recôncavo sul. Municípios como Vera Cruz e Itaparica, conforme se vê na tabela 1, com pouca população e baixo PIB serão os mais impactados do ponto de vista da urbanização.
considerações finais
Construções rodoviárias do porte do Sistema Viário do Oeste e da Ponte Salvador-Itaparica, enquanto obras terrestres e de inscrição geográfica regional, produzem uma série de efeitos, que podem ser de diversos alcances, desde os produtivos até os devastadores. Se por um lado o fluxo da riqueza aproxima Santo Antônio de Jesus e outros municípios do recôncavo sul de Salvador, por outro os territórios ficariam muito mais expostos às atividades predatórias.
O fluxo do capital aumenta e o desgaste ambiental surge como consequência direta. Os territórios até então preservados e que se mantinham no plano da reprodução social à margem dos fluxos passariam a perder seu isolamento. Sabe-se que é muito difícil integrar essas populações a um processo econômico que lhes é externo. Para ilustrar o efeito predatório bastaria ver o que acontece em Simões Filho, por exemplo, que tem suportado os efeitos da ampliação dos fluxos da riqueza que passa pela BR-324 e outras vias da zona petroquímica, entretanto está estatisticamente classificado entre os municípios mais violentos do Brasil.
Para reiterar a ideia da “lógica inversa” recorrentes da construção do SVO e da Ponte SSA-Itaparica e das relações perversas que pode se sobrepor a esta iniciativa, basta ver a colocação feita pelo Professor Heliodório Sampaio em entrevista à Fundação Mário Leal em 2015.
Os projetos da “ponte Salvador/Itaparica” e da “Linha Viva” são casos típicos, pois não resultam de nenhum Plano consistente (urbano ou regional), nem possuem justificação social convincente. Projetos que resultam de uma demanda privada, de modo a gerar obras e valorizar “terrenos de engorda” (vazios, que antes eram patrimônio público), a maioria estocada no século passado por grandes corporações. Investimentos equivocados em infraestrutura, que não vão de encontro ao quadro de necessidades reais já detectadas, são erros a serem evitados.” – (HELIODORIO SAMPAIO, Salvador, 2015)
Esta consideração demonstra o quanto as soluções apresentadas se distanciam das demandas sociais, segundo a crítica de diversos planejadores soteropolitanos. O referido patrimônio público, que os biólogos chamam de recursos ambientais e os antropólogos de recursos culturais não costuma ser levado em consideração nos planos como no documento do SVO e da Ponte.
A preocupação dos urbanistas se reflete na pergunta de Brito (2014) “Haverá ainda tempo para que diálogos sustentáveis de desenvolvimento possam acontecer entre Salvador e o Recôncavo?” Infelizmente os projetos supracitados não parecem “um exercício de utopia” nos termos ambientalistas.
Considerando a forte possibilidade da construção do projeto viário e da ponte, caberia pensar em um traçado e uma inserção que fosse o mínimo agressiva ao ambiente e aos territórios tradicionais. Tais territórios, ainda distantes e afastados da capital, com a realização do Projeto da Ponte, se aproximarão. Esta integração regional entre Salvador e seu Recôncavo ao mesmo tempo que desenvolverá a economia poderá a impulsionar a reprodução do modelo metropolitano e aniquilar culturas e tradições que historicamente o compuseram.
Para finalizar a presente comunicação é necessário que se reflita em que medida essa intervenção proposta com o projeto da ponte aponta para o desenvolvimento ou retrata um repertório conservador a serviço de interesses do capital. Resta saber em qual medida ela se afasta ou repete a dinâmica de desenvolvimento regional construída ao longo do século XX. E mais: o que está posto é o desafio de inserção do Recôncavo em um projeto que não reproduza as mazelas do desenvolvimento, concentrado e excludente, que fez de Salvador e sua região um espaço de convivência e conflito entre precariedade e pós-modernidade. Outros projetos implantados na RMS não podem, do ponto de vista ambiental e também social, ser qualificados como bons exemplos de desenvolvimento.
REFERÊNCIAS
- BRITO, R. R. C. A BAÍA DE TODOS OS SANTOS E O SEU RECÔNCAVO IMEDIATO: ORIGENS, IDENTIDADES, PERCEPÇÕES E UTOPIA. Tese (doutorado) UFBA, 2014.
- CARVALHO, E. A cidade do capital e outros estudos. Arcadia, Salvador. 1ª Ed.: 2012.
- FARIA, Sérgio Fraga. A contribuição da Baía de Todos os Santos no desenvolvimento da economia regional. Salvador, EDUFBA, 2011.
- GORDILHO SOUZA, Angela. Cidade seletiva e exclusividade urbana. In: CARVALHO, Inaiá Maria Moreira et al. Metrópoles na Atualidade Brasileira – transformações, tensões e desafios na Região Metropolitana de Salvador. Salvador, EDUFBA, 2014.
- GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA. E.V.T.E.- S.V.O. Estudo de Viabilidade Técnico Econômica do Sistema Viário do Oeste. SEPLAN. Salvador, 2017.
- HARVEY, D. A produção capitalista do espaço. Trad.: Carlos Szlak. ANNABLUME, São Paulo. 1ª Ed.: 2001.
- PORTO, Marcos. Problemas que prejudicam as exportações de cargas conteinerizadas da Bahia. Faculdade Tecnológica do SENAI. Salvador, 2007.
- SAMPAIO, A. H. L. 10 necessárias falas: cidade, arquitetura e urbanismo. EDUFBA, Salvador.: 2010.
Definition of parameters for analysis of the quality of infrastructure for non-motorized transport
Kaíc Fernando Ferreira Lopes
Mestrando, UFSC, Brasil
kaicfernando@outlook.com
João Carlos Souza
Professor Doutor, UFSC, Brasil
joao.carlos@ufsc.br
RESUMO: A situação das cidades brasileiras está cada vez mais caótica, as políticas de urbanização implantadas em sua maioria pensadas na ampliação de vias expressas de circulação e priorização do automóvel individual motorizado causou uma situação insustentável em muitos centros urbanos, principalmente os que possuem uma taxa populacional alta e também alta quantidade de automóveis individuais. Diante disso, é necessário incentivar cada vez mais o uso dos transportes não motorizados, e com a aprovação da Lei 12.587/2012 que dispõe sobre a Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU), todos os municípios com mais de 20.000 habitantes, bem como os demais obrigados pelo Estatuto das Cidades, deverão elaborar e apresentar seus Planos de Mobilidade Urbana que priorizem a utilização de transportes não motorizados, mas para isso é preciso que a infraestrutura seja adequada, tanto para pedestres quanto ciclistas, mesmo que as distâncias a percorrer não sejam tão longas. Este trabalho se propões a estabelecer parâmetros para avaliar as infraestruturas destinadas aos transportes não motorizados (modo a pé e bicicleta) para isso ficaram estabelecidos parâmetros que devem ser atendidos na avaliação de caminhabilidade e Ciclabilidade com base em legislações e manuais técnicos.
PALAVRAS-CHAVE: Mobilidade urbana, Parâmetros para avaliação, Lei 12.587/2012.
ABSTRACT: The situation of Brazilian cities is becoming more and more chaotic, urbanization policies implanted mostly in the expansion of express routes of circulation and prioritization of the individual motorized car caused an unsustainable situation in many urban centers, especially those that have a high population rate and also high quantity of individual cars. In view of this, it is necessary to encourage more and more the use of non-motorized transport, and with the approval of Law 12,587 / 2012, which provides for the National Urban Mobility Policy (PNMU), all municipalities with more than 20,000 inhabitants, as well as the City Statute, they must draw up and present their Urban Mobility Plans that prioritize the use of non-motorized transport, but for this it is necessary that the infrastructure is adequate, both for pedestrians and cyclists, even if the distances to be traveled are not so long. This paper proposes to establish parameters to evaluate the infrastructures for non-motorized transport (foot and bicycle mode) for this were established parameters that must be met in the evaluation of roadability and cycling based on legislation and technical manuals.
KEYWORDS: Urban mobility, Parameters for evaluation, Law 12.587/2012.
1 INTRODUÇÃO
A crise da mobilidade causada pelo aumento do espaço para os automóveis em detrimento do espaço para as pessoas e para os meios de transporte não motorizados é evidente nos grandes centros urbanos (FRANCO, 2011). Devido à priorização, os impactos negativos do transporte individual motorizado, como os congestionamentos, poluição e velocidade dos automóveis, acarretam em problemas aos grupos menos favorecidos e vulneráveis como os ciclistas e os pedestres.
A mudança dos padrões de deslocamento da população através do uso dos meios de transporte não motorizados é de extrema importância para a construção de centros urbanos com uma melhor qualidade de vida, o transporte ativo, por exemplo, pode ser um importante elemento de reordenação, reconfiguração do espaço urbano e da lógica social, além da possibilidade de funcionar como um vetor de melhoria ambiental (BOARETO, 2010).
A Lei 12.587/2012 no seu artigo 6º diz que a política nacional de mobilidade urbana é orientada por diretrizes e uma delas é que a prioridade é dos modos de transportes não motorizados sobre os motorizados, com objetivos de reduzir as desigualdades e promover a inclusão social, promover o acesso a serviços básicos e aos equipamentos sociais e proporcionar melhoria nas condições urbanas da população no que se refere à acessibilidade e à mobilidade. Porém, não há uma metodologia definitiva para avaliar as condições das infraestruturas destinadas aos modos a pé e bicicleta.
O uso dos transportes não motorizados podem trazer benefícios para quem os utiliza como exemplo disso a bicicleta, gera benefícios para a saúde de quem pedala, além da possibilidade de contribuir para a melhoria no fluxo das vias de trânsito, gerando assim, menos transtorno à comunidade no geral. De acordo com Gehl (2010), o transporte ativo representa uma eficiente forma de se transportar nas áreas urbanas, além de possuir a função de promover cidades mais sustentáveis, seguras e agradáveis. Para Ferreira (2007), a bicicleta é o veículo ideal para curtas distâncias, com uma velocidade média entre 12 km/h e 18 km/h, existe a possibilidade de realizar viagens sem a necessidade de um alto desgaste físico desde que a distância percorrida não seja longa demais. Segundo Rocha (2003), andar a pé é o modo mais antigo de deslocamento do ser humano, e ser pedestre é sua condição natural.
Este artigo tem como objetivo avaliar a bicicleta e o modo a pé como meio de transporte potencialmente viável para contribuir para a melhoria do trânsito no acesso ao campus e no seu interior também, contribuindo metodologicamente no que diz respeito à avaliação qualitativa de infraestrutura destinada aos transportes não motorizados, através de parâmetros que contemplem especificamente os modos a pé e bicicleta, através de uma metodologia clara para a avaliação e que possa ser realizada pelos usuários e por gestores.
2. Mobilidade urbana, a priorização dos meios de transporte e a sustentabilidade
A mobilidade urbana está relacionada à facilidade com que pessoas e bens se deslocam pelas cidades, não se limitando somente à análise do ponto de vista de oferta e característica de uso dos meios de transporte, mas também sob a ótica da organização das cidades, da distribuição de serviços, trabalhos e moradias, traduzindo as relações entre os indivíduos e o uso do espaço urbano (Ministério das Cidades, 2006; Ministério do Meio Ambiente e Ministério das Cidades, 2015). Partindo dessa abordagem holística, é possível afirmar que o modelo de espalhamento urbano comumente adotado nas cidades brasileiras dificulta a implantação de políticas públicas que favoreçam a mobilidade urbana, mas não pode ser um empecilho para a mesma (Barczak e Duarte, 2012; Lima et al., 2003).
Esse processo de fragmentação das cidades, em geral, segrega populações com menor renda, mantendo-as distantes das regiões centrais e das zonas em que se concentram os trabalhos e lazer (Boareto, 2008). Os vazios urbanos acarretam em elevado tempo de deslocamento casa-trabalho, o qual seria reduzido se houvesse uma priorização por transportes que favorecem a mobilidade urbana, mas não é o que acontece.
A influência do governo federal para aquisição de veículos no Brasil, com medidas como a redução de IPI - Imposto sobre Produto Industrializado (Folha de São Paulo, 2011) e as facilidades de financiamento, é um fator que, somado ao símbolo de status e a comodidade do carro, aumenta consideravelmente a compra desse veículo e a sua presença nas ruas. Isto impacta na mobilidade urbana e, consequentemente, na qualidade de vida da população (Ramis e Santos, 2012).
Segundo Vargas e Sidotti (2008) a mobilidade urbana é o deslocamento de pessoas e bens no espaço urbano para a realização de suas atividades do cotidiano, seja ela a trabalho, estudo, acesso a hospitais ou lazer de modo seguro e confortável. A necessidade de deslocamento está inserida no cotidiano das pessoas, quer seja para lazer, trabalho, estudo ou qualquer outra atividade. Nesse sentido, a produção e reprodução do espaço urbano perpassam por condicionantes que podem ser considerados indissociáveis de fatores como a circulação e o movimento da população e dos bens de consumo (DUARTE, 2006).
2.1. O modo a pé como meio de transporte
Segundo Rocha (2003), andar a pé é o modo mais antigo de deslocamento do ser humano, e ser pedestre é sua condição natural. Excluindo-se os bebês e as pessoas com deficiência física, todos dispõem do próprio corpo como o meio de deslocamento ambientalmente mais saudável que existe, embora seja o mais vulnerável de todos. Esta vulnerabilidade aumenta à medida que se eleva o volume da frota de veículos motorizados nas grandes cidades.
A mobilidade do modo a pé é possível a partir do acesso à infraestrutura e aos meios de locomoção ofertados na superfície terrestre, podendo ser observada na escala micro, chamada microacessibilidade (LITMAN, 2008). Para efeito desta pesquisa, quando o termo acessibilidade for citado, este se reportará à acessibilidade na escala micro.
Desta forma, a mobilidade propiciada pelo modo a pé é definida a partir das características físicas do indivíduo que pretende se locomover e também desempenho do espaço a ser transposto pelo pedestre que, de acordo com Aguiar (2010), equivale ao nível de acessibilidade oferecido no espaço urbano.
2.1.1. Parâmetros de qualidade para calçadas
Diversos fatores, físicos e/ou ambientais influenciam na qualidade das calçadas induzindo o pedestre a querer se deslocar ou não por esses espaços. Estudos dessa natureza em calçadas, segundo Landis et al. (2001), ainda são relativamente escassos se comparados, por exemplo, ao nível de investigação que existe sobre transportes motorizados. Ainda assim, pesquisadores desenvolveram estudos que identificam e estabelecem parâmetros que influenciam no deslocamento de pedestres, definindo qualitativamente e/ou quantitativamente as características para dotar a calçada de melhor qualidade.
O conceito de nível de serviço (NS) para pedestres foi primeiramente descrito pelo Highway Capacity Manual (TRB, 1994), que trata sobre a avaliação da infraestrutura de pedestres com base em quantitativos (densidade, fluxo e velocidade). Contudo, apesar dele também ressaltar a importância de fatores ambientais para esses espaços, não é dada qualquer orientação sobre como avalia-los.
No Brasil, um dos primeiros pesquisadores a trabalhar com esses temas foram Ferreira e Sanches (1998), que desenvolveram uma metodologia dividida em três etapas: (1) avaliação técnica com base em indicadores de qualidade, dando-lhes uma pontuação para cada nível de serviço; (2) a ponderação destes indicadores de acordo com a opinião dos usuários e (3) a avaliação final dos espaços, considerando a primeira e a segunda etapa. Em 2001, eles criaram outro método a partir de um índice de qualidade das calçadas (IQC) que é definido através da percepção dos pedestres cujo objetivo é identificar quais as características mais importantes da calçada, na avaliação da qualidade desses espaços. No estudo foram considerados aspectos qualitativos referentes a itens como segurança, seguridade, conforto, continuidade e atratividade visual e psicológica.
2.2 A bicicleta como meio de transporte
O prestígio social construído no século XX em torno dos veículos motores e privados vem sendo abalado devido ao agravamento das condições climáticas do planeta e dos problemas de trânsito urbano. Como um veículo não motorizado, a bicicleta aparece em alta nos conceitos qualitativos sobre seu uso nos transportes urbanos, defendida para a construção sustentável da mobilidade urbana.
Sobre os modos de transporte, Vasconcelos (2012) apresenta dois tipos de classificações: (I) relativo ao uso, podendo ser individual ou coletivo; e (II) relativo à natureza legal de forma de transporte, se privado ou público. A bicicleta é um meio de transporte individual, geralmente de ordem privada, embora alguns programas que ofertam bicicletas para uso restrito em seu território possam transformar esse uso para ordem semi-pública.
No meio urbano, principalmente nas grandes cidades não há espaço suficiente para acomodarmos o automóvel como peça fundamental no nosso sistema de transportes. O transporte ativo por sua vez, principalmente a bicicleta, pode ser considerado como alternativa para diminuir engarrafamentos, além de apresentar benefícios à saúde e ao meio ambiente.
Dessa forma, cabe observar que a bicicleta é um meio de transporte que compete em alguns aspectos em termos de igualdade com o transporte motorizado. De acordo com Boareto (2010), para deslocamentos de até 5 km a bicicleta é muito eficiente e possui flexibilidade igual a d e um pedestre, porém com velocidade superior, que pode ser comparada à de um automóvel se forem consideradas as condições de tráfego nas grandes cidades.
2.2.1. Parâmetros de qualidade para redes cicloviárias
No planejamento de uma boa rede cicloviária devem ser contemplados cinco critérios básicos: linearidade, segurança, coerência, atratividade e conforto. Trajetos lineares são traçados sem desvios e livres de obstáculos. A flexibilidade natural da bicicleta requer uma rede igualmente flexível, prevendo atalhos como por dentro de parques, cruzando praças, passando por locais onde não seja permitida a passagem de veículos motorizados (quando aplicável).
A implantação da rede cicloviária deve buscar a máxima continuidade dos percursos, com o mínimo de interseções onde os ciclistas não têm preferência de passagem; desvios e mudanças de lado de circulação em relação à pista de rolamento; redução da frequência de paradas obrigatórias e adequada sinalização das conexões entre diferentes trechos da rede.
O traçado da rede deve abranger o máximo possível da área urbana, de forma integrada e conectando origens e destinos relevantes e atrativos, com configuração uniforme e facilmente identificável. Isso pode ser obtido por meio da consistência de linguagem nos elementos da infraestrutura (cores, placas, sentidos de circulação), continuidade das características físicas (larguras constantes, piso uniforme) e sinalizações adequadas (mensagens e linguagem claras e simples, tamanho das placas que permita boa visibilidade, fontes legíveis) e padronizadas (utilização da mesma sinalização em toda a cidade).
A coerência possui ligação direta com a relação entre a hierarquização das estruturas cicloviária e viárias existentes. Idealmente, a tipologia cicloviária deve ser constante ao longo de uma mesma via, de modo que qualquer pessoa saiba facilmente onde procurar por uma infraestrutura cicloviária em regiões desconhecidas. Ou seja, todas as vias do mesmo tipo devem contar com a mesma tipologia cicloviária, reforçando a coerência da rede.
Por fim, a rede cicloviária precisa oferecer conforto ao ciclista. Essa sensação é influenciada positivamente por uma topografia favorável, pela presença de travessias de barreiras urbanas, facilidade para conversões à esquerda (no caso de ciclovias e ciclofaixas localizadas no bordo direito da pista), o mínimo de rampas e pavimentos adequados (a superfície de rodagem deve oferecer suavidade e o mínimo possível de alterações nos tipos de pavimento; quando necessárias, devem ser feitas com transições suaves). Faixas largas para a circulação dos diferentes tipos de bicicleta e mobiliário urbano adequado que permita ao ciclista fazer paradas sem desmontar da bicicleta também aumentam a percepção de conforto. Para quem se desloca de forma ativa, é importante que os trajetos tenham sombra e arborização abundante. Isso é especialmente válido nas cidades brasileiras pra compensar o calor gerado pela atividade de pedalar.
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O método proposto para o desenvolvimento do trabalho e a caracterização das ferramentas utilizadas. Primeiro foi feita a estruturação do Referencial Teórico a partir da realização de Pesquisa Bibliográfica. Na Segunda etapa da dissertação, que corresponde ao estudo de caso, foram realizadas as técnicas da observação direta, análise documental, sistematização das informações dos questionários aplicados pela SUMAI. Além destas informações, foram considerados levantamentos fotográficos feitos em campo e outras contribuições e leituras técnicas.
Este trabalho tem como objetivo propor parâmetros de avaliação qualitativa de infraestrutura destinada a transportes não motorizados de forma objetiva. Os critérios de avaliação em campo foram determinados a partir do que foi encontrado em relação à qualidade de infraestrutura destinada aos modos a pé e por bicicleta. Todos os parâmetros avaliados são relacionados à qualidade. Por exemplo, a existência de sinalização vertical nas vias transversais, indicando a existência de estrutura cicloviária e para pedestres, baseado na adequação da infraestrutura de acordo com o Código de Trânsito Brasileiro e a Norma de Acessibilidade (NBR 9050:2015), por exemplo.
3.1. Caminhabilidade
A caminhada é um dos modos de locomoção mais democráticos, pois todos, incluindo as crianças, idosos e adultos, em algum momento se locomovem desta maneira. Outro ponto a ser observado é que uma parcela das pessoas nestes deslocamentos pode apresentar limitações de locomoção permanentes ou temporárias, como deficiências físicas ou a utilização de carrinhos de bebê e de compras (ITDP, 2016).
O modo a pé, ou caminhada, constitui o principal modo de locomoção diário. Segundo a ANTP (2016), no Brasil 36% das viagens diárias são realizadas desta forma, além disso 29% das viagens são realizados por modos coletivos em que as pessoas necessitam caminhar para acessar o transporte.
De acordo com o ITDP (2016) as condições do piso para o pedestre estão associadas à existência de buracos, ou seja, de cavidades ou depressões de profundidade variável, provocadas por danos decorrentes do uso ou de má implantação. A existência de buracos na calçada, ao interromper a uniformidade da superfície utilizada pelos pedestres para se deslocar, prejudica principalmente a locomoção de pessoas idosas, crianças e pessoas com deficiência. Uma calçada é considerada adequada quando esta não apresenta nenhum buraco. Os buracos considerados devem ter no mínimo 10 cm de comprimento em uma de suas dimensões.
Após estas observações e a definição dos parâmetros para avaliação da qualidade, deverá ser feita a análise na área estudada se a infraestrutura destinada aos pedestres, por exemplo, se há padronização das calçadas, questões de acessibilidade e sinalização tátil, por exemplo.
Para a analise deste parâmetro, as categorias serão baseadas no Índice de Caminhabilidade do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento - ITDP e no Guia 8 princípios da calçada da WRI Brasil, que serão a base para a verificação em campo. As categorias são:
3.2. Ciclabilidade
A utilização da bicicleta vem sendo estimulada como parte da solução dos problemas de mobilidade nas cidades, devido à sua eficiência e agilidade para pequenos percursos, sem contar os fatores ambientais e de saúde pública.
De acordo com o PlanMob (2015) a bicicleta é um dos meios de transportes mais eficientes, pois é a tecnologia mais apropriada para curtas distâncias, com baixíssimo custo operacional. Uma pessoa pedalando anda duas vezes mais rápido, carrega quatro vezes mais carga e cobre três vezes a distância percorrida por uma pessoa caminhando.
Existem fatores que influenciam, entre eles: condição da topografia local com aclives acentuados, condições climáticas como chuva, vento e calor intenso, distância a ser percorrida, necessidade de transporte de filhos e viagens de compras, e principalmente a sensação de insegurança oferecida pela infraestrutura existente (SILVA, 2012).
Segundo o Plano de Mobilidade por Bicicleta (2007) uma boa infraestrutura cicloviária é a que oferece aos ciclistas rotas diretas e claras, sem desvios e com o mínimo de interferências. Assim, elas contribuem para redução do tempo de viagens e do esforço despendido nos deslocamentos.
Para o item de Ciclabilidade, será levado em consideração:
Com o objetivo de sintetizar para uma melhor compreensão, os parâmetros para avaliação foram tabelados de forma clara, apresentado na Tabela 01, a seguir:
Tabela 01: Parâmetros para avaliação
Fonte: Elaborado pelo autor (2018)
4. CONCLUSÃO
A dificuldade na mobilidade encontrada nas cidades atualmente é uma preocupação tanto dos grandes como dos pequenos munícipios. A grande utilização dos automóveis e motos aliada à falta de condições e de espaço apropriado para a utilização dos modais não motorizados, a pé e bicicleta, e a inexistência ou deficiência na oferta de transporte público vêm tornando nossas cidades cada vez mais congestionadas e, consequentemente, poluídas.
A utilização dos parâmetros estabelecidos para a avaliação tem com objetivo garantir que as condições mínimas de mobilidade para as cidades e cumpram seu papel na melhoria de oferta de serviços de transporte aos cidadãos.
O foco na caminhabilidade, com o objetivo de analisar boas condições para as calçadas, a criação de rotas acessíveis e o incentivo à utilização da rua pelos pedestres, através do da atratividade urbana e investimentos em segurança e limpeza das vias, buscam a garantia do direito de ir e vir de todos os cidadãos de forma democrática, ao mesmo tempo incentivando o uso dos espaços públicos. Já em relação ao transporte cicloviário, os parâmetros definidos buscaram a garantia das melhores condições para a ampliação da utilização de vias cicláveis através da otimização de espaços destinados ao modo. Certamente com a otimização do transporte coletivo e a intermodalidade com a bicicleta, por exemplo, seria uma medida viável para a redução da utilização do transporte individual motorizado que hoje é o maior agravador para a falta de mobilidade nas cidades brasileiras.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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JACOBS, J. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: Ed. WMF Martins Fontes, 2009.
SEPLAN (2002a). Secretaria municipal do planejamento, urbanismo e meio ambiente. PMS. Lei de Uso e Ocupação do Solo em Salvador - LOUOS. BA, Salvador.
SEPLAN (2002b). Secretaria municipal do planejamento, urbanismo e meio ambiente. PMS. Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano - PDDU. BA, Salvador.
RODRIGUEZ, M¹; SANTIAGO, J.²
¹ Programa de Pós graduação em Antropologia -PPGA/UFF/RJ
mariana.seseg@gmail.com
² Instituto de Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional – IPPUR/UFRJ
juliasantiago400@gmail.com
RESUMO
O presente artigo busca analisar o funcionamento da mobilidade urbana e os níveis de acessibilidade em áreas de infraestruturas hipossuficientes. Neste trabalho serão analisadas características e dinâmicas de uma favela carioca. Perpassando aspectos que distinguem esta favela de determinados espaços regidos pela urbanização formal, pretende-se analisar as formas como são exercidas sua mobilidade particular e apresentar seu potencial de acesso. Assim, os conceitos de “acessibilidade hipossuficiente” e “mobilidade marginal” foram cunhados com o intuito de trazer luz as dinâmicas desenvolvidas em locais de aparelhagem urbana precária. Considerando, assim, os meio encontrado para possibilitar o movimento ordinário da vida na comunidade.
Palavras-chave: Mobilidade Urbana, Acessibilidade, Favela
1. APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA
Um dos maiores desafios na empreitada reflexiva de quaisquer cientistas sociais deva ser, talvez, a própria delimitação de seu objeto. Fundamental para a obtenção de resultados profícuos é o exercício de descortinar as “representações preestabelecidas de seu objeto de estudo que induzem a maneira de apreendê-lo e, por isso mesmo, defini-lo e concebê-lo” (LENOIR, 1998, p.61). O objetivo do presente artigo é conceber a forma como as noções de “sustentabilidade” podem impactar ou influenciar em dois conceitos – objetos centrais deste estudo – mobilidade e acessibilidade na discussão sobre transportes e organização do espaço público.
Assim, trataremos os conceitos de “mobilidade” e “acessibilidade” diante da emergência de novas preocupações sociais, traduzidas através de práticas e reflexões acerca das eventuais possibilidades de finitude de recursos, subsidiando uma preocupação com o coletivo em detrimento do individual. Logo adiante nos debruçaremos de forma mais aprofundada acerca de cada uma de suas definições (ou ao menos de tentativas). No entanto, é necessário mencionar que a valorização da vida coletiva e a disseminação de direitos comuns impactou também as noções de transitabilidade e de acesso ao espaço público. A tentativa de intensificar o compartilhamento do espaço respalda inúmeras políticas públicas atuais, bem como situa as respectivas discussões na seara científica. A exemplo disso vemos que:
A mobilidade sustentável no contexto sócio-econômico da área urbana pode ser vista através de ações sobre o uso e ocupação do solo e sobre a gestão dos transportes visando proporcionar acesso aos bens e serviços de uma forma eficiente para todos os habitantes, e assim, mantendo ou melhorando a qualidade de vida da população atual sem prejudicar a geração futura.(CAMPOS, 2006, p.102)
A noção de sustentabilidade não impera ainda de forma hegemônica. Os conceitos ainda surgem meio a campos de disputas, teóricos ou práticos, acerca do modus operandi de habitação das espécies. Importante para este artigo, no entanto, é observar as influências presentes em cada um dos conceitos aqui tratados, bem como sua pluralidade de definições. De tal forma, ilustraremos possibilidades de se conceber a “mobilidade” e a “acessibilidade” nestes termos.
Para além dos conceitos e suas determinações, a produção social do espaço será um locus norteador das análises do presente trabalho. As favelas, espaços de invisibilidade social, existem no meio urbano em espécies de “ilhas” de informalidade na cidade. Com a ausência histórica da presença do Estado e serviços públicos nesses locais, os moradores se organizam e apresentam possibilidade ao deslocamento interno e externo nesses espaços com alto grau de organização e gerenciamento. O caso analisado é o da favela do Vidigal, situada na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, que não possui transporte público circulando em seu interior e precisou articular formas de mobilidade e acessibilidade em seu espaço.
O artigo analisará então como se dá a organização da mobilidade e da acessibilidade no recorte de uma favela, percebendo suas características e formas de organização peculiares a seu espaço. E ainda, percebendo também que outras forma próprias de organização podem se dar em outros espaços semelhantes - em relação a ausência de serviços públicos - periféricos ou não, informais ou não, propõem-se reflexões iniciais a criação de conceitos (mobilidade marginal e acessibilidade hipossuficiente) que possam categorizar e impulsionar estudos e reflexões acerca dessas organizações locais que possibilitam a mobilidade e a acessibilidade fundamentais a esses espaços.
2. METODOLOGIA
Conforme exposto, o propósito do presente trabalho trata da apresentação de aspectos iniciais acerca das práticas inerentes à mobilidade na favela do Vidigal. Concebe-se que a conceituação das respectivas dinâmicas demandará um aprofundamento posterior para sua efetivação, entretanto, acreditamos que este trabalho servirá para suscitar um conjunto de questões que subsidiarão um desdobramento analítico da temática. Assim, a metodologia deste estudo compreenderá a revisão bibliográfica do arcabouço teórico sobre mobilidade e acessibilidade, bem como será fundamentada por perspectivas obtidas por meio da observação participante, uma vez que o Vidigal se constitui para as autoras deste estudo, concomitantemente, enquanto objeto sociológico e lócus de residência.
3. DISCUSSÃO
3.1 Mobilidade Urbana e suas delimitações
De modo geral, as noções de mobilidade são comumente associadas a deslocamentos, ou seja, viagens de pessoas, cargas e veículos no espaço. Com o advento da sustentabilidade e suas reflexões sobre como os processos e hábitos foram construídos, conforme citado anteriormente, sucedeu um movimento de repensar esses deslocamentos e assim analisar e até modificar o sistema posto que colapsa a cidade com engarrafamentos de pessoas e veículos.
Iniciar as discussões sobre mobilidade consiste, primeiro, em entender como diferentes atores chaves a conceituam. É importante colocar que suas visões permeiam seus lugares de fala no espaço e estão imbuídas de valores aos quais estes estão ligados. Para a explanação da ideia traremos diferentes pontos de vistas do que consiste a mobilidade a partir das influências de um novo paradigma científico de sustentabilidade.
A Política Nacional de Mobilidade Urbana, Lei 12.587 de 2012 que tem por objetivo o acesso universal à cidade e a gestão democrática do Sistema Nacional de Mobilidade Urbana, conceitua mobilidade como a “condição em que se realizam os deslocamentos de pessoas e cargas no espaço urbano”.(BRASIL, 2012). Desta forma, no universo da administração pública o referido conceito está relacionado a uma análise qualitativa e existencial dos deslocamentos ordinários da sociedade, não necessariamente situando-os em um cenário interdisciplinar.
Já nas frentes acadêmicas, pesquisadores da área de transportes relacionam a sua concepção de mobilidade a uma multiplicidade de fatores como: o sistema de transportes e suas variações, a capacidade do indivíduo de se locomover, infraestrutura local e ainda outros aspectos sociais e/ou econômicos a se determinar. Para Raia Jr,
na geografia urbana, o deslocamento nas cidades é analisado e interpretado em termos de um esquema conceitual que articula a mobilidade urbana, que são as massas populacionais e seus movimentos; a rede, representada pela infraestrutura que canaliza os deslocamentos no espaço e no tempo; e os fluxos, que são as macro decisões ou condicionantes que orientam o processo no espaço.(RAIA JR, 2000, p.59)
Outra visão ainda possível é colocada por Meyer ao concluir que “mobilidade está diretamente relacionada a capacidade que o indivíduo tem de possuir e dirigir um automóvel” (MEYER, 1984 apud Raia Jr, 2000, p.62). Essa interpretação aponta a locomoção diretamente ligada a um bem de consumo, a possibilidade de utilização desse bem e, ainda, abre para conclusões que sem o carro o indivíduo perderia sua mobilidade. Esse é um ponto de vista possível, porém, que exclui as outras formas de locomoção, seja pelos transportes públicos ou até mesmo a pé.
Por outro lado, Aguiar ainda aponta que “a mobilidade está ligada à facilidade de um indivíduo se deslocar, mas esta condição depende do desempenho do espaço (nível de acessibilidade) e das características do próprio indivíduo (capacidade de locomoção)” (AGUIAR, 2010, p.2). Assim posto, a autora ressalta o papel do indivíduo e suas possibilidades de deslocamento, discutindo sobre a acessibilidade do espaço e a capacidade de transitar das pessoas. Esse outro ponto de vista, não menos importante que os outros, mostra que a mobilidade deve ser debatida em conjunto com outros conceitos, o que nos leva a refletir sobre a necessidade de expor os aspectos referentes as noções de acessibilidade.
As concepções vistas até aqui demonstram a multiplicidade de conceituações nesta temática, ilustrando também a importância do indivíduo nestes estudos. Contudo, conforme discorrido acerca da relação entre sustentabilidade e mobilidade, pode-se também ressaltar noções que ratificam a ideia promovida pelo discurso sustentável, concebidas através de uma perspectiva coletiva.
De acordo com as dimensões do desenvolvimento sustentável, pode-se considerar que a mobilidade dentro da visão da sustentabilidade pode ser alcançada sob dois enfoques: um relacionado com a adequação da oferta de transporte ao contexto socio-econômico e outro relacionado com a qualidade ambiental. No primeiro se enquadram medidas que associam o transporte ao desenvolvimento urbano e a equidade social em relação aos deslocamentos e no segundo se enquadram a tecnologia e o modo de transporte a ser utilizado.(CAMPOS, 2006, p.99)
Esse breve extrato e recorte simplório do estado da arte acerca das reflexões sobre mobilidade urbana, nos auxilia a compreender que a análise das dinâmicas de transporte em determinado local estará sempre amparada por um aporte teórico. Assim, foi necessário explorar as diversas possibilidades de teorização da temática para esclarecer ao leitor qual, entre estas, subsidiará as reflexões sobre a mobilidade no Vidigal a serem desenvolvidas neste trabalho.
3.2 Acessibilidade no cenário contemporâneo
A fim de propor uma reflexão circunferente das análises sobre a transitabilidade – seja de veículos, pessoas ou coisas – identificamos a necessidade de se abordar também os aspectos sobre acessibilidade. Fazendo coro as noções de mobilidade, a acessibilidade também admite certo número de interpretações e conceituações acerca de sua finalidade e definição. Apenas alguns destes serão rapidamente expostos aqui, com o intuito de situar, entre as significações disponíveis, qual será a noção mais apropriadas para a análise a que este trabalho se propõe.
Em nosso arcabouço jurídico, a definição de acessibilidade – em sua grande maioria – destina-se a viabilização de acesso às pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. É o que se propõe, por exemplo, a Lei Nº10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabeleceu normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade a este público. A maioria das políticas públicas voltadas para a acessibilidade caminham neste mesmo viés interpretativo e direcionamento prático.
No entanto, como já dissemos, esta não é a única interpretação das noções de acessibilidade. Ela também pode ser concebida através de uma correlação entre as oportunidades disponibilizadas pelo espaço urbano e as competências individuais. Neste cenário, então, a mesma trataria “da oportunidade ou potencial, disponibilizados pelo sistema de transportes e uso do solo, para que diferentes tipos de pessoas desenvolvam suas atividades”(JONES,1981 apud RAIA Jr, 2010, p.16). Ou ainda, relacionar-se-ia “com a oportunidade que um indivíduo, em um dado local, possui para tomar parte em uma atividade particular ou uma série de atividades” (SILVA, 2011, p.24).
Todavia, para subsidiar nossas análises acerca dos modelos analíticos mais apropriados para estudar o objeto proposto, cremos que a definição que mais nos auxiliará nesta empreitada é de que a noção de acessibilidade não estaria restringida às pessoas com deficiências ou mobilidades reduzidas, às condições do espaço ou às potencialidades do indivíduo. Mas sim, se daria em um amalgama de todos esses fatores aplicados ao espaço urbano.
Não se trata de eliminar barreiras para um grupo específico de pessoas, mas de incluir as especificidades do universo de pessoas no desenho urbano e de produtos. Em sentido mais amplo, a acessibilidade é entendida como equiparação das oportunidades de acesso ao que a vida oferece: estudo, trabalho, lazer, bem estar social e econômico, enfim, à realização de objetivos que são, na verdade, direitos universais (ALVES e RAIA Jr., 2009, p.9)
Dessa maneira, serão essas as concepções norteadoras das análises que aqui desdobraremos sobre como tais conceitos são aplicáveis ao local em estudo. A mobilidade, então, representada a partir do potencial dos indivíduos, veículos e coisas de transitarem no espaço. E a acessibilidade enquanto um conjunto de fatores – estruturais, econômicos e sociais – democratizantes do acesso amplo e igualitário ao espaço urbano.
3.3 Processo de favelização no Rio de Janeiro
Diante da exposição do arcabouço teórico que sustentará as análises acerca da localidade estudada, o morro do Vidigal, não podemos nos abster de falar brevemente sobre o processo de favelização no Rio de Janeiro. Tal contextualização se fazem necessárias uma vez que as características abordadas sobre o local não tratam de uma realidade única mas, sim, refletem um histórico específico de relações sociais entre classes, crescimento urbano e meios próprios de regulação. Assim, se pudéssemos caracterizar o desenvolvimento urbano e seu processo de favelização no Rio de Janeiro em três traços principais, não seria leviano apontar para a organização da urbe em relação ao mercado, privilegiando o núcleo de sua Região Metropolitana; distintas diretrizes políticas, que nortearam diferentes prioridades nas intervenções urbanísticas da cidade e, por fim, mas não menos importante, o reflexo geográfico de uma sociedade estratificada socioeconomicamente (ABREU, 2013).
A geografia urbana do Rio de Janeiro se constituiu ao longo de sua história enquanto um conjunto de comportamentos oriundos do que foi um dia uma cidade colonial, uma residência da família real portuguesa, um berço escravocrata, uma cidade cafeicultora, um lócus aristocrático, uma capital federal, bem como um território capitalista e demasiadamente turístico. As orientações políticas e convenções sociais e mercadológicas de cada época se misturaram e teceram uma configuração espacial particular vigente na atualidade. No decorrer de sua trajetória, políticas higienistas e de embelezamento uniram-se à organização do mercado de trabalho, definindo tipos determinados de habitação na cidade.
Desde o século XIX, quando a implementação de bondes e trens permitiram a expansão da malha urbana e a respectiva estratificação social entre zona sul e subúrbio, até meados do século XX, onde houve a eclosão do processo de ocupação vertical precária, propulsora da divisão social entre “morro” e “asfalto”, as dinâmicas mercadológicas influenciaram contundentemente nas ramificações urbanas. Pois, ao mesmo tempo em que parcela da população se distanciava cada vez mais do centro da cidade em busca de moradias mais acessíveis, outra grande parte se aglomerava em espaços não explorados nos centros, mas de vil estrutura.
A proliferação das favelas é citada por Abreu (2013) como resultado de três aspectos políticos e sociais muito enfáticos entre as décadas de 30 e 60, sendo eles: a necessidade do mercado de baratear a mão de obra e a demanda por trabalhadores que residissem próximo as oportunidades de emprego; a baixa valorização e interesse do mercado imobiliário nos referidos terrenos não ocupados e; o caráter populista em conjunto com a fase democrática de 1945, na qual as “favelas eram ainda consideradas manancial de uma infinidade de votos, e portanto, intocáveis” (ABREU, 2013, p. 95). Certo é que até ser considerada enquanto um problema social e se tornar pauta de políticas públicas, as favelas eram vistas como meios de sobrevivência para aqueles que buscavam regiões com maior acesso as oportunidades de emprego – ainda que em condições precárias – e convenientes para o mercado de trabalho que necessitava de mão de obra barata.
E neste cenário de desenvolvimento urbano, estima-se atualmente que as favelas na cidade do Rio de Janeiro abrigam mais de 1.443.773 habitantes (IBGE, 2010). De acordo com dados do Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos (IPP), apenas na cidade do Rio de Janeiro existem cerca de 592 aglomerados urbanos classificadas como favelas. Um dado importante, e que possibilita a interpretação de que as favelas surgem como um meio de prover o acesso à cidade a uma parte da população subjugada socialmente, é de que acordo com o Censo de 2010, aproximadamente 75% destas habitações são próprias. Ou seja, as habitações já foram pagas, ainda que no universo da urbanização informal, onde muito dos contratos são feitos no âmbito das relações pessoais e não em instâncias jurídicas.
Ressaltamos assim, com base na história da verticalização da vulnerabilidade e precariedade sitiada, que algumas das favelas cariocas – admitindo também que favela não é um termo unívoco em sua forma e conteúdo – podem ser consideradas não apenas enquanto um produto da desigualdade social ou expressão da luta ao direito a cidade (BURGOS, 2012), mas também como um meio de garantir a acessibilidade de certos indivíduos a aparelhagem urbana. E será a partir desta ótica que perpassaremos a história da favela protagonista deste estudo, o Vidigal.
3.4 Do alto do morro, pertinho do céu
O Vidigal é uma favela situada as margens do morro Dois Irmãos, na zona sul do município do Rio de Janeiro. Essa região é conhecida por possuir o metro quadrado mais caro da cidade, bem como pela concentração dos maiores índices de renda per capta do estado. Assim, a vista para praias símbolos nacionais e as infraestruturas locais são compartilhadas entre habitantes que ocupam posições de extremidade em relação a parâmetros socioeconômicos. E é neste contexto, com uma vista privilegiada das praias mais cobiçadas do Rio de Janeiro, o Vidigal, existe – e persiste – em meio a contradições sociais visíveis.
As primeiras ocupações na região aconteceram a partir de 1941 com moradias na parte baixa do morro, composta por uma estrutura de barracos de madeira, luz de querosene e ruas de barro (ABREU, 2013). Até a década de 1960, o ritmo de expansão era lento e gradativo, porém, com as mudanças nas diretrizes políticas, fortalecimento das atividades econômicas na região e após a afirmação da Associação de Moradores, a favela se expandiu de forma significativa, ultrapassando a sua artéria principal, a Avenida Presidente João Goulart.
De acordo com relatos orais de moradores, a primeira intervenção urbanística do Vidigal se relaciona com a visita do Papa João Paulo II, em 1980. Nesse momento, a CEDAE (Companhia Estadual de Água e Esgoto) e a LIGHT (Light Serviço de Eletricidade S.A) se fizeram presentes na favela, propiciando a construção de uma rampa de acesso à localidade, postes de luz e lixeiras. A referida visita propiciou uma visibilidade considerável ao Vidigal, importante em um momento de incertezas para a favela, uma vez que o fantasma da remoção rondava a região. Pois, nesta mesma década, os moradores lidavam com resquícios de insegurança, em razão de um plano de construção hoteleira, que almejava a desocupação total da área. No entanto, os moradores conseguiram o retardamento das obras, bem como o fim da remoção com sucessivas ações na justiça e mobilização social.
É relevante salientar que, ainda na memória dos moradores, nesta época o narcotráfico se fazia presente e, para além de suas atividades relacionadas ao comércio de entorpecentes, o mesmo também exercia um papel de regulador do espaço que não era cumprido pelo Estado (CAVALCANTI, 2009). Um exemplo dessas ações, foi o fato de que parte do asfalto construído até o alto da comunidade foi feito por um dos chefes do narcotráfico à época, o Gato.
Uma segunda intervenção no espaço, com o intuito de investir em condições básicas de habitação, bem como de reorganizar a situação já existente na comunidade, foi o projeto Favela-Bairro em 1996. Os objetivos principais das obras eram conferir asfalto e saneamento básico a locais que ainda não eram pavimentados, regularizar a energia elétrica e criar um aparato social que tinha a intenção de fazer o Estado presente. Entretanto, tais ações não tiveram êxito e continuidade em seus objetivos iniciais, resultando apenas em algumas melhorias pontuais na infraestrutura local.
Por fim, um terceiro momento importante na história do Vidigal trata do processo de pacificação ocorrido em 2012, com a implementação de uma Unidade de Polícia Pacificadora. Ainda que fosse uma política estritamente de Segurança Pública, trazendo a presença permanente de policiais militares para a localidade, a mesma contribuiu para impactos significativos no que se refere a regulamentação do espaço público, como: o controle de eventos, transporte público, regularização e posse das propriedades, embargo a construções de risco, entre outros. Outra consequência importante desta política pública foi a valorização imobiliária, que culminou em um processo de Gentrificação.
Resta ainda discorrer sobre a topografia local, que pouco se difere de outras favelas da região. Acolhendo cerca de 10.000 habitantes (IBGE, 2010), o Vidigal é estruturado ao longo de sua via principal, a Avenida Presidente João Goulart, com incontáveis ramificações entre becos e vielas. A pavimentação relativamente larga, que vai construindo a comunidade até a metade do morro, acaba se estreitando rumo ao pico. Já na parte alta do morro, vias que aparentemente possibilitariam a passagem de apenas um veículo, são preenchidas por kombis, carros e motos, quando por vezes alguns caminhões também dividem o espaço entre eles.
Neste pano de fundo, foram desenvolvidas ao longo do tempo diversas ações que possibilitaram a sobrevivência da mobilidade e acessibilidade local diante de uma aparelhagem urbana precária. Tornando o principal intuito deste trabalho a tentativa de identificar como as noções de mobilidade e acessibilidade – num contexto afetado pelas novas diretrizes de sustentabilidade – se adequam a espaços constituídos por uma informalidade estruturante e suas regulações consuetudinárias.
4. CONCLUSÃO
4.1 Mobilidade Marginal
O mais relevante deste esforço reflexivo é levar em consideração as particularidades da microrregião analisada. Deve-se compreender que este espaço, como diversos outros que guardam semelhança com seus aspectos, por muito tempo viveu na informalidade e se organizou de forma autônoma. Sua relação com a regulamentação, planejamento urbano e políticas públicas sempre coexistiu com formas de compreender e construir a realidade através de um meio próprio. Assim, por todas as razões que aqui já foram expostas, um fator predominante neste meio de organização social – quando analisado através da noção de cidade como um espaço orgânico e homogêneo – poderia ser o fato de que este território seria considerado marginalizado, se comparado com as zonas formais da urbe.
A característica “marginal” é conferida “àquela parte da população que não só está no último nível da escala social, mas o que é pior, está fora da escala; que não pertence no sentido próprio da palavra à sociedade global, nem sequer como classe baixa” (Veckemans Venegas, 1966 apud Hazin, 1999). Neste viés, seria então a Mobilidade Marginal exercida em determinadas regiões, que a partir do autogerenciamento de suas dinâmicas locais – caracterizando determinado lugar enquanto um espaço público – cumprem os papéis mínimos para a concretização da mobilidade em microespaços. Isto porque, em razão das explanações anteriores, a formalidade das políticas públicas de mobilidade operam com grande distanciamento destas realidades, fazendo com que a construção de determinadas dinâmicas autorreguladas sejam necessárias para habitação e mobilidade básicas.
Atualmente o sistema de transportes no Vidigal poderia ser considerado híbrido no que se refere a seu nível de formalização. As recentes regulamentações das kombis e mototáxis que percorrem por todo o trajeto da comunidade não são exercidas na plenitude de suas prescrições. Com o processo de pacificação na favela estes modais passaram por certas mudanças no que se referiu a adequações ao Código de Trânsito Brasileiro, por exemplo, a regularização da documentação dos veículos, uso do capacete para motociclistas e passageiros e a implementação de coletes refletivos para os mototáxis. No entanto, não há uma constância no que se refere as ações de monitoramento, fiscalização e avaliação. Apesar disso, a Mobilidade Marginal não trata apenas da simples informalidade ou a falta de perenidade das políticas públicas – questões não tão extraordinárias à administração pública – mas dependerá do local e/ou população ao qual este contexto será analisado.
Com o intuito de destrinchar melhor a noção de Mobilidade Marginal e suas implicações práticas na vida da comunidade, podemos refletir sobre um exemplo acerca do processo de recebimento de vale-transporte conferidos aos moradores. Os mesmos recebem valores referenciados ao trajeto entre seus locais de trabalho e a entrada do Vidigal. O transporte necessário dentro da comunidade, ou seja, as kombis ou mototáxis não são contabilizados – não são vistos – enquanto uma necessidade desta relação formal do vínculo empregatício. As tarifas, semelhantes aos valores dos modais públicos da cidade (ônibus, trens e metrô) são custeados pelos próprios moradores e ignorados no universo formal da relação trabalhista.
Não são os contratos ordinários de um pacto social formal que regulamentam estes transportes. A flutuação dos valores das passagens, como outro exemplo, não surgem numa relação impositiva – familiarizada através da relação entre Estado e Sociedade – mas sim são acordados com todos que daquele transporte fazem uso. Acréscimos nas passagens em épocas festivas são reconhecidos e aprovados pelos passageiros, uma vez que a noção de marginalidade também rompe com a tradicional visão do domínio público que regula essas relações. Ou seja, a “definição do domínio do público, seja moral, intelectual ou até mesmo o espaço físico, que é a de que este é o lugar controlado pelo Estado, de acordo com ”suas” regras” (KANT, 2001, p.14), dá espaço para a noção de compartilhamento, pertencimento do local e daquilo que o compõe e abre janelas de diálogo entre ofertadores de serviço e usuários.
4.2 Acessibilidade Hipossuficiente
Num cenário onde a estrutura do trânsito é constituída através da Mobilidade Marginal, a Acessibilidade não pode ser exercida em sua plenitude. Neste momento, a partir de um processo de ilhotagem do acesso, delimitando-o a pequenas ilhas de possibilidade e fazendo com que certos espaços se tornem acessíveis independentemente da estrutura que o cerca, surge a Acessibilidade Hipossuficiente. Para conceber essa peculiaridade, é importante tomar por insumo as análises desenvolvidas no início do texto acerca da conjuntura deste local para conceber sobre sua hipossuficiência, ou seja, ponderar o fato de ser uma região desprovida total ou parcialmente de algo, neste caso, de infraestrutura.
Dois exemplos podem auxiliar numa maior compreensão do conceito. O primeiro é o caso de uma autoescola no Vidigal que, a partir da Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015), teve que reestruturar seu espaço físico, refazendo os acessos ao ambiente e os banheiros do local. No mesmo cenário, um colégio particular teve que modificar sua estrutura e inserir rampas de acesso no prédio. No entanto, ambas as obras foram destinadas a reformulação do ambiente interno, sendo o acesso externo ignorado na transformação do espaço público. Uma pessoa com deficiência locomotiva, por exemplo, conseguiria assistir as aulas da autoescola ou da escola particular. Entretanto, o mesmo teria incalculável dificuldade para chegar até estes serviços, pois na estrutura do Vidigal não há rampas nas calçadas (em grande parte das vias não há nem ao menos calçadas para os pedestres circularem, cabendo aos mesmos dividirem a via com os veículos). E não há transporte direcionado para os respectivos indivíduos.
Assim, a responsabilidade na conferência da Acessibilidade, que é em maior parte atribuição da Administração Pública (como arguido na maioria das conceituações), quando exercida em áreas hipossuficientes concorre para um gotejamento de direitos. Os acessos acabam sendo enclausurados em instituições das quais guardam certa relação obrigatória com as entidades públicas, e não conseguem dar conta do conjunto de precariedades estruturais existentes no local.
Concebe-se que uma política pública não pode ser particularizada, correndo o risco de corromper com os princípios da Impessoalidade e Supremacia do Interesse Público do Direito Administrativo. No entanto, diante da multiplicidade de aspectos e dinâmicas que emerge de uma cidade plural há a necessidade de haver um mínimo de orientação quanto as ações públicas. O que este trabalho objetivou mostrar foi que a possibilidade de determinados locais, como o que foi explorado neste artigo, serem espaços norteadores de políticas públicas, a partir de seu conjunto de precariedades é muito improvável. Pois, ainda que cada espaço possua suas características singulares, muitos dos problemas locais evidenciados são compartilhados com outros tantos espaços, estes também marginalizados. Produzindo, assim, um conjunto de necessidades partilhadas por inúmeras regiões e que acabam tornando-se invisíveis.
Os dois conceitos foram cunhados para auxiliar na identificação de espaços que, como o Vidigal, vivem através de uma cortina social. Os tecidos desta invisibilidade ao mesmo tempo que cobrem uma quantidade inimaginável de precariedades estruturais, escondem também notáveis habilidades coletivas de autogerenciamento e sobrevivência meio a uma selva urbana autodegenerativa. Para nós, o relevante desta análise não tratou das fronteiras entre formal e informal, mas sim dos diferentes meios de apropriação do espaço público e suas díspares produções.
Por fim, existe um paradoxo quando pensamos as noções de mobilidade e acessibilidade – especificamente nestes locais – através da ótica da sustentabilidade nos termos que aqui foram expostos. Ao mesmo passo em que ela não faz parte do imaginário coletivo da cidade enquanto um todo homogêneo e, consequentemente, não é contemplada por suas ações e planejamento, este espaço reflete uma organização espacial que inviabiliza noções individualistas sendo orientada por um forte senso comunitário. As dinâmicas de mobilidade e acessibilidade existem exclusivamente através de uma construção conjunta entre os moradores, ilustrada através da relação entre estes e o espaço.
REFERÊNCIAS
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TAVARES FILHO, J.O., MAZZONI, A.A. RODRIGUEZ, A.M. e ALVES, J. B. M. (2002) “Aspectos ergonômicos da interação com caixas automáticos bancários de usuários com necessidades especiais características de idosos” In: Congresso Iberoltinoamericano de Informática Educativa Especial, 2002.
André Aranha ¹
¹ graduação em Economia pela PUC-RJ e pesquisador do grupo de pesquisa Cidade Direito e Mobilidade (CiDiMo) do IPPUR-UFRJ
Resumo
Fundamental para a mobilidade do cidadão, é sua mobilidade para o trabalho – tanto em termos da sua capacidade de arcar com os custos do transporte, quanto pela qualidade do serviço ofertado. Em 1987 a Lei n° 7.619 definiu a obrigatoriedade da concessão de Vale-Transporte para o empregado, através da qual o custeio das passagens fica a cargo do empregador no que ultrapassar o desconto de 6% do salário. Este artigo busca traçar um breve histórico dessa política, discutindo seus efeitos sobre a mobilidade para o trabalho, e procurando dimensionar sua importância para o financiamento do transporte público.
Palavras-chave: Vale-Transporte, mobilidade urbana, benefício trabalhista, transporte urbano de passageiros, financiamento pela tarifa
A partir de jornais de época e das séries históricas de tarifas desde 1995, faremos análise da sistemática da lei do Vale-Transporte, procurando cruzar as informações disponíveis para traçar um breve histórico dessa política, discutindo seus efeitos sobre a mobilidade para o trabalho, e procurando dimensionar sua importância para o financiamento do transporte público.
Na década de 1980, os transportes coletivos urbanos enfrentavam uma crise de financiamento no Brasil. Como coloca José Alex Sant’Anna, do IPEA,
...o expansionismo das cidades se juntou às crises do petróleo [de 1973 e de 1980], que fizeram aumentar muito os preços dos combustíveis e, posteriormente, os movimentos trabalhistas e as conquistas de benefícios sociais [dentro das operadoras de transporte coletivo] completaram os quadros de aviltamento das tarifas. (Sant’Anna, 1991, p. 15)
No entanto, a paulatina aceleração inflacionária vinha corroendo o poder aquisitivo dos salários dos trabalhadores, e os gastos com transporte pesavam cada vez mais sobre os orçamentos das famílias. Por conta disso, as tentativas de aumentar as tarifas enfrentavam manifestações populares cada vez mais violentas, como atesta a reportagem abaixo.
EMPRESAS DE ÔNIBUS TEMEM NOVAS DEPREDAÇÕES SE TARIFAS AUMENTAREM
O aumento nas tarifas dos ônibus urbanos em todo o país, anunciado para este mês [agosto de 1987] pelo ministro da Fazenda, Luiz Carlos Bresser Pereira, preocupa técnicos e gerenciadores de transporte coletivo dos centros urbanos brasileiros, especialmente no nordeste. Diante da deterioração na qualidade do serviço, eles temem reações de violência como as que ocorreram recentemente no Rio de Janeiro, que resultaram na depredação de 150 coletivos e, há dois meses, em Goiânia (GO), onde outros 147 veículos foram destruídos em protestos contra majoração de tarifas.
(Folha de São Paulo, 03/08/1987, p. A-15, grifos nossos)
Conforme Sant’Anna, “Os movimentos trabalhadores e as greves dos anos 80 impedem os aumentos de tarifas e as empresas operadoras voltam a ter dificuldades financeiras...” (Sant’Anna, 1991). Sem poder subir, as tarifas não cobrem os custos em ascensão, e o resultado é o sucateamento do transporte ofertado.
Em paralelo, conforme lembra o advogado Darci Norte Rebelo (A História do Vale-Transporte, Rebelo, 2012), desde 1974, em meio aos impactos do primeiro choque mundial dos preços de petróleo, as entidades que reuniam as empresas de transporte urbano de passageiros vinham estudando mecanismos de financiamento alternativos à tarifa. A partir de 1980, a ideia do Vale-Transporte, inspirada na já consolidada política do Vale-Refeição (instituída pela Lei n° 6.321/76), começa a tomar corpo e aos poucos alcança o Congresso Nacional.
Em 1985, sob patrocínio da Confederação Nacional do Transporte, o Ministro dos Transportes Affonso Camargo adere, e as minutas da lei e do regulamento são redigidas (Rebelo, 2012, p. 29). Com apoio também do Ministro do Trabalho, a proposta do Vale-Transporte como benefício facultativo é aprovada através da Lei n° 7.418. No entanto, o agravamento da crise dos transportes e a criação da NTU – Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (conforme Galhardi et al., 2007, p. 237) propulsionam a já em 1987 ser passada nova lei, n° 7.619/87, tornando tal benefício obrigatório.
Quais os efeitos desta política em relação à nossa questão, a saber, a mobilidade do trabalhador brasileiro?
Em contraste com a situação dos anos 1980, temos notícia já em 1991 de recordes de compras de ônibus, refletindo a estabilização do setor de transportes urbanos.
VENDAS DE ÔNIBUS BATEM RECORDE ESTE ANO
Pelo menos um setor da indústria não tem do que reclamar neste ano: o de ônibus. Com vendas para o mercado interno previstas em 15 mil unidades até o final de 91, os fabricantes vão atingir o seu recorde histórico. ... É exatamente o setor urbano (e não o rodoviário) que contribuiu para o crescimento das vendas. ... [As causas, de acordo com o] vice-presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores e diretor de recursos humanos da Mercedes-Benz, a líder das vendas de ônibus, com 75% do mercado ... são a implantação do vale-transporte e principalmente a política realista de tarifas das grandes cidades, que capitalizou os frotistas e serviu como estímulo para renovação e ampliação das frotas.
(Folha de São Paulo, 13/10/1991, grifos nossos).
Os dados de tarifas de ônibus no Rio de Janeiro nos permitem afirmar que, pelo menos de 1995 em diante, as tarifas de ônibus continuaram tendo aumentos reais expressivos, crescendo substancialmente acima do IPCA no período 1995-2007, a ponto de em 2007 serem equivalentes, em termos reais, a mais de duas vezes a tarifa de 1995.
Fonte: elaboração própria com base em IPCA (IBGE) e histórico de tarifas de ônibus da cidade do Rio de Janeiro
Ao mesmo tempo, temos disponíveis alguns dados sobre o quanto da arrecadação das empresas de transporte público depende do Vale-Transporte. Acessando a “Pesquisa do Vale-Transporte” (NTU, 2005, 2010, 2011 e 2012) realizada pela NTU com informações dos sistemas de transporte das capitais e das cidades de maior porte do Brasil, temos a proporção das passagens vendidas que são vendas de Vale-Transporte a empregadores, e inclusive alguns dados específicos sobre o Rio de Janeiro.
Fonte: elaboração própria com base em NTU, 2005, 2010, 2011 e 2012
Podemos ver a média nacional desde 1999 situar-se acima de 40%, e, para o período 2005-2012 as vendas de vales no Rio de Janeiro corresponderem a aproximadamente 50% da arrecadação tarifária. Desta forma, podemos afirmar que, ao menos no período 1999-2012, a arrecadação das transportadoras se baseou substancialmente em vendas de Vale-Transporte, sem grandes oscilações, sendo plausível supor que tenha se mantido de magnitude substancial desde então.
Ao mesmo tempo, a partir da época de instituição do Vale-Transporte, coincide um longo período (três décadas) de aumentos reais da tarifa. Se, como colocava Sant’Anna, nos anos 1980 os aumentos tarifários eram impedidos pelos movimentos de trabalhadores e pelas greves (Sant’Anna, 1991, p.16), podemos nos perguntar se a política do Vale-Transporte vem funcionando desde então como uma maneira de contornar esse entrave.
Para avaliar a pertinência desse apaziguamento dos movimentos de trabalhadores em relação aos aumentos tarifários, vamos analisar de perto o mecanismo de concessão do Vale-Transporte. Abaixo temos os principais dispositivos da lei do Vale-Transporte, conforme a redação de 1987 que o tornou obrigatório.
LEI N° 7.418 DE 16 DE DEZEMBRO DE 1985
Institui o Vale-Transporte e dá outras providências
Art. 1º - Fica instituído o vale-transporte, que o empregador, pessoa física ou jurídica, antecipará ao empregado para utilização efetiva em despesas de deslocamento residência-trabalho e vice-versa, através do sistema de transporte coletivo público (...)
Art. 2º - O Vale-Transporte, concedido nas condições e limites definidos, nesta Lei, no que se refere à contribuição do empregador: a) não tem natureza salarial, nem se incorpora à remuneração para quaisquer efeitos; b) não constitui base de incidência de contribuição previdenciária ou de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço; c) não se configura como rendimento tributável do trabalhador
Art. 4º - (...) Parágrafo único – O empregador participará dos gastos de deslocamento do trabalhador com a ajuda de custo equivalente à parcela que exceder a 6% (seis por cento) de seu salário básico.
(Governo Federal, redação atualizada da Lei n° 7.418, sublinhados nossos)
Em síntese, o empregador é obrigado a fornecer vales-transportes em número suficiente para seu empregado ir e voltar do trabalho, descontando o seu custo do salário pago até um máximo de 6% desse salário. Quando o custo dos vales excede esses 6%, o empregador completa a diferença, sem que essa contribuição seja considerada remuneração salarial. Desta forma, o trabalhador tem garantido que os gastos com o transporte para o trabalho não passarão de 6% da sua renda, sendo o restante do custo compulsoriamente pago pelo patrão.
Mas qual a dimensão deste custo pago pelo patrão? Podemos calcular, para uma dada faixa salarial e um dado número de passagens mensais, o quanto do custo dessas passagens sobra para ser pago pelo empregador, após o desconto dos 6%. O gráfico abaixo traça essa proporção.
Fonte: elaboração própria com base no histórico de tarifas de ônibus da cidade do Rio de Janeiro, nos valores de salário mínimo nacionais e na sistemática da Lei n° 7.418/85
Da análise destes dados, vemos que, nos últimos 20 anos, quem recebe exatamente um salário mínimo teve em torno de 70% do valor das suas passagens pago pelo patrão, diminuindo para 62% em 2017; enquanto quem recebe dois salários mínimos teve, de 1995 a 2007, em torno de 50% das passagens pago pelo patrão, até nos últimos 10 anos essa proporção ir diminuindo até os 25% em 2017.
É essencial termos em conta que, neste período, para qualquer trabalhador formal recebendo até 2 salários mínimos, os aumentos tarifários significam unicamente aumentos nos gastos do empregador, sem repercussões diretas sobre sua renda mensal. Assim, o Vale-Transporte é uma poderosa proteção dos trabalhadores formais de baixa renda contra o custo das tarifas de transporte público. Se por um lado ele permite ao setor aumentar tais tarifas sem afetar a renda de tais consumidores, por outro lado, os não-beneficiários do Vale-Transporte sofrem diretamente o peso destes mesmos aumentos, sendo excluídos do transporte coletivo. Conforme a análise de Alexandre Gomide, do IPEA,
...em que pese ser um mecanismo inovador de subsídio direto ao usuário, o VT, unicamente, não é capaz de contribuir para o enfrentamento do problema da expulsão do acesso dos pobres aos serviços de transporte coletivo, uma vez que, por ser um benefício restrito aos empregados do setor formal, não atinge os trabalhadores do mercado informal de trabalho. Segundo Sposati (1998), “as políticas sociais brasileiras não foram concebidas para os excluídos, mas sim para os incluídos pelo trabalho, pela relação salarial”. (Gomide, 2003, p. 19, grifos nossos)
O Vale-Transporte é evidentemente um grande subsídio à mobilidade do trabalhador formal que recebe até 2 salários mínimos. Mas quão significativo é este grupo no total dos usuários de transporte público?
O melhor dado disponível está na recente pesquisa “Mobilidade da População Urbana” (NTU, 2017) que teve como público alvo a população residente em municípios com mais de 100 mil habitantes. Em junho de 2017 foram realizadas, a partir de um plano amostral, 3.100 entrevistas com chefes de domicílio sobre seus deslocamentos diários, e 7.825 entrevistas sobre os hábitos dos demais moradores do domicílio. O relatório final desta pesquisa apresenta as faixas de renda dos indivíduos que utilizam transporte coletivo e recebem Vale-Transporte.
Fonte: NTU, 2017, figura 78 |
Os critérios para estratificação socioeconômica seguiram a metodologia ABEP (ABEP, 2015) que se baseia em diversas perguntas ao chefe do domicílio sobre propriedade de bens eletroeletrônicos, instrução dos moradores e condições físicas do domicílio para situar a renda familiar dos entrevistados. A partir desta classificação, é estimada a renda domiciliar média de cada estrato, como na tabela abaixo:
Estrato Sócio Econômico |
Tamanho do estrato nas regiões metropolitanas |
Renda Média Domiciliar em Salários Mínimos |
A |
4,3% |
29 |
B1 |
6,6% |
13 |
B2 |
19,5% |
7 |
C1 |
24,3% |
4 |
C2 |
25,9% |
2 |
D/E |
19,4% |
1 |
Fonte: elaboração própria a partir de ABEP, 2015.
Se as classes B e C identificadas na pesquisa da NTU forem compostas proporcionalmente por classes B1 e B2, e C1 e C2, na mesma distribuição média encontrada pela ABEP (2015), e cruzarmos estas informações com o fato de, no Rio de Janeiro, de 2005 a 2012, 50% da arrecadação tarifária ter sido por meio de vendas de Vale-Transporte, podemos estratificar a arrecadação tarifária em termos da classificação socioeconômica feita pela NTU em 2017.[3]
Fonte: elaboração própria com base em NTU, 2012, NTU, 2017 e ABEP, 2015
Para podermos estimar o quanto destes Vales-Transportes foi pago pelo empregador, precisamos estimar a renda individual desses entrevistados, dada sua renda domiciliar média. Sendo o objetivo desta seção situar um limite inferior para estimativas do impacto da política de Vale-Transporte, faremos um cenário conservador, assumindo como de um salário mínimo a renda individual dos entrevistados da classe D/E, e de dois salários mínimos a dos entrevistados da classe C2. Ou seja, o cenário extremo em que os entrevistados fossem os únicos responsáveis pela renda domiciliar[4].
Assim, se 7,7% da arrecadação tarifária consiste em vendas de Vale-Transporte para trabalhadores das classes D/E, com renda domiciliar média de um salário mínimo e portanto renda individual de no máximo um salário mínimo – caso em que 62% do Vale-Transporte é custeado pelo empregador, ou seja, 4,8% da arrecadação total –, e 13,5% da arrecadação tarifária consiste em vendas de Vale-Transporte para classe C2, com renda domiciliar média de dois salários mínimos e portanto renda individual de no máximo dois salários mínimos – caso em que 25% do Vale-Transporte é custeado pelo empregador, ou seja, 3,4% da arrecadação total – temos que, em 2017, no mínimo 8,2% da arrecadação tarifária foi custeada pelos empregadores.
Além disso, podemos afirmar que 21% da arrecadação se dá por vendas de Vale-Transporte parcialmente custeadas pelo empregador, nas quais os eventuais aumentos tarifários não afetam diretamente a renda dos usuários em questão.
Se os indivíduos das classes C2 e D/E que recebem Vale-Transporte são beneficiados pelo custeio parcial do benefício pelo empregador, é intrigante que as classes A, B, e C1 – que devem arcar com o custeio integral do Vale-Transporte via desconto de até 6% de seu salário – correspondam a 57,5% dos usuários do Vale-Transporte. Podemos argumentar que esses indivíduos podem preferir requerer o Vale-Transporte pela conveniência de não ter que comprar diretamente suas passagens, ou pelo fato do Vale-Transporte ser um adiantamento recebido no início do mês. Mas não parecem vantagens que possam explicar essa proporção.
Terminamos este trabalho então com algumas indicações sobre a evidente subestimação que nosso cenário de estimação do impacto do Vale-Transporte produz. Vejamos, apenas a título de exemplo, o teor do seguinte Acordo Coletivo de Trabalho:
Fonte: SINDESNAV, 2016
Neste segmento do mercado, os empregados que ganham até um pouco mais de dois salários mínimos recebem o Vale-Transporte integralmente custeado pelo patrão, sem desconto salarial. Analisando a jurisprudência estabelecida sobre o assunto, temos que tal conduta, quando expressamente prevista no ACT ou CCT da categoria, é considerada legítima por reverter em vantagem para o empregado.
O quão tal prática é disseminada, ainda é necessário dimensionar. Apenas cabe situar a vantagem fiscal que tal conduta traz. Se o empregador, ao ser pressionado por aumentos salariais, oferece a retirada do desconto dos 6%, ele está oferecendo um aumento da renda recebida pelo empregado cujo custo não envolve as volumosas repercussões nos encargos trabalhistas: contribuições ao INSS e ao FGTS, cálculo de 13º e adicional de férias, etc.
Uma vantagem assim pode explicar as vantagens para empregados de estratos de renda superiores ao de dois salários mínimos de requerer o Vale-Transporte – o que aumenta a proporção de indivíduos que não sentem aumentos tarifários afetarem diretamente a sua renda, e para os quais a tarifa paga pelo transporte é financiada pelo empregador.
A política do Vale-Transporte obrigatório, instituída em 1987, parece de grande poder explicativo sobre a estabilização do setor de transportes urbanos nas últimas três décadas, via aumentos tarifários, e consequentemente sobre a mobilidade do trabalhador formal brasileiro. Traçando uma hipótese conservadora para cruzar dados de diferentes pesquisas, tratamos de estimar um limite mínimo do impacto desta política sobre a arrecadação tarifária, encontrando que, em 2017, 8,2% da arrecadação foi pago pelo empregador, e que 21% da demanda não sentia em sua renda o impacto dos aumentos tarifários. Enquanto os não-beneficiários são cada vez mais excluídos do transporte coletivo, há indícios de que estratos de renda mais elevados também se beneficiam da contribuição patronal para o custeio do Vale-Transporte, de forma que os impactos desta política devem ser significativamente maiores – principalmente em se tratando das décadas passadas, quando as vendas de Vale-Transporte e a aceleração tarifária estavam com maior vigor.
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Resumo: O Rio de Janeiro foi sede da Olimpíada de 2016. No entanto, outras candidaturas da cidade foram recusadas pelo Comitê Olímpico Internacional que apontava o péssimo quadro da mobilidade urbana para não aprovar a escolha. Assim, este artigo descreve os deslocamentos intrametropolitanos no Grande Rio em 2010 e as políticas de transportes implementadas entre 2010 e 2016. Então, analisou-se dados do Censo de 2010, os contratos de concessão e entrevistas. Por fim, pode-se afirmar que os deslocamentos metropolitanos na RMRJ estavam entre os piores do país e que as políticas de transportes atenderam principalmente às exigências dos empresários de transportes.
Palavras-chave: política de transporte; deslocamentos, região metropolitana do rio de janeiro; mobilidade urbana
1 – Apresentação do Problema
Debater as políticas de transportes na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) é muito importante porque entre 2010 e 2016 a região passou por grandes transformações na área de transportes públicos, dado que investimentos massivos foram realizados nos trens, nas barcas, no metrô, na implementação do Bilhete Único e na construção de linhas do Bus Rapid Transit (BRT) e do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). Excetuando-se o Bilhete Único, todas as medidas citadas anteriormente foram planejadas de modo a atender às exigências do Comitê Olímpico Internacional (COI), que indicava a necessidade de se aumentar o número de pessoas conduzidas por transportes de massa para que a candidatura do município do Rio de Janeiro pudesse ser mais competitiva e assim tivesse mais chances para se tornar sede dos Jogos Olímpicos de 2016. Vale ressaltar que segundo Lopes (2017) e Teixeira (2017) as outras duas candidaturas do Rio de Janeiro que não foram aprovadas tiveram a baixa capacidade dos transportes como principal motivo para a reprovação.
Desse modo, as políticas de transportes implementadas entre 2010 e 2016 passaram a fazer parte das agendas prioritárias dos governos municipal e estadual, porém não a partir do diagnóstico do grave quadro que a população enfrentava cotidianamente seja para ir ao trabalho, à escola, à universidade ou aos equipamentos de lazer. Salienta-se que em 2010 a RMRJ apresentava o pior quadro de mobilidade urbana ao se comparar com as demais regiões metropolitanas do Brasil, segundo Rodrigues (2013) na dimensão que avalia o tempo de deslocamento para o trabalho do Índice de Bem-Estar Urbano (IBEU), a RMRJ apresentou a menor pontuação entre todas regiões metropolitanas do país em 2010. É também importante destacar que esse quadro é persistente na história do Rio de Janeiro, uma vez que, entre 1992 e 2013 o tempo médio de deslocamento para o trabalho na RMRJ sempre foi acima da média nacional.
Assim sendo, foi diante deste cenário que as políticas de transportes começaram a surgir com mais protagonismos na RMRJ, mas essa grave situação na mobilidade urbana não foi o estopim para que o Estado adotasse medidas para resolver este problema dos trabalhadores. Houve sim, um movimento por parte dos agentes públicos em atender as exigências dos empresários de transportes que se utilizaram deste momento para pautar as suas principais demandas diante do Estado com intensa participação também na elaboração, na gestão, no controle e no planejamento das políticas implementadas entre 2010 e 2016.
Nesse sentido, este artigo buscar analisar as ações do Estado diante dessas políticas voltadas para o transporte público que receberam grandes volumes de recursos dos governos municipal, estadual e federal nos últimos anos e que foram direcionadas para a implementação de todos esses projetos, seja através do repasse aos empresários do setor de transportes, pela aprovação de leis que favoreceram estes empresários ou também através de garantias contratuais. Soma-se a isso, a investigação do papel que os empresários de transportes investiram para obter o controle sobre as políticas do período analisado, obtendo uma série de vantagens que os beneficiaram de forma quase que exclusiva.
Diante disso, este artigo tem como principal inclinação descrever o cenário anterior a implementação destas políticas de transportes, principalmente analisando os dados do Censo Demográfico de 2010 no que se refere aos deslocamentos pendulares intrametropolitano para o trabalho. E, num segundo momento, descrever o processo de implementação do Bilhete Único, dos benefícios aos grupos que administram as barcas, os trens e o metrô, bem como o processo de implantação das linhas do BRT e VLT.
2 – Metodologia
O primeiro passo para o desenvolvimento deste artigo foi a realização de uma revisão da literatura que buscou trabalhos acadêmicos que tiveram como objeto de estudo os deslocamentos pendulares, a mobilidade urbana, as políticas de transportes e o Estado e seus interesses de classe. Após esta etapa, foram realizadas análises estatísticas descritivas nos microdados do Censo Demográfico de 2010 divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010), esta base foi escolhida por ser a única que permite um estudo sobre os deslocamentos intrametropolitanos em nível municipal.
A partir dos dados do Censo de 2010 foram selecionadas pessoas com idades entre 14 e 65 anos, que moravam em municípios que faziam parte da Região Metropolitana do Rio de Janeiro em 2010, que estavam ocupadas na semana de referência – 31 de julho de 2010 -, que trabalhavam em municípios da RMRJ e que retornavam para casa todos os dias. Com esse recorte, foram analisados: o tempo para o deslocamento casa-trabalho dessas pessoas, seus principais destinos e os saldos destes deslocamentos, que podem ser definidos como o número de pessoas que entram em determinado município para trabalhar e o número de pessoas que moram neste município e trabalham em outro.
Além disso, foram realizadas duas entrevistas, uma com o ex-secretário de transportes do estado do Rio de Janeiro, o deputado federal pelo Partido Progressista (PP) Júlio Lopes e com a engenheira e diretora da área de mobilidade urbana da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (FETRANSPOR), Eunice Teixeira. Por fim, foram analisados os contratos de concessão das barcas, dos trens, do metrô, do BRT e do VLT e a lei que instituiu o Bilhete Único em 2010. Com essas informações foi possível identificar como o Estado atua com caráter de classes bastante definidos, tendo atuado de forma explicita a favor dos empresários de transportes.
3 – Resultados e Discussões
Esta seção foi dividida em duas partes, na primeira serão apresentados os resultados obtidos a partir de uma análise quantitativa dos microdados do Censo Demográfico de 2010 e na segunda serão apresentados como foi o processo de implementação das políticas de transportes na Região Metropolitana do Rio de Janeiro entre 2010 e 2016.
3.1 – O quadro dos deslocamentos intrametropolitanos no Rio de Janeiro em 2010
A Região Metropolitana do Rio de Janeiro em 2010 era formada por 19 municípios, a saber: Belford Roxo, Duque de Caxias, Guapimirim, Itaboraí, Itaguaí, Japeri, Magé, Maricá, Mesquita, Nilópolis, Niterói, Nova Iguaçu, Paracambi, Queimados, Rio de Janeiro, São Gonçalo, São João de Meriti, Seropédica e Tanguá. Acrescenta-se que em 2010 a população desta região era formada por 11.835.708 habitantes, o que representava cerca de 75% da população do estado, a maior concentração em uma área metropolitana do país. Além da concentração populacional, a RMRJ também era a área mais dinâmica da economia do estado, concentrando pouco mais de 65% do Produto Interno Bruto (PIB) a preço de mercado do estado do Rio de Janeiro (CEPERJ, 2015).
Da população selecionada, entre 14 e 65 anos, 829.598 pessoas realizavam movimento pendular, isso representava 22,31% das pessoas que estavam ocupadas na semana de referência do Censo de 2010. Num primeiro momento, não parece ser um grande volume de trabalhadores que se deslocavam para outro município para trabalhar, mas vale dizer que a capital do estado concentrava cerca de 53% da população da RMRJ e a maior parte das oportunidades de emprego. Então, ao se desconsiderar os moradores da capital que trabalham em outro município, essa proporção de pessoas que realizavam movimento pendular chega a 45% dos trabalhadores.
Outro dado importante para analisar e entender é o saldo do movimento pendular, a partir dele podemos afirmar que em 2010 havia dois municípios, Rio de Janeiro e Niterói que recebiam diariamente pouco mais de 77% de todo o volume de pessoas que realizavam este tipo de deslocamento, como pode ser visto na Tabela 1.
Tabela 1: Saldo dos movimentos pendulares na Região Metropolitana do Rio de Janeiro em 2010, por município.
Ainda com base na Tabela 1, é possível afirmar que Nova Iguaçu e Duque de Caxias se destacavam também por receberem um grande volume de pessoas que realizavam movimento pendular. Também chama atenção o saldo positivo verificado no município de Itaboraí, com 218 pessoas, mas, neste caso, podemos considerar como um “saldo neutro”, uma vez que, o fluxo de entradas e saídas são muito próximos.
Além de observar o saldo dos movimentos pendulares intrametropolitanos é importante analisar o tempo de deslocamento para o trabalho dessas pessoas. No Censo Demográfico de 2010 essa variável foi captada numa pergunta que havia cinco categorias para respostas: até cinco minutos, de seis minutos até meia hora, mais de meia hora até uma hora, mais de uma hora até duas horas e mais de duas horas. Na análise deste artigo, optou-se por agrupar esses dados e trabalhar com duas categorias: até uma hora e mais de uma hora; o mesmo critério adotado para medir a dimensão de mobilidade urbana do Índice de Bem-Estar Urbano (IBEU) desenvolvido pelo Observatório das Metrópoles. Assim, considerou-se tempos adequados para o deslocamento até o trabalho para aquelas pessoas que demoravam até uma hora e como inadequado aqueles deslocamentos que superavam uma hora. Nesse sentido, na Tabela 2 temos a proporção de pessoas que demoravam mais de uma hora para chegar ao trabalho.
Tabela 2: Porcentagem de trabalhadores da Região Metropolitana do Rio de Janeiro que demoram mais de uma hora no deslocamento casa-trabalho por origem de residência e destino de trabalho em 2010
Pelos dados contidos na Tabela 2, podemos afirmar que mais da metade dos trabalhadores de toda RMRJ demoram mais de uma hora no percurso casa-trabalho, esse valor só é menor que os 50% em quatro municípios: Itaguaí, Mesquita, Rio de Janeiro e Tanguá. Ainda, ao se analisar a Tabela é possível concluir que, pouco mais de 73% das pessoas que realizavam movimento pendular demoravam mais de uma hora para chegar ao trabalho no município do Rio de Janeiro. Esse percentual elevado reafirma o quadro de péssima mobilidade urbana dos trabalhadores da RMRJ.
Por fim, a apresentação desses dados aponta para qual era o quadro da mobilidade urbana na RMRJ e foi sob esse cenário que as políticas de transportes foram implementadas, os principais desafios que elas deveriam atender estavam diretamente relacionados ao tempo de deslocamento para o trabalho de um grande volume de pessoas que saíam de seus municípios para trabalhar.
3.2 – A implementação das políticas de transportes na Região Metropolitana do Rio de Janeiro entre 2010 e 2016.
Esta seção abordará brevemente sobre o processo de implementação de seis políticas de transportes: o Bilhete Único, as políticas para os trens, para o metrô, para as barcas e a implementação das linhas do Bus Rapid Transit (BRT) e do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT).
O principal direcionamento desta seção será mostrar as ações do Estado em benefício dos grupos que administram os serviços de transportes na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Este papel que cumpre o pelo Estado que na aparência é um “ente apartado” dos conflitos de classe, mas que na prática atua em razão da manutenção das relações capitalistas de produção (MASCARO, 2013). Além disso, os dados apontam que para à efetivação dessas políticas, elas precisam assumir uma forma-mercadoria, ou seja, elas necessitam ser constituídas de modo a garantir o lucro dos empresários.
Evidencia-se também que as políticas foram pensadas de modo a se adequar as exigências do COI e também para garantir lucros dos empresários do setor, elas são apresentadas como benefício de todos, ainda que seja a universalização dos interesses particulares do poder econômico.
Por fim, cabe destacar que em nenhum momento os agentes públicos colocam ou buscam conhecer a visão dos usuários do sistema de transportes públicos, reafirmando o caráter impermeável do Estado brasileiro aos interesses dos trabalhadores, como bem aponta Fernandes (2005) ao descrever a forma como a burguesia brasileira se constituiu como classe dominante.
3.2.1 Bilhete Único
O Bilhete Único foi instituído pela Lei nº 5.628/09 e começou a funcionar a partir de 01 de fevereiro de 2010. Este sistema concede desconto nas viagens realizadas entre os modais com as tarifas pagas com bilhetes eletrônicos num período inicialmente de duas horas. Segundo Lopes (2017) e Teixeira (2017) quando a proposta foi apresentada houve uma certa resistência dos empresários em aceitar a implementação dessa política, segundo eles não havia segurança na manutenção das margens de lucros das empresas de transportes, então seria necessário que esta segurança estivesse garantida. Nesse sentindo, atendendo as demandas desses agentes privados, o Estado permitiu que todo o controle desse sistema fosse gerido pelos empresários, uma vez que eles detêm o controle do sistema de pagamentos eletrônicos e são os responsáveis de coletar as informações sobre o reembolso que é repassado pelo governo do estado.
3.2.2 Trens
O serviço de trem foi privatizado em 1998, no contrato de concessão foram estabelecidos as responsabilidades e os direitos da concessionária, que teria a possibilidade de renovação do contrato após 25 anos. Mas em 2010, foi firmado um acordo entre a concessionária e governo do estado prorrogando a concessão até 2048, sem necessidade de licitação como estabelece o oitavo termo aditivo do contrato de concessão. Nesse mesmo momento foi decidido que a concessionária ficaria responsável em investir 1,25 bilhão de reais na reforma de 70 trens e na compra de 30 veículos e o poder executivo investiria 1 bilhão de reais na compra de 90 veículos. Este acordo foi firmado mesmo sem a concessionária ter cumprido por completo com as primeiras metas estabelecidas no contrato de concessão de 1998.
3.2.3 Barcas
Após a assinatura do contrato de concessão em 1998, foram pactuados setes termos aditivos ao contrato. Desses termos, cinco foram assinados entre 2011 e 2015, no terceiro assinado em 17 de março de 2011 ficou estabelecido que o serviço não teria mais a obrigatoriedade de funcionar por 24h, no mesmo ano também foi garantido a isenção da cobrança do ICMS[6] e o aumento de pouco mais de 60% no valor da passagem; no quarto termo assinado em 16 de fevereiro de 2012, o governo do estado se compromete em comprar nove embarcações, se compromete também em ampliar e reformar as estações da Praça XV, no centro do Rio de Janeiro, e a estação de Araribóia, localizada no centro de Niterói. Os demais termos são referentes à baixa patrimonial e a mudança do índice de inflação para o reajuste das passagens. Destaca-se aqui, que todos esses benefícios concedidos à concessionária que administra o serviço foram realizados sem nenhuma contrapartida aos usuários por parte da empresa.
3.2.4 Metrô
O projeto de construção da Linha 4 do metrô foi uma demanda apresentada pelo ex-governador Sérgio Cabral ao então secretário de transportes, Júlio Lopes. Segundo Lopes (2017), o projeto foi apresentado ao COI porque havia interesse do governo estadual em levar os turistas que se hospedariam em Copacabana e nos arredores até a Barra da Tijuca por este meio de transporte. Além também de fazer parte do plano de aumentar a estrutura de transporte de alta capacidade. Dessa maneira, a construção da Linha 4 do metrô se insere diretamente no plano de adequação do sistema de transporte que exigia o COI e, também como instrumento de fortalecer um processo de valorização imobiliária da Barra da Tijuca, que consequentemente passou a ser atendida com as linhas do BRT.
3.2.5 Bus Rapid Transit (BRT)
Como apontado anteriormente, o péssimo quadro da mobilidade urbana no Rio de Janeiro foi apontado pelo COI com um dos principais entraves para a realização dos jogos olímpicos no município em outras duas candidaturas. E, segundo Lopes (2017), havia muito interesse do governo estadual em receber as Olímpiadas no Rio de Janeiro, mas para isso era necessário que na candidatura se apontasse medidas para reverter o quadro da mobilidade urbana.
Desta maneira, Lopes (2017) afirma que o sistema de BRT seria o modo mais rápido de se solucionar o problema da falta de integração e da baixa capacidade, que eram os principais problemas apontados pelo COI. Então, foi nesse sistema que se apostou para a reversão do quadro da mobilidade que se tinha antes, e assim conseguir a aprovação do Rio de Janeiro como sede dos jogos. Essa opinião também é corroborada por Teixeira (2017).
Além disso, Teixeira (2017) acrescenta que das quatro linhas planejadas somente a TransBrasil não fazia parte do projeto olímpico, e é exatamente essa linha que teria a maior capacidade de integração com as outras áreas da Região Metropolitana como a Baixada Fluminense, que ainda não está funcionando.
Portanto, Teixeira (2017) ressalta que, no que se refere a expansão desse sistema pela RMRJ, do ponto de vista da FETRANSPOR há interesse na ampliação desse serviço, mas que para isso seria necessário mudar a forma de remuneração do serviço, dado que no BRT há custos operacionais que as concessionárias, que vieram do serviço de ônibus tradicional, não estavam acostumadas como: pagamento da limpeza e manutenção das estações, custos de bilheteria e o aumento da folha de pagamento.
3.2.6 Veículo Leve sobre Trilhos (VLT)
O sistema do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) é administrado por um grupo que venceu a licitação para a exploração do serviço por 25 anos. O Consórcio é formado pelas seguintes empresas: Actua – CCR, Invepar, OTP – Odebrecht Transportes, RioPar, RATP e Benito Roggio Transporte. É importante apontar que o grupo CCR também explora o serviço das barcas, a OTP administra o serviço de trens e a RioPar é uma empresa ligada a FETRANSPOR. Esse dado indica e evidencia que existe um seleto grupo de empresas que controlam grande parte do sistema de transportes do Rio de Janeiro.
E o mais emblemático beneficio concedido ao grupo que administra o VLT é o fato de estar garantido por contrato um lucro mínimo pela exploração do serviço, uma vez que a Prefeitura se responsabiliza a refazer repasses de dinheiro ao consórcio quando a arrecadação através das tarifas e dos outros meios previstos no contrato não atingem uma determinada quantia. Essa quantia é estabelecida através de um indicador, na qual o próprio consórcio calcula, deixando mais uma vez claro o quanto os empresários lucram com os transportes através de benefícios concedidos pelo Estado.
4 – Considerações Finais
O principal resultado que este trabalho apresenta é que as transformações nos transportes verificadas na Região Metropolitana do Rio de Janeiro entre 2010 e 2016 não surgem como medidas para contornar o quadro de péssimas condições de mobilidade urbana que eram verificadas na região. Elas são produto, principalmente, da necessidade em se tornar competitiva frente às exigências colocada pelo Comitê Olímpico Internacional e também dos empresários de transportes do Rio de Janeiro.
Conclui-se que é possível afirmar frente aos dados apresentados neste artigo que o Estado atuou de modo a fazer cumprir seu papel em defesa do poder econômico, colocando todas essas medidas como grandes benefícios legados de uma gestão ou governo.
Entende-se que essas medidas ainda não apresentam evidências ou indícios de que o quadro da mobilidade urbana na RMRJ irá mudar ou já mudaram de forma significativa a ponto de melhorar a mobilidade dos trabalhadores pela região.
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[1] Possui graduação em Urbanismo pela Universidade Estadual da Bahia (2013) e é Bacharela Interdisciplinar em Humanidades pela Universidade Federal da Bahia (2017).
[2] Possui graduação em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1981), mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia (1993) e doutorado em Historia de La Arquitectura pela Universidad Politécnica de Cataluña (Espanha-1999)
[3] Para isso, nos basearemos em três hipóteses: 1) de que a importância do Vale-Transporte na venda de passagens pelas empresas de transporte público do Rio de Janeiro, que vinha constante de 2005 a 2012 em 50%, não diminuiu até 2017; 2) de que a importância do Vale-Transporte na arrecadação específica das empresas de ônibus é a mesma, 50%; e 3) de que os dados da pesquisa NTU de 2017, sobre domicílios com mais de 100 mil habitantes, guardam representatividade em relação ao mercado de transportes carioca. Podemos justificar tais hipóteses dado nosso objetivo principal de situar a ordem de grandeza do fenômeno estudado.
[4] Se na situação real encontraremos indivíduos de classes acima da C2 com renda individual de dois salários mínimos ou menos, de forma que sejam beneficiários da ajuda de custo patronal para o Vale-Transporte, teremos um impacto maior da política de Vale-Transporte do que o limite inferior aqui delimitado. Em particular, na pesquisa NTU, 2017, a pergunta sobre renda individual apresentava – para todo o universo de recebedores e não recebedores de Vale-Transporte – 46,2% de entrevistados com renda até dois salários mínimos, além de 18,5% sem renda que não devem ser recebedores de Vale-Transporte, de forma que a proporção de recebedores de até dois salários mínimos dentre os beneficiários do Vale-Transporte pode ser maior do que a de 42,5% utilizada em nosso cenário (15,4% da classe D/E somados a 27,1% da classe C2).
[5] Bacharel em Estatística pela UFF e Mestre em População, Território e Estatísticas Públicas pela Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
[6] Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços