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Chão Urbano

Chão Urbano ANO XVII – Nº2 MARÇO/ABRIL

15/06/2017

Integra:

Editor

Mauro Kleiman

 

Publicação On-line

Bimestral

 

Comitê Editorial

Mauro Kleiman (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)

Márcia Oliveira Kauffmann (Dra. em Planejamento Urbano e Regional)

Maria Alice Chaves Nunes Costa (Dra. em Planejamento Urbano e Regional) - UFF

Viviani de Moraes Freitas Ribeiro (Dra. Planejamento Urbano e Regional IPPUR/UFRJ)

Luciene Pimentel da Silva (Profa. Dra. – UERJ)

Hermes Magalhães Tavares (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)

Hugo Pinto (Dr. em Governação, Conhecimento e Inovação, Universidade de Coimbra – Portugal)

 

Editor Assistente Júnior

Letícia Rosa da Silva

 

IPPUR / UFRJ

Apoio CNPq

 

LABORATÓRIO REDES URBANAS

LABORATÓRIO DAS REGIÕES METROPOLITANAS

 

Coordenador Mauro Kleiman

 

Equipe

 João Gabriel Caciano e Letícia Rosa da Silva.

 

Pesquisadores associados

André Luiz Bezerra da Silva, Audrey Seon, Humberto Ferreira da Silva, Márcia Oliveira Kauffmann, Maria Alice Chaves Nunes Costa, Viviani de Moraes Freitas Ribeiro, Vinícius Fernandes da Silva, Pricila Loretti Tavares.

 


ÍNDICE

MOBILIDADE E RESPONSABILIDADE SOCIAL:  UMA ANÁLISE SOB A PERSPECTIVA DO DESENVOLVIMENTO ORIENTADO PELO TRANSPORTE COMO INDUTOR DE EQUIDADE E COESÃO URBANA

 

André Luiz Bezerra da Silva.............................................................................p. 03

 

 

 

MOBILIDADE E RESPONSABILIDADE SOCIAL:  UMA ANÁLISE SOB A PERSPECTIVA DO DESENVOLVIMENTO ORIENTADO PELO TRANSPORTE COMO INDUTOR DE EQUIDADE E COESÃO URBANA

 

 

André Luiz Bezerra da Silva[i] 

iProfessor de geografia do Instituto Benjamin Constant. Pesquisador Associado do Laboratório Redes Urbanas (IPPUR-UFRJ) e do Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade do Porto (CEGOT-UPORTO). Doutor em Geografia pela Universidade do Porto. Doutor em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. 

 

 

RESUMO

A mobilidade, que durante muito tempo foi tratada por um viés numérico-quantitativo, passa, nos últimos anos, a ser um tema de investigação privilegiado também no campo das chamadas ciências sociais. Amplia-se assim as possibilidades de aplicação desse conceito no seio de políticas urbanas atuais, a partir do estreitamento de relações com conceitos como responsabilidade social, equidade e coesão urbana. No Rio de Janeiro, as recentes políticas de mobilidade e transporte público, apesar de apresentarem-se ainda como não fazendo parte de um planejamento mais amplo e sistêmico, podem revelar boas oportunidades para a realização de projetos e ações voltados para as áreas menos privilegiadas da cidade, amenizando um quadro histórico de desigualdade sócio-espacial, atribuindo um outro e mais amplo papel para os sistemas de transportes públicos. 

 

Palavras-chave: mobilidade, equidade, coesão

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

       Este artigo é parte de uma pesquisa ora em andamento, realizada junto ao Laboratório de Redes Urbanas do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR-UFRJ) e ao Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade do Porto (CEGOT-UPORTO).

       O objetivo principal é refletir acerca das recentes políticas de transportes públicos no Rio de Janeiro, e como estas poderiam contribuir, a partir de um aproveitamento sistemático e planejado do entorno dos equipamentos de interface[1], para o desenvolvimento de ações afirmativas[2] em algumas áreas urbanas da cidade, ajudando na construção de um quadro de melhor equidade social e coesão urbana.

       A discussão é feita com base nas ideias e concepções a partir das quais a mobilidade e as políticas de desenvolvimento orientado pelo transporte vêm sendo compreendidas a partir sobretudo do final do século XX, revelando o que se considera como uma essência multidisciplinar desses conceitos. A mobilidade, que durante muito tempo foi tratada por um viés numérico-quantitativo, passa, nos últimos anos, a ser um tema de investigação privilegiado também no campo das chamadas ciências sociais, ampliando assim as possibilidades de aplicação desse conceito no seio de políticas urbanas atuais. A partir de novas interpretações dadas pelas ciências sociais, a ideia de mobilidade é significativamente ampliada, estreitando sua relação com conceitos como responsabilidade social, equidade e coesão. 

        Sob esta perspectiva, o artigo foi dividido em três momentos. Um primeiro momento consiste numa discussão teórico-conceitual, abordando as novas formas de pensar e trabalhar a ideia de mobilidade, e por extensão, das políticas de transporte público, com a inclusão agora de conceitos como responsabilidade social, equidade e coesão urbana, prática esta presente em vários países nas duas últimas décadas. Num segundo momento tenta-se estabelecer uma reflexão sobre os limites e possibilidades das recentes políticas de mobilidade e transporte no Rio de Janeiro, destacando a implantação dos Sistemas de Ônibus Articulados. O terceiro momento reserva-se à uma reflexão sobre possíveis ações e encaminhamentos para os setores público e privado, no que tange às políticas de transporte no Rio de Janeiro, e a importância que essa visão renovada da mobilidade e dos transportes pode ter para uma diminuição da desigualdade sócio-espacial na cidade.

       O procedimento metodológico da pesquisa envolve a combinação de revisão conceitual da literatura sobre o tema, com estudos de campo e levantamento e análise de dados secundários, junto à órgãos, institutos e empresas ligados à temática de estudo.

       Ressalta-se que este artigo, assim como a própria pesquisa em andamento, não ambicionam discutir a criação de um método ou modelo acabado para aplicação em planejamento urbano e políticas de transportes públicos, buscando mais conduzir uma reflexão sobre possibilidades de atuação dos transportes públicos na realização de algumas ações afirmativas de caráter mais amplo na cidade, a partir de uma compreensão contemporânea do conceito de mobilidade.

 

2. O CONCEITO DE MOBILIDADE NO LIMIAR DO SÉCULO XXI: NOVAS ABRANGÊNCIAS E POSSIBILIDADES

       A discussão acerca da ideia de mobilidade – um termo que pode ter mais de um significado, vem quase sempre relacionada apenas à conceitos como circulação, deslocamento ou trânsito, comumente tratados pela engenharia de transporte. Estudos e pesquisas recentes, sobretudo em áreas como Sociologia, Geografia, Direito, Arquitetura e Planejamento Urbano, vêm alargando o rol de possibilidades para se discutir essa temática, assegurando e difundindo o que se poderia chamar de um verdadeiro caráter multidisciplinar do conceito de mobilidade.

       Durante muito tempo os termos mobilidade e acessibilidade[3] foram tratados sem nenhuma distinção, sendo entendidos como tendo o mesmo significado, o que é considerado um grande equívoco atualmente, pois embora ambos conceitos guardem estreitas relações e façam parte de um mesmo debate sobre circulação, dizem respeito à objetos diferentes.

       Neste sentido, Vasconcellos (2001) sinaliza que a ideia de mobilidade se refere sobretudo às pessoas e não aos lugares, sendo reconhecida como uma habilidade humana de movimentar-se em decorrência de condições físicas, culturais, sociais e econômicas individuais, algo que foi durante muito tempo negligenciado e/ou desconsiderado pela engenharia de transportes, cujas ações e projetos fundamentavam-se basicamente em instrumentos matemáticos e estatísticos, por sinais de grande e fundamental importância, mas de pouca flexibilidade.

       Kleiman (2011) defende que o conceito de  mobilidade é mais amplo e complexo que o ato de deslocar-se no espaço físico, sendo antes de tudo uma condição de participação no mundo urbano e na vida social, uma capacidade de interagir em diferentes âmbitos sociais, mas que para efetivar-se precisa de um conjunto de fatores, como entre outros o nível de renda, a existência de modais de transporte coletivos e particulares e sua acessibilidade segundo o nível de renda, de modo que podem existir deslocamentos sem mobilidade. Para o autor, a mobilidade pode ser atribuída como um recurso social importante e integrante da sociedade, isto é, diretamente relacionado ao deslocamento de pessoas entre as diferentes hierarquias sócio-espaciais. Acredita-se hoje que os fatores principais que vão interferir na mobilidade são a renda, ocupação laboral, gênero, idade e o tipo de modal de transporte disponível, diferenciando, assim, as condições de mobilidade de cada grupo social ou pessoa (KLEIMAN, op cit.).

       Balbim (2016) nos diz que o uso do termo mobilidade nas ciências em geral é algo recente,  e seu surgimento nessas áreas não aconteceu em substituição a nenhum dos demais termos já tratados desde longa data, mas vai além destes. Segundo o autor:

Deve-se ter claro, entretanto, que a noção de mobilidade supera a ideia de deslocamento físico, pois traz para a análise suas causas e consequências – ou seja, a mobilidade não se resume a uma ação. Em vez de separar o ato de deslocamento dos diversos comportamentos individuais e de grupo – presentes tanto no cotidiano quanto no tempo histórico –, o conceito de mobilidade tenta integrar a ação de deslocar, quer seja uma ação física, virtual ou simbólica, às condições e às posições dos indivíduos e da sociedade (BALBIM, op. cit.).

 

        Reconhecendo-se o fato de que a mobilidade esteja ligada à fatores como motivação pessoal, limitação financeira, imposições físicas, desejos, dentre outros, acredita-se também que esses fatores estão estreitamente ligados às diversas possibilidades que a sociedade apresenta, assim como também em razão dos lugares onde tais possibilidades estão ou não presentes.  Isso amplia, dentro da discussão sobre mobilidade, a importância de fatores como a organização do espaço, as condições sócio-econômicas, culturais, políticas, o contexto simbólico, as características de acessibilidade e o desenvolvimento científico e tecnológico (BALBIM, op. cit.).

       Tem-se assim que pensar em mobilidade, no campo exclusivo das ciências sociais, seja, antes de tudo, pensar para além da otimização dos movimentos em si, buscando o reconhecimento mesmo de uma condição humana, um direito, uma forma de inserção social,  uma ação e uma condição das pessoas e dos lugares, que facilite e permita uma melhor  participação no mundo do trabalho, na vida social e cultural, no debate político, na busca do conhecimento, na descoberta do possível, no pensar sobre a cidade e sua condição nela, na capacidade de conhecer e transitar por diferentes concepções sociais e culturais. 

       A partir desse entendimento, a mobilidade vem ganhando espaço como elemento de grande  importância para as políticas públicas urbanas. Ela mesma, a mobilidade, torna-se um elemento catalisador de diversas e variadas ações e projetos. Relativiza um pouco a importância de objetos fixos e estanques, valorizando os movimentos enquanto produtores de interações de toda ordem e subjetividade. Não menos importante é a possibilidade que tem de se pensar maneiras de amenizar esquemas de segregação socioespacial. Tal concepção da mobilidade, pode permitir a adaptação de políticas públicas à diversas necessidades e contextos, aproveitando-se estruturas territoriais existentes ou a serem instaladas. 

        Para Balbim (op. cit.) caracteriza-se assim um momento no qual passamos de uma mobilidade fordiana, na qual a maior parcela dos deslocamentos acontecia em frações de tempo claramente definidas na jornada de trabalho, para um modelo mais flexível, no qual diversos deslocamentos seguem ritmos, objetivos, desejos, sonhos, horários e modos específicos. Segundo o autor, ampliam-se assim as trilhas espaço-temporais onde vamos escrevendo os roteiros ao longo de nossas vidas, os “caminhos empregados”, de objetos e ações associados, dos lugares vividos, efetuando-se diferentes aptidões individuais para a mobilidade, característica do ser humano, sobretudo em nossa contemporaneidade. 

       Corroborando esse raciocínio, Barbosa (2016) diz que o debate crítico e propositivo sobre a mobilidade nas condições atuais de nossas cidades não deve ser posto exclusivamente no âmbito do econômico e do técnico, embora esses fatores sejam relevantes no cenário urbano contemporâneo. Segundo diz o autor, se faz necessário incorporar a dimensão política ao debate sobre a mobilidade.

       Isso faz com que a mobilidade esteja ligada ao próprio processo de reprodução do território e suas relações, com todas as suas possibilidades e limites. Diante de situações de grande desigualdade e inequidade urbanas vividas, sobretudo no Brasil, a discussão atual sobre mobilidade não pode ser abordada, no que tange principalmente aos seus objetivos, sem uma correlação direta com os conceitos de responsabilidade social, equidade e coesão, com implicações diretas nas políticas de desenvolvimento orientado pelo transporte.

 

3. RESPONSABILIDADE SOCIAL NAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO ORIENTADO PELO TRANSPORTE: EQUIDADE E COESÃO COMO FOCO CENTRAL DAS AÇÕES

 

       As primeiras manifestações sobre o tema da responsabilidade social surgiram no início do século XX, mas essas propostas iniciais não receberam apoio, pois foram consideradas de cunho socialista, sendo só a partir da década de 1950, nos Estados Unidos, que o tema recebeu atenção e ganhou espaço. Na década de 1970 começaram a surgir associações de profissionais interessados em estudar o tema, e somente a partir daí a responsabilidade social deixou de ser uma simples curiosidade e se transformou em um novo campo de estudo, ligado exclusivamente ao setor empresarial.  No Brasil, embora o tema seja debatido desde a década de 1960, não chegou a fazer parte da agenda empresarial, vindo ganhar maior destaque somente a partir da segunda metade da década de 1990, por meio de publicações, experiências, programas e eventos para os interessados no tema.

       Alguns estudos revelam que não há um consenso sobre o conceito de responsabilidade social, e que, por conseguinte, ele pode ser considerado em construção. Numa concepção mais geral, a responsabilidade social é compreendida como uma atitude e prática das empresas, que, de forma voluntária, adotam posturas, comportamentos e ações que promovam o bem-estar dos seus públicos interno e externo. Para Ashley (2003), responsabilidade social é toda e qualquer ação que possa contribuir para a melhoria da qualidade de vida, envolvendo muitas vezes medidas que trazem cultura e boas condições para a sociedade, sem ser, contudo, considerado como algo filantrópico ou assistencialista. Com o passar do tempo, tal concepção originou algumas variantes ou nuances, como Responsabilidade Social Corporativa, Responsabilidade Social Empresarial e Responsabilidade Social Ambiental.   

       Para Ashley (op. cit.), o mundo empresarial vê na responsabilidade social uma nova estratégia para aumentar seu lucro, melhorar sua imagem e visibilidade, potencializar seu desenvolvimento e gerar vantagem competitiva nos negócios. Essa tendência, segundo o autor, decorre da maior conscientização do consumidor e consequente procura por produtos, ideias e práticas que gerem melhoria para o meio ambiente e a comunidade, valorizando aspectos éticos.

       No contexto contemporâneo, marcado por uma economia globalizada e aberta, pelo menos até certo ponto, e em certos lugares, seguido sobretudo a partir da década de 1990, emerge um certo ativismo social, onde palavras como cidadania e cooperação denunciavam um apelo por outras formas de organização e ações e projetos urbanos. O conceito de responsabilidade social torna-se assim mais amadurecido e abrangente, passando a incorporar também, de forma mais efetiva, o campo das políticas públicas, exigindo do próprio poder público uma postura diferenciada em relação à sociedade, onde o ganho exclusivamente pautado no econômico cede lugar a uma dimensão mais sistêmica que inclui uma incorporação do social e do ambiental. Isso, de certa forma, leva à produção de discursos que valorizam as práticas responsáveis, o capital social e a validação pública.

       Ainda que dirigida por uma ótica capitalista, reconhece-se aqui que essa visão mais expandida da ideia de responsabilidade social, alcançando o campo da esfera pública, permite um olhar diferenciado sobre algumas políticas urbanas, influenciando num repensar de projetos e ações, como as políticas de Desenvolvimento Orientado pelo Transporte (DOT), que passam a serem entendidas e compreendidas nas proximidades de sua totalidade, a partir de um caráter mais interrelacional e uma ótica mais ampla, capazes, assim, de participarem mais ativamente na busca de um equilíbrio na relação de forças entre as áreas econômica e social.

       Embora os princípios que norteiem as políticas de DOT sejam bem mais antigos[4], é sobretudo a partir da década de 1990 que se constitui uma literatura voltada exclusivamente para essa temática. Fernandes (2011) afirma que com base na literatura disponível, a definição do DOT ainda não se apresenta consensual, assumindo vários contornos dentre os autores que tratam do assunto. Para o autor, o fato de não existir uma definição claramente elucidativa sobre esse conceito acaba gerando diversas interpretações e adaptações sobre o mesmo.

       A definição apresentada por Calthorpe (1993) é comumente considerada como a mais aceite dentre os estudiosos do tema. Para o autor, o DOT é uma área mista de elevada densidade residencial, comercial e de serviços, cujo núcleo, verticalmente  integrado  e  no  qual existe um equipamento de interface, é facilmente acessível a partir das áreas urbanas próximas (NELSON, 2001, apud FERNANDES, op. cit).

       Para o Transit Cooperative Research Program (TCRP) o DOT consiste em parcerias para projetos específicos entre a iniciativa privada e a pública, com um padrão de ocupação denso e diversificado em termos do uso do solo, pontual e impulsionado pela valorização imobiliária em uma dada localidade, comumente relacionado aos nós da infraestrutura de transporte público, que pode, em alguns casos, se traduzir em mais desenvolvimento para algumas áreas (TCRP, 2002, apud NETO, 2011).  Jacobson e Forsyth (2008, apud NETO, op. cit.) definem o DOT como uma estratégia para integração dos investimentos em transporte público e boas práticas de uso do solo, no sentido de se criar ambientes urbanos acessíveis e diversificados em termos de formas e uso, tanto em áreas centrais como em parcelamentos periféricos. Neto (op. cit.) assevera que o DOT consiste basicamente em estratégias de planejamento e de ações relativas ao desenho urbano e de planejamento de transportes tratadas de forma integrada, realizadas por meio de políticas ou de instrumentos urbanísticos.

       Os estudos de Fernandes (2011) ressaltam que o DOT pode ser promotor de diversas vantagens, como: mobilidade, estilo de vida, econômica/ambiental e dinâmicas urbanas. Também são apontadas algumas limitações nos projetos, como: desenho inapropriado de algumas redes, preocupações e temores das comunidades locais, desinteresse dos investidores e dificuldades na obtenção de financiamentos. Lembra o autor que essas vantagens e limitações não podem ser consideradas isoladamente, tampouco se resumirem apenas à esses aspectos. A relação entre essas vantagens e limitações pode ser resumida, sob o ponto de vista econômico, na relação custo-benefício, sendo o sucesso ou insucesso do DOT comumente medido pela maior ou menor preponderância dos benefícios obtidos com sua implantação, relativamente aos custos associados ao processo

       Não obstante essas afirmações, acredita-se, fazendo coro às colocações de Fernandes (op. cit.),  que  o sucesso e importância  do  DOT  não  podem  ser  avaliados  apenas  pelo  viés               custo-benefício, ainda que reconhecendo a importância deste aspecto, mas também a partir de outras dimensões e questões, capazes de ampliar a globalidade dos efeitos produzidos.

       Neste sentido é que defende-se aqui a necessidade de uma integração mais profunda entre as políticas de DOT e os princípios de equidade social e coesão territorial, criando-se assim oportunidades de se atribuir ao transporte público coletivo uma atuação mais plena no território, superando as abordagens voltadas majoritariamente para a ofertas de mais infraestruturas.

       Eqüidade social é entendida como um princípio pelo qual o poder público deve prover acesso justo e igual para a superação das necessidades sociais básicas (DAVEY  e DEVAS, 1996), como acesso ao emprego, cultura, lazer, saúde e condições de vida razoáveis, indiferente de renda ou localização, evitando assim dar preferências para grupos sociais específicos, a partir de  circunstâncias tais como diferenças de localização territorial, etnia, religião, status e poder etc. Harvey (1973) considera que eqüidade resulta de interações entre processos sociais e forma espacial. Conseqüentemente, desigualdades existem nas condições de vida porque existem desigualdades espaciais ou territoriais (MASSEY, 1984). A equidade deve ser compreendida assim como um conceito primário na distribuição de benefícios de urbanização para todos membros de uma sociedade, um conceito antes de tudo político, indispensável em políticas urbanas que almejem cidades melhores para se viver.

       Como um desdobramento possível a partir do princípio de equidade, e visando mesmo uma integração e melhor realização desta, a noção de coesão territorial pauta-se na importância do território no seio das políticas, com o intuito generalizado de alcançar o desenvolvimento territorial mais equilibrado, ou seja, um desenvolvimento social e econômico mais equitativo, valorizando a sua diversidade e complementaridades, possibilitando à população aproveitar melhor as características existentes em cada território.

       Segundo Santinha (2014), a ideia de coesão visa um aproveitamento da diversidade dos territórios, ou seja, considera as potencialidades e as fragilidades territoriais, o que consequentemente se traduz na análise das capacidades (bens, equipamentos, infraestruturas, recursos) existentes para formular políticas territorialmente diversificadas. Segundo o autor, importantes ideias ganham destaque, como: ultrapassar as diferenças de densidade, evitando concentrações excessivas de crescimento e facilitando o acesso aos benefícios proporcionados pelas aglomerações existentes em todos os territórios; melhorar o acesso, através de uma melhor conectividade, aos serviços de interesse geral, de forma social e espacialmente equitativa; eliminar divisões, na medida em que os problemas de conectividade e de concentração só podem ser eficazmente resolvidos com a estreita cooperação entre todos os níveis de intervenientes.

       Segundo Santinha (op. cit.), esta ideia de articular, integrar e territorializar as políticas públicas, incorporando a dimensão territorial nas políticas setoriais, articulando estas com as políticas de base territorial[5], contribui para uma maior sinergia entre diferentes políticas e para a maximização dos seus impactos territoriais, amenizando o fato de as decisões políticas serem tomadas essencialmente de um ponto de vista setorial e de forma desarticulada com as políticas territoriais. Ressalta o autor, contudo, que este propósito só é viável a partir de uma articulação mais eficiente entre diferentes níveis de atores/entidades/administração, decisiva para a formulação de políticas e construção de estratégias coletivas territoriais

       Trazendo essas ideias de equidade e coesão para o interior das políticas de transportes públicos, a nossa percepção do transporte ultrapassa o entendimento que o vê somente como uma questão técnica de engenharia, evoluindo para uma questão e discussão social, econômica, cultural e política, como parte de uma problemática urbana mais ampla, podendo inclusive ser pensado como elemento capaz de minimizar esquemas de desigualdade sócio-espacial na cidade, contribuindo para um melhor quadro de equidade e coesão urbana.

         Nos últimos vinte anos inúmeras são as experiências e projetos pelo mundo e pelo Brasil que vêm buscando orientar políticas de transportes públicos com base nos princípios de equidade e coesão urbana, a partir de um aproveitamento sistemático dos equipamentos de interface, sem desconsiderar, contudo, aspectos fundamentais de engenharia e operação técnica. Ações e projetos exitosos podem ser encontrados em cidades como Madrid, Porto, Berlim, Toronto, Cleveland, Curitiba, São Paulo e Brasília. Apesar de realidades sociais distintas,  essas cidades têm em comum o fato de virem desenvolvendo nessas duas primeiras décadas do século XXI projetos de transportes públicos cujo objetivo principal não é só o deslocamento físico em si, mas a possibilidade de produzirem espaços urbanos mais equânimes no tocante ao acesso à serviços, equipamentos, atividades, moradias, conhecimento, cultura, lazer etc.

       No Rio de Janeiro essa tendência ainda parece um pouco ausente, embora seus recentes projetos de transporte público, como a implantação dos Sistemas de BRT[6], sobretudo a Transcarioca e a TransBrasil,  apontem algumas possibilidades de uma relação mais estreita com a ideia de responsabilidade social e os princípios de equidade e coesão urbana, revelando assim uma oportunidade histórica de se equipar com atividades e serviços áreas menos privilegiadas da cidade, com novas oportunidades para se produzir um espaço urbano menos desigual.

 

4. LIMITES E POSSIBILIDADES NA ATUAL POLÍTICA DE TRANSPORTE PÚBLICO NO RIO DE JANEIRO

 

       Nos últimos anos as discussões sobre as políticas de mobilidade e transporte público no Rio de Janeiro vêm ultrapassando cada vez mais a ideia de que estas devam estar centrada apenas na otimização do deslocamento físico, ainda que reconhecendo a importância deste, buscando também formas de (re)criar novas relações cotidianas entre pessoas e lugares, com uma melhor distribuição de serviços, equipamentos e atividades pela cidade.

       Embora alguns processos recentes já sinalizem possíveis mudanças de pensamento, verifica-se que ainda não há um aproveitamento e um uso planejado do entorno dos equipamentos de interface do sistema de transporte público coletivo, deixando transparecer um certo "atraso" em relação à outras metrópoles nacionais e internacionais, ainda que em algumas dessas também inexista legislação específica para o aproveitamento do espaço envolvente desses equipamentos, mas, contando-se, em alguns casos, com o incentivo à participação e envolvimento de vários atores urbanos, relativizando assim a predominância do interesse unicamente do capital privado.

       O BRT TransCarioca (fig. nº 1), em funcionamento desde 2014, é o primeiro corredor de transporte público que conecta transversalmente a cidade. O corredor cruza áreas densas e bem consolidadas, com um déficit histórico não apenas de transporte público de qualidade, mas também de equipamentos e serviços urbanos. Atende 27 bairros das zonas norte e oeste do município, ligando o Terminal da Alvorada (Barra da Tijuca) ao Aeroporto Internacional Tom Jobim (Ilha do Governador). Ele conta com 47 estações e 39 km de vias segregadas, integrando-se aos sistemas de trens metropolitanos e metrô, essenciais para o acesso à região central da cidade e a outras localidades dentro da Região Metropolitana, e ao BRT TransOeste, que realiza a conexão com o extremo oeste do município. Pela sua dimensão e abrangência, esse corredor, segundo o Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP- Brasil) (2016), deve ser visto não somente como uma solução isolada de circulação para as áreas que atende, mas principalmente como um eixo indutor de desenvolvimento urbano capaz de contribuir para a consolidação de uma cidade mais justa e harmônica em termos sócio-espaciais.

 

 

       Além do apelo do ITDP, vários outros órgãos e pesquisadores isolados, vêm discutindo e mostrando a necessidade de que as áreas do entorno dos equipamentos de interface desse corredor de BRT recebam um plano especial de desenvolvimento orientado ao transporte, estimulando a criação de bairros de uso misto (residencial e comercial).  Cada vez mais alerta-se ao fato de que esse projeto de transporte tem de estar integrado a um planejamento urbano mais amplo, que distribua melhor as oportunidades da cidade e que diminua as necessidades de deslocamento, sob risco de se perder uma valiosa oportunidade de desenvolvimento urbano para a cidade.

       Outro importante sistema de BRT que vem sendo implantado na cidade, a TransBrasil, conectado à Transcarioca (fig. nº 2), vem revelando, através de estudos e levantamentos de campo, um enorme potencial de redefinição do eixo rodoviário sobre o qual se instalará, a Avenida Brasil, com 58 km de extensão e marcada hoje por imensas áreas urbanas degradas ou subutilizadas. O Sistema de BRT da Transbrasil vem como uma oportunidade histórica para a reestruturação de imensas áreas urbanas, sobretudo próximo aos seus equipamentos de interface, fazendo com que deixem de ser espaços somente de passagem, e se tornem espaços de trabalho, vivência, educação, inovação tecnológica, cultura e lazer.

 

 

       Através de um plano específico e uma intervenção controlada no entorno dos principais equipamentos de interface da TransBrasil, pensa-se, através das características físicas, sociais, culturais e econômicas existentes em cada área, que estes sejam capazes de oferecer condições para uma melhor interatividade de projetos, ações e atores, interligando e aproximando pessoas, serviços e equipamentos nessas áreas, abrindo possibilidades de amenização de um quadro de fraca equidade e coesão urbana.                        

       Conquanto não seja o único caminho possível para auxiliar no desenvolvimento de um pretenso quadro de melhor equidade e coesão urbana, dependendo inclusive de outras ações para sua eficácia, como segurança e renda, por exemplo, vale a pena considerar, e as experiências em outros contextos urbanos confirmam, as ações e projetos no entorno dos equipamentos de interface do sistema de transportes coletivos, como uma alternativa visando a valorização e dinamização de muitas áreas da cidade, sendo um instrumento fundamental e de imenso potencial, merecedor de tratamento e atenção especial.

       Muito além de uma reordenação de formas e deslocamentos, está em jogo neste momento um futuro de novas e melhores oportunidades na cidade do Rio de Janeiro, futuro este que para ser melhor não pode prescindir da ideia de mobilidade em um novo paradigma, abordando a relação dos deslocamentos das pessoas com o planejamento das cidades para um desenvolvimento mais harmônico e justo, de modo a propiciar o acesso universal da população às oportunidades oferecidas pela cidade.  

       Com a implantação dos Sistemas de BRT Transcarioca e TransBrasil, seguidos de uma necessária otimização de seus aspectos operacionais[7], cria-se, acredita-se, novas possibilidades de relações dos transportes públicos com a cidade, relações que não apenas de trabalho, consumo ou lucratividade, mas também de incentivar misturas, expectativas, sonhos, desejos, esperanças, diminuindo esquemas de segregação e disparidades sócio-espaciais. Esta característica nunca esteve presente nas políticas de transporte público no Rio de Janeiro, marcadas comumente por suas funções econômicas e objetivos de lucro, impedindo um papel dos transportes coletivos enquanto instrumento produtor de espaços equânimes, dotados de boa urbanidade e não tão desiguais. Há uma importante lacuna a ser preenchida quanto ao papel dos transportes coletivos e seus equipamentos de interface no Rio de Janeiro, que inclui não apenas a otimização e eficiência dos deslocamentos, mas principalmente a vinculação desses equipamentos à produção de espaços capazes de propiciarem mudanças futuras e novas oportunidades na vida de muitas pessoas, e nesse aspecto os sistemas de BRT precisam ser repensados em seus efeitos sobre a cidade.

 

5. POSSÍVEIS AÇÕES PARA OS PODERES PÚBLICO E PRIVADO

 

       Na questão que aqui vem sendo pensada, as ações e projetos no entorno dos equipamentos de interface do sistema de transporte coletivo no Rio de Janeiro, o que está em jogo é principalmente a possibilidade de se criar condições para que grupos menos favorecidos possam ter novas oportunidades e viver melhor, numa cidade menos desigual. Isto implica uma redefinição das políticas públicas[8] e das prioridades de investimentos, em função da realidade local e da manifestação da população, o que confere uma certa legitimidade necessária para inverter a ordem da destinação dos recursos, das obras e serviços públicos para atender os reais interesses da população. Por isso, acredita-se que paralelamente às novas relações de gestão urbana, marcadas por uma forte intervenção do setor privado, o papel do poder público deve ser permanentemente reinventado, e não diminuído ou secundarizado, a fim de poder agir criando as oportunidades para reduzir tensões e desigualdades nos espaços partilhados das relações urbanas.

       Entendendo o entorno dos equipamentos de interface como espaços capazes de reunirem atividades diversificadas e multifuncionais, as políticas e os projetos para essas áreas  precisam ser caracterizados por objetivos definidos a priori, marcados por uma transparência do início ao fim e por um acompanhamento permanente, a fim de não se desvirtuarem seus objetivos e propostas centrais. Acredita-se, com isto, que o poder público deva ser o principal coordenador dessas ações.

       A importância da coordenação central do poder púbico reside no fato de que as políticas e ações devem manter como foco principal a contribuição que podem oferecer na construção de um quadro de melhor equidade e coesão urbana, ainda que para isto dependam também de outros fatores, procurando evitar a predominância de objetivos estreitos e limitados. Essa atuação central do poder público não impede que relações sejam estabelecidas envolvendo poder público e privado, diferentes setores privados entre si e também diferenciados setores e níveis do poder público (local, municipal, regional e nacional). Desenvolvendo e coordenando programas que impulsionem a renovação e a multifuncionalidade de áreas no entorno dos equipamentos de interface, com projetos de requalificação que permitam melhorar a qualidade do ambiente urbano e a integração de distintos espaços da cidade, tem o poder público uma boa oportunidade de promover e articular a integração de diferentes políticas setoriais, voltadas para áreas já ocupadas e mais desfavorecidas, principalmente aquelas já providas de infra-estrutura de transporte coletivo rodo-metro-ferroviário.

       Para isto, torna-se importante e fundamental que as áreas no entorno[9] de alguns equipamentos de interface tornem-se Áreas de Intervenção Especial e Controlada (AEIC), passíveis de aplicação, por parte do Estado, de alguns instrumentos de política urbana, instrumentos estes já previstos pelo Estatuto da Cidade[10], sobretudo aqueles de cunho jurídico e político, como: Instituição de zonas especiais de interesse social[11]; Parcelamento, edificação ou utilização compulsórios[12]; Transferência do direito de construir[13]; Outorga onerosa do direito de construir e alteração de uso[14]; Direito de preempção[15]; e Operações urbanas consorciadas[16].

       Alerta-se para o fato de que a aplicação dos instrumentos acima sugeridos não busca defender uma lógica segundo a qual “tudo o que há de melhor na cidade deve ficar junto dos equipamentos de interface do sistema de transporte”, mas sim favorecer um melhor e planejado aproveitamento das oportunidades que esses equipamentos possam oferecer para ações e projetos urbanos, visando a implementação de ações afirmativas, por meio de políticas de ordenamento territorial que tenham em vista a correção das distorções verificáveis no espaço urbano. Esta perspectiva ampara-se na ideia de que o futuro da intervenção nas cidades envolve centrar‐se no aproveitamento das potencialidades dos equipamentos de transporte público, sobretudo na melhoria da sua articulação com outras ações e políticas setoriais. Isto porque acredita-se que quanto mais eficaz for a aplicação dos princípios da cooperação, da coordenação (entre políticas setoriais) e da subsidiariedade, mais facilmente os objetivos de equidade e coesão urbana poderão ser alcançados.

        É necessário também que o poder público atente de forma permanente para que os processos no entorno dos equipamentos de interface não promovam uma expulsão da população vizinha para outras áreas da cidade. Para este fim um caminho possível seria a promoção de uma maior diversidade de usos, atividades e serviços voltados para o desenvolvimento urbano, sócio-cultural e econômico, o que, ainda que não promova uma integração social plena, possa possibilitar um usufruto por um número maior de pessoas.

       Outro aspecto fundamental para a ação do poder público, mas que também pode ser executado pelo poder privado, é a promoção e divulgação - antes, durante e depois-, através de um sistema de comunicação social adequado, das vantagens, desafios e custos das ações e projetos, construindo assim um quadro de transparência, visando um maior de comprometimento social.

       Desta maneira, acredita-se, o sistema de transporte coletivo assumiria uma posição mais central no que se pode chamar de uma reflexão urbana mais ampla, representando mais do que um somatório de equipamentos para o deslocamento urbano, mas, pelo contrário, como frisou Chamusca (2012), promovendo a construção de visões de um desenvolvimento urbano que traduza a definição e a partilha de objetivos e projetos comuns. Teria-se assim a possibilidade do reforço de uma dimensão social nas políticas de transporte coletivo, associando-as, no caso dos espaços urbanos, aos interesses de uma melhor equidade e coesão.

       Essas ações aqui pensadas, ainda que não produzam num curto prazo os efeitos desejados (melhores condições de equidade e coesão urbana), revelam-se importantes, num primeiro momento, pois podem ajudar a recriar o sentido e o papel dos transportes coletivos na cidade, desenvolvendo um espírito de permanente coordenação entre a política de circulação e transporte e a política de uso do solo, até que ambas, num segundo momento, se tornem uma só, institucionalizada e promotora de comunicação entre os diversos atores urbanos, debatendo a forma como estes aspectos se articulam com os objetivos urbanos mais amplos.

 

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

       No contexto recente, que vem sendo marcado pela implementação de alguns projetos de mobilidade e transporte público no Rio de Janeiro, coloca-se em perspectiva as áreas da cidade marcadas pela carência de serviços, espaços públicos e equipamentos urbanos, cujos grandes projetos de "revitalização", à exceção de algumas ações muito pontuais, tem relegado ao esquecimento.

       Ainda que reconhecendo o fato de que a cidade não seja apropriada por todos em sua plenitude, é também reconhecida a necessidade e importância de que esses projetos mais recentes de mobilidade e transportes públicos no Rio de Janeiro, como os Sistemas de BRTs, incluam como fundamental a utilização planejada do entorno dos equipamentos de interface, enquanto uma ação específica e coordenada pelo poder público em parceria com o privado e a sociedade civil, permitindo o desenvolvimento orientado de atividades e serviços diversos, facultando que muitos possam se apropriar desses espaços e das benesses e vantagens que possam ali ser implementadas, criando laços de identificação e convivência entre grupos sociais diversos, propiciando assim uma urbanidade mais rica e ampla, sobretudo em áreas menos favorecidas.

       O transporte coletivo seria assim o grande meio dessa experiência, pois viabilizaria o acesso de grandes áreas da cidade a esses espaços e desses espaços com toda a cidade, diminuindo o forte efeito divisor que sempre permeou seu papel - deslocar-se-ia agora para se buscar o diferente, o coletivo, se complementar e se redescobrir, e não somente para se separar ou dividir. Essa busca e complementaçâo viabilizaria novas experiências, motivando e enriquecendo a reconstrução de ideias e sentidos e criando afetos, na construção da cidade mais equânime, coesa, plural e tolerante.

       Há uma importante limitação a ser superada quando se fala de mobilidade e transporte público no Rio de Janeiro, superação esta que levaria o debate e as propostas para além da eficiência dos deslocamentos, vinculando esses conceitos à produção de espaços capazes de propiciarem não só o consumo e a alocação deste ou daquele grupo nesta ou naquela parte da cidade, mas que possibilitem mudanças e novos rumos à vida de muitas pessoas.

       O modelo que trata a mobilidade e os sistemas de transportes coletivos separado das ideias de responsabilidade social, equidade e coesão, precisa ser superado, não precisamente por outro modelo, mas por uma prática constante de tentar identificar todas as reais possibilidades e questões que perpassam as políticas de transporte, em todos os seus níveis e aspectos.

       Pensar a mobilidade e o transporte coletivo na contemporaneidade exige antes pensar a cidade que se quer ter, compreendendo seus desafios, necessidades e limites. Não se trata apenas de pensar o sistema de circulação e transporte vinculado a outras ações no território, pois isso já se faz desde muito tempo, mas sim de pensar como essas ações podem ajudar na construção de uma cidade mais justa e melhor para viver, com políticas concebidas para a concretização de um objetivo constitucional universalmente reconhecido – o da efetiva igualdade de oportunidades a que todos devem ter direito. Isso abre inúmeras possibilidades de ações e coloca a discussão sobre mobilidade e transporte num outro e mais elevado patamar da questão urbana.

 

 

 

7. REFERÊNCIAS

 

ASHLEY, P. A. Ética e responsabilidade social nos negócios. São Paulo: Saraiva, 2003.

BALBIM, Renato. Mobilidade: uma abordagem sistêmica. In: Cidade e movimento: mobilidades e interações no desenvolvimento urbano. Brasília : Ipea - ITDP, 2016.  326 p.

 

BARBOSA,  Jorge Luiz. O significado da mobilidade na construção democrática da cidade.  In: Cidade e movimento: mobilidades e interações no desenvolvimento urbano. Brasília : Ipea - ITDP, 2016.  326 p.

 

CALTHORPE, Peter. The Next American Metropolis: ecology, communit and the american dream. London: Princenton Architecture press, 1993.

CHAMUSCA, Pedro Miguel Magalhães Nunes. Governança e regeneração urbana: entre a teoria e algumas práticas. 2012. 378 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto 2012.

DAVEY, K ; DEVAS, N. Urban Government Finance. In Davey, K (ed.) Urban Management, the Challenge of Growth. Avebury: Aldershot, 1996.

 

FERNANDES, António Rui Gonçalves. Transit-Oriented Development - um ensaio metodológico para o Porto. Dissertação (Mestrado em Sistemas de Informação Geográfica e Ordenamento do Território) - Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Portugal, 2011.

HARVEY, David. Social justice and the city. London: Edward Arnold and The Johns Hopkins University Press, 1973.

INSTITUTO DE POLÍTICAS DE TRANSPORTE E DESENVOLVIMENTO (ITDP). Papel do BRT TransCarioca na redução da desigualdade social e acesso à cidade do Rio de Janeiro. Brasil: ITDP, 2016. Disponível em http://itdpbrasil.org.br/pesquisabrt/. acessado em 27abr2017.

KLEIMAN, Mauro. Transportes e mobilidade e seu contexto na América Latina. Série Estudos e Debates (IPPUR-UFRJ), n° 61, p. 1-10. 2011.

MASSEY, D. Spatial Divisions of Labour: Social Structures and the Geography of Production. Basingstoke : Macmillan, 1984.

NETO, Vicente Correia Lima. Desenvolvimento Orientado ao Transporte: o potencial de aplicação pela Companhia Brasileira de Trens Urbanos. IPEA, Boletim Regional, Urbano e Ambiental, nº 5, junho de 2011.

OLIVEIRA, Chirles Virgínia A. de.  O Discurso da Sustentabilidade e da Responsabilidade Social na Estratégia Corporativa: comunicação em rede, consumo e cidadania. Dissertação de mestrado. 155 p. (Mestrado em Comunicação e Práticas de Consumo). São Paulo: Escola Superior de Propaganda e Marketing, 2011.

SANTINHA, Gonçalo. O princípio de coesão territorial enquanto novo paradigma de desenvolvimento na formulação de políticas públicas: (re)construindo ideias dominantes. In: Revista EURE (Santiago) vol.40, nº 119, Santiago ene. 2014

TEIXEIRA, Elenaldo Celso. O Papel das Políticas Públicas no Desenvolvimento Local e na Transformação da Realidade. in: Políticas Públicas - O Papel das Políticas Públicas, 2002.

VASCONCELLOS, Eduardo Alcântara.. Transporte Urbano, Espaço e Eqüidade: análise das políticas públicas. 3ªed. São Paulo: Annablume, 2001.

 

 



[1] Equipamentos que proporcionam uma comunicação física e direta entre os sistemas de transporte e outros sistemas urbanos, cujo entorno, num raio aproximado de 1/4 de milha (450 a 500 metros), recebe atenção e tratamento especial: estações metroferroviárias, terminais rodoviários e terminais multimodais.

[2] São medidas especiais tomadas e/ou coordenadas pelo poder público, espontânea ou compulsoriamente, com o objetivo de eliminar desigualdades historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidades e tratamento, bem como de compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização sócio-espacial, decorrentes de motivos diversos. Portanto, visam combater os efeitos acumulados em virtude das discriminações e negligências ocorridas no passado.

 

[3] Capacidade que um lugar tem de ser alcançado a partir de outros lugares com diferentes localizações geográficas e configurações sociais. Em outras palavras, a acessibilidade seria a qualidade de  deslocar-se de um ponto ou de uma área sem ou com redução de barreiras na comunicação dos componentes de um sistema espacial (CASTIELLO; SCIPPACEROLA, 1998, apud KLEIMAN, 2011).

[4] Alguns autores referem a sua origem associada ao desenvolvimento de bairros de Nova Iorque ao longo das linhas de caminho de ferro elevadas, outros recuam mais no tempo e admitem a gênese do DOT na localidade de Ur associado ao transporte fluvial (CARLTON, 2009, apud FERNANDES, 2011).

[5] Políticas que procuram abranger toda a diversidade e potencialidades do território, priorizando ações e projetos multissetoriais, objetivando um melhor e mais efetivo aproveitamento dos recursos, equipamentos e possibilidades existentes no território.

[6] A sigla vem do inglês Bus Rapid Transit (Trânsito Rápido por Ônibus). Na prática, representa um transporte articulado de média capacidade que trafega em corredor exclusivo e, por isso, é uma alternativa mais rápida de viagem para os passageiros. Este modelo de circulação existe em cerca de 140 países, e no Rio de Janeiro é administrado por um grupo de empresas privadas de transporte e passageiros, reunidas em consórcio.  

 

[7] Integração físico-tarifária com outros sistemas de transporte, intervalo entre os veículos, segurança, conforto e informação junto aos equipamentos do sistema de transporte.

[8] Diretrizes, princípios norteadores de ação do poder público, regras e procedimentos para as relações entre poder público e sociedade, mediações entre atores da sociedade e do Estado. São, nesse caso, políticas explicitadas, sistematizadas ou formuladas em documentos (leis, programas, linhas de financiamentos) que orientam ações que normalmente envolvem aplicações de recursos públicos. Nem sempre, porém, há compatibilidade entre as intervenções e declarações de vontade e as ações desenvolvidas. Devem ser consideradas também as “não-ações”, ou seja, as omissões, como formas de manifestação de políticas, pois representam opções e orientações dos que ocupam cargos (TEIXEIRA, 2002).

[9] Tendo por base o que comumente é considerado nos estudos sobre DOT, sugere-se que esse entorno esteja delimitado inicialmente por um raio de 600m a partir da boca dos equipamentos de interface.

[10] Lei 10.257, de 10 de julho de 2001, que regulamenta o capítulo "Política Urbana" da Constituição Federal, detalhando e desenvolvendo os artigos 182 e 183. Seu objetivo é garantir o direito à cidade como um dos direitos fundamentais da pessoa humana, para que todos tenham acesso às oportunidades que a vida urbana oferece.

[11] São porções do território destinadas, prioritariamente, à recuperação urbanística, à regularização fundiária e produção de Habitações de Interesse Social ou do Mercado Popular, incluindo a recuperação de imóveis degradados, a provisão de equipamentos sociais e culturais, espaços públicos, serviços, atividades e comércio (Estatuto da Cidade).

[12] Poderá o poder público, para área incluída no plano diretor, determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições e os prazos para implementação da referida obrigação (Estatuto da Cidade).

[13] Baseado no plano diretor, poderá o poder público autorizar o proprietário de imóvel urbano, privado ou público, a exercer em outro local, ou alienar, mediante escritura pública, o direito de construir previsto no plano diretor ou em legislação urbanística dele decorrente, quando o referido imóvel for considerado necessário para fins de implantação de equipamentos urbanos e comunitários (Estatuto da Cidade).

[14] O poder público, pelo plano diretor, poderá fixar áreas nas quais o direito de construir poderá ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário. O coeficiente de aproveitamento é a relação entre a área edificável e a área do terreno. O plano diretor poderá fixar coeficiente de aproveitamento básico único para toda a zona urbana ou diferenciado para áreas específicas dentro da zona urbana (Estatuto da Cidade).

[15] O direito de preempção confere ao Poder Público municipal preferência para aquisição de imóvel urbano objeto de alienação onerosa entre particulares. Será exercido sempre que o Poder Público necessitar de áreas para ordenamento e direcionamento da expansão urbana; implantação de equipamentos urbanos e comunitários; e criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes (Estatuto da Cidade).

[16] conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, em áreas delimitadas, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental (Estatuto da Cidade).



 

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