14/01/2016
ANO XV – N° 6 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2015
Editor
Mauro Kleiman
Publicação On-line
Bimestral
Comitê Editorial
• Mauro Kleiman (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)
• Márcia Oliveira Kauffmann Leivas (Dra. em Planejamento Urbano e Regional)
• Maria Alice Chaves Nunes Costa (Dra. em Planejamento Urbano e Regional) - UFF
• Viviani de Moraes Freitas Ribeiro (Dra. Planejamento Urbano e Regional IPPUR/UFRJ)
• Luciene Pimentel da Silva (Profa. Dra. – UERJ)
• Hermes Magalhães Tavares (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)
• Hugo Pinto (Dr. em Governação, Conhecimento e Inovação, Universidade de Coimbra – Portugal)
Editor Assistente Júnior
Carla Caroline Damasceno Lopes
IPPUR / UFRJ
Apoio CNPq
LABORATÓRIO REDES URBANAS
LABORATÓRIO DAS REGIÕES METROPOLITANAS
Coordenador Mauro Kleiman
Equipe
Carla Caroline Damasceno Lopes, Flávia Garofalo, Gizele da Silva Ribeiro, Larissa Ling Gonçalves Setianto.
Pesquisadores associados
André Luiz Bezerra da Silva, Audrey Seon, Humberto Ferreira da Silva, Márcia Oliveira Kauffmann Leivas, Maria Alice Chaves Nunes Costa, Viviani de Moraes Freitas Ribeiro, Vinícius Fernandes da Silva, Pricila Loretti Tavares.
ÍNDICE
Discussões acerca das cooperações territoriais: experiências intermunicipais brasileiras e francesas
Fernanda Moscarelli e Mauro Kleiman ........................................................... p.03
Estandes de tiro da PMPR – um território incerto para governança
Valmir de Souza, Odorico Konrad e Affonso Celso Gonçalvez Jr .................. p.24
DISCUSSÕES ACERCA DAS COOPERAÇÕES TERRITORIAIS: EXPERIÊNCIAS INTERMUNICIPAIS BRASILEIRAS E FRANCESAS
Fernanda Moscarelli¹
Mauro Kleiman²
RESUMO
Apesar de constituírem Estados Nações organizados de forma diferenciada, França unitária e Brasil federalista, estes países instituíram formas de cooperações territoriais que possuem certas analogias. Estas semelhanças aparecem tanto na forma de estruturação destas cooperações, mas também quanto ao papel dos atores das diversas escalas administrativas nesta tarefa. Partindo inicialmente de uma análise destas estruturas, suas particularidades e avanços recentes; confrontada à análise de experiências concretas - duas brasileiras e duas francesas - pretendemos ampliar o debate e identificar as dificuldades destas experiências cooperativas, de forma a contribuir à estruturação de bases legais e instituições de cooperação mais sólidas e exitosas no território brasileiro.
Palavras-chaves: cooperações territoriais, Brasil, França, planejamento, zonas metropolitanas.
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¹ Professora das Faculdades Meridionais (IMED-RS); Professora do IPA Metodista;Pós-Doutoranda Júnior no Instituto de Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro; Pesquisadora Financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ); fe_moscarelli@yahoo.com.br; Av. Pedro Calmom n° 550, Prédio da Reitoria 5° Andar, sala 530, Rio de Janeiro 21941-901.
² Professor do no Instituto de Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro; Coordenador do Laboratório Redes Urbanas e Laboratório das Regiões Metropolitanas (IPPUR – UFRJ); Pesquisador do CNPQ nível 1; Supervisor da Pós-Doutoranda pelo CNPQ; kleiman@ippur.ufrj.br; Av. Pedro Calmom n° 550, Prédio da Reitoria 5° Andar, sala 530, Rio de Janeiro 21941-901.
RESÚMEN
A pesar de constituir Estados Naciones de maneras diferenciadas, Francia unitaria y Brasil federalismo , estos países han instituido formas de cooperación territorial que tienen ciertas similitudes. Estas similitudes aparecen tanto en la forma de estructurar esta cooperación, sino también em el papel de los actores de las diferentes escalas administrativas en esta tarea. Partiendo inicialmente de un análisis de estas estructuras, sus características y los avances recientes; confrontado a analisis concretas- dos experiencias brasileñas y dos francesas- la intención de ampliar el debate y identificar las dificultades de estas experiencias de cooperación, con el fin de contribuir a la estructuración de las bases jurídicas y instituiciones de cooperación más solida y exitosa em território de Brasil.
Palabras clave: cooperaciónes territoriales, Brasil, Francia, la planificación, las áreas metropolitanas
1. Oportunidades e problemas no planejamento e gestão cooperativa: um olhar sobre os territórios francês e brasileiro
Ao passo que na França o território foi articulado através de mecanismos de cooperação territorial adaptados nas estratégias de planejamento e formas de gestão; no Brasil este processo apresenta inúmeras dificuldades, visto que o planejamento e a gestão territorial continuam desarticulados entre eles e as poucas estruturas de cooperações inter-territoriais são incipientes.
Estas dificuldades têm origem na própria base conceitual racional-funcionalista que prevalece na organização do Estado brasileiro e em todas as formas de articulações entre territórios político-administrativos nele inseridos. As formas de intervenção territoriais são assim pontuais, estanques e setorializadas, agravando a falta de articulação entre planejamento e gestão.
Outro fator que dificulta a cooperação territorial é a rigidez e a hierarquia dos três níveis de governo: federal, estadual e municipal. Procede que, apesar de constituírem estados independentes e autônomos sobre a questão territorial, estados e principalmente municípios, mostram-se limitados quanto à capacidade de gestão dos problemas que ultrapassam seus limites administrativos. Além disto, a estrutura federalista brasileira caracteriza-se pela prevalência do Executivo Federal no interior desta hierarquia com passagem de todas as resoluções e liberação de recursos financeiros de temas importantes pela Presidência da República, limitando a capacidade financeira dos outros entes federados.
Soma-se ainda a dificuldade de gestão pública brasileira, que não têm conseguido transformar objetivos em instrumentos de planejamento e de transformar os instrumentos de planejamento em ações concretas. Esta dificuldade decorre da imaturidade do aparelho de estado constituído para este fim, que apesar de ter recentemente elaborado os primeiros Plano-Nacionais do período democrático1, não conseguiu instituir um corpo técnico e uma organização capaz de estruturar uma política de Estado territorial e formas de garantir a devida contratação.
Esta situação tem-se agravado com as descontinuidades ideológicas dos governos federais nos últimos 60 anos, passando de políticas desenvolvimentistas democráticas a autoritárias e centralizadoras, chegando a governos Neoliberais, sem que tenham sido atualizados ou redirecionados os processos de planejamento e gestão público-territoriais, iniciados na primeira metade do século XX.
Na França, a tradicional planificação tecnocrática, onde a DATAR2 representava tanto o centralismo do Estado francês como a base conceitual racional-funcionalista na qual as ações de planejamento estavam pautadas neste período histórico, foi gradualmente alterada em direção a uma “politização” das decisões em matéria de planejamento e gestão urbana. Desde 1982, ocorre um processo gradual de transferência dos poderes administrativos do estado francês em direção aos diversos entes administrativos e os instrumentos de planejamento passaram de responsabilidade da classe técnica à classe política local.
Mas se a “descentralização” deu força aos atores políticos locais, ela também colocou num mesmo nível hierárquico de decisão os municípios, as intermunicipalidades, os departamentos e as regiões; todos face ao estado unitário e à uma crescente organização supra-nacional: a União Europeia. Neste contexto, as diferentes escalas político-administrativas são colocadas numa situação de negociação obrigatória (Marcou et al, 1997), pautadas nas lógicas contratuais, ao mesmo tempo em que elas são confrontadas à instituição das Parcerias Público-Privadas, estratégia privilegiada num contexto global de planejamento estratégico.
Assim, no sentido oposto ao “engessamento” da federação brasileira, o estado francês caracteriza-se por uma flexibilização dos limites administrativos, onde o próprio Estado perde rigidez e poder; mas guarda, na sua capacidade legislativa e de instituição de instrumentos de planejamento, um controle sobre a coordenação das sub-escalas administrativas.
À luz destas importantes diferenças de contexto institucional, propomos uma reflexão – a partir de experiências cooperativas brasileiras e francesas – sobre os desafios à cooperação territorial brasileira.
2. Estrutura federativa brasileira e sua consequência para as práticas de cooperação intermunicipais
A estrutura federativa brasileira é organizada através de três perímetros político-administrativos: os municípios (popularmente chamados cidades), os estados federados e o Estado Nacional. Apesar da constituição brasileira determinar que estes três níveis de governo possuem autonomia constitucional, na prática da política e da gestão governativa, o Poder Executivo do Estado Nacional (Presidência da República), controla e determina as diretrizes, as ações, a regulação e a liberação de recursos aos outros entes federados.
E importante salientar que existe em todos os sub-níveis nacionais grandes disparidades – tanto de caráter regional como também grandes disparidades entre as cidades - onde se aplica o sistema de governo centralizado. Assim sendo, aquelas cidades que “encabeçam” grandes áreas metropolitanas replicam a configuração da hierarquia observada no país, absorvendo o papel de esfera decisória centralizada e recebendo mais recursos financeiros e ações resolutivas de seus problemas. Este esquema determina aos municípios que compõem a metrópole, e que se caracterizam por uma menor importância em termos econômicos e sociais, uma subordinação que conduz a não resolução ou resolução precária de seus problemas.
Além do mais, não existe verdadeiramente no Brasil estruturas cooperativas de gestão metropolitanas, pois estas foram criadas por um “ato hierárquico onde municípios foram agregados, de maneira adscritiva, queiram ou não” (SPINK, 2012). Assim, segundo a constituição, cabem aos estados federados organizar o aparelho de estado, os instrumentos de planejamento e gestão que envolva diferentes municípios, reforçando o Poder Executivo do estado federado face às cidades e culminando em resistências por parte das cidades a esta estrutura metropolitana.
O resultado desta estrutura de poder ainda hierarquizada aliada ao fracasso da criação das metrópoles, criadas de cima para baixo, tem sido a incapacidade dos municípios a responderem às suas competências fundamentais3, pois não possuem recursos suficientes e dependem de níveis superiores aos seus para incrementar sua incapacidade orçamentária.
Além do mais, a aprovação e tardia regulação do Estatuto da Cidade, apesar de revolucionar quanto à função social da propriedade, ficou tímido quanto à questão metropolitana e regional (FREITAS, 2007). Como resultado, os Planos Diretores Municipais (PDM) – sim continuam sendo de responsabilidade municipal - pouco avançaram as bases do planejamento territorial4, relegando a outras organizações a ambição de definir as prioridades do desenvolvimento territorial.
Neste quadro, diversas estruturas de cooperação territoriais alternativas às zonas metropolitanas se constituíram nos últimos anos. Tais estruturas podem se formar a partir de arranjos entre atores, agentes e escalas diferenciados, além de priorizar diversificados setores de políticas públicas. Algumas alternativas são mais antigas e representam o empowerment (empoderamento) dos atores políticos e civis em um processo de auto-organização territorial de cunho regionalizado. Outros representam formas de cooperação intermunicipal baseadas na lógica do consorciamento e que se desenvolveram de forma impressionante nos últimos anos, sobretudo a partir da Lei dos Consórcios Públicos (2005)5.
Os itens a seguir apresentam dois interessantes exemplos de cooperações territoriais brasileiras e que servirão de suporte comparativo às estruturas francesas.
2.1 Do Consórcio setorial à Câmara do Grande ABC: mais de 20 anos de cooperação
O “consórcio do ABC”, assinado em 1990, sob o nome de Consórcio Intermunicipal das Bacias do Alto Tamanduatéi e Billings6, pelos prefeitos das sete cidades - Diadema, Mauá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul – constitui o primeiro exemplo deste estudo (ABRUCIO e SOARES, 2001). Do ponto de vista de sua gênese, o Consórcio do Grande ABC foi criado a partir de uma cooperação setorial dos municípios integrantes da região do Grande ABC para a gestão ambiental das bacias hidrográficas e para o gerenciamento e destinação de resíduos sólidos (RODRIGUES, 2010). É somente num segundo momento que o consórcio setorial transforma-se em consórcio de desenvolvimento econômico regional e, com a inclusão da sociedade civil através do Fórum da cidadania do grande ABC, em espaço de discussão: identificando as necessidades e potencialidades da região e determinando assim uma estratégia de planejamento, uma gestão compartilhada e, por fim, políticas públicas cooperativas (ABRUCIO e SOARES, 2001; RODRIGUES, 2010).
Não cabe aqui explicar a estrutura ou a criação deste arranjo territorial em pormenores; interessa-nos antes questionar os elementos que incitaram a criação e permitiram a permanência desta forma de governança territorial ao longo destes últimos anos, mesmo após a morte de uma das importantes personalidades políticas por de traz da organização “Grande ABC”7.
Um primeiro ponto que explica o sucesso da formação desta organização é o fator político uniforme e cooperativo. Na época de criação do consórcio, a região do Grande ABC se destacava como centro metropolitano favorável às cooperações intermunicipais. Os prefeitos das cidades no período 1989-1992 e 1996-2000; nos quais se destacam os prefeitos Maurício Soares - prefeito de São Bernardo, e Celso Daniel acima citado; pertenciam em maioria ao Partido dos Trabalhadores (PT), partido de grande força regional graças à gestação do líder político Luís Inácio Lula da Silva dentro dos sindicatos operários do próprio ABC Paulista. Além disto, o governo do estado de São Paulo estava nas mãos do governador Mário Covas (PSDB, 1994- 1998), que também se exprimia favorável a este tipo de cooperação (RODRIGUES, 2010).
Outro elemento importante a salientar é a homogeneidade e a especificidade desta região, que polarizou durante muito tempo uma indústria automobilística e um polo petroquímico e químico importantes; além de concentrar uma classe operária forte e um perfil político altamente articulado com a classe proletária. Este perfil econômico resultou, por sua vez, num perfil social altamente metropolitano e fez da região do Grande ABC o terceiro mercado consumidor do país (ABRUCIO e SOARES, 2001).
O movimento associativo e sindical, este ultimo de importância nacional, se estabeleceu na “região ABC” no início do período democrático pós-regime autoritário. Muitas associações se destacaram e um movimento social chamado na época “vote no ABC” colocava em evidência a contradição entre a força sindical e associativa e a baixa representatividade política da região, tanto a nível estadual quanto federal (ABRUCIO e SOARES, 2001). Cria-se assim, a partir deste movimento o Fórum da cidadania, que se estabelecerá como a base civil e cidadã da Câmara do Grande ABC.
Porém, outro ponto importante a ser salientado é fator “imperativo”. Se a região conheceu um crescimento econômico-social acelerado até o final dos anos 80, se fortalecendo tanto politicamente quanto civilmente8 a crise do setor automobilístico e da indústria local, mais os grandes problemas ecológicos associados à poluição das bacias hidrográficas do Alto Tamanduatéi e Billings, determinaram uma crise econômica e um grande desemprego nos anos 90. Desta forma, a cooperação intermunicipal foi uma resposta da sociedade civil e dos representantes políticos em prol da retomada do desenvolvimento territorial regional, dito Grande ABC.
O caso do Grande ABC corresponde ao único caso de consórcio de desenvolvimento territorial que se perenizou no Brasil: são quase 25 anos de funcionamento. Não somente ele avançou a questão das cooperações territoriais pelo fato de ser intersetorial, mas também ele incitou outras experiências e a própria regulação dos consórcios públicos, que antes eram de natureza jurídica privada; regulamentando assim as possibilidades da cooperação entes federativos para a elaboração e gestão conjunta de políticas públicas.
2.2 Conselhos Regionais de Desenvolvimento: uma resposta às disparidades intra-regionais gaúchas?
Os Conselhos de Desenvolvimento do Estado do Rio Grande do Sul (Coredes) foram criados em 1990, a partir de uma mobilização das entidades civis e de classes por uma política de cunho regionalizado que teve reconhecida esta demanda pelo governador recém-eleito, Alceu Collares (PDT - 1991-1995). Assim, a partir de 1991 foram criados 17 Coredes. Em 1996, os Coredes eram em número de 229, resultado tanto de desmembramento internos dos conselhos, quanto da criação de novos.
Atualmente existem 28 Coredes, organizados segundo especificidades regionais (BÜTTENBENDER et al., 2010), tais que matriz produtiva local ou as características geográficas particulares, e articulados com o governo do estado do Rio Grande do Sul graças à figura do Fórum Estadual do Coredes. Em 2003 foram criados os Conselhos Municipais de desenvolvimento – Comudes – que articulam o nível municipal com o regional.
Alguns elementos parecem importantes para o entendimento da importância do Coredes como arranjo territorial cooperativo de cunho regionalizado. Do ponto de vista da sua gênese, dois fatores parecem ter sido responsáveis pela criação do Coredes. A existência tanto de uma rede de universidades comunitárias e federais, dispostas a promover o desenvolvimento da microrregião onde se encontravam; quanto à existência de entidades civis e de classe, conscientes da necessidade de políticas regionalizadas capazes de tratar dos particularismos locais (ALLENBRANDT, 2010; CARGNIN, 2014). Outro fator reside no reconhecimento de uma grande disparidade intra-regional no Estado do Rio Grande do Sul (BÜTTENBENDER et al., 2010; CARGNIN, 2014). Certas regiões, especialmente a região sul e a região da fronteira oeste, não conseguiam atingir o mesmo nível de desenvolvimento que as demais regiões do Estado do RS. As regiões metropolitanas de Porto Alegre e a região serrana (rede metropolitana de Caxias do Sul) eram prioritárias nos investimentos tanto do capital privado, quanto dos investimentos públicos.
Assim, a criação dos Coredes representou, ao mesmo tempo, o reconhecimento das diferenças internas ao estado, exigindo uma atuação pública no sentido de reequilibrar o território por intermédio de uma política regionalizada (NUNES, 2008) e um tipo de reação apaziguadora dos conflitos internos, que chegaram a colocar em debate um movimento separatista da metade sul do estado10.
Neste processo a ampla participação da sociedade civil foi primordial. A primeira tentativa de criação destes conselhos, capitaneada pelos parlamentares do estado do Rio Grande do Sul, não obteve êxito (ALLENBRANDT, 2010), pelo fato de acentuar as disputas partidárias e de definir perímetros para os conselhos que procuravam antes reforçar estratégias políticas-eleitoreiras que representar as diferenças intra-regionais. Como resultado, o governo do Estado transfere à rede de universidades comunitárias, a responsabilidade de organizar os demais representantes civis e os representantes políticos dos municípios em conselhos e organizar o método de trabalho destes, deixando livre às entidades “regionais” sua auto-organização e gestão. Um exemplo desta liberdade reside no fato da sua tardia regulamentação, realizada somente em 1994, já com três anos de existência (DALLABRIDA et al, 2009; DALLABRIDA e BÜTTENBENDER, 2008).
Os Conselhos Regionais de Desenvolvimento correspondem à primeira, e talvez única, política regionalizada brasileira, cuja definição das “regiões” veio das próprias entidades regionalizadas e não do governo estadual. Assim, os Coredes inovam pelo fato de serem criados e autorregulados pela sociedade civil, mas também de terem sido articulados com outras formas de participação da sociedade nas políticas territoriais, sobrevivendo às diversas e plurais gestões estaduais.
3. Estrutura unitária francesa e seus efeitos para as práticas de cooperação intermunicipais
Das cinco escalas administrativas francesas, o Município – Commune – corresponde à menor escala; seguido pela Intercommunalité (associações intermunicipais), Departamentos, Regiões e Estado Nacional.
Desde a Lei Deferre (1982), responsável pelo processo de descentralização do poder de decisão, as communes possuem a competência compartilhada do ordenamento do território e seu desenvolvimento econômico e social. Ainda que este processo tenha conseguido aproximar o poder de decisão das questões urbanas dos cidadãos, ele trouxe como impacto negativo uma dispersão político-administrativa excepcionalmente grande (LACAZE, 2001). Assim, não nos parece surpreendente que a cooperação intermunicipal tenha se difundido com tanto sucesso no território francês, pois metade das municipalidades não possuem nem estruturas nem orçamentos capazes de planejar e gerir o desenvolvimento territorial aos quais elas vieram a tornarem-se responsáveis. Estas formas de cooperação territorial, que já haviam sido utilizadas anteriormente, ganharam um impulso com a descentralização.
A saber, as primeiras associações intermunicipais francesas são os syndicats. Estes arranjos apresentam grande semelhança com os consórcios intermunicipais brasileiros no estado atual. Inicialmente setorizados: Syndicat intercommunal à vocation unique (SIVU, desde 1890), eles passaram a adicionar competências passando a sindicatos do tipo mistos: Syndicat Intercommunal à Vocation Vocation Multiples (SIVO, desde 1959), integrando assim, por exemplo, a gestão da água, do saneamento e dos resíduos, ao mesmo tempo em que os transportes. Em um segundo momento, consequência da Lei Chevènement11, esses mesmos sindicatos se organizaram em estruturas de cooperação territoriais intermunicipais12, institucionalizadas como “Estabelecimentos Públicos de Cooperação Intercommunal” (Etablissement Public de Cooperation Intercommunale - EPCI), que contam hoje com seus próprios impostos (BARAIZE, 2001).
A gestão metropolitana francesa conta com uma estrutura instrumentos de planejamento e gestão organizada hierarquicamente, respeitando a lógica do sistema de governo unitário. Estes instrumentos foram criados e organizados de forma a colaborar tanto para um tratamento interescalar das ações, coordenando o planejamento e a gestão das várias escalas territoriais existentes, quanto um tratamento intersetorial dos problemas. Deste modo, cada Plan de Aménagement trata de uma escala territorial específica, mas estabelece, ao mesmo tempo, relações hierárquicas de soberania ou de dependência com os outros Planos. Neste tipo de sistema, o Estado francês controla a elaboração e as ações decorrentes dos Planos, em todas as sub-escalas administrativas, através do chamado “controle da legalidade”, pela figura dos prefeitos13.
E neste contexto que foi criado, pela Lei Solidariedade e Renovação Urbana (Solidarieté et Renouvellement Urbain – SRU, 2000), um instrumento específico de planejamento das metrópoles(hoje já consideradas mais como cidades-regiões), os Schéma de Cohérence Territorial (SCoT), objeto de interesse à este estudo. O SCoT é um instrumento de planejamento que serve à articular a escala da cidade-região com as escalas de gestão territoriais inferiores, sejam elas intermunicipais ou municipais; organizadas em forma de EPCI.
Este instrumento foi objeto de estudo anterior dos autores, onde se procurou verificar sua influência na capacidade de organização dos arranjos cooperativos territoriais. Os estudos de caso apresentados abaixo, são ilustrativos ou do reforço ou da desarticulação destas cooperações pela figura imposta dos SCoTs, onde veremos que a capacidade de governança destes arranjos depende tanto dos atores e organizações envolvidas, quanto das experiências anteriores destes dois territórios em termos de cooperação.
3.1 Cooperações na Região Urbana de Grenoble: para além da área urbanizada
O espaço de cooperação da Região Urbana de Grenoble impressiona pelo gigantismo. Ele compreende um perímetro que engloba 19 intercommunalités (cooperações intermunicipais), agrupando um total de 273 municípios em uma área de cerca de 3.720 quilômetros quadrados: quase a área total do departamento Isère. Certos fatores contribuíram ao sucesso de tal arranjo territorial.
Primeiramente, uma experiência de planejamento englobando uma área tão extensa só pode ser arquitetada como resultado gradual de práticas antigas de cooperação territorial, que se estabeleceram ao longo dos anos, construindo uma rede de confiança e prática cooperativa. Para se entender o quão sólida são estas experiências, os primeiros agrupamentos intermunicipais, com finalidade de projeto para o represamento dos rios Drac e Isère, datam do início do século XVII (PARENTE, 2002).
Outro fator é e a grande dependência das cidades pequenas face ao centro metropolitano, permitindo a definição de um perímetro de planificação amplo, onde as antigas cooperações que multifacetaram o território em arranjos intercomunais, se associaram para a elaboração do Schéma de Coherence Territorial.
Como forma de viabilizar a elaboração e execução do SCoT, foi fundada uma associação de entes administrativos dotada de uma flexibilidade associativa chamada Etablissement Public du SCoT de la Région Grenobloise (vulgo EP SCoT), cujo estatuto jurídico é o de uma EPCI. Um organismo do tipo EPCI não possui competências de gestão urbana, pois esta está atrelada aos municípios. Mas os municípios podem, se assim o desejarem, transferir estas competências às intermunicipalidades. Assim, o EP SCoT de Grenoble é, à semelhança da Câmara do ABC, um espaço de discussão, onde a institucionalização fica à cargo do SCoT aprovado. Visto a especificidade desta teia de organizações multi-escalares, a aplicação das orientações e decisões presentes no SCoT são dependentes, na prática14, da atuação das intercomunalités ou communes (cidades).
Cabe lembrar que um território cooperativo multiescalar acaba envolvendo também uma grande quantidade de atores locais, que se organizam em várias instâncias políticas, econômico-sociais e civis; dificultando o processo participativo e perenizando o procedimento. Assim é primordial a existência de relações políticas consensuais e estáveis, mesmo com uma classe política antagônica. Seria impossível conciliar a mesma “cor” política nas 273 cidades associadas em 19 intermunicipalidades. Porém, as relações partidárias foram colocadas em segundo plano, em prol de um consenso onde foram antes privilegiados os objetivos de desenvolvimento territorial que os objetivos políticos dos atores locais.
Neste contexto, a existência de um organismo como a Agência de Urbanismo da Região Urbana de Grenoble, responsável por vários estudos urbanos e planos anteriores ao SCoT, é importante para a estabilidade do processo. A Agência age como um organismo independente, mas coerente com o perímetro político-administrativo de cooperação desenhado pelos atores locais. Organismo misto entre sociedade civil, municipalidades e Estado, sua função é o suporte técnico ao processo de diagnóstico e planejamento urbano. Porém, o fato dela agregar diversas municipalidades da região de Grenoble, fez com que ela atuasse no reforço da institucionalização do espaço de discussão e planejamento fundado pela elaboração do SCoT.
Neste caso ilustrativo, percebe-se que a obligação legal de execução do Schéma de Cohérence Territorial na escala das cidades-regiões francesas resultou numa institucionalização das relações de cooperações já existentes e estimulou a ampliação da escala de planejamento territorial para além da dita escala metropolitana.
3.2 Cooperações na Aglomeração de Montpellier: dificuldades políticas e estruturais
A aglomeração - Communauté de Agglomération - órgão deliberativo e executivo é formada por 31 cidades pertencentes a uma rede urbana unipolar de 92 cidades, cuja orientação política e os interesses dos atores locais não são análogos. A dificuldade associativa neste caso resulta de alguns fatores.
O primeiro fator a ser levado em consideração é a pouca experiência associativa local. A primeira associação de municípios na região de Montpellier foi o distrito (1965), resultado de um esforço nacional em fundar cooperações nos grandes centros urbanos15. Este distrito, ainda que tímido16, lançou as bases da cooperação na aglomeração de Montpellier.
Em 2001, graças à aplicação da Lei Chevenement, o distrito se torna Communauté de agglomération, uma intermunicipalidade agrupando 38 municípios. No entanto, neste mesmo ano, a communauté é confrontada à obrigação legal de elaborar o Schéma de Cohérecne Territorial, único meio possível de justificar políticas de expansão territorial face ao Estado unitário cada vez mais vigilante dos espaços naturais e agrícolas. Porém, contrariamente ao esperado pelos legisladores, o que deveria ser um fator de agregação culminará no acuamento de sete das 38 cidades, resultando, finalmente, num arranjo territorial limitado a 31 municípios.
Primeiramente cabe contextualizar que nesta região as diferenças políticas não são mais extremas que no caso anterior. Mas, ao contrário de contar com vários líderes políticos consensuais, a região de Montpellier contava com um leadership(líder), de forte personalidade; atraindo assim grandes parceiros e grandes rivais. Prefeito da cidade, posteriormente presidente da Communauté de Agglomération, Georges Frêche era amado ou odiado pelos eleitores regionais. Um exemplo de sua centralidade política e falta de posicionamento consensual pode ser identificado, por exemplo, no fato do SCoT ser idealizado à partir do perímetro político-administrativo intermunicipal, onde Frêche gozava de amplo liderança política, não integrando assim todos os 92 municípios e intermunicipalidades pertencentes a cidade-região de Montpellier.
Outro fator importante reside no fato que, internamente ao perímetro da cidade-região, existiam grandes diferenças de posicionamento entre os atores, tanto na forma de condução do planejamento do tipo SCoT quanto no conteúdo dos projetos estratégicos para o desenvolvimento, discutidos no interior deste arranjo cooperativo. Neste contexto, a condução de Frêche também à presidência do conselho deliberativo responsável pela elaboração do Schéma de Cohérence Territorial, fez com que os oponentes políticos se agrupassem em arranjos cooperativos de oposição, deixando a areana SCoT de Montpellier para integrar outras arenas SCoT.
Neste caso ilustrativo percebe-se que, diferente do caso anterior, o “consórcio” de planificação entre cidades priorizou as relações políticas pacíficas dos atores em detrimento da “coerência”17 da área de abrangência do instrumento de planejamento (BERNIE-BOISSARD e CHAVALIER, 2011; MARCOU et al., 1997).
Outros estudos (DEMAZIERE, 2009; DESJARDINS, 2007) mostraram que esse posicionamento não configura uma exceção. De forma geral, as cidades menores e mais periféricas tendem a “temer” uma associação com o grande centro urbano, pois este último possui mais recursos (financeiros, humanos, etc..) e mais influência política. Um medo às vezes fundado nas práticas anteriores de disputa fiscal (visando as grandes empresas) e nas experiências inigualitárias de cooperações territoriais.
4. Para uma abertura de discussão...
A leitura de quatro organizações territoriais cooperativas, dois casos brasileiros, dois casos franceses, nos permitiu identificar algumas potencialidades assim como identificar alguns desafios comuns à gestão intermunicipal.
Em primeiro lugar, observa-se que a base do sistema federalista brasileiro, pautada na autonomia administrativa sem relação hierárquica entre entes federados, não ocorre na realidade. Os municípios são dependentes do poder executivo federal assim como num sistema unitário, pois eles dependem, de fato, da liberação de recursos par intermédio de políticas de cunho federal. O melhor exemplo destas políticas “estruturadoras” do território, é a política de saúde (Sistema Único de Saúde -SUS), organizada pelo governo federal na forma de uma rede cooperativa. E interessante notar que esta política é identificada por autores como Rodrigues (2001), como a grande responsável pela proliferação de consórcios públicos intermunicipais de caráter temáticos no território nacional. Assim, parece que a imposição de uma organização tipo rede de cooperação e de uma estrutura de organização das competências entre entes federados, por parte do executivo federal, obrigando municípios a cooperarem para se beneficiarem do acesso à saúde; agiu finalmente de forma positiva para as cooperações intermunicipais, ultrapassando diferenças pessoais e políticas dos atores locais. Outra constatação é que os municípios são hierarquicamente dependentes também do executivo estadual, pois são os estados - e não os municípios - os responsáveis da instituição e gestão das áreas metropolitanas. Decorre, assim, uma grande resistência quanto às associações intermunicipais nas regiões de característica metropolitana, visto que a escolha das cidades integrantes dependente da escala superior (estadual) e não dos entes municipais associados.
No mesmo sentido, vê-se também uma semelhança no arranjo territorial nas cooperações de caráter metropolitano no Brasil e na França. Estes arranjos são geralmente organizados em forma unipolar, concentrando investimentos e decisões nas cidades que “encabeçam” as zonas metropolitanas. Mas se no caso metropolitano brasileiro esta condição é regra, nos casos franceses a hierarquia interna ao arranjo territorial vai depender do perfil econômico da região e do perfil dos atores políticos. Visto que as associações intermunicipais francesas são dependentes dos atores políticos locais assim como da lógica de deslocamentos cotidianos de pessoas e mercadorias, observa-se maior variação – que nos casos brasileiros - na quantidade de municípios associados; dependentes do caráter geográfico da associação e do número de polaridades internas à cooperação.
Quanto ao perfil das cooperações territoriais, em ambos os casos alguns setores são privilegiados quanto à capacidade de elaboração dos consórcios temáticos. No nosso entendimento, esta situação resulta do fato que a descentralização, nos dois países, operou por “blocos”, onde alguns setores foram mais descentralizados que outros; assim como da incapacidade de gestão municipal dos pequenos municípios (dificuldade de recursos humanos, de capacidade de gestão e orçamentária). Assim não é admirável que os arranjos institucionais dos consórcios brasileiros e dos antigos sindicatos franceses se assemelhem tanto. Em ambos os casos essas cooperações representam uma forma de resposta à disparidade de condições municipais, que é mais forte em alguns setores municipais que em outros.
Como se trata aqui de um Ensaio, estas análises se dirigem mais à uma incitação ao debate que à uma conclusão de fato. Entretanto, uma semelhança entre os casos chamou nossa atenção e merece estudos mais aprofundados: a existência de uma matriz ou identidade “regional” parecem ser um fator que contribui à uma colaboração intermunicipal mais perene. Seja o SCoT na Região Urbana de Grenoble, reconhecidamente uma região “de montanha”; seja o caso do reconhecimento da identidade “metropolitana industrial” Grande ABC ou as diversas micro-identidades intra-regionais dos Coredes. Assim, sem entrar no debate do “regionalismo”, esta análise parece indicar duas condições ao sucesso cooperativo: identidade territorial compartilhada e voluntarismo na associação territorial. Porém, será somente com o aprofundamento das pesquisas e com a inclusão de novos casos que estas questões poderão ser validadas.
REFERÊNCIAS
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Notas
1 Este “desaparelhamento” do Estado é o efeito perverso da minimização do espaço publico defendida pelos governos neo-liberais que se seguiram nos anos 90 até 2003.
2 DATAR: Délégation interministérielle à la aménagement du territoire et à la attractivité régionale (Delegação Interministerial para o Planeamento Territorial e Atratividade Regional). A DATAR é um serviço do Primeiro Ministro, fundado em 1963, para preparar, promover e coordenar as políticas de ordenamento territorial do Estado francês.
3 Tais como coleta e disposição de lixo; coleta e tratamento de esgoto e abastecimento de água; rede viária e transportes, entre outras.
4 Segundo L. Freitas (2007), ainda que o Plano Diretor da Região Metropolitana de São Paulo não tenha ultrapassado a clivagem administrativa municipal, ele representa, neste contexto, um bom exemplo, pois permitiu a integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) graças à unificação das duas macrozonas: rural e urbana.
5 Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, que dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos e dá outras providências. Segundo o guia dos Consórcios Públicos (CAIXA ECONOMICA FEDERAL, 2011), existem hoje no Brasil mais de 400 consórcios, nos quais a grande maioria é temático, na área da saúde, seguidos pelos consórcios de desenvolvimento socioeconômico e segurança alimentar, saneamento e lixo; com uma grande concentração de consórcios de infraestrutura, de forma geral, no estado de São Paulo
6 Este consórcio foi fundado em 1963 como um consórcio setorial visando ameliorar o fornecimento de agua e a gestão dos prolemas ambientais. Entretanto, a criação em 1965 da companhia estadual de aguas e esgotos, faz que esta primeira estrutura consorciada desapareça, sendo reativada somente em 1990 sob o nome de Consocio Intermunicipal da Bacia do Alto Tamandanduateí e Billings.
7 Importante leadership do consorcio do Grande ABC, Celso Daniel, prefeito da cidade de Santo André, foi assassinado em 2002.
8 Inúmeras associações, de caráter regional ABC, foram fundadas neste período.
9 Integrando os Cordesde às zonas do Orçamento Participativo (OP) estadual,no governo Olívio Dutra (PT - 1999-2002). Isto representou um ganho aos Coredes, no sentido de aumentar seu poder de decisão, inexistentes até então. Mas representou também uma perda da sua vocação inicial, sendo subordinados aos temas e estruturas próprios ao OP
10 Iniciado por personalidades políticas que desejariam uma separação da chamada metade sul do Rio Grande do Sul do restante do país, e evidentemente aceder ao cargo de governador, este movimento foi bastante discutido e mesmo que não representasse uma verdadeira ameaça à soberania do Estado e, mesmo, da União, ele sinalizou para o grau de descontentamento das regiões desfavorecidas com as políticas uniformes.
11 Lei n° 99-586 du 12 juillet 1999 referente ao reforço e a simplificação das formas de cooperação intermunicipais.
12 As intercommunalités, resultantes da Lei n° 99-586 de 12 julho de 1999, dita Lei Chevènement, classificam-se segundo sua demografia em: metrópoles (mais de 500.000 pessoas), communautés urbaines (de 450.000 a 500.000 pessoas), communautés de agglomération (mais de 50.000 pessoas, desde que cidade central tenha pelo menos 15.000 pessoas) e communautés de communes, essas últimas de perfil mais rural, e que não exigem um número mínimo de habitantes (INSEE, 2010).
13 Estes prefeitos são altos funcionários do Estado, responsáveis de zelar pelos preceitos constitucionais franceses em cada nível territorial. O termo refere-se tanto a função do prefeito do departamento como de prefeito regional O conjunto de prefeitos se compõem por cerca de 250 450 prefeitos e sub-prefeitos.
14 Uma compatibilidade é requerida pela Lei, exigindo a aplicação e o respeito às regras do Plano Diretor Metropolitano SCoT (CHRISTIANY, 2006). Mas a pesquisa de campo (MOSCARELLI, 2013), assim como outros estudos (DEMAZIERE, 2009; DESJARDINS, 2007), mostrou que esse respeito às regras urbanas, aprovadas no documento, não é automático e depende de muitos fatores tais como o grau de participação dos atores locais na decisão e a capacidade financeira e de recursos humanos que a cidade dispõe.
15 Aplicação da Lei nº 59-30 de 05 de janeiro de 1959
16 O Distrito associou inicialmente 12 cidades: Castelnau-le-Lez, Stables, Os Cres, Grabels, Jacou, Juvignac, Lattes, Montferrier-sur-Lez, Montpellier, Palavas-les-Flots, Saint-Jean-de-Vedas, Vendargues. Em 1974, a cidade de Pérols também se associa ao Distrito. Entre 1985 entra o municipio de Baillargues. Em 1986 o municipio de Prades-de-Lez entra no distrito, totalizando 15 cidades.
17 Entende-se por coerência (coherence territoriale) a harmonia entre o conjunto de (a) fatores técnicos (redes de infraestrutura, circulação de pessoas e mercadorias, etc..), (b) fatores ecológicos (bacias hidrográficas, relevo, etc..), (c) fatores sociais e econômicos de um planejamento territorial.
ESTANDES DE TIRO DA PMPR – UM TERRITÓRIO INCERTO PARA GOVERNANÇA¹
Valmir de Souza²
Odorico Konrad³
Affonso Celso Gonçalves Jr4
RESUMO
O direito à informação se constitui um dos direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal de 1988. E a cada dia assume uma dimensão cada vez mais importante na convivência da sociedade atual. A introdução de nova tecnologia que muitas vezes ultrapassam o nível de conhecimento do cidadão consumidor exige à população em geral. Surge daí a Governança da informação se constituindo em conjunto de normas e controles de responsabilidade visando assegurar a qualidade e o compliance das informações. O presente artigo tem por escopo analisar como a Polícia Militar do Paraná lida com as informações acerca dos estandes de tiro da corporação no que consiste informar os cidadãos que potencialmente possam se afetados por contaminação que ora possa ocorrer nas áreas destinadas ao treinamento de tiro real da corporação.
Palavras-chave: Governança, informação, contaminação do solo.
_________________________________
¹Este trabalho é pa rte integrante da tese de doutorado do primeiro autor.
²Doutorando em Ambiente e Desenvolvimento, Centro Universitário UNIVATES, Rua Avelino Tallini, 171, CEP: 95.900-000, Bairro Universitário, Lajeado/RS. E-mail: soumcal@hotmail.com, okonrad@univates.br;
³Doutor em Engenharia Ambiental e Sanitária pelo Montanuniversität Leoben, Professor no Centro Universitário UNIVATES, Rua Avelino Tallini, 171, CEP: 95.900-000, Bairro Universitário, Lajeado/RS. E-mail: okonrad@univates.br;
4Doutor em Química pela Universidade Federal de Santa Catarina, Professor no Centro de Ciências Agrárias, Campus de Marechal Cândido Rondon, Rua Pernambuco nº 1777, CEP: 85960-000, Bairro Universitário, Marechal Cândido Rondon, PR. E-mail: affonso133@hotmail.com.
Considerações iniciais – estandes de tiros: um problema ambiental?
No estado do Paraná a Polícia Militar (PMPR) é o órgão responsável pelo policiamento ostensivo fardado no território paranaense. Para tanto, além de utilizar um fardamento que a identifica imediatamente seus agentes, fazem uso de armas de fogo. Este equipamento exige grande habilidade, destreza e treinamento apropriado, pois, o emprego inadequado pode gerar danos irreparáveis, como: a perda de vidas humanas.
Assim há necessidade de constante treinamento, conforme Pinc (2011) com vista a “condicionar o policial para que possa estar preparado para oferecer uma resposta racional, em uma circunstância que envolve tensão e medo”, e que sua conduta seja capaz de proteger sua vida e de terceiros, mantendo a coerência com as normas e a ordem social.
A PMPR mantém em algumas cidades do Estado estandes de tiro onde são realizados os treinamentos de seus agentes. Os estandes de tiro da PMPR são áreas abertas onde os disparos de arma de fogo são realizados contra “barrancos” de terra, ou armações de pneus preenchidos com areia ou a própria terra do local.
Resumidamente o processo de treinamento feito pelos policiais militares se dá pela repetição de técnicas de tiro e consequentemente o disparo de armas de fogo propriamente dito. As armas expelem projéteis compostos de chumbo. Este material é lançado contra os barrancos e lá ficam depositados.
Os milicianos utilizam armas de fogo e munição real, que além do projétil de chumbo, em seus cartuchos, possuem “misturas iniciadoras à base de estifinato de chumbo [PbOH(NO)], nitrato de bário, trissulfeto de antimônio, tetrazeno e alumínio”. (CHEMELLO, 2007, p. 2). Decorre daí a “contaminação com o chumbo, quando da denotação da espoleta que contém estifilato de chumbo, libera partículas de chumbo quando a bala passa através da arma”. (SANTOS, 2006, p. 14). Não só o disparo gera contaminação, mais também “o manuseio de grânulos de chumbo, quando da montagem dos cartuchos e a reciclagem da sucata de chumbo de projéteis já utilizados” (SANTOS, 2006, p. 14).
O chumbo é um metal e, segundo Moreira & Moreira (2004, p. 102), “é um elemento tóxico não essencial que se acumula no organismo, e afeta virtualmente todos os órgãos e sistemas do organismo, os mecanismos de toxicidade propostos envolvem processos bioquímicos fundamentais”.
“Em níveis de exposição moderada (ambiental e ocupacional), um importante aspecto dos efeitos tóxicos do chumbo é a reversibilidade das mudanças bioquímicas e funcionais induzidas” (MOREIRA & MOREIRA, 2004, p. 120). Os estudos mostram que as crianças sofrem mais, pois “os efeitos críticos atingem o sistema nervoso, enquanto que nos adultos com exposição ocupacional excessiva, ou mesmo acidental, os cuidados são com a neuropatia periférica e a nefropatia crônica” (MOREIRA & MOREIRA, 2004, p. 120).
A probabilidade de que exista a contaminação do solo por chumbo é alta. Pois, os estandes de tiro da PMPR são locais onde os militares estão expostos ao contato com o chumbo, quer seja pelo manuseio do armamento e munição, ou mesmo pelo chumbo no solo resultado dos disparos nos barrancos.
Assim a existência dos estandes de tiro demanda um cuidado ambiental. Entretanto, ao buscarmos informações sobre a gestão ambiental dos estandes de tiro da PMPR não encontramos dados disponíveis que permitam deduzir se há ou não contaminação destes espaços. Não havendo informação disponível, não há, em tese, um conflito ambiental.
Direito à informação: quando ela existe
Conforme dados obtidos junto ao 19° Batalhão da PM em Toledo-PR a PMPR não dispõe de normas de gestão ambiental para estandes de tiro da corporação. Não há informações disponíveis se as áreas utilizadas para o treinamento dos policiais militares no estado do Paraná estão contaminadas, não há discussão sobre a potencial contaminação. Assim a falta de informação gera uma sensação de conforto aos usuários destes ambientes. Os próprios policiais militares desconhecem os perigos a que podem estar expostos.
A falta de informação é um grande obstáculo à solução de problemas latentes, principalmente na seara ambiental. Quando a sociedade não tem ciência dos problemas que a cercam está à mercê da sorte. Quando o Estado não se comunica adequadamente com seus cidadãos, se fragiliza a democracia e se amputa a participação, pilar de sustentação de um estado democrático de direito. Sem informação o direito e a justiça não se concretizam.
No entendimento de Mazzarino (2013, p. 306) a lógica comunicacional sem fundamenta pelo “dispositivo de sociabilidade, um processo de troca simbólica generalizada, um dos princípios fundamentais do vínculo social, fonte de todo valor, que permite ao sujeito conceber a sua subjetividade, tanto a sua dependência quanto a sua autonomia e libertação”.
“Sem informação ambiental de qualidade a sociedade terá dificuldades para compreender a gravidade da crise ambiental, e pior, será incapaz de fazer escolhas adequadas” (BERNA, 2006) para os problemas, que inclusive podem estar ocultos.
Assim a ausência de informação ou a sua sonegação impinge aos envolvidos na problemática dos estandes de tiro a exposição ao risco não sabido, ceifando-os da oportunidade de discutir a tese da contaminação, bem como viola frontalmente o direito à saúde e o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
A informação no setor público permanece de certa forma inacessível ao cidadão comum. A exposição das informações, restritas tão somente aos órgãos do estado, contribuiria para uma melhor discussão dos problemas ambientais relacionados aos estandes de tiro da PMPR.
O que se imagina é que com a divulgação de informações fidedignas sobre a real situação ambiental o debate possa ser instalado. Seja para tranquilidade de todos, caso não exista contaminação, ou para se instalar um conflito socioambiental, diante de uma área contaminada por um metal pesado.
Conforme Mazzarino (2013, p. 311) “não há dúvida de que a informação constitui-se um recurso político indispensável para as instituições político institucionais, e, especialmente, também cada vez mais para a formulação de contra-hegemonias pelos sujeitos do campo dos movimentos sociais”.
Neste sentido a autora afirma que “os meios de informação contemporâneos contribuem para o alargamento da experiência cultural humana, para além dos espaços territoriais geográficos, que determinavam as relações nas comunidades de pertença”.
Em análise está a divulgação de informações acerca do manejo das áreas onde estão instalados os estandes de tiro que podem ser potencialmente contaminas por chumbo, gerando danos irreparáveis aos policiais militares que frequentam obrigatoriamente estes locais, bem como às comunidades circunvizinhas, animais e plantas que estejam no raio de influência destas áreas.
No que tange à informação sobre os riscos dos estandes de tiro, a PMPR parece ainda estar atrelada ao “modelo básico de comunicação que assumia a neutralidade da transmissão e recepção da informação”. Este modelo “falhava em considerar como as mensagens eram compreendidas pelo receptor e quais eram as intenções por de trás da transmissão. Subestimava, portanto, o contexto em que a comunicação ocorria”.(Di Giulio, et al. 2006, p. 286).
O modelo acima apresenta estratégias de comunicação de risco ineficazes, “uma vez que não engajavam o público nos debates sobre riscos, não consideravam suas perspectivas e focavam somente na transmissão da informação dos peritos para os “leigos”, como se o objetivo da comunicação de risco fosse exclusivamente o de educar e convencer o público”. (Di Giulio, et al. 2006, p. 286).
Falta aos administradores da PMPR sensibilidade para entender os perigos a que estão submetidos seus agentes quando do treinamento de tiro, sendo necessário que se realizem estudos para apurar a real situação da contaminação por chumbo.
Governança e território: o poder real e simbólico
A inexistência de uma gestão dos resíduos de chumbo nos estandes de tiro da PMPR acarreta a falta de informações sobre o tema. Sendo uma instituição com base na hierarquia e disciplina a PMPR, em se tratando de assuntos administrativos internos, não está aberta a um franco diálogo com a sociedade e nem mesmo com seus próprios agentes.
O conceito de governança ainda aparece timidamente na gestão interna da corporação policial militar. Conforme Jacobi e Sinisgalli (2012, p. 1471) ao falarmos de governança nos referimos basicamente a um modo não hierárquico de governo, onde atores não-estatais, e diversos segmentos participam na formulação e implementação de políticas públicas”.
Para se concretizar uma melhor governança, conforme Renn (apud Di Giulio, et al. 2006, p. 286) há que se incentivar
“a prática da deliberação no processo de governança de risco, argumentando que a inclusão garante legitimidade e um processo decisório político mais sustentável”. Desse modo “deliberação é entendida como uma tentativa de solucionar um determinado problema através da comunicação e participação coletiva.”
Jacobi e Sinisgalli (2012, p. 1472) esclarecem que nas questões ambientais, os mecanismos para a democracia deliberativa, que pode ser entendida como exemplo ou ideal de justificação do exercício do poder político, tendo como fundamento o debate público entre cidadãos livres e em condições iguais de participação, têm avançado.
Os estandes de tiro da PMPR são áreas militares e como tais, aparentemente, são territórios inatingíveis. Onde quase sempre há uma placa indicando que não se deve adentrar em seus limites. Silvia e Sato (2010, p. 267), ao citarem Haesbaert, apresentam uma face nefasta do território ao dar à origem do termo uma dupla conotação: material e simbólica. Os autores aduzem que etimologicamente o termo território “aparece tão próximo de terra-territorium quanto de terreo-territor (terror, aterrorizar)”, sob a vertente da “dominação (jurídico-político-econômico) da terra e com a inspiração do terror e do medo – especialmente para aqueles que ficam alijados da terra e no “territorium” são impedidos de entrar”.
Os autores vão além e destacam que para aqueles que têm o privilégio de usufruí-lo, o território inspira a identificação, o sentimento de pertencimento e a efetiva apropriação simbólica e cultural. E concluem, com as palavras de Little, definindo a “[...] territorialidade como o esforço coletivo de um grupo social para ocupar, usar, controlar e se identificar com uma parcela específica de seu ambiente biofísico, convertendo-a assim em seu território”.
Juridicamente os territórios dos estandes de tiro da PMPR são espaços onde se aplicam leis diversas daquelas a que o cidadão civil está obrigado. Espaços onde impera o direito penal militar, o direito da caserna. Os estandes são territórios onde os militares ocupam, usam, controlam e se identificam e não deixam espaços para questionamentos.
A imagem de poder é facilmente associada ao militar. O poder bélico impõe respeito e medo. E por essa imagem ações se justificam, não por critérios técnicos e sim por simples representação de que quem detém o poder tudo pode, concebendo o território militar como espaço acima do bem e do mal.
Mejía (2012, p 148) enfatiza as representações do espaço, pois os atores sociais se posicionam no espaço de maneira reflexiva. Quer dizer, as representações são manipuladas para justificar as ações, as ações modificam as representações, e, nessa relação entre ações e representações do espaço e no espaço, se constroem os territórios.
Os estandes de tiros vêm sendo utilizados pela PMPR há décadas sem que exista uma preocupação com os resíduos advindos dos projéteis, que em sua composição se encontra o chumbo, que depois de disparados pelas armas de fogo de se depositam nos barrancos de terra erguidos nos estandes.
Como já afirmado, não existem pesquisas sobre a medição dos níveis de chumbo nos espaços destinados a prática do treinamento de tiro na PMPR. Assim potencializando a heurística do medo de Hans Jonas[1], conceituada pelo Professor Renato de Oliveira (conforme anotações de sala de aula de 06 de junho de 2013): pode-se temer as consequências de uma possível contaminação por chumbo nas áreas onde hoje estão instalados os estandes de tiro da PMPR
Mudança de paradigmas
Em se tratando de questões ambientais se constata que o ambiente vem sofrendo mudanças claras e alarmantes, a partir do século XX (Platiau, et al., 2005. ). As discussões sobre a questão ambiental vêm ganhado força já no final de século passado. A percepção de que a gestão ambiental deve mudar é global.
Os movimentos internacionais buscam demarcar conceitos (globalização, ecossociodesenvolvimento, desenvolvimento sustentável, economia ecológica, economia verde, economia ambiental) que se propõem a equacionar os problemas ambientais que vislumbram a percepção de há uma transição de valores e de modelos, abrindo a discussão quanto à qualidade de vida, ao ambiente e a forma pela qual se dá o desenvolvimento (PLATIAU et al., 2005).
Todavia, as mudanças chegam com certo atraso ao Brasil, que ainda tenta consolidar sua democracia e o estado de direito. O legislador brasileiro sensível às mudanças alinhou a Constituição Federal de 1988 aos novos paradigmas ambientais, fazendo constar um capítulo que trata tão somente do meio ambiente. Definindo que em seu artigo 225 que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
O texto constitucional consolidou a instituição de novos direitos socioambientais difusos no ordenamento brasileiro, e também um novo modelo de governança pública, em que a busca pela participação popular se torna mais visível.
A nova ordem jurídica brasileira instituída pela Constituição Federal (CF) de 1988, no que tange o direito ambiental determina mudanças no agir militar que por muito tempo se conduziu ao largo dos anseios do mundo civil. A PMPR ainda não está atenta aos novos anseios da sociedade, que exige modernos modelos de governança no contexto ambiental.
A PMPR necessita rever seus paradigmas no que concerne implantação de uma nova governança ambiental relacionada com a implementação socialmente aceitável de políticas públicas, um termo mais inclusivo que governo, por abranger a relação Sociedade, Estado dentre outros. (JACOBI e SINISGALLI, 2012, p. 1471)
Em reflexão sobre a Constituição Federal, e mais detidamente na seara ambiental, o trato no manuseio de dispositivos bélicos deve ser revisto no seio da PMPR. Para avançar na conquista de um equilíbrio ambiental adequado e minimizar os problemas socioambientais há que se vislumbrar um novo modelo de gestão e governança que traga consequentes mudanças no poder público (JACOBI, 1999, p.37).
Segundo Fonseca e Burztyn (2005, p. 20) “governança pública deve ser diferenciada da privada e expressar questões de interesse de coletividades, nas quais deve prevalecer o bem comum”. Isso não vem acontecendo no caso de uma possível contaminação dos estandes de tiro da PMPR.
Todos os envolvidos nos treinamentos de tiros dos policiais militares, bem como as pessoas que potencialmente sejam atingidas pela contaminação têm direito à informação, à saúde e a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, direitos humanos fundamentais.
Segundo Vieira (2012, p. 55) a garantia destes direitos pressupõe, dentre outros aspectos, “um poder judiciário independente; poderes executivo e legislativo que sejam aptos a garantir o respeito e a implementação dos princípios, dos valores e das normas da lei maior de um Estado; e uma sociedade civil consciente, informada e participativa”. O autor entende que assim se conquista uma boa governança ambiental.
Novos mecanismos de participação foram introduzidos no ordenamento brasileiro. Exemplo dos planos diretores que visam dar maior poder de participação popular nas decisões sobre as cidades. Estes aspectos reforçam a instituição de um novo modelo de governança ambiental. E o seu fortalecimento “pode ter muitas estratégias (institucionais ou não) como as arenas de negociação, as práticas educativas e a participação da sociedade civil, ferramentas para contribuir para o processo de construção de tomada de decisão compartilhada” (JACOBI e SINISGALLI, 2012, p. 1472).
Nesse sentido Alves et al., citando Dallabrida (2007), entende que “a sociedade busca a ampliação da prática democrática”, e “não pode restringir-se a um regime político que contemple eleições livres apenas para cargos políticos” devendo então exigir maior espaço de decisão na administração ou gestão da coisa pública.
Os autores ainda entendem, apresentando a visão de Boiser (1996), que a gestão regional (aqui destacamos a regionalidade dos estandes de tiro) “se traduz em processos sistemáticos e permanentes de negociação para cima, para os lados, ou seja, com o conjunto de atores regionais, e para baixo, com os municípios e outros atores da base social”.
Urge dentro do processo de treinamento dos policiais militares do Paraná uma mudança no que tange à gestão do resíduo de chumbo depositado nos estandes da corporação. Parafraseando Mazzarino (2013, p. 306) a PMPR necessita criar “novos hábitos, que se sobrepõem ao quadro tradicional” do qual a corporação ainda faz uso. Novos ares democráticos a bem de um meio ambiente equilibrado devem fazer parte da esfera da caserna miliciana paranaense.
Análise e considerações finais
Transparência em suas ações, divulgação dos dados referentes aos estandes de tiro são medidas esperadas por parte da PMPR, com o objetivo de garantir que os níveis de contaminação por chumbo nas áreas de tiro estejam dentro de padrões aceitáveis que não coloquem em risco a vida dos envolvidos no processo de treinamento.
No caso da PMPR há que se constituírem estruturas mínimas de gestão ambiental no trato dos resíduos de chumbo produzidos nos treinamentos da corporação, bem como devem ser abertos espaços para a pesquisa científica, mais especificamente a análise do solo dos estandes de tiro a fim de se saber a real situação destes locais.
E se constatada a contaminação, que se possa “instalar” o conflito para a busca de soluções que garantam a qualidade de vida de todos os atingidos pelo problema. Garantir a participação dos cidadãos nos debates acerca do manejo dos estandes é construir uma boa governança que atenda os interesses da sociedade como um todo.
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[1] Trata-se de uma opção ética pelo mau prognóstico, de um antídoto contra a esperança sem sentido que pode afetar a ação humana no mundo.