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Chão Urbano

Chão Urbano ANO VIII – N° 3 MAIO / JUNHO 2008

01/05/2008

Integra:

ANO VIII – N° 3  MAIO / JUNHO 2008

Editor

Mauro Kleiman

 

Publicação On-line

Bimestral

 

Comitê Editorial

• Mauro Kleiman

• Márcia Oliveira Kauffmann

• Maria Alice Chaves Nunes Costa

• Viviani de Moraes Freitas Ribeiro

 

IPPUR / UFRJ

LABORATÓRIO REDES URBANAS

LABORATÓRIO DAS REGIÕES METROPOLITANAS

 

Coordenador Mauro Kleiman

 

Equipe

Aline Alves Barbosa da Silva, Clarice Pereira Lima Green , Simara Guzzo Elias, Priscylla Conceição Guerreiro dos Santos

 

Pesquisadores associados

Audrey Seon,  Humberto Ferreira da Silva Márcia Oliveira Kauffmann, Maria Alice Chaves Nunes Costa, Viviani de Moraes Freitas Ribeiro. Vinícius Fernandes da Silva

 

Artigos

Rio de Janeiro: Expansões e Intervenções

Márcia O. Kauffmann

 

A acentuação do uso do automóvel na dinâmica territorial recente do Rio de Janeiro

Mauro Kleiman 

 

 

 

Rio de Janeiro: Expansões e Intervenções

Márcia O. Kauffmann

 

A cidade do Rio de Janeiro do núcleo urbano inicial formado por um conjunto de vias de traçado regular, ocupando as partes secas da várzea entre os Morros do Castelo, de São Bento, da Conceição, e de Santo Antônio, sem ainda graves intervenções no ambiente natural, se expande pela planície até o Campo de Santana. Os primeiros aterros e obras de drenagem começam o domínio da natureza. As atividades comerciais e portuárias, especialmente a partir do século XVII, no início, devido ao desenvolvimento dos engenhos de açúcar e a seguir, estimuladas pela mineração de Minas Gerais, contribuem para esta expansão urbana, ainda em lotes com casas acanhadas sem jardim e grudadas umas nas outras.

A seguir se procedem ao abastecimento parcial de água e esgotamento sanitário pela “City”, a ampliação de logradouros e melhorias no centro, a ampliação da malha urbana até a Cidade Nova, Mata-Porcos, Catumbi e São Cristóvão (Zona Norte) e à Glória, Catete, Botafogo e Laranjeiras (Zona Sul). Instalam-se também as chácaras, construções em centro de lote, nas grandes propriedades fracionadas situadas nas periferias (ABREU, 1987 e 1992; KAUFFMANN, 2003 e SANTOS, 1981).

Até então os primeiros regulamentos urbanísticos eram editados pelas ordenações reais e tratavam de arruamentos, aspectos construtivos e posturas. Os profissionais precursores do urbanismo foram os chamados mestres do-risco, seguidos dos engenheiros–militares e dos arquitetos-paisagistas (século XIX). Destacam-se entre eles Mestre Valentim (obra do Passeio Público, entre outras); o engenheiromilitar Brigadeiro Alpoim; os arquitetospaisagistas Auguste Victor Grandjean de Montigny (1816 – remodelação do centro da cidade e do Campo de Sant’Ana, pioneiro na preocupação com a salubridade habitacional e orientação das casas em relação ao sol e ventos) e Auguste Glaziou (1861 – reforma de praças e jardins, entre eles o Passeio Público). O major Henrique de Beaupaire Rohan, Visconde de Beaupaire Rohan e ex-Diretor de Obras Municipais, em seu relatório de 1843 propôs um plano de remodelação da cidade, englobando aspectos de saneamento e embelezamento com visão dos problemas urbanos adiantada para a época.

O final do século XIX assiste à expansão da cidade com residências ainda com um ou dois pavimentos para a Zona Sul até Copacabana e em direção à Zona Norte (favorecida pelos bondes) e ao longo da linha férrea, surgindo os subúrbios, para onde a população pobre começa a ser direcionada se afastando do centro. E apesar das péssimas condições de higiene, o primeiro Plano de Intervenções para a cidade só seria elaborado, em 1875, pela recém nomeada Comissão de Melhoramentos composta pelos engenheiros: Morais Jardim, Marcelino Ramos e o jovem Pereira Passos, entre outros, buscando inclusive a resolução de problemas de saneamento e inundações, propondo obras de canalização e retificação de rios, drenagem, alargamento e pavimentação de ruas (KAUFFMANN, 2003 e SILVA, 1996 a e b).

A partir de 1902 os Projetos de Alinhamento (PAs) instituídos pelo Executivo Municipal definiam o desenho das ruas, alturas e proporções das edificações, taxas de ocupação dos terrenos etc. Faziam parte de uma drástica legislação, incluindo o “Regulamento para a Construção, Reconstrução, Acréscimos e Consertos em Prédios” de 1903, Decreto nº 391 que, legitimou diversas intervenções da Reforma de Pereira Passos (1902-1906). Estes projetos se constituiriam (juntamente com os Projetos Aprovados de Loteamento – PALs) em importantes instrumentos de regulação urbanística e teriam continuidade (até os dias atuais) em muitos outros e, em uma prática de regulamentação urbanística autoritária, por decretos. Esta política sanitarista e de renovação urbana encaminhada por Pereira Passos e seus sucessores significou a demolições de prédios e habitações populares, arrasamento de morros, aterros de pântanos e da orla, execução de vias com privilégio para o centro e sul da cidade. Surgem já nesta época as primeiras favelas e, a malha urbana chega à Lagoa e Leblon e, em São Cristóvão e periferia, devido à implantação de indústrias de médio porte. Iniciou-se a integração urbana com a Baixada Fluminense e a renovação, adensamento e verticalização de áreas da cidade (DEL RIO, 1990 e KAUFFMANN, 2003).

Em 1924, foi promulgado também por decreto um novo código (em substituição ao de 1903), denominado “novo padrão de construções”, permitindo maior intensificação da ocupação urbana. Em 1927, elabora-se o Plano de Remodelação, Extensão e Embelezamento, O Plano Agache que estabelecia controle edilício e controle urbanístico separando áreas para moradia, comércio e indústria. Privilegiava o centro da cidade e determinadas áreas mais valorizadas. Propunha a construção de cidades satélites na periferia e próximas às zonas industriais como forma de resolução do problema das favelas.

Apesar de não ter sido implantado o Plano Agache influenciou entre outras medidas, na adoção do zoneamento da cidade consolidado no Decreto 6.000/37, denominado Código de Obras. Esta legislação (com forte influência racionalista) se manteve inalterada até 1947 e incentivou o adensamento e verticalização da cidade principalmente no litoral da zona sul e adjacências, no centro e ao longo das principais vias de circulação, processo de verticalização  e adensamento urbano já impulsionado pelo Decreto 5481/28 e detalhado pelo Decreto 5595/35. Já a partir de 1930, a industrialização crescente acelerou o processo de urbanização na direção sul, e também para Jacarepaguá e periferia, acentuando os impactos ambientais e as prioridades aos transportes rodoviários individuais. Aumenta a população e proliferam as favelas. Acentua-se o processo de renovação urbana com verticalização de bairros (Copacabana e Centro principalmente) agora com prédios de vários pavimentos (KAUFFMANN, 2003; RESENDE, 1982 e SILVA, 1996 a e b).

A partir da década de 50 surgem vários projetos de renovação urbana justificando o maior aproveitamento dos terrenos e maiores gabaritos. Este paradigma nos países do Primeiro Mundo foi institucionalizado como política oficial de intervenção nas áreas centrais e ocasionou inúmeras atrocidades a nível social, contra comunidades locais como, por exemplo, nos projetos de renovação de áreas centrais históricas de Londres e Paris, resultando na demolição de importante patrimônio cultural e arquitetônico e de grandes impactos econômicos. Da mesma forma, no Rio justificou, por exemplo, a demolição do Morro de Santo Antônio e a execução de diversos projetos de arrasamento das regiões periféricas à central e construção da Cidade Nova (DEL RIO, 1993). Proliferam também as unidades habitacionais reduzidas, conhecidas como “kitchenettes”, principalmente na zona sul, adensando ainda mais os bairros de Botafogo e Copacabana, problema só minimizado com o Decreto 1509/63. Entretanto o adensamento e verticalização continuariam favorecidos pelo Decreto “E” 991/61 que passou a permitir um gabarito único para toda a cidade ainda maior que os doze pavimentos previstos no Decreto 6000/37.

Neste processo de urbanização extremamente rápido evidencia-se o crescimento populacional e de construções, adensando e expandindo cada vez mais a cidade especialmente na direção oeste (Barra da Tijuca e Jacarepaguá) e periferias. A renovação urbana se manteve, bem como a intervenção na malha viária e se acentua a remoção de favelas. Vários sub-centros se consolidaram, e também os desequilíbrios e as desigualdades sociais. Foram encaminhadas várias intervenções para a cidade. O Plano Doxíades de 1965, não implementado, apresentou propostas para a rede viária e sistematizou uma série de dados estatísticos sobre a cidade, subsidiando o processo, de modernização e atualização da legislação, que então se iniciaria. Em 1967, a Lei de Desenvolvimento Urbano do Estado da Guanabara, Lei 1547/67, é regulamentada pelo Decreto “E” 3800/70 (ambos ainda em vigor) que incentiva o adensamento da cidade e favorece o desenvolvimento de áreas de comércio e serviços (Centros de Bairros – CBs), mas as características ambientais e paisagísticas seriam preservadas, inclusive por decretos posteriores. Entretanto a verticalização indiscriminada em toda a cidade continuava o que o Decreto 322/76, procurou regulamentar com diversas alterações, em vigor até hoje para grande parte da cidade, mas acabou por favorecer uma homogeneização físico-espacial, o aumento das atividades da construção civil e servindo aos interesses desenvolvimentistas. Em 1977, o Plano Urbanístico Básico da Cidade do Rio de Janeiro (PUB RIO) busca uma caracterização do município, diretrizes para o desenvolvimento urbano (no sentido oeste), uma nova regionalização (APs e UEPs) e cria os Projetos de Estruturação Urbana (PEUs) para conjuntos de bairros com certa homogeneidade urbanística, consolidando os regulamentos, decretos, PAs e PALs. Contariam ainda com a participação popular no processo de sua elaboração. As sucessivas modificações ao Decreto 322/76, transformaram a legislação urbanística do Rio de Janeiro “em um conjunto disperso e descoordenado de leis que se modificam, se superpõem e, muitas vezes, estão em conflito” (IPEA, 2002). Foram elaborados ainda o Plano Lucio Costa para a Barra da Tijuca e Baixada de Jacarepaguá (1965-71) e o Pit Metrô (1977) (DEL RIO, 1990; KAUFFMANN, 2003; RESENDE, 1982 e SILVA, 1996 a e b).

Houve, a partir de década de 80, diminuição da velocidade de crescimento da cidade, mas a expansão continuou na direção da Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes, com luxuosos condomínios fechados. O debate a cerca da qualidade de vida se acentuou, a população assumiu papel ativo nas reivindicações por melhores condições de vida. Cresce a participação popular na gestão urbana, junto a um forte questionamento quanto às formas de desenvolvimento e progresso e, começam a criar vulto as questões ecológicas e de defesa do meio ambiente. Discute-se a questão do desenvolvimento urbano associada à questão ambiental, refletindo sobre as ações antrópicas negativas impostas ao meio ambiente. Realiza-se a Conferência de Estocolmo, em 1972, importante avanço em termos de estratégias para um desenvolvimento sócio – econômico eqüitativo que mais tarde, na ECO 92, conferência mundial sobre ecologia e desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro em 1992, foi denominado Desenvolvimento Sustentável.

Neste período (início da década de 70) também no âmago das críticas ao paradigma desenvolvimentista, seusmodelos e políticas urbanas, se instaura nos países do Primeiro Mundo a era do conservadorismo, da preservação histórica e ambiental, congelando as testemunhas históricas, entendendo a arquitetura como monumento, com efeitos também no Brasil e no Rio. A esta etapa se segue, um novo momento de “maior preocupação pelos contextos existentes e pelo uso de recursos nãorenováveis, a ampliação do conceito de patrimônio, que passa a incorporar a memória coletiva e não apenas os chamados monumentos, e a busca por maiores processos colaborativos entre os principais grupos políticos e econômicos interessados (governo, comunidades e empresários)”. Vários modelos com os mais variados ingredientes: comércio, serviços, habitação, lazer etc. são adotados, partindo-se de elemento catalisador do desenvolvimento (que pode ser um conjunto histórico, conjuntos culturais, centros de convenções), capaz de colaborar intensa e continuamente com o processo e a geração desta nova imagem, de se constituir em dinamizador econômico e social. A partir da década de 80, no Rio de Janeiro e, no Brasil em geral, estes projetos de revitalização urbana implementados foram em número reduzido, limitados a projetos específicos e desligados de um pensamento mais global. Cabe, entretanto destaque ao pioneiro e modelar Projeto Corredor Cultural no Rio (iniciado ao final de 1979), abrangendo regulamentos e programas para preservação, recuperação, permanência e revitalização de conjuntos histórico-arquitetônicos e sua ambiência no centro da cidade recuperando sua imagem e conteúdo simbólico atraindo novos usuários, novos usos culturais e comerciais e novos investimentos (DEL RIO, 1993). Quanto a estas intervenções e projetos de revitalização urbana DEL RIO (1993) alerta especialmente para o incentivo fácil ao consumo de símbolos e para a transformação de lugares históricos em objetos de merchandising, como que antevendo os rumos do planejamento para o modelo estratégico.

Na verdade já no início dos anos 90, o “projeto urbano ganha importância nos planos estratégicos, pois materializa as intervenções urbanas necessárias para aumentar a competitividade urbana. Sua função é revitalizar os espaços urbanos importantes e dotá-los de infra-estrutura moderna e de atrativos, sejam estes interativos ou contemplativos. O novo projeto urbano que será aplicado no Rio de Janeiro contém, em si, elementos que devem propiciar as trocas e intercâmbios sociais, melhorar a imagem urbana, integrar tecidos urbanos e sociais fragmentados e identificar ou criar pontos nodais e marcos” (KLEIMAN et al., 2006). Este projeto teria então o “papel decisivo de ligar o que nasceu desligado, para servir de ponte entre centro e periferia, entre partes ou diferentes áreas monofuncionais da periferia. As chamadas novas centralidades, que são um dos temas mais recorrentes dos projetos urbanos atuais, incluindo componentes tão diferentes como Universidade, shopping, formas de lazer mais livres ou, ao contrário, temáticas... Portanto, é uma conjugação destes elementos que procura dar continuidade... no espaço de uma cidade que é essencialmente descontínua” (PORTAS, 1996).

Este projeto urbano seria ainda “um urbanismo de correção” que corrige o antigo e produz o novo tanto na História quanto na imaginação; “um urbanismo de articulação” que articula o antigo e o novo, o social e o espacial; “um urbanismo localizado e um urbanismo de contexto”; “um urbanismo temático”; “um urbanismo de atores”, das diferentes estratégias dos diferentes atores, mas também de definição de uma estratégia global; “um urbanismo que considera a duração do tempo” e o tempo é estratégia; “um urbanismo de articulação”, “de coordenação das ações públicas e privadas” (TSIOMIS, 1996).

Paralelamente a estas iniciativas do planejamento estratégico, paradoxalmente se aprova o Plano Diretor Decenal da Cidade do Rio de Janeiro (1992) que contemplou parte dos anseios da população organizada. A preservação e recuperação do ambiente natural e construído e a urbanização de favelas passaram a temas de discussão e de implementação de programas públicos. O século XXI se inicia com o debate sobre o desenvolvimento sustentável (Sem a pretensão de esgotar a discussão a cerca da sustentabilidade urbana cada vez mais complexa, entende-se o termo aqui como aparece explicitado no Estatuto da Cidade (Lei 10.257 de 10 de julho de 2001) no sentido da justiça ambiental e social).

A revisão do Plano Diretor, bem como a elaboração e votação de diversos PEUS, já a partir de 2001, causam polêmicas, traduzindo as contradições dos interesses na apropriação e uso da cidade. Refletem também o processo ainda em transição do modo de planejamento racionalfuncionalista para o planejamento estratégico que concomitantemente segue sendo implementado.

Em 1992 é formulado o Plano Estratégico I da Cidade do Rio de Janeiro intitulado "Rio Sempre Rio", caracterizado por uma nova gestão de governo, marcada por grandes obras públicas e programas sociais, entre outras, a construção da Linha Amarela (importante via de ligação entre a Zona Norte e a Zona Oeste), o Programa Favela-Bairro (que procurou integrar as favelas do Rio de Janeiro ao tecido urbano da cidade) e o Rio Cidade (cuja proposta é o bem-estar aliado à funcionalidade dos serviços à população) (IPLANRIO, 1996). Em seguida elabora-se o Plano Estratégico II - "As Cidades da Cidade”, constituído por 12 planos estratégicos regionais "voltado à elaboração de planos por regiões, cujas principais orientações foram: focar o desenvolvimento endógeno, aproveitar o acervo de conhecimento sobre a cidade que a equipe técnica formada com quadros da própria Prefeitura já possuía, e estabelecer parcerias com o talento das universidades, partícipes de todo o processo”; de modo a identificar o seu papel específico na cidade e as formas de desempenhá-lo, definindo estratégias e projetos que construirão seus objetivos centrais de construção de uma cidade voltada ao futuro (CASTRO apud KLEIMAN et al., 2006).

Tais “planos regionais consistem em retratar as regiões através de um prédiagnóstico, onde serão detectadas as debilidades, um diagnóstico constituído de um histórico e das potencialidades locais e das estratégias necessárias para alcançar o objetivo central através de projetos desenvolvidos com base em objetivos específicos, seguindo um programa e definindo os parceiros. Verifica-se, ainda, a inclusão desses projetos no Orçamento Municipal e a existência de uma articulação entre os planos com base no papel de cada região na cidade e de papéis complementares. Busca-se também, o envolvimento da sociedade para a realização dos planos, das estratégias e dos projetos, além de seu monitoramento por todos os envolvidos de modo a possibilitar uma avaliação dos impactos dos planos, dos projetos e da eficácia das estratégias ao final do processo” (KLEIMAN et al.,2006).

E agora “na sua terceira gestão, iniciada em 2005, César Maia tem como grande evento estratégico a realização dos Jogos Pan-Americanos em 2007, para o qual se implementam um conjunto de obras de estádios até uma Vila Olímpica. A gestão está sendo marcada também pela criação da “Cidade do Samba” na zona portuária capitalizando o evento do carnaval carioca, e procurando assim implementar igualmente a revitalização da área do porto do Rio de Janeiro. Ainda em fase inicial de obras tem-se também a construção da “Cidade da Música” na Barra da Tijuca, complexo com grandes salas para música clássica” (KLEIMAN et al., 2006).

Destaca-se então a partir do exposto a permanência do planejamento racional funcionalista não em paralelo, mas em concomitância (algumas vezes em contradição, especialmente no âmbito legislativo, traduzida em polêmicas no processo de revisão do Plano Diretor, entre outras) com o planejamento estratégico. Embora não seja condição essencial do modelo estratégico a  substituição do anterior, conforme lembram alguns autores (por exemplo, GUERRA, 2000 e ASCHER, 1994) vale registrar como bem ressalta KLEIMAN et al. (2006) “a novidade do planejamento da cidade do Rio de Janeiro, que passa a considerar as escalas diferenciadas, porém interligadas, configurando uma administração voltada à reformatação geral da cidade, ou seja, um plano totalizante (conforme o modelo progressista) de modo diferente como foi desencadeado o primeiro Plano Estratégico baseado na gestão por projetos urbanos pontuais, característicos dos anos 1990, “estruturado principalmente a partir do interesse do capital, sendo legitimado e consolidado indiretamente pelo Estado” (ABREU apud KLEIMAN et al., 2006), deslocando o recorte espacial da escala do local, atributo do espaço intra-urbano, para o Rio de Janeiro na sua totalidade e, possivelmente, para escalas maiores”.

 

BIBLIOGRAFIA

ABREU, Maurício de A. Evolução Urbana do Rio de Janeiro. IplanRio, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1987.

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DEL RIO, Vicente. “Revitalização dos Centros Urbanos: o Novo Paradigma de Desenvolvimento e seu Modelo Urbanístico”. In: Pós - Revista do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAU/USP, nº 4, São Paulo, p.53-64, 1993.

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GUERRA, Isabel. “O Planeamento Estratégico das Cidades: Organização do Espaço e Acção Colectiva”. In: Cidades – Comunidades e Territórios. Lisboa, Centro de Estudos Territoriais, Revista Semestral nº 1, p.37-55, dezembro de 2000.

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KAUFFMANN, Márcia O. Expansão Urbana e Qualidade de Vida: Proposta para Desenvolvimento de Indicadores de Sustentabilidade Aplicados à Legislação Urbanística. Rio de Janeiro, Mestrado em Engenharia Ambiental da UERJ, dez. 2003. Dissertação.

KLEIMAN, Mauro; FREITAS, Viviani M. e MENDES, Victor M. de O. “Aonde vamos? O modelo estratégico e suas diferentes abordagens de política urbana do Rio de Janeiro e Salvador”. In: XII Encontro da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Regional. Portugal, 2006.

PORTAS, Nuno. “Urbanismo e Sociedade: Construindo o Futuro”. In: MACHADO, Denise B. P.; VASCONCELLOS, Eduardo M. de (org.). Cidade e Imaginação. Rio de Janeiro, UFRJ/PROURB, p.30-39, 1996.

RESENDE, Vera. Planejamento Urbano e Ideologia: quatro planos para a cidade do Rio de Janeiro (Coleção Retratos do Brasil v.159). Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1982.

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SILVA, Canagé Vilhena da. Manual de Licenciamento para Obras – Município do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, BangrafRio, 1996a.

SILVA, Canagé Vilhena da. Manual do Código de Obras – Município do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, CREA-RJ, 1996b.

TSIOMIS, Yannis. “Projeto Urbano, Embelezamento e Reconquista da Cidade”. In:MACHADO, Denise B. P.; VASCONCELLOS, Eduardo M. de (org.). Cidade e Imaginação. Rio de Janeiro, UFRJ/PROURB, p.24-29, 1996. 

 

A acentuação do uso do automóvel na dinâmica territorial recente do Rio de Janeiro

Mauro Kleiman

 

A questão da mobilidade populacional espacial, determinada de maneira importante pelo transporte automotivo e as mudanças recentes (a partir de 1995) na dinâmica territorial da região Metropolitana do Rio de Janeiro, trazem elementos para uma reflexão crítica.As mudanças se fazem através de espaços emergentes peri-urbanos de renda alta e novas periferias pobres, enquanto nota-se a modernização de periferias pobres tradicionais, assim como a cristalização de novos eixos de crescimento para além dos limites mais articulados à metrópole.Estes movimentos na dinâmica territorial tem como um de seus principais elementos a possibilidade e graus de mobilidade dados pelo papel do transporte automotivo como elo de articulação intra e inter escalar, na medida que trata-se do modal majoritário de deslocamentos.

A configuração da metrópole concentrada, densa e verticalizada, e um “espalhamento” em direção a seu perímetro limítrofe, demarcada rigidamente por seu zoneamento de atividades e usos, com o automóvel sendo o elo de articulação entre suas partes, apresentará importantes transformações resultantes do processo de transformações produtivoeconômicas da globalização inclusive no modo de vida, ao qual articula-se uma acentuação do papel do transporte automotivo.

A atual estrutura sócio espacial da Região Metropolitana do Rio de Janeiro apresenta especificidades que relativizam a lógica estrita do padrão básico nícleo-periferia. Embora a camada de renda alta e média alta continue a concentrar-se na orla marítima do Rio de Janeiro e Niterói, suas áreas estão entremeadas com a permanência há mais de sessenta anos dos setores populares em favelas, que tem novo surto de crescimento a partir dos anos 90. Setores médio-alto e médios também localizam-se na periferia imediata do núcleo da metrópole (Zona Oeste do Rio de Janeiro), e na periferia mais distante (principalmente no centro de municípios da Baixada Fluminense), onde a predominância anterior indicava serem áreas de setores populares. As áreas de renda alta têm uma expansão territorial num movimento duplo intra e supra-metropolitano: internamente está ocupando uma nova área de orla oceânica, sob a forma de condomínios fechados de edifícios e casas; e deslocam-se para a segunda residência, ou nova residência fixa, em municípios serranos ou praianos, externos aos limites metropolitanos, onde existem também áreas de setores médios e médio-baixos. Os setores populares tem acompanhado este movimento e sinalíza-se um, por vezes intenso, processo de favelização nestas novas áreas de renda alta. Torna-se assim mais complexa a configuração sócio espacial da metrópole com a cohabitação de camadas pobres das favelas e dos loteamentos periféricos com camadas média e ricas que encapsulam-se em condomínios fechados, e a cada vez mais distante posição entre as camadas pobres das periferias e as médias e ricas do núcleo (Abreu1988; Kleiman 2003).O centro do Rio de Janeiro, contudo, permanece como pólo unificador da metrópole expandida, continuando a atrair os fluxos, sejam os externos como os internos, embora registrem-se também aqueles para o conjunto ampliado dos sub-centros.

O processo de reestruturação complexo da configuração da forma conteúdo da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, com seu desenvolvimento simultâneo de densificação da concentração, com diversificação de necessidades e atividades, centralidades e permanência do Centro, e esta expansão extensiva para fora de seus limites, que buscamos analisar, terá o automóvel como articulador das suas partes.

Um dos elementos mais importantes da acentuação do uso do automóvel trata-se das alterações no modo de vida na metrópole. Esta mudança combina um conjunto de novas sociabilidades e necessidades como o consumo e lazer em shopping centers, com o abastecimento em hipermercados; a dupla jornada da mulher – no trabalho e tarefas domésticas; crescimento das expectativas de vida, com idosos ativos; maior número de divórcios e separações; tendo como efeito multiplicação de moradias; uniões entre ex-casados compondo inter-famílias ampliadas; o multi-emprego ou múltiplas atividades laborais autônomos (“bicos” ) entre outros. A implicação destas alterações estão na diversidade de pontos diferentes a serem atingidos, em múltiplos horários, por diferentes itinerários, que só a maleabilidade e a autonomia do automóvel permite conectar.Por seu turno,pelo viés da produção as mudanças introduzidas com o padrão do método flexível, com base num sistema “just-in-time” que externaliza fases e funções da cadeia produtiva por múltiplas unidades, eliminando inventários e estoques necessita de maior interconexão de empresas em rede (Martner, 1995), intensificando assim os deslocamentos,onde o modal automotivo, será uma de suas peças mais importantes. A movimentação intensificada dos deslocamentos expressa estas mudanças, e configura uma estrutura de metrópole agora com uma expansão territorial que leva-a para o patamar de uma nova escala não vista anteriormente.

O aumento exponencial da frota de veículos e do número de viagens, articulada a melhoria das condições físicas para os intercâmbios, com a transformação da correlação espaçotemporal através da reformatação da rede viária no âmbito inter-metropolitano e supra-metropolitano,são elementos chaves para a compreensão do fenômeno.

De 1970 a 2000 a frota de automóveis particulares cresce seis vezes (passa de 350.000 veículos para mais de 2.000.000) com índice de motorização na cidade do Rio de Janeiro de 3,56 habitantes/veículo (GEIPOT,Detran), sendo em 1960 de 23,4 hab/veículo. Os ônibus passam, por sua vez, de 10.000 veículos para 15.000, mais 1.200 microônibus, compondo 411 linhas intermunicipais e 1.268 linhas municípios metropolitanos, e 1.005 ligando a metrópole a municípios supra-metropolitanos. (PDTU 2003). O aumento por número de viagens por ônibus e automóveis para municípios supra-metropolitanos na região serrana (mais 30% no período de 1985-2005 em relação a década anterior); Região dos Lagos ( orla oceânica a leste do Rio de Janeiro, com mais 48% no mesmo período); mostra a extrapolação da metrópole ( dados das concessionárias de estradas de rodagens pedagiadas- 2005).

A escala da frota de automóveis particulares no âmbito urbano e metropolitano e o número de viagens intramunicipais e intermunicipais por ônibus e, na última década também por veículos coletivos de pequeno porte (vans, kombis, peruas) para as áreas analisadas impôs um conjunto de obras de readequação da rede viária. Para a região serrana foi fundamental:(a) o alargamento das pistas da BR- 040(Rodovia Washington Luís) no trecho da Baixada Fluminense, aumentando a velocidade máxima permitida(para 110KM/h),reduzindo-se, por efeito, o tempo de viagem com as cidades serranas; (b) a construção(no início dos anos 90) da via expressa Linha Vermelha que permite articulá-las em menor tempo com o Centro da metrópole e zona Sul,através de vias elevadas e túneis urbanos extensos; (c) a construção mais recente (1997) da via expressa Linha Amarela,que permite a ligação direta com a área de expansão de camada de renda alta (Barra da Tijuca). Já para o eixo Niterói-Manilha-Itaboraí e cidades praianas na direção da região dos Lagos foram fundamentais: (a) a Ponte Rio-Niterói,inaugurada em 1974; mas depois(b)as obras viárias que complementam sua articulação com o Centro e zona Sul,através das vias elevadas da Perimetral e Paulo de Frontin, esta última ligando-a com o túnel Rebouças e a auto-estrada Lagoa-Barra (até 1997 única ligação expressa com a Barra);(c) a abertura da Linha Amarela em 1997 propicia a ligação direta com a Barra da Tijuca e adjacências,o que possibilita menor tempo de viagem para as cidades do eixo que são localidades de segunda residência para a camada de maior renda;(d)as mais recentes melhorias com a duplicação da rodovia Niterói-Manilha e nas estradas em direção a região dos Lagos.

A intensidade de movimentos ganha força e configura a metrópole do Rio de Janeiro de uma nova forma, apresentando um fenômeno de transição para uma nova escala e complexidade (Santos, M 1990 ; Kleiman, 2003).

 

 

BIBLIOGRAFIA

Abreu,M. (1998) Evolução Urbana do Rio de Janeiro, , IPLAN-Rio/ Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro.

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