Políticas de Criatividade para o Desenvolvimento Regional: A Importância do Setor Cultural e Criativo em Portugal | Chão Urbano

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Políticas de Criatividade para o Desenvolvimento Regional: A Importância do Setor Cultural e Criativo em Portugal

Resumo

As questões relacionadas com a criatividade tornaram-se o centro de intervenções políticas e análises dos territórios com o sucesso das ideias de Richard Florida. O presente artigo discute a emergência da classe criativa e da criatividade enquanto vetor de desenvolvimento regional no mundo contemporâneo. As políticas de estímulo à criatividade se interligam mas não se limitam às políticas culturais. Tendo por base uma avaliação recente do potencial económico da criatividade, neste artigo se debate a importância e peso em Portugal e nas suas regiões das actividades criativas.

Palavras-chave: Criatividade, Desenvolvimento Regional, Setor Cultural, Setor Criativo, Portugal

 

Abstract:

With the success of the ideas of Richard Florida issues related to creativity have become the center of policy discussions and territorial analysis. This article discusses the emergence of the creative class and creativity as a vehicle for regional development in the contemporary world. Policies to stimulate creativity are linked but are not limited to cultural policies. Based on a recent assessment of the economic potential of creativity, the study debates the importance and weight in Portugal and its regions of creative activities.

Key-words: Creativity, Regional Development, Cultural Sector, Creative Sector, Portugal

 

1. Introdução

Os estudos etimológicos acerca da origem da palavra ‘criatividade’ vêem-na como algo de trazer à existência, criando, inventando, lidar criativamente com problemas aparentemente insolúveis. Geralmente existe alguma confusão entre os conceitos criatividade e inovação que são distintos. Segundo Burnett (cit. in Barry, 1993) a criatividade é o processo através do qual novas ideias são produzidas enquanto a inovação é o processo através do qual as novas ideias são implementadas. Deste modo, a criatividade é uma pré-condição para a inovação. No entanto, também é importante referir que a criatividade não diz apenas respeito ao ‘novo’, envolvendo também a abertura a ideias, influências e/ou recursos já existentes que podem ser aproveitados de formas mais sustentáveis e eficientes (Landry e Bianchini, 1998).

Ao longo do tempo o termo ‘criatividade’ tem sido utilizado como uma abrangência relativamente pequena e muito estanque, aplicando-se com mais expressão no contexto das artes. Reconhecida a sua relevância, a arte é apenas uma pequena parte da criatividade que na atualidade se configura como um desafio global. Desde o início do século XXI que a importância e a abrangência da criatividade são reconhecidas pelos diversos atores da sociedade tendo sido esta rapidamente incorporada no discurso e prioridades políticas. No ano 2009, a Comissão Europeia levou a cabo a iniciativa “Ano Europeu da Criatividade e Inovação” com o objetivo geral de “apoiar os esforços dos Estados-Membros na promoção da criatividade, através da aprendizagem ao longo da vida, enquanto motor de inovação e fator essencial do desenvolvimento das competências pessoais, profissionais, empresariais e sociais e do bem-estar de todos os indivíduos da sociedade.” (Decisão N.º 1350/2008/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de Dezembro de 2008)

No que se refere ao conhecimento académico a produção científica dirigida à importância económico-social da criatividade é relativamente recente e tem uma maior expressão ao nível das ciências sociais. De um modo geral reconhece-se que a importância social e económica dada atualmente à criatividade resulta da mudança de paradigma da economia mundial associada ao fenómeno da globalização (Fundação Serralves, 2008) e, simultaneamente, da perceção da vasta abrangência do conceito.

Neste artigo são abordadas as questões relacionadas com a criatividade no território, com a emergência da classe criativa e com o setor criativo. O artigo estrutura-se com uma secção inicial que discute a emergência da classe criativa e da criatividade enquanto vector de desenvolvimento regional. Seguidamente discute-se o tema dos territórios criativos e das políticas de estímulo à criatividade. A ligação entre as políticas culturais e criatividade são discutidas tendo por base uma avaliação recente do potencial económico das actividades criativas.

 

2. A Emergência da Classe Criativa

Segundo a OCDE (2009) o impulso mais importante para o enfoque na criatividade foi obtido a partir do livro The Creative Class de Richard Florida em 2002. O livro argumenta que a base das vantagens económicas de um território está na criatividade humana. Os locais devem desenvolver, atrair e reter pessoas criativas que possam estimular o conhecimento, a tecnologia e a inovação para reforçar o crescimento económico. Essas pessoas criativas são definidas como um novo coletivo emergente, a classe criativa. Um aspeto importante que Florida salienta é como é fundamental para a classe criativa a qualidade do lugar, combinando fatores como a abertura, diversidade, meio ambiente, cultura de rua e qualidade ambiental. Esses fatores, mais ou menos intangíveis, estruturam as instituições que influenciam a decisão de localização das pessoas criativas. Muitos países, regiões e cidades estão a configurar-se como territórios criativos. O primeiro exemplo foi a Austrália, que se posicionou como "creative nation", em 1994. Como referem Florida e Tinagli (2004), por exemplo, a região de Helsínquia na Finlândia posiciona-se como região mais criativa na Europa graças ao seu elevado nível de Investigação e Desenvolvimento e de emprego na área das tecnologias de informação e comunicação.

A ascensão da classe criativa reflete a transformação da economia e a alteração significativa do papel dos territórios. Esta ascensão provocou uma mudança relevante em termos de valores, normas e atitudes uma vez que esta classe se assumiu como padrão em termos de estilo de vida e dominante em termos de poder económico. Florida destaca três aspetos essenciais nos valores da classe criativa: a individualidade, a meritocracia e a diversidade e abertura. A individualidade refere-se ao facto dos membros da classe criativa exibirem uma forte preferência pela autoafirmação, não se conformando com as regras organizacionais ou padrões pré-definidos. A meritocracia destaca a valorização da classe criativa ao mérito pessoal, entendido como capacidade de trabalho, estabelecimento de objetivos e resultados alcançados. O dinheiro deixa assim de ser o elemento central na definição do status. Apesar da sua importância, outros aspetos como o respeito dos pares e a liberdade assumem relevância. Os membros da classe criativa sentem que querem dinheiro para viver a vida da maneira que preferirem, mas mesmo que consigam ganhar o suficiente podem ficar frustrados se notarem que estão a ser pagos de modo inferior ao que consideram justo pela qualidade do seu trabalho ou comparativamente a outros colegas. Apesar da falta de dinheiro ser um fator para a insatisfação com o trabalho, o dinheiro por si só não torna os trabalhadores criativos mais felizes, comprometidos ou motivados. A classe criativa é muitas vezes movida pela paixão pelo seu próprio trabalho. A diversidade e abertura relaciona-se com a noção de que ser mais capaz na profissão não depende da etnia, credo, preferência sexual ou outros fatores de diferença. A diversidade é entendida como um sinalizador do funcionamento da meritocracia.

Para a satisfação no trabalho, a classe criativa valoriza fatores e atributos eminentemente intrínsecos: desafios e responsabilidade: os trabalhadores criativos querem contribuir, ter impacto e fazerem a diferença; flexibilidade: um horário e um ambiente laboral flexível que permita uma adaptação individualizada às tarefas; segurança laboral: não um trabalho para a vida toda mas um trabalho que evite uma rotina diária de caos, angústia e incerteza; compensação: em particular, relacionado com o vencimento base, dinheiro com o qual se pode contar; desenvolvimento profissional: a oportunidade de aprender, crescer e expandir os seus próprios horizontes; reconhecimento dos pares: a oportunidade de ganhar reputação e a estima e reconhecimento dos outros que se conhece; estímulo de colegas e gestores: as pessoas criativas gostam de estar rodeadas de outras pessoas criativas e preferem líderes que não os ignoram mas que também não os subestimam; conteúdo de trabalho estimulante: estar envolvido em projetos e tecnologias que abrem novas oportunidades e colocam problemas intelectuais interessantes; cultura organizacional: uma cultura que cria um sentimento de pertença, valorização e apoio; localização e comunidade: as pessoas necessitam de viver em locais com uma ambiência estimulante onde existe uma noção de comunidade.

Ao contrário de um passado recente, no qual os indivíduos se deslocavam em procura de trabalho, os membros da classe criativa não consideram a possibilidade de morarem em determinados locais apenas pela existência de um emprego. A prioridade é normalmente invertida, as pessoas escolhem um local onde gostavam de viver com qualidade de vida e iniciam uma procura de emprego nesse local. As pessoas utilizam a participação na comunidade de forma a reproduzirem a sua identidade criativa, os seus interesses e valores no local de trabalho e na sociedade de uma forma geral.

As teorias centradas na importância do Capital Humano sublinham que o crescimento económico acontece onde se estabelecem os recursos humanos mais qualificados (Becker, 1964). Os investimentos em educação predizem muito melhor o crescimento económico subsequente que o investimento em infraestruturas como a construção de estradas ou ferrovias de alta velocidade. Mas porque algumas localizações são mais atrativas que outras? Como refere Florida esta pergunta essencial tem sido tida em atenção principalmente nas questões da localização das empresas e menosprezando a relevância da escolha das pessoas partindo do pressuposto que as pessoas se deslocam para onde existir trabalho, uma premissa que já não se verifica. A concentração de recursos humanos evidencia que pessoas com determinado perfil atraem pessoas do mesmo tipo num processo semelhante à clusterização industrial.

Essencialmente Florida descreve as suas ideias como uma teoria na qual o crescimento económico regional é incentivado pela escolha de localização das pessoas criativas, os detentores do capital criativo, que preferem locais tolerantes, diversos e abertos a ideias novas. O meio social e cultural é considerado por Florida um elemento central na estruturação da criatividade nas suas diversas formas, artística, cultural, tecnológica e económica. O meio providencia um ecossistema no qual a diversidade de formas de criatividade pode enraizar-se e florescer. A existência de instituições culturais que apoiem determinado estilo de vida fornece incentivos para a localização das pessoas que apreciam esse quotidiano. O meio fornece o mecanismo de atração de pessoas possibilitando a interação e a troca de conhecimento e ideias. Existe uma fertilização cruzada entre as várias formas de criatividade que leva a que no mundo atual os locais caracterizados fortemente pela existência de um tipo de criatividade consigam em paralelo estimular as outras formas de criatividade.

O lugar é valorizado pela classe criativa por possuir alguns atributos essenciais:

  • Mercados laborais alargados: Hoje as organizações são desleais e as carreiras são largamente horizontais levando a que as pessoas não procurem um trabalho mas sim muitas oportunidades de trabalho, uma vez que não pretendem nem conseguem permanecer muito tempo na mesma organização.
  • Estilo de vida: as pessoas recusam ofertas laborais por se localizarem em territórios que não oferecem as amenidades culturais, científico-tecnológicas e ambientais que ambicionam. A vida noturna é um fator sinalizador do dinamismo criativo do território e deve ter uma mistura de ofertas que possibilitem compatibilizar com os horários alargados da classe criativa. Muitos elementos referem a necessidade de vida noturna a horas mais tardias e de opções que não envolvam necessariamente o álcool.
  • Interação social: a capacidade de uma comunidade gerar interação entre os seus membros é muito valorizada. Locais como coffee shops, livrarias, e cafés são importantes. Esta estabilidade na interação social é mais valorizada porque a família e o trabalho estão sujeitas a mais mudanças que no passado.
  • Diversidade: a diversidade e a abertura de ideias é um dos fatores críticos de localização, permitindo simultaneamente o respeito por diferentes perfis face à sexualidade, à etnia, à idade e ao aspeto físico. É uma dimensão central que sinaliza a abertura da comunidade às pessoas externas, gerando um ambiente cosmopolita onde as culturas e ideais se cruzam.
  • Autenticidade: os lugares são valorizados face à sua autenticidade (a história dos edifícios, os bairros históricos, atributos culturais específicos). A singularidade do local deriva da mistura destes elementos tradicionais e que caracterizam a história do lugar com a modernidade e a valorização das infraestruturas e adaptação ao cosmopolitismo sem desvinculação total dos valores e práticas estabelecidas.
  • Identidade: atualmente a identidade pessoal está afastada da empresa, que anteriormente era um importante alicerce da identidade individual. A combinação do que o indivíduo faz com onde reside assumiu o papel identitário central. Esta importância acrescida faz com que os membros da classe criativa queiram ser, também eles, geradores de identidade do lugar, participando ativamente na vida da comunidade.
  • Qualidade do Lugar: este é o fator central na decisão da localização da classe criativa. Esta noção envolve uma multiplicidade de aspetos que tornam o lugar mais atrativo. Florida sugere que a qualidade do lugar como tendo três dimensões essenciais: i) o que está lá? A combinação do ambiente construído com o ambiente natural, ii) quem está lá? Os diferentes tipos de pessoas interagindo e criando uma comunidade, e, iii) o que se passa lá? A dinâmica da vida quotidiana, da vida urbana e das atividades exteriores. A qualidade de vida de um lugar pode ser entendida como o conjunto de experiências que o território consegue oferecer. Os lugares bem sucedidos não fornecem um tipo único de experiência mas sim uma gama alargada de opções de qualidade de vida que atraem diferentes pessoas em diferentes momentos do seu ciclo de vida.

Os membros da classe criativa caracterizam-se pela diversidade de formas, cores e estilos de vida. Para serem bem sucedidas as regiões devem ser capazes de oferecer algo a todas elas. O estilo de vida da classe criativa baseia-se numa constante procura de experiências para os momentos de lazer. Estas experiências relacionam-se com dois vetores centrais: i) a vida ativa, focando atividades ligadas à prática desportiva e à natureza, e ii) a vida urbana, com o papel da animação de rua, dos eventos e da cultura do lugar. As amenidades são importantes, em particular aquelas que se relacionam com a vida ativa e urbana e com o fornecimento de experiências mas também com a disponibilidade adequada de locais para o consumo. Os territórios tornam-se locais onde a classe criativa quer consumir. As regiões mais criativas são locais que fornecem aos seus residentes uma oferta alargada de consumo e que por esta via alicerçam as dinâmicas económicas.

A classe criativa valoriza um misto de existência de infraestruturas científicas e tecnológicas, e facilidades culturais, de recursos naturais e também de autenticidade da própria cidade.

Os 3 Ts do Desenvolvimento Económico, tecnologia, talento e tolerância, sofrem impactos da existência de uma universidade dinâmica. As universidades são centros de investigação que são fonte crucial de empresas spin-off e de novas tecnologias, são ímanes efetivos de talento, e ajudam a criar um clima tolerante, progressivo e aberto.

Transformar o Algarve de uma economia baseada em serviços para uma região criativa necessita que a região não se deixe apanhar pelo seu próprio passado. Como refere Florida muitas regiões com êxito deixam-se apanhar pelo seu passado bem sucedido insistindo em práticas institucionais desadequadas ao ritmo dos novos tempos, uma esclerose institucional. Estas regiões passam a ser caracterizadas pela inércia e resistência à mudança apresentando dificuldades em adotar novos padrões culturais e organizacionais levando a que a inovação se instale em outros lugares.

A teoria da criatividade desenvolvida por Florida refere-se essencialmente à classe criativa em meio urbano. Em jeito de síntese, os fatores que atraem a classe criativa para o meio urbano são o talento, a tecnologia e a tolerância que está presente nas cidades. A classe criativa procura nestes locais atividades e desafios interessantes, cidades dinâmicas com capacidade de proporcionar atmosferas de lazer e, simultaneamente, de trabalho, e procuram ainda ambientes autênticos caracterizados pela diversidade. Vários autores afirmam que esta é uma das limitações da teoria de Florida. Apenas são considerados territórios urbanos com características de metrópole. No entanto, existem evidências de que a classe criativa pode também ser atraída para meio rural.

A classe criativa em meio rural é uma utilização posterior da noção de classe criativa desenvolvida por Florida que se aplicava somente às metrópoles. Num estudo elaborado sobre as indústrias criativas na região de East Midlands (Reino Unido), em 2008, foi analisado porque motivo as pessoas de deslocam para áreas rurais com o objetivo de aí se estabelecerem e criarem o seu próprio negócio. O resultado desta análise revela que a classe criativa se desloca para o meio rural pois estas zonas representam: locais de trabalho calmos e pitorescos; um cenário perfeito para desenvolver o trabalho que estimula o pensamento criativo; uma fonte de imagens e de matérias-primas diferentes; um estilo de vida saudável física e mentalmente.

Baptista (1999) defende que a realidade atual do meio rural revela que estamos perante “campos urbanizados”, ou seja, campos transformados pela tecnologia que permite planear as atividades que se podem desenvolver neste meio (e.g., agricultura) e pela apropriação urbana destes meios através do aumento da mobilidade populacional (e.g., substituição das populações tradicionais pela população migrante da cidade para o campo e o fenómeno turístico). Este processo é no entanto experimentado de formas diversas devido às especificidades nacionais, regionais e locais e, por este motivo, apesar de universal, detém um caráter único consoante à adaptação aos fatores económicos, sócio-culturais e ambientais.

Pese embora a classe criativa possa instalar-se em zonas rurais, não parece natural que o faça se não for alvo de estímulo prévio. O mesmo estudo revela que algumas das empresas criativas apenas foram criadas em resposta direta a uma política rural específica relacionada com o desenvolvimento iniciativas na área das artes rurais e com a oferta de utilização de edifícios degradados para uso de novos negócios a custo zero (Burns e Kirkpatrik, 2008). Este estudo revela a importância das políticas e estratégias quando se fala na criação de indústrias e economias criativas.

 

3. Criatividade e Território

3.1 Cidades Criativas, Indústrias Criativas e Clusters Criativos

É nas cidades que atualmente reside a maioria da população e por este motivo cada vez mais estas se constituem como parte fundamental para a promoção da competitividade, da cidadania e da qualidade de vida.

As cidades são territórios que desde sempre sofreram forte influência da evolução das sociedades ao longo do tempo: mudanças nos paradigmas económicos, alterações dos modos de vida, entre outros. Deste modo, a cidade ela própria sofre alterações que mudam também os problemas que hoje se associam aos novos modos de vida: crime e insegurança, tendência para a imitação, necessidade de melhoria da qualidade ambiental e necessidade de pensar em novas formas de trabalho que acompanhem os paradigmas sociais, económicos, políticos, ambientais, culturais e demográficos emergentes (Landry e Bianchini, 1998).

É neste contexto que a criatividade no contexto da cidade assume uma importância fundamental. A cidade criativa é, segundo Florida (2002), um espaço capaz de atrair e fixar a nova classe criativa, caracterizada pela elevada mobilidade, e capaz de desenvolver investigação e tecnologia (universidades e empresas inovadoras). A valorização da diversidade social e cultural (tolerância) determina a capacidade de atração de talento de uma cidade criativa. A competitividade futura vai assim depender dos 3 Ts do crescimento económico: tecnologia, talento e tolerância.

Outros contributos fundamentais para a definição deste conceito têm sido dados por outros autores e agências e instituições essencialmente ligadas à cultura mas, no entanto, este continua a ser identificado como um conceito relativamente ambíguo e longe de reunir consensos. Hansen et al. (2001) refere em tom de crítica que o conceito de cidade criativa pode ser visto como o mais recente produto de marketing territorial, ao serviço da luta e

Costa et al. (2008), num esforço de reunir as várias abordagens ao conceito de cidade criativa, propõem uma tipologia de três eixos para suportar a construção conceptual desta noção: i) a ideia de criatividade como instrumento ou ferramenta para o

Em 2004, a UNESCO lança a iniciativa Rede de Cidades Criativas com o objetivo de criar uma rede de cidades para partilha de experiências, estimular o potencial criativo comum e desenvolver projetos comuns. Na perspetiva da UNESCO uma cidade criativa apresenta as seguintes características: cidade em que as artes são respeitadas pela sua importância estética, pela sua capacidade de facilitar o entendimento e a comunicação; cidade em que se encoraja a diversidade cultural e se apoia a expressão da criatividade em todas as suas formas; cidade na qual as pessoas podem usufruir de atividades culturais no seu quotidiano; cidade onde as artes são encaradas como uma necessidade educativa e a criatividade é reconhecida com uma competência sem valor atribuível na Era da Informação; e cidade onde as artes são avaliadas tanto pelo seu papel económico como pelo valor espiritual, intelectual e social. A Figura 1, ilustra o modelo de Mateus (2010) que faz a convergência da classe criativa e da cidade criativa. O modelo mostra como os 3 Ts (talento, tecnologia e tolerância) convergem para os 3 Cs (cultura, comunicação e cooperação) e como dependem dos recursos e das comunidades neste processo.

Figura 1: Convergência da “Classe criativa” e da “Cidade criativa”

Fonte: Mateus (2010: 21)

 

Na indústria assistiu-se também a uma alteração do paradigma, que teve uma influência determinante no modo de organização e estilo de vida das cidades. Atualmente a indústria nada tem a ver com os padrões industriais fordistas característicos do século XIX e início do século XX. No século XXI espera-se que as indústrias sejam geradoras de conhecimento através da criatividade e inovação combinadas com rigorosos sistemas de controlo. A definição de indústrias criativas surgiu na Austrália, em 1994, mas apenas se popularizou em 1997, quando o Department for Culture, Media and Sport (DCMS) do Reino Unido o desenvolveu. Nesta definição as indústrias criativas caracterizam-se por terem origem na criatividade, competência e talento individuais e o potencial para criarem riqueza e emprego gerando e explorando a propriedade intelectual. Os produtos resultantes das indústrias criativas têm um valor que assenta no seu conteúdo, no seu significado ou no que representam. Ou seja, é o valor expressivo do produto criativo que reflete o seu valor e não o objeto que o transporta, por exemplo, numa peça de vestuário criativa o que realmente é criativo é o estilo que esta proporciona a quem a veste e não apenas o tecido utilizado (Throsby, 2001 cit. in Fundação Serralves, 2008).

As indústrias criativas refletem vários setores de maior crescimento na economia global e representam também uma fonte essencial de competitividade. Na Europa as indústrias criativas representam um volume de negócios de 654 mil milhões de euros, correspondendo a 2,6% do PIB da UE e apresentam um crescimento de 12,3% com 5,8 milhões de pessoas nelas empregadas (KEA, 2006). Em Portugal, o estudo elaborado pela KEA – European Affairs (2006) sobre a Economia Cultural na Europa revela que o setor das indústrias criativas no ano 2003 apresentava um volume de negócios de 6 358 milhões de euros, correspondendo a 1,4% do PIB nacional, sendo o terceiro setor que mais contribuiu nesse ano para o PIB português, à frente de setores como o da indústria química (0,8%), o imobiliário (0,6%) ou o dos sistemas de informação (0,5%). Em termos de emprego, o setor das indústrias criativas em Portugal empregava 76 mil pessoas em 2004, sendo que se a este valor se associar o turismo cultural o volume de pessoas empregadas era de 116 mil.

Estes dados são fundamentais para compreender a importância e a evolução que o setor das indústrias criativas tem preconizado e como, gradualmente, se torna evidente a necessidade e convergir para economias baseadas em indústrias criativas.

Os modelos de governança das cidades criativas diferem consoante o nível de aplicação (nacional ou regional/local). A Tabela 3 esquematiza os procedimentos de governança para os níveis nacional e regional/local.

 

Nível Territorial

Procedimentos

Nacional

Definição de estratégias para o setor

Ministério da cultura em articulação com outros departamentos do Governo

Promover, desenvolver marcas e internacionalização

Mapeamento das atividades criativas

Políticas de cidades criativas

Regional/Local

Orientação para o turismo e património cultural

Promoção dos clusters e cadeias de valor

Promoção da regeneração urbana

Diversidade de atividades económicas

Atração de talentos e recursos humanos qualificados

Atração de investimento/capital de risco

Universidades

Criação de agências para a promoção das atividades nas regiões e nas cidades

Tabela 3: Procedimentos de Governança das Cidades Criativas

Fonte: Costa et al. (2008)

 

O nível regional é o mais diversificado e que se relaciona com as dimensões mais urbanas. Para atrair talento e tecnologia as cidades e/ou regiões podem recorrer a qualquer uma destas ferramentas ou a várias simultaneamente. O cluster criativo é uma das opções disponível. Porter (1998) define um cluster como uma concentração geográfica de empresas interconectadas, fornecedores especializados, prestadores de serviços, instituições e empresas associadas em indústrias relacionadas. Mas o cluster criativo não se refere à mesma definição de cluster que Porter introduziu em 1998. Um conjunto de empresas criativas precisa de muito mais do que a visão convencional de um parque empresarial ao lado de um campus de tecnologia. Na definição da UNESCO:

 

Um cluster criativo inclui empresas sem fins lucrativos, instituições culturais, salas de artes e artistas individuais, juntamente com Parques de Ciência e centros de media. Clusters criativos são lugares para se viver, bem como para trabalhar, lugares onde os produtos culturais são consumidos e produzidos. Eles estão abertos permanentemente para trabalho e para lazer. Alimentam-se de diversidade e mudança e assim prosperam através da sua especificidade local própria, e não deixando nunca de estar ligados ao mundo" (UNESCO, s/d)

 

Este amplo conceito do papel do cluster criativo requer uma atenção e coordenação significativas e o comprometimento das autoridades de gestão locais de modo a que se garanta a participação de agentes culturais, órgãos públicos, investidores e do setor privado, a fim de explorar as oportunidades culturais que existem nas cidades.

 

3.2 Bairros Culturais, Vilas e Aldeias Criativas

Em todas as épocas podem ser identificadas cidades consideradas criativas no seu tempo (por exemplo a Roma Antiga). Uma característica comum a estas cidades é o facto de nelas existirem algumas zonas ou bairros culturais:

 

O seu modelo é variável mas, por norma, são zonas que foram reconvertidas, com um ambiente criativo e informal, mistura de cafés, bares, galerias de arte ou salas de concertos, onde artistas emergentes podem experimentar. São os chamados bairros culturais, cada vez mais enaltecidos por permitirem um estilo de vida de escala humana e por serem sinónimo, quando equilibrados, de desenvolvimento económico sustentável. As suas fronteiras podem ser indefinidas, mas quando desembocamos num desses locais sentimos de imediato que não só entrámos numa comunidade cultural como podemos participar dela, de maneira interativa. Hoje, esse tipo de territórios ganhou nova pertinência, também porque o sentido de cultura foi alterado, englobando indústrias culturais tradicionais, novas indústrias de conteúdos, formas consagradas de arte ou manifestações emergentes associadas às formas de sociabilidade urbana juvenis.” (Costa, 2007)

 

O desenvolvimento de comunidades criativas em meio rural constitui também uma preocupação quando se fala em criatividade. O crescente movimento migratório, do interior para o litoral, que se continua a verificar em todo o mundo agravando de forma cada vez mais acentuada o fenómeno de desertificação humana das vilas e aldeias do interior está há muito na agenda política de vários países. A ideia de criação de vilas e aldeias criativas através da atração de população criativa e indústrias criativas para estes locais começa a ser gradualmente uma realidade como forma de combate ao abandono do território.

Apesar da teoria da economia criativa ter sido desenvolvida a pensar nas áreas metropolitanas, há autores que argumentam que as vilas e aldeias rurais têm poder de atração da classe criativa uma vez que a criatividade é importante para todas as indústrias. Enquanto alguns membros da classe criativa trabalham em indústrias criativas como owebdesign ou música, a maioria de trabalho desenvolvido nas indústrias mais tradicionais, como a agricultura ou o fabrico, ganha valor através de soluções criativas e inovadoras para os problemas que surgem (McGranahan e Wojan, 2007). A Figura 2 ilustra um modelo da estratégia económica para a criação de uma economia baseada em criatividade numa zona rural de Ontário no Canadá (Prince Edward County).

Figura 2: Modelo para a Criação de uma Economia Criativa Rural em Ontário

Fonte: Adaptado de Ferreira, 2010

 

A criatividade pode ser usada por todos os setores da economia e em todos os níveis socioeconómicos. Muitas vezes os consumidores das zonas rurais são apenas visitantes, predominantemente cosmopolitas que apreciam boa comida, as artes, o vinho, entre outros. A inspiração inovadora deve começar localmente, inserindo aspetos criativos nos aspetos tradicionais como a gastronomia sem perder a base local.

Representando a força de trabalho, as pessoas são o recurso fundamental para atingir a criatividade. Esta não reflete no território apenas através de artistas ou daqueles que se envolvem diretamente na economia criativa. A criatividade resulta antes de mais das pessoas e da forma como estas respondem aos problemas de forma criativa. É partindo deste pressuposto que poderá tornar os territórios criativos.

 

4. Políticas Culturais e Setor Criativo: Enfoque ao Caso Português

Cultura e criatividade são duas noções com significados e abrangências distintas mas nem sempre fáceis de identificar. Logo à partida pode afirmar-se que a noção de criatividade, com origem nas teorias de Florida, tem um caráter económico que geralmente não se verifica na noção de cultura. Ao longo do século XX houve uma consciencialização crescente de que a cultura é influenciada pelas políticas económicas e é sem dúvida fundamental para qualquer economia, gerando riqueza e emprego, tendo-se começado a usar o termo ‘indústrias culturais’. Em 2005, a UNESCO elaborou um relatório acerca do comércio internacional de bens e serviços culturais, entre 1994 e 2003, e concluiu que, em termos de volume de negócios, o comércio internacional de bens e serviços culturais passou de uma receita de cerca 33 mil milhões de euros em 1994, para cerca de 50 mil milhões de euros em 2003.

Verificado o potencial de desenvolvimento das denominadas ‘indústrias culturais’ estas são alvo de políticas e estratégias públicas. O termo ‘indústrias criativas’ surge no final do século XX com uma abrangência maior do que as anteriores ‘indústrias culturais’ passando os limites das artes e incluindo setores económicos emergentes relacionados, por exemplo, com tecnologias ou publicidade (UNESCO, 2006a). No entanto, é importante referir que as noções de ‘indústrias culturais’ e ‘indústrias criativas’ não têm utilização exclusiva. O significado de uma não anula a outra e vice-versa. Pelo contrário, estes conceitos complementam-se e dão origem a um setor económico: o setor cultural e criativo.

Augusto Mateus (2010) esquematizou o setor cultural e criativo apresentando todos os intervenientes e qual o papel das indústrias culturais e criativas neste contexto (Figura 3).

Figura 3: Setor Cultural e Criativo

Fonte: Mateus (2010: 25)

 

O setor cultural e criativo é composto por quatro dimensões: o setor cultural, as indústrias culturais, as indústrias criativas e as línguas e linguagens. O setor cultural é enquadrado como o espaço de afirmação de bens e serviços públicos e semipúblicos onde os atores essenciais são os cidadãos portadores de direitos democráticos de acesso à cultura. Asindústrias culturais representam o espaço de afirmação de bens e serviços transacionáveis onde os atores essenciais são os consumidores com hábitos e poder de compra segmentados. As indústrias criativas são o espaço de afirmação de competências criativas onde os atores essenciais se referem a profissionais com competências diferenciadoras. As línguas e linguagens suportam as três dimensões anteriores através do uso da “língua da comunidade”, como elemento principal do património cultural e de identidade local, e do uso da “língua global” como meio de comunicação e interação com o exterior da comunidade (Mateus, 2010).

Ao nível do contributo do setor cultural e criativo para a geração de riqueza em Portugal, entre os anos 2000 e 2006 (Tabela 4), verifica-se no total um crescimento acumulado de 18,6% com uma taxa média de crescimento anual de 2,9%, fazendo notar a importância crescente deste tipo de atividades. Focando especificamente as atividades criativas verifica-se um acompanhamento da tendência geral do setor cultural e criativo, sendo que as atividades associadas à arquitetura e design são aquelas mais contribuem para a criação de riqueza no quadro das atividades criativas.

 

 

TABELA (FIGURA)

 

 

Tabela 4: Contributo do Setor Cultural e Criativo para a Criação de Riqueza

Fonte: Mateus (2010: 81)

Em termos da geração de emprego potenciada pelo setor cultural e criativo, entre os anos 2000 e 2006, a Tabela 5 torna clara a tendência para o aumento do número de empregos neste setor em Portugal. Em 2000 existiam 121 600 empregos ligados à cultura e criatividade seguindo uma orientação crescente e atingindo os 127 079 empregos em 2006. Estes números revelam um crescimento acumulado de 4,6% e uma taxa de crescimento médio anual de 0,4%. No que se refere concretamente às atividades criativas estes valores são ainda mais acentuados, verificando-se entre 2000 e 2006 um crescimento acumulado de 6,1% e uma taxa média de crescimento anual de 1,0%.

Tabela 5: Contributo do Setor Cultural e Criativo para o Emprego Nacional

Fonte: Mateus (2010: 83)

 

A análise do setor cultural e criativo ao nível regional (NUTS II) mostra a dispersão de estabelecimentos deste setor pelo território português (Tabela 6). Naturalmente, as regiões com maior expressão nas atividades culturais nucleares, nas indústrias culturais e com o setor cultural e criativo mais desenvolvido são o Norte e Lisboa que concentram as áreas metropolitanas do Porto e Lisboa, respetivamente. No entanto, a região do Norte apresenta um menor número de estabelecimentos no setor cultural e criativo (27,6%) proporcionalmente ao total da economia (33,5%). Em Lisboa, a situação é inversa, apresentando o setor cultural e criativo maior número de estabelecimentos (36,0%) face ao número total de estabelecimentos desta região (26,5%). No caso do Algarve, principal região turística, os números mostram que, em termos de número de estabelecimentos, o setor cultural e criativo acompanha (5,5%) os restantes setores da economia da região (5,8%).

 

Região (NUT II)

Atividades Nucleares

Industrias Culturais

Total SCC

Total Economia

%

%

N

%

N

%

Norte

28,2

27,4

3 305

27,6

121 486

33,5

Centro

22,5

20,1

2 460

20,6

81 828

22,5

Lisboa

32,3

36,8

4 301

36,0

96 257

26,5

Alentejo

6,2

5,9

702

5,9

27 294

7,5

Algarve

5,4

5,5

652

5,5

20 933

5,8

R. A. Açores

3,3

2,1

282

2,4

7 893

2,2

R. A. Madeira

2,1

2,2

258

2,2

7 207

2,0

Total

100,0

100,0

11 960

100,0

362 898

100,0

Tabela 6: Distribuição dos Estabelecimentos do Setor Cultural e Criativo

Fonte: Elaboração própria com base nos dados de Mateus (2010: 91)

 

O aumento do debate em torno das questões culturais e da criatividade tem levado igualmente à discussão em torno da adequação das políticas públicas culturais ao contexto atual. As alterações que se verificam em termos de oferta e perfis de consumo culturais levantam a questão da necessidade de uma análise do alargamento do setor cultural e da adequação dos instrumentos de estratégia e monitorização utilizados pelos decisores políticos.

As políticas culturais podem ser entendidas, de uma forma geral, como estratégias e/ou programas de intervenção da responsabilidade do Estado, instituições civis, entidades privadas ou grupos comunitários com o objetivo de satisfazer as necessidades culturais da população e promover o desenvolvimento das representações culturais simbólicas das comunidades (Coelho, 1997). A Tabela 7 representa a comparação entre as políticas tradicionais e emergentes de apoio à cultura em Portugal.

Políticas Culturais Tradicionais

Políticas Culturais Emergentes

Disponibilização de infraestruturas físicas de divulgação cultural (museus, bibliotecas, teatros e recintos culturais)

Apoio às empresas culturais e criativas para incrementar a massa crítica e a valia económica dos projetos com mecanismos de cofinanciamento

Subsidiação de certa produção artística

Estímulo à utilização da cultura como elemento de identidade regional e fator de diferenciação competitiva de base territorial

Promoção da igualdade de oportunidades no acesso à cultura

Tabela 7: Políticas Culturais Tradicionais e Emergentes em Portugal

Fonte: Elaboração própria com base em Mateus (2010: 12)

É importante reconhecer que existem mudanças ao nível das políticas culturais em Portugal. Como refere Santos (2008), é fundamental que os decisores políticos se empenhem, mais do que nunca, na promoção de um setor cultural e artístico qualificado e dinâmico que seja capaz de responder às atuais necessidades de competitividade e de criatividade numa lógica de participação social, com vista ao desenvolvimento deste setor. É necessário que se dê atenção a vertentes essenciais como a qualificação dos atores culturais e artísticos, a participação cultural da população em geral, a internacionalização da cultura (agentes, projetos, bens e serviços culturais) e, finalmente, mantendo presente a vertente de sustentabilidade dos projetos iniciados e dos que venham a iniciar-se no futuro.

A cultura e a criatividade estão estabelecidas na agenda política urbana como os principais motores de desenvolvimento das cidades e a chegada destas temáticas à agenda política provocou alterações profundas na mesma: tanto a cultura como a criatividade tornaram-se centrais para as tentativas de estimular as indústrias culturais e criativas, para promover a cidade a nível internacional, atraindo investimentos e a classe criativa (Bayliss, 2007).

 

5. Notas Conclusivas: A Necessidade de um Olhar Cético à Criatividade como Instrumento de Desenvolvimento Regional

O sucesso de Florida com The Rise of the Creative Class levou à publicação de mais livros que se tornaram best-sellers internacionais, vários artigos científicos, numerosos editoriais, vários blogues, seminários e entrevistas, criando à sua volta uma popularidade não habitual para um investigador científico. As políticas inspiradas nas ideias de Florida e na atração da classe criativa ganharam um forte destaque tendo o autor criado uma espécie de franchising em torno da noção de criatividade como motor de desenvolvimento (Long, 2009).

Long refere que as ideias de Florida têm sido um alvo constante de críticas dos pensadores do desenvolvimento territorial. Apesar da sua tese ter ganho notoriedade internacional, as vozes mais críticas mostraram preocupações ao nível do elitismo (Maliszewski, 2004) e da lógica circular da teoria. Mas as críticas não se ficam por aqui. Um misto de economistas, geógrafos e gestores do território duvidaram da metodologia de Florida, da classificação vaga e apelidaram-na de “sociologia pop” (entre outros Glaeser, 2004; Peck, 2005; Scott, 2006; Rantisi, et al., 2006). Pese embora, alguns destes estudos façam uma crítica consistente da tese da classe criativa, Long (2009) mostra que muitas delas têm uma visão caricatural da mesma.

As limitações apontadas no meio académico não únicas. Muitas têm sido as cidades e regiões a apostarem na criatividade como instrumento de desenvolvimento. No entanto, o sucesso destas iniciativas é muitas vezes relativo. Zimmerman (2008) estudando a cidade de Milwaukee, nos EUA, tradicionalmente uma cidade da classe trabalhadora ligada ao setor industrial que tentou a implementação de uma estratégia baseada na criatividade, mostrou o insucesso deste caso. A cidade acabou por perder as suas vantagens competitivas, o emprego diminuiu e a desigualdade económico-social aumentou entre membros da classe criativa e outros, afastando do centro renovado da cidade vários grupos residentes e gerando uma das cidades mais racialmente polarizadas dos EUA.

Long (2009) estudando o caso de Austin, também nos EUA, considerada por muitos o paradigma de cidade criativa, sustentou que a explicitação de estratégias baseadas na criatividade nas políticas urbanas levou a que a cidade perdesse alguma da sua autenticidade e gerou uma exagerada comercialização cultural, levando a que o ambiente criativo da cidade se degradasse.

Deste modo, a aplicação nos territórios de políticas baseadas na criatividade deve ser atenta às especificidades do local e tendo atenção a desafios sócio-culturais que se possam colocar. Pode ser problemático a implementação de políticas de desenvolvimento do território de caráter mimético. A tentativa de cultivar a criatividade em ambientes adversos a esta, por exemplo ambientes tradicionalmente ligados à classe trabalhadora, pode exacerbar divisões socioeconómicas. É fundamental que ações destinadas a promover o crescimento dos territórios como pólos criativos se baseiem em recursos e potencialidades verdadeiramente existentes no território.

 

Referências

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Autor: Ana Rita Cruz